Translate

Tuesday, June 17, 2025

Pensando

PENSANDO. Pensando. Eu penso em muitas coisas muitas vezes, nas pessoas, em muitas pessoas. Eu lembro de muitas coisas de vinte, trinta ou quarenta anos como se fossem ontem. As coisas que acabaram e as que continuam, alegres, tristes, coisas que fazem pensar ainda mais e chega a doer a cabeça. Eu penso muito. Quando estou na rua, penso em como sou minúsculo perto dos edifícios, penso na tristeza que sinto pelo sofrimento de pessoas que eu nunca vi, mas sinto. Em quantas vezes dei meu incentivo, apoio e força para quem sequer me tratou como gente, ou que pisou na minha mão quando eu estava agarrado ao precipício? Quantas vezes fui incompreendido, subestimado e sabotado covardemente? Também fui roubado. Uma vez me acusaram injustamente de roubo, mas provei a injustiça. Na rua, eu vejo um lindo dia frio de sol e penso que nos dias bonitos também acontecem enterros e assassinatos e crimes horríveis. Então continuo minúsculo diante dos grandes edifícios, sou um número republicano qualquer, um CPF que anda pelas ruas cheio de dívidas, sem  amigos nem apreços, sem uma única pessoa que se comova com isso - o que não deixa de ser libertador. Meus colegas de escola são avós, estão com suas belas famílias em garbosos endereços enquanto eu vivo escondido. Então penso em arte, música, trechos de filmes, trechos de livros, frases, coisas bonitas que algumas garotas disseram para mim e nunca mais vão se lembrar. Penso que ando em qualquer lugar em que ando sou um estrangeiro, mas fui expulso de minha terra natal por ser pobre. Ah, eu lembro de frases e conversas, diálogos inteiros de muito tempo atrás - alguém também se lembra disso? Lembro quando eu namorava os LPs na porta da loja Billboard, e agora eu torço para que eles sejam vendidos em minha lojinha. Pensando. Pensando. Será que ainda vou ter tempo de viver momentos divertidos ou a porta já se fechou? Eu quer escrever muitas coisas mas não vai dar. Queria também falar coisas, mas não tenho quem ouça - e isso é também libertador. Penso em como era contente com os feriados, a praia nublada, a dupla de praia até escurecer e não enxergarmos mais a bola na areia - um casal transando à beira mar, um nacional fumando um becão. Eu penso na minha família e aí sinto uma facada no peito. Os meus amigos de verdade, poucos, estão mortos muito antes do devido - eram jovens. Me restou um ou outro amigo no WhatsApp. Lembro dos colegas no futebol. Os jogos no Maracanã, meu Deus! A casa do Fred - Ah, Ah, tinha uma das garotas cujo nome não lembro, mas que sempre implicava comigo até que um dia ela riu muito, então paramos os dois e nos aproximamos até não trocarmos o beijo que merecíamos, tão jovens - 1989. Lembro das noites nos acampamentos escoteiros, lembro dos dias nas quadras de futsal dos Bombeiros, das conversas no bar Sniff's e sinto dor porque está tudo longe demais e irrecuperável. "Será que é tudo isso em vão?". "Até quando esperar?". Eu penso nos meus pais e no meu irmão, sinto muita falta deles. Penso nos garotinhos tristes que volta e meia vejo chorando numa esquina, aí me lembro que tirando minha velhice e meu corpo cansado, eu também sou um garoto que chora. Eu penso no futuro e tenho medo, penso no passado e agradeço por ainda estar aqui, mesmo que com tanta tristeza e medo - afinal, era  isso ou nada. Pensando mesmo para quê? Será que faz algum sentido? 


@p.r.andel

Saturday, June 14, 2025

Já (2015)

SÁBADO à noite e você escuta uma canção na televisão para passar o tempo, enquanto sua namorada não manda um beijo de boa noite pelo Whatsapp. Pensa em escrever fragmentos de um livro ou se deixa tomar pela preguiça generosa da noite descompromissada. Lá fora a chuva perdeu força, o frio permanece e nem todos se lembram de que debaixo da marquise nem todos são esfaqueadores enraivecidos. Nem todos, nem metade ou metade da metade. Numa cama quente de um quarto idem, você ainda pode sonhar. Mas já pensou no sujeito com o rosto na chuva e a pele sofrida sendo cortada pelo vento leve, mas gélido? Pois é, a rijeza da vida não bate somente na cabeça de assassinos numa noite fria de sábado. No coração do Centro do Rio são muitas dezenas de pessoas, algumas centenas na verdade, dormindo e vivendo o esplendor da miséria em ruas onde não passa ninguém nos fins de semana. Crianças de colo pretinhas, algumas maiores, senhores de idade, adultos sem força para viver. Gente à procura de um pedaço de pão, um gole de café, a chance de poder tomar um banho, uma vida onde o sono é o desmaio interrompido pelo horror de acordar e dar de frente com a realidade. A indignação contra a injustiça deve ser o primeiro passo de ações – a indignação pela indignação é apenas um suspiro. As ruas estão desertas por causa do frio. Estamos indignados em nossas confortáveis casas com luz, TV a cabo, computador, água, calor, lençóis limpos, amor safadinho, pensamentos que voam longe. Os miseráveis sofrem com seus dias de horror, sofrem com um ou outro bandido ao lado, com a chacina silenciosa do Estado, com a impossível chance de reverter uma desgraça, com a desagradável sensação de não serem humanos sentados no chão enquanto as respeitáveis pessoas de bem passam pela Rio Branco, Assembleia ou Presidente Antonio Carlos 

– Cinelândia também, Carioca, vários lugares. A internet voa longe e você está aqui por causa dela. Somos primitivos demais quando nossa indiferença se limita a esta bela tela. O que vai ser de nós até a próxima manchete fraudulenta, a verdade editada, a democracia ditatorial, a vida de alguns que vale a vida de uma multidão? Somos primitivos demais e está frio lá fora. Frio demais. Uma das crianças pretinhas chora com o frio e nunca mais vai se esquecer da vida na rua. Se ela crescer e der tudo errado, mandamos prender. Se der certo para o belo sistema vigente, ela morre antes. Não somos racistas: o que acontece nas penitenciárias, casas de infratores, delegacias, comunidades, hospitais da rede pública, bairros humildes e outros mais são tudo “coincidência”. A vida escorre. Pena de morte, mortes sem pena. Alguém vai sofrer logo mais. Na verdade, agora. Agora. Agora. Já.

Publicado originalmente em "Cenas do Centro do Rio", Vilarejo Metaeditora, 2017, página 83.

Thursday, June 12, 2025

Eu queria ter doze anos

Não é exatamente um desejo de ser mais jovem, mas de voltar no tempo mesmo. Acordei neste junho frio do Rio - para nós, cariocas, 17 graus são praticamente a Patagônia - e do nada me entorpeci com o sonho de voltar a ter doze anos de idade exatamente em 1980. 

Aquilo tudo passou rápido demais e certamente não aproveitei 99% do que poderia. 

Por várias coisas, um garoto de doze anos daquele tempo é bem diferente de agora, 45 anos depois. Em tudo. Quase tudo. 

Eu queria ter doze anos de idade para sentir aquele velho calor de expectativa aos domingos, quando em algum momento meu pai dizia “Paulo, toma banho logo!”, o que significava que iríamos ao Maracanã e eu andava pelas estrelas só de pensar. Quem viveu isso sabe como ninguém. E não era um Maracanã simplesmente, mas aquele Maracanã - o de 100 mil torcedores, o da nuvem mágica de pó de arroz que mais parecia uma viagem do Pink Floyd, do meu time todo de branco subindo o túnel com uma multidão de crianças em volta - o que eu nunca pude fazer. Bom, o mais importante era ter a mão do meu pai me guiando de Copacabana ao estádio imortal. 

Eu queria ter doze anos para poder voltar a lanchar o cachorro quente das Lojas Americanas da Figueiredo Magalhães. Pão, salsicha e molho de tomate com cebola. Que delícia! Igual, nunca mais. E perto da loja tinha a galeria do Cinema Condor, maravilhosa - o Condor era gigante, ir ao cinema era um luxo!

Eu queria ter doze anos para jogar bola com meus amigos na Tenreiro Aranha, a vila, bem em frente à minha escola. O progresso trouxe o metrô da Siqueira Campos, a Tenreiro acabou e a escola já tinha fechado antes. Pelo menos eu falo com meu amigo Leo no WhatsApp, ele mora em Juiz de Fora. O Fredão morreu há anos e me deixou na mão. Dureza. Ele tinha que estar aqui. 

Em 1980 a gente sonhava com os LPs da vitrine da Billboard, ao lado da Modern Sound na rua Barata Ribeiro - de lá para cá, mataram e ressuscitaram os discos, que agora são muito mais caros. Dureza.

Eu queria voltar a ter doze anos de idade porque estava descobrindo a beleza feminina. A Márcia e a Simone passavam ali perto de casa toda hora. Elas eram lindas, mas claro que só olhavam para os super-homens de quinze anos, o que nós, garotos, somos incapazes de compreender pelo resto da vida inteira. Não importa: como era bom vê-las e admirá-las. A Leila era linda também. 

Eu queria ter doze anos de novo para ver desenhos animados com minha mãe e poder provar a comida maravilhosa que só ela fazia. A gente ria, via os desenhos, jogava até botão mas não dava certo porque ela queria fazer gol com a mão, jogando o dadinho na rede. E queria abraçá-la e dizer “Eu amo você, mãe!”, como fiz dos doze anos de 1980 até 2007, quando meus dois sóis explodiram. 

Ser garoto era tudo. A gente nunca entende, quer ser adulto logo até que percebe o erro e o tempo, este senhor do universo, nos leva de forma implacável pelos caminhos da vida, até que um dia as cortinas se fecham sem perdão.

DEATH FLIGHT

Há muitos anos, tive um vizinho de porta. Parecia uma boa pessoa. Não era de muitas palavras. Muitas vezes, nos encontramos no fim da noite e fazíamos uma breve viagem do térreo ao oitavo andar, mais os pavimentos de garagem, limitados às burocracias da educação - boa noite. Nossa história de poucas palavras, silêncio e respeito começou no fim de 2000 e acabou em 2002. Sua última viagem foi respeitosa como todas, trocamos o boa noite e abrimos as portas dos apartamentos. Mal fechei a minha e ouvi gritos desesperados no apartamento da diagonal: ele entrou, deu dez passos até a janela de sua sala e voou para a morte.

Sunday, June 01, 2025

Aquela garota

Nunca mais vi, nem ouvi falar. Eu gostava dela, gostava muito, queria namorar com ela mas nunca tive chance. Eu a achava linda, linda demais, muito doce e linda mas desconfio que a gente não tinha nada a ver com o outro, exceto pelo tesão. Sim, ela me dava muito tesão, acordei várias vezes de pau duro depois de sonhar que a gente estava transando muito. Eu sonhei mais de uma vez em chupá-la e olhar para a sua reação, aí acordei e encarei a realidade: era tudo sonho, fantasia, sem prática. Na primeira vez que a vi, descartei um ex-amor e só pensei nela por muito tempo. Eu queria acordar junto com ela, enchê-la de beijos e depois fazer todas as putarias possíveis mas não rolou. A gente não tinha nada a ver um com o outro, mas a simples lembrança dela me enchia de desejo, mas não apenas isso: eu queria sua companhia, sua proximidade, sua voz doce perto e também seu corpo delicioso. Eu queria várias coisas mas infelizmente não sobrou nada além de lembranças do que poderia ter sido tão prazeroso. Eu penso nela quase todo dia, eu transo com ela nos meus sonhos e fico esperando que o impossível ainda tenha alguma chance, minúscula chance, mesmo que os anos tenham passado, mesmo que tudo seja inútil. 

Sunday, May 25, 2025

Maio

Maio está no final, diz uma canção pop. A gente mal suspira e já chega o meio do ano. Outro dia foi o Réveillon, depois o Carnaval, depois o super feriado de abril, a Lady Gaga e pronto: o tempo escorre a 200 km/h. A gente olha pro lado e a Copa de 2014 tem mais de dez anos, a virada do milênio vai para vinte e cinco e os gols do Assis têm mais de quarenta. A gente acorda, trabalha, sofre, volta pra casa, responde no WhatsApp e quando se dá conta o tempo foi supersônico. Maio, muita gente está muito pobre, muita gente remediada acha que é rica, os devedores pedem a Deus para escapar da morte. As guerras tão matando geral, as balas perdidas também. Os corações estão muito sufocados, o amor é desencontro e a indiferença é a regra. O outro que se dane. Que morra. Farinha pouca, meu pirão primeiro. Egoísmo em primeiro lugar. Ok, é compreensível porque temos muitos analfabetos funcionais e isso atua diretamente numa compreensão egoísta do mundo. Ao mesmo tempo é uma desgraça. Os proletários estão montando suas marmitas. Os famintos têm a calçada como mar da desgraça. Pobres são humilhados pela polícia. Maio está no final, o tempo galopa e seguimos em nossos caminhos inevitáveis para a morte, enquanto deixamos escorrer grande tempo de vida em empregos, pensando em consumir e ter poder. Eu não. Não. Só queria ter tido algum conforto, ter tempo ainda para fazer coisas legais, ver o mar, namorar, ver desenhos animados, ver crianças e bichos felizes. Realizar uns dois sonhos eróticos. Comprar um forninho elétrico, alguns times de botão e pagar os condomínios atrasados. Eu queria ver menos gente chorando na rua, as pessoas podendo almoçar um bom prato de comida. Eu queria outras palavras. Eu queria encontrar de volta aquele amor que só minha mãe me ofereceu. Vamos ver o que dá pra fazer enquanto o tempo voa, a indiferença cresce e a crueldade se finge de predicado. 

@p.r.andel


Sunday, April 20, 2025

MORTOS IMPORTANTES, VIVOS DESPREZÍVEIS

Acho que já escrevi em todos os turnos e situações possíveis. Muita gente ainda se assusta quando sabe que escrevi todos os meus livros desde 2015 no celular, deitadão, geralmente à noite ou de madrugada. Fato é que, entre sucessos e fracassos, viralizados e invisibilizados, já são milhares e milhares de páginas escritas desde a virada do século, quando nunca mais parei de redigir. Parte considerável está preservada no Museu do Futebol, outra parte no PANORAMA e o resto está por aí. E daí? Tudo vai passar mesmo e o destino dos livros será rodar de mão em mão pelos sebos - que continuarão vivos no século XXI. Mas acontece que escrever vai muito além do ato de querer ser lido ou vender livros, na verdade é um oxigênio. Às vezes tento relaxar um pouco mas a vida não me permite - escrever é ótimo mas ler é melhor ainda. Às vezes a coisa não acontece e o carro não tem arranque, caso de agora, quando eu ia falar da importância dos mortos dignos e da desimportância dos mortos vivos. Tenho amigos mortos há muitos anos que são influências fundamentais para mim, enquanto outros vivos, ex-amigos, perderam todo o significado por diversos fatores. Eu ia falar disso mas revi o documentário do Barão Vermelho há pouco e me toquei mais uma vez: como o Barão é phoda! Deu orgulho de ser fã da banda desde o começo, de ter Rodrigo Santos e o saudoso Mauro Santa Cecília como parceiros literários, de ter conversado algumas vezes com Guto Goffi e cumprimentado o Peninha na rua. Ainda preciso conversar um dia com Maurício Barros e conhecer o Fernando Magalhães, que além de ser um tremendo músico é uma unanimidade: todo mundo só fala as melhores coisas a respeito dele. Cazuza, cara, como era phoda e como faz falta. Eu conversava com o Mauro no WhatsApp e certa vez ele disse que seria melhor para mim evitar discussões na internet. Perguntei o motivo e ele disse que eu era grande demais para discutir com figurantes. Fiquei emocionado. Eu ia falar também de gente falsa que me sabotou e, uma vez por ano me procura para fingir uma consideração que não existe. Dane-se: o que passou, passou. Ficou quem tinha de ficar. Enfim, é isso: muitos mortos ainda dão as cartas, muitos vivos fazem tudo para ser cada vez mais desprezíveis. 


@p.r.andel

Monday, April 14, 2025

Bar

Era do lado da minha casa. Nós, amigos da época, nos encontrávamos quase que diariamente. Ainda éramos garotos, não bebíamos - eu não bebo direito até hoje. Eu estava no segundo grau ainda. A gente ria. Lá estavam nossos chefes escoteiros, que eram jovens de vinte e poucos anos. Entre sucos de morango e refrigerantes, nos misturamos aos boêmios do meio dos anos 1980. O bar ficava aos pés da escada rolante que levava ao teatro Teresa Raquel, o que nos permitiu ver de perto astros daquele tempo: Bruna Lombardi, Marina Lima, Paulo Betti - que sempre trazia debates politizados ao balcão -, Louise Cardoso,  Fausto Fawcett, a espetacular Lídia Brondi e grande elenco. Todos importantes mas não menos importantes do que os ícones locais: Paulinho Cana, Paulinho Bailarino, Paulinho Ceci, Seu Visconti, Fred, Catatau, Mussum, Seu Pauzinho - assim chamado por um pauzinho da sorte que carregava no pulso -, o grande jornalista Arthur Laranjeira, o jornalista Jorge Mascarenhas - sempre de passagem, com sua jovem e linda filha -, além de outros próceres desconhecidos do público mas fundamentais para a Copacabana de 40 anos atrás. De longe, Charlie sempre dava adeusinho - havia a desconfiança que ele fosse um mercenário, pois ia trimestralmente ao Paraguai e voltava sem uma única mercadoria. As garotas das termas L'uomo nos adoravam, viviam de sarrinho conosco. Regininha, que um dia teria o Brasil a seus pés, passava do nosso lado jovem e linda demais. Oswaldo Montenegro não chegava a ser agradável, mas fazia questão de falar conosco. Vimos de tudo ali: beijos incríveis, porradas, o gol do Tita, o gol do Cocada, o gol do Maurício, a morte do Chacrinha, a dor da derrota de Darcy Ribeiro em 1986, a Constituinte, a luta eleitoral de 1989. Uma vez, o jornalista William, um dos únicos chatos do ambiente, disse que eu era um garoto bobo e arrogante, sem carreira - quis o destino que, trinta e tantos anos depois, eu fosse 100 vezes mais lido do que ele. Uma vez, a Cissa me viu triste e disse que eu deveria mudar de ares. Muitas coisas aconteceram muitas vezes, outras apenas uma vez. Choramos, rimos, nos abraçamos. Foram uns sete anos por lá, que valeram por uma vida inteira. Eu me mandei em 1990, mas carreguei aquele tempo para sempre, até quando me dediquei a outros bares. Só do original eu escrevi um livro. O bar venceu tudo: crises, planos econômicos, mortes, até que perdeu a parada para a pandemia. Foi lá que a gente suspirava pela Anne, foi lá que a Tatyana riu de uma piada sinistra e que o Fred, cliente irretocável, falava deliciosas incorreções políticas. Lá se foram quase 35 anos mas eu ainda carrego aquele balcão comigo. As dores, os risos, as pequenas histórias fundamentais. Era meu bar, eu era um adolescente que só bebia suco, que depois voltava para casa e ficava feliz quando a família estava dormindo tranquila. A vida não era fácil, mas no bar havia goles e goles de felicidade. Eu vi.

@p.r.andel

Thursday, April 10, 2025

As famílias

elas são felizes, mas poucas/ são muito poucas/ já que a maioria vive/ debaixo da dor e ilusão/ na selva da grande cidade/cheia de imponentes edifícios/ não existe pena ou compaixão/ elas carregam caixas de doces/ e suas mãos estendidas  são completamente desprezadas/ elas são felizes, mas poucas/ enquanto quase todas/ só encontram abraço nas asas largas da humilhação/ agora é tão tarde que logo a noite acabará/ há quem acredite num novo dia/ mas é só o novo capítulo de uma novela permanente 

@p.r. andel

Wednesday, April 09, 2025

Conversa

Lembrei do Pedro. Meu amigo há mais de 40 anos, o tempo é avassalador. Ele morava em Ipanema e o Coruja no Leblon. Éramos escoteiros em Copacabana. Jogávamos bola no Corpo de Bombeiros da Xavier da Silveira. Volta e meia íamos aos bares perto do escotismo, tudo para ver o pessoal. Quando terminava o expediente dos botecos, a gente ia para a porta do Shopping dos Antiquários, saída Figueiredo Magalhães. Havia uma loja de ferragens e dava para sentarmos no pé da porta. Então ficávamos mais uma meia hora conversando até eles irem embora. Isso se repetiu muitas vezes. O Coruja era mais calado. Eu falava pelos dois. Passavam alguns carros pela rua. No canteiro de flores, volta e meia pulava um simpático e solitário rato - a gente olhava e ria. Meia noite, uma da manhã. Não tínhamos um níquel no bolso mas ríamos de tudo, o que era compreensível: tínhamos casa, comida e um futuro em promessa. O resto era planejado pelo acaso. 

@p.r.andel

Quando peguei em Cássia Eller

Reprise 10/12/2022

NOTA: esta crônica tem várias versões, todas verdadeiras. Nem tudo é mentira: estávamos muitolokos. Hoje Cássia Eller faria 60 anos e faz uma falta filhadapoota, mas ao mesmo tempo sua grande voz não para de ecoar. Viva Cássia! 

##########

Numa noite de quinta-feira de novembro de 1998, eu estava com meu amigo Bolinha em Copacabana. Resolvemos beber chopes. Estávamos ferrados emocionalmente mas juntos, um dando força para o outro. Bem ferrados mesmo. Bom, agora estou bem pior mas tudo bem. 

Chegamos tarde ao Sindicato do Chope no Posto Seis. Pedimos frango à passarinho, caldo de feijão e chopes. Já passava de meia noite e tínhamos trabalho cedo. Não bebemos de cair, éramos quase responsáveis, mas dava para rolar umas tropeçadas e até se machucar no calçadão. Mentira: bebemos pacarai. Comemos também, mas a doideira prevaleceu. 

Uma da manhã, bar vazio, o garçom esperando que pedíssemos a conta, eu pedi foi uma empolgante caipirinha - beber liberta! -, e subitamente chega ao bar ninguém menos do que Cássia Eller, acompanhada de dois brous. Enchi meu peito de emoção e o Bolinha logo inflou a ideia: "Porra, cara, Cássia é foda demais, você tem que ir lá falar com ela!". E a vergonha? E o risco do toco? A gente nunca sabe. Eu sempre tenho vergonha. Já entrevistei Gilberto Gil e Maria Bethânia, mas continuo com vergonha. 

O Bolinha sussurrando que nem o Diabo: "Cara, quando ela for no banheiro, você vai em seguida e cerca ela no corredor". Os dois banheiros eram um de frente para o outro. Mas eu já tinha ido umas cinco vezes de tantos drinques. Oito, talvez. 

Um chope, dois, três, cinco, oito deliciosos, eu já tinha aliviado toda a tristeza daquele dia mas o destino foi implacável: Cássia se levantou, Bolinha me deu um cutucão, ela foi para o banheiro, contei até três, fiz o mesmo mas o tanque já estava vazio. Então fiquei lá dentro num silêncio típico de minhas noites de ronda escoteira, ouvindo os ventos, as folhas e o horizonte livre no campo, esperando que, no outro compartimento, surgisse um som de torneira aberta - sinal de que ela estava prestes a sair. E aí eu a abordaria. 

Segundos, segundos. Tchoook. 

[A água da torneira batendo no dorso da pia.

Dou de cara com Cássia Eller. Ela olha e quase ri. Eu paro e digo "Cássia...". Ela para, eu me aproximo e aí um dos pares de olhos mais expressivos da música brasileira se arregalou: provavelmente ela pensou que eu a agarraria, mas não foi nada disso, mermão. Não. Eu coloquei minhas mãos nos ombros dela, peguei firme e disse "Tu é fodaça pracarai. Eu cantei muito lá na UERJ quando você fez um show no Teatrão. Meu amigo Rubens estava lá mas não desceu quando você sorteou a caixa de Brahma (patrocinadora do evento) - ficou com vergonha de ser a bicha da letra. Só sei que tu é fodaça. Teu show na Apoteose foi demais, você, Bob Dylan e Rolling Stones. Caceta!". 

Nós dois, cara a cara, olho no olho, a poderosa rockstar encolhidinha com medo de um gigante anônimo e gentil. 

Ela, pequenininha, já calma quando tirei as mãos de seus ombros, olhões quase arregalados. "Pô, cara, brigado pela força. Valeu mesmo.". 

Cássia realmente se assustou com a possibilidade de um beijo roubado, mas a um verdadeiro cavalheiro bêbado só interessam as causas amorosamente perdidas. Algo que a gente encontra parecido na literatura de Borges. 

Mais de vinte anos depois de sua morte, ela continua com presença avassaladora na música do Brasil.

@pauloandel

Monday, April 07, 2025

Choro

Reprise: Setembro/2020

É fato que tenho chorado muitas vezes neste século e no outro que me cabe. São os que tenho e que me restam. 

Tem sido assim desde criança, quando vi minha mãe chorar ao ver uma jovem mãe chorando com sua pequena filha, bem em frente ao Cine Metro, desprezada pelo grande público que saía da sala. 

Ou quando meu pai, num ataque de desespero, quebrou tudo em sua última loja numa véspera de Natal, aterrorizado pela miséria à vista. 

Também porque ficava nervoso a cada prova da escola para não perder a bolsa de estudos, mesmo que ninguém me cobrasse em casa. 

Ao ver a jovem mulher negra andando de quatro por suas limitações físicas, sem direito a uma cadeira de rodas no meio de Copacabana. 

E o homem debaixo da marquise perto da porta do shopping, numa cadeira de rodas e usando uma sonda, enquanto seu filho dormia no chão de pedras portuguesas.

Chorei de alegria pela primeira vez na vida quando passei na segunda versão do vestibular anulado. Eu tinha passado antes, era a única chance de mudar minimamente a minha vida. Foi difícil mas deu certo. 

E quando me despedi da faculdade. Revejo minhas lágrimas descendo a escada em vez das rampas, que sempre usei. 

Muitas vezes no Maracanã lotado ou vazio, sem que ninguém percebesse do meu lado. 

Em grandes shows de música, filmes, exposições artísticas ou numa mesa de bar. 

Olhando a cidade e lembrando das grandes cenas de geografia, tanto as da praia quanto do subúrbio. 

Chorei quando consegui meu primeiro emprego de salário digno. Não se repetiu quando saí, muitos anos depois. 

Chorei quando me senti traído ou usado por pessoas falsas, ou por constatar que alguns amigos não eram lá tão amigos assim. 

Por Tatiana, Alessandra e Juliana. Por Fred, Xuru e João. Pelo Marcão. 

Desde criança chorei na cama que me abriga, a mesma onde nasci e meus pais morreram. Também pelo meu irmão. 

Chorei pelas corridas que nunca mais pude fazer, pelo futebol que nunca mais pude jogar. Pelo medo de morrer sozinho e infeliz como nunca. 

Pelo país, pela cidade, por meu amável bairro perdido cujos habitantes só vivem em minhas lembranças. 

Pelo botequim da adolescência. 

Pelos cariocas, fluminenses e brasileiros, tanta gente admirável, honesta, trabalhadora e humilhada diariamente. 

Chorei por conviver com péssimos seres humanos que se autoproclamavam doutores, quando na verdade eram empresários fascistas de merda. 

Posso ter chorado nas raras vezes em que reli trechos de meus próprios livros, não acreditando que o motivo da emoção fosse algo que eu mesmo escrevi. 

Chorei pelas guerras inúteis, que matam e destroem por nada, pelo prazer do ódio. 

Chorei por muitas injustiças que sofri, a maioria vinda de pessoas para as quais estendi a mão, o coração e os gestos. Essa vergonha não é minha. 

Já chorei em grandes avenidas, hoje mortas, pensando em seus admiráveis personagens, hoje todos esquecidos.

E pelo sofrimento das pessoas humildes, muitas vezes manipuladas, incapazes de perceber que colaboram para seus algozes. 

Chorei porque há muito tempo vi crianças chorando num orfanato, querendo que eu as levasse comigo, mas eu não tinha como. 

Dia desses chorei porque passei pelo centro da cidade, bem nas entranhas desconhecidas, e vi que muitos populares ainda moram em cortiços. 

E por ter relido o ódio da classe média pelo famoso cortiço "Cabeça de Porco", que resultou na desgraça infinita de quatro mil pessoas. 

Ao ver fotos de judeus sofrendo em campos de concentração, porque eu poderia ser um deles. 

Crimes horríveis, hediondos, muitas vezes cometidos por "pessoas de bem" com a benção dos hipócritas. 

Por saber que muitos suicídios têm ocorrido porque as pessoas são apedrejadas por conta da cor, sexualidade ou pobreza. 

Pela obesidade também. Muitos riem. 

Ver o esgoto moral de alguns governantes brasileiros a céu aberto, in natura, e toda a farsa que destruiu o bem estar de muitos pobres. 

Chorei por ter vergonha de feras assassinas. 

Choro porque conheço a vida. A vida.

@pauloandel

Wednesday, April 02, 2025

BURNING

no chão, as folhas mortas avisam que o verão deu adeus

e transeuntes derramam lágrimas silenciosas enquanto caminham


a miséria sorri em olhos infantis 

enquanto as rugas expelem dor


ao longe, os falsos democratas riem

- militantes da desgraça alheia, mais

preocupados com as próprias carteiras

enquanto arrotam inutilidades sem chão 


nos hospitais, os pobres resignados

esperam as despedidas depois do sol

nas ruas, é fácil ver gente mexendo lixo

em busca da sobrevivência dolorosa


à madrugada, tudo está fechado: ninguém responde, o silêncio é a vez

corações solitários soluçando em vão 

e corpos humilhados nas calçadas vis


[eu estou sozinho nessa terra tão triste

e linda, cheia de natureza e indiferença 


[nenhum abraço me navega 


[tristes os bares sem boemia, cerrados

[ninguém estende a mão para ninguém 


basta um mísero segundo e abril é fato

as folhas mortas são a grande cartada

escravos imploram para ter vã alforria 

tempos modernos fazem castas antigas 


nunca fomos tanto ninguém 

nunca fomos tanto ninguém 


@p.r.andel

Escritores vaidosos e outras histórias

ESCRITORES VAIDOSOS, ARROGANTES E OCOS

Quando o caso é de escritores e poetas, senhor... De cem você tira quatro. Um show de arrogância oca e excesso de auto estima, vendo a si mesmo como gênios incríveis, embora na maioria dos casos não houvesse genialidade alguma além do discurso. Em sua maioria vaidosos ao extremo, individualistas, incapazes de jogar em equipe - falo do que vivi, não do que ouvi falar. Dezenas e dezenas de pessoas. Claro que há exceções valiosas. Bigode, querido amigo, é uma delas - foi a personalidade que mais me fortaleceu publicamente, e olhe que temos uma amizade recente, de uns cinco anos, valiosa e intensa. Volta e meia testemunho a humildade de André Felipe de Lima, que é um monstro escrevendo até post de três linhas. 

Ainda sobre a empáfia, várias vezes tive vontade de rir vendo, ouvindo e lendo as declarações de pico celebridades literárias, geralmente vendo ouro em seus próprios trabalhos quando só havia urina, ou desancando o trabalho alheio gratuitamente. Eu não sou vigia da poesia alheia, cada um que desenhe seus próprios versos. 

Eu não inventei a língua, o livro, as técnicas de escrita, nada disso. O que faço é contar histórias que vivi e pesquisei do meu jeito. As pessoas adoravam me ouvir em bares e tentei levar essa mesma fala para os livros. Fazer o que dizia Ivan Lessa: "o cronista fala sozinho na frente de todo mundo". Só comecei a cogitar que poderia escrever bem quando tirei o terceiro 10 na redação do vestibular. Eu era tão ingênuo que, com as duas notas anteriores, pensava que tinha tido sorte... E depois que meus textos receberam mais de um milhão de cliques em meu site, mesmo que isso se limite a 50.000, 20.000 ou 5.000 pessoas, não dá pra dizer que muita gente não voltou para novas leituras. 

Se vivêssemos num outro tempo, provavelmente o meu trabalho seria muito mais conhecido. Escrevo num tempo em que as pessoas não têm paciência para ler. Gostaria de ser dignamente remunerado. Afora isso, eu não estou nem aí. Fiz várias coisas legais, ainda estou fazendo pouco me importando se chegam a 100, 1.000 ou 10.000 pessoas. O importante é jogar a sua mensagem dentro da garrafa no mar, o resto a gente vê depois. Estou pouco me lixando para críticas e observações de casuísmo barato. O que importa é o conteúdo da mensagem. Ninguém melhor do que eu mesmo para saber quando fui regular, bom, ótimo e excepcional - tenho exatamente a noção disso em tudo que publiquei. E quando fui bom ou regular, é porque ousei, arrisquei e nem sempre dá certo - arte sem ousadia é banalidade. 

Se parasse hoje, já teria a sensação de dever cumprido, mas sei que ainda posso mais, quero mais e espero poder realizar muita coisa escrevendo. Quem gostou, gostou; quem não gostou, paciência. Meu texto é minha vida: vivi 25 anos em Copacabana, já passei muita necessidade, ando de chinelos e bermuda. Tenho pressa, muita pressa. 

Ah, sim: a opinião de gente que despreza literatura de futebol eu nem considero. São tantas coisas e histórias espetaculares que desconfio de quem debocha do tema. Ninguém é obrigado a gostar, mas subestimar o futebol como combustível lítero-poético é um atestado de ignorância. 

##########

FATO RELEVANTE 

Muitas vezes em minha vida, de forma exagerada, diversas pessoas me apontaram como alguém "fora da curva" em termos de capacidade intelectual (detesto pensar nisso mas tem algum sentido). Sinceramente, nunca levei isso a sério até os tempos recentes, mas aí surgiram os antivax, os fãs da terra plana ou quadrada ou trapezóide, e fui obrigado a abdicar do que alguns dizem ser excesso de modéstia. 

Não é incrível que nenhuma delas, mesmo as que tinham muitas possibilidades, tenha me oferecido qualquer chance de mostrar a tal capacidade? Ou mesmo de dar uma simples opinião? Ou sugestão? 

Entendem o que é o Brasil?

##########

Paulo Leminski é o grande e merecido homenageado da FLIP em 2025. Ao mesmo tempo, seu filho luta pela sobrevivência e para não ficar nas ruas, indignidade que nenhuma pessoa deveria sofrer. 

Entendem o que é o Brasil?

Friday, March 28, 2025

Money above all

money above all dinheiro acima de tudo money above all dinheiro acima de tudo money above all dinheiro acima de tudo

money above all dinheiro acima de tudo money above all dinheiro acima de tudo money above all dinheiro acima de tudo

money above all dinheiro acima de tudo money above all dinheiro acima de tudo money above all dinheiro acima de tudo

money above all dinheiro acima de tudo money above all dinheiro acima de tudo money above all dinheiro acima de tudo

money above all dinheiro acima de tudo money above all dinheiro acima de tudo money above all dinheiro acima de tudo

money above all dinheiro acima de tudo money above all dinheiro acima de tudo money above all dinheiro acima de tudo

o dinheiro mata o dinheiro mata o dinheiro

o dinheiro mata o dinheiro mata o dinheiro

o dinheiro mata o dinheiro mata o dinheiro

o dinheiro mata o dinheiro mata o dinheiro

money above all dinheiro acima de tudo money above all dinheiro acima de tudo money above all dinheiro acima de tudo

money above all dinheiro acima de tudo money above all dinheiro acima de tudo money above all dinheiro acima de tudo

money above all dinheiro acima de tudo money above all dinheiro acima de tudo money above all dinheiro acima de tudo

money above all dinheiro acima de tudo money above all dinheiro acima de tudo money above all dinheiro acima de tudo

money above all dinheiro acima de tudo money above all dinheiro acima de tudo money above all dinheiro acima de tudo

money above all dinheiro acima de tudo money above all dinheiro acima de tudo money above all dinheiro acima de tudo

o dinheiro mata o dinheiro mata o dinheiro

o dinheiro mata o dinheiro mata o dinheiro

o dinheiro mata o dinheiro mata o dinheiro

o dinheiro mata o dinheiro mata o dinheiro


Thursday, March 27, 2025

Light: padrão milícia

LIGHT: PADRÃO MILÍCIA 

Que o serviço da Light é uma OSTA no RJ, todo mundo sabe. Coitada da empresa bilionária, tão sofrida... Estou no trabalho, cheio de dor na coluna, quando recebo mensagem do excelente funcionário do meu prédio pelo Whatsapp: "Ó, o rapaz da Light mandou avisar que a luz pode ser cortada a qualquer momento". Isso depois da empresa encher você de mensagens no WhatsApp e no e-mail 10 minutos após o vencimento.

Não bastasse o constrangimento ilegal previsto no CDC, regularmente a Light intimida seus clientes mesmo quando as contas JÁ ESTÃO PAGAS, porque ela se vale de um prazo absurdo de até 05 dias para conferir um pagamento via PIX, que é INSTANTÂNEO. Em nome disso, repetem procedimentos típicos da milícia para constranger seus clientes. Simplesmente mandam um capanga ir aos endereços constranger as pessoas e sequer conferem pagamentos instantâneos, sem contar a mudança das datas de vencimento das contas. 

E se você tenta simplesmente COMUNICAR UM PAGAMENTO FEITO, a resposta digital é "aguarde até cinco dias". No Whatsapp, a pomba da assistente virtual exige o seu CEP para prosseguir; quando você digita, a cara de pau te diz que está errado, mesmo você tendo decorado o número porque reside há 25 anos lá.

O assistente virtual serve para baixar segunda via e só. O resto volta e meia trava. 

Se você quiser ser atendido pessoalmente em pleno 2025, precisa se deslocar a uma agência cheia de gente (porque o número de clientes lesados é muito maior do que o dos atendentes, que também se estressam naquele INFERNO). 

LIXO DE EMPRESA. VERGONHOSA. 

E pensar que, quando era criança, eu também sonhava em trabalhar nessa porcaria..

Que ERDA depender do capitalismo sem concorrência. Que ERDA é o atendimento da Light, que por receber em sua maioria pessoas do povo feito eu, nos trata como lixo sem chance de reciclagem.

@pauloandel

Monday, March 24, 2025

Rô-Rô, pra fechar o verão

Como os tempos voam a 1.000 km por hora, a gente mal falou dos fogos do réveillon e já estamos a caminho de abril. Agora somos outono, de duas com as folhas no chão e certa chuva pontual. Note que em fevereiro não havia caído uma gota d'água. O calorão foi barra pesada, mas passou. O Carnaval dominou o mundo e se mandou. É, o verão acabou. Logo, logo, ele volta. 

O meu verão ia acabar no primeiro Fla x Flu da decisão do campeonato, uma quarta-feira. O Rio teve uma chuva maluca, que ignorou vários bairros mas castigou outros. No Centro o caldo estourou: várias ruas viraram riachos, árvores e postes caíram e, se eu mesmo não pusesse a vida em risco, atravessando uns 30 metros com água no joelho, não veria o Fla x Flu no conforto da TV. Deu Fla, ainda tinha jogo, esfriei a cabeça. Então percebi que ainda tinha verão até domingo, com o segundo jogo da final e, antes, a despedida dos blocos no Centro.

Chegou a quinta-feira e tirei onda. Vi um dos grandes shows da minha vida. Ângela Rô-Rô, símbolo do Rio, aos 75 anos botou pra sacudir o Teatro do BNDES lotado de fãs, bem no coração da cidade. Não bastasse ser uma das maiores cantoras do nosso tempo, Ângela é uma garantia de risos, danada para contar histórias e causos hilariantes entre as canções - que ela tem aos montes, mesmo quando se trata de ex-amores. Uma tremenda companhia para se conversar por horas. 

Enquanto faz piada com a própria idade, mas espantada com as cantadas que recebe “das novinha”, ela assoa o nariz, ajeita a roupa mil vezes e dispara clássicos eternizados da MPB como “Simples carinho”, “Só nos resta viver” e, claro, sempre fechando a apresentação, “Amor, meu grande amor”. 

No meio do caminho, interpretações vigorosas do cancioneiro internacional como “Night and day” e “Ne me quittes pas”. Ao lado de R2, seu inseparável maestro Ricardo Mac Cord, pianista cristalino e parceiro de décadas. Enfim, um espetáculo para ninguém botar defeito e de graça: o teatro do BNDES tem uma programação semanal às quintas e sextas, vale conferir. Artigo Barnabé virá em breve. 

Garota carioca, suingue bluesy bom, botando rock nas baladas, a maravilhosa Angela Rô Rô não tem herdeiros musicais. Ninguém faz essa mistura tão bem dosada de baladas, standarts e underground como ela ainda faz. Aliás, tínhamos uma, que infelizmente perdemos precocemente no caminho: Cássia Eller. Vamos usar e abusar de Ângela, vamos ouvir tudo que Ângela tem pra cantar pois ainda há muito tempo, mas a vida é hoje. 

No fim de semana seguinte ao show, os blocos deram adeus e o Flu perdeu o título. Paciência. Foi aí que realmente entendi que o verão tinha assentado praça na quinta mesmo, com a plateia inteira do Teatro do BNDES cantando “Amor, meu grande amor” de pé. As águas de março já estão partindo, mas a tricolor Rô-Rô volta em maio no Teatro Rival. Vale a pena ver de novo.

Acordado

Queria uma lata de leite condensado agora, nova, com bastante leite condensado dentro.

Vou dormir de novo e comprar mais tarde.

É um pedaço de felicidade possível, real.

A felicidade acessível. 

Um pouco mais de sono e a busca por uma semana de paz, mínima que seja.

II

E por que estou acordado agora? Por medo. Simples medo do que virá daqui para frente. Eu não preciso sair cedo para a loja, não tenho mais que madrugar no ônibus para chegar à faculdade, nem bater ponto no escritório. Não deveria ter medo, mas tenho. Pensando bem, devo sim. 

Então são vinte para as cinco, eu escrevo um pouco, espio a ausência de recados - com ou sem medo todos estão dormindo - e então me toco de que sonhei com um dos meus passatempos prediletos do passado: viajar de ônibus à noite. Lembro de estar chegando em alguma rodoviária próxima do Rio, coberta, talvez a duas ou três horas daqui porque fiz contas pequenas de chegar ao Rio à meia noite. Me lembro brevemente do desembarque e que alguém me acompanhava.

Quando acordar de novo, pesquisarei preços para o irmão do Piccoli, irei para a loja e sonharei com a vitória na Lotofácil, que literalmente pode salvar a minha vida e prolongá-la - afinal, não adianta parecer ter 40 e poucos anos se na realidade tenho quase 60. É bom apenas por uma vaidade oca e só. Eu sei o peso que carrego literalmente, em quilos e tristezas.

III

Seria bom demais ter uma lata de leite condensado agora, mas é impossível. O que resta é um trago de Coca-Cola. 

IV 

Bom mesmo é ter paz. Ter saúde, uma casa, uma boa família. Ter amigos, poucos mas verdadeiros. Bem poucos. Poder escrever e publicar. Ver o mar, caminhar por ruas incríveis. Ficar deitadão sem medo das contas. Escolher a paz.

V

Todos os dias, de maneira infalível, eu penso em pessoas importantes da minha que se foram, nem sempre para a morte mas também para a indiferença. E todos os dias eu penso em como este mundo humano é egoísta, escroto, opressor e praticamente escravagista. Também penso em coisas legais e consigo produzir ainda coisas em alto nível, sem precisar da ilusão boboca do mundo belo e perfeito porque ele está longe disso - basta não ser um alienado e perceber que não há uma única rua sem tristeza nesta cidade.

Monday, March 17, 2025

O Fla x Flu do trem da Central

Segunda-feira, cinco da manhã. Começa a semana, bem cedinho para os trabalhadores do Rio. A maioria proletária se desloca de trem para a gare da Central do Brasil. São dezenas de milhares de trabalhadores, muitos flamenguistas e tricolores também. É a continuação do Fla x Flu de ontem, quando o Flamengo foi campeão no empate sem gols. Os flamenguistas viveram a felicidade do título, que lhes servirá de combustível nestes dias de luta. Os tricolores, coitados, amargaram o vice e seguirão na labuta sem a efêmera, mas deliciosa, alegria da vitória. Talvez a escolha clubística seja a única coisa que separa esses trabalhadores; de resto, eles pertencem a um grupo homogêneo e sofrido, que disputa um prato de comida como se fosse uma bola, que muitas vezes vive humilhado pela opressão criminosa do tráfico e da milícia. Homens, mulheres e crianças que saem de madrugada e não têm garantia de que conseguirão voltar para casa, nem que poderão comer algo além de biscoitos baratos no decorrer do dia. A maioria destes torcedores não conseguiu ir ao Maracanã: viveram o Fla x Flu final em biroscas, na rua, em radinhos de pilha ou pelo celular. São excluídos do estádio pela opressão financeira que vivem noite e dia. Agora, depois desta viagem longínqua para centenas de milhares de torcedores, que logo chegará à Central, começa o Fla x Flu da vida, a luta, o corre, a batalha para se chegar vivo até o próximo final de semana, com a vida dignamente cumprida. O Fla x Flu não termina nunca, é o jogo que não acaba, é também o único combustível de alegria para muita e muita gente que tem no jogo de bola a sua única esmolinha de alegria. O Fla x Flu tenta driblar a natureza e ser feliz num mundo duro, pesado e desumanizado, mas a vida continua. Ainda estamos aqui e todos querem apenas viver com dignidade. Daqui a pouquinho, quando o trem sentar praça na Central do Brasil, o Fla x Flu continua. Com ou sem luto, a vida continua em riste. Muito mais siameses do que adversários, tricolores e rubro-negros seguem acreditando, tentando, mirando a efêmera felicidade. 

@pauloandel

Saturday, March 15, 2025

Os pernósticos

Eles se acham o máximo. São o tipo de gente que ri das pessoas humildes, que não praticam a farsa da norma culta. Acreditam piamente que são seres superiores por causa disso. Vivem a cafonice pueril do Português perfeito. Não, eu não quero abrir uma guerrilha léxica, mas apenas dizer que a mensagem e o conteúdo são mais importantes do que a forma em si, assim como o presente é mais importante do que sua embalagem. O Brasil é um país de pessoas humildes e sofridas, oprimidas. Muitas passam longe da discutível norma culta. Merecem ser desqualificados por isso? Claro que não. Temos a linguagem popular brilhando na cultura brasileira em muitas manifestações do Norte-Nordeste. Temos a fala das ruas, urbana, contemporânea. Sim, vamos estudar a língua, vamos aprimorar as falas e escritos, mas que fique bem claro: nenhum pernóstico engomadinho com sua gramática de decoreba é capaz de oferecer boas mensagens com paixão, fúria, tesão e sede de liberdade. O talento do texto se mede por fatores muito além do simples domínio gramatical. 

@p.r.andel

Money, it's a shit

Parei pra ler uma besteira na internet e um grupo de pessoas discutia um post de possível golpe do empréstimo e tal. Isso tem toda hora. Mas eu acho graça como o dinheiro muda tudo. E começam as desgraças: amigo que é amigo não pede dinheiro, dinheiro estraga amizade, eu não empresto nem pra quem eu confio. Repararam a hipocrisia? Confiam em tudo, menos quando há dinheiro. Que merda de amizade é essa? Eu já emprestei dinheiro paca quando tinha, raramente me dei mal. Infelizmente perdi uma ou duas amizades numa história mal contada sobre dinheiro, que a gente só percebe a besteira aos 27 anos quando já tem 50 e não mudou o mundo. Um dos poucos amigos meus de verdade me deu dinheiro pacarai e eu também salvei a vida dele umas duas vezes, mas infelizmente ele morreu e não volta. Teve gente que se dizia minha amiga demais e, na hora em que eu mais precisei, me deu um chute na bunda. A questão é que o mundo dá voltas e isso é um perigo. Já dei dinheiro, já torrei dinheiro, já fiz coisas maravilhosas com pouco ou nenhum dinheiro. Nunca me interessei por isso, nunca medi nada nem ninguém pelo dinheiro. Minhas pequenas felicidades foram em noites no campo, silenciosas, com uma barraca e alguma comida. Ou no Maracanã vazio, deserto, numa noite de jogo com pequeno público. Nas incontáveis sessões de cinema onde estive sozinho ou com no máximo três pessoas. Sentado na areia olhando o infinito do Atlântico Sul e sonhando com uma garota que jamais me beijaria. Foda-se o dinheiro: ele só serve para sobreviver. Enquanto isso, esses idiotas economizam dez mil reais no banco e se acham ricos, mas quando alguém está doente ou à beira da morte, fazem cara de paisagem e depois escrevem lindos posts de merda. Eu não tenho nenhum amigo em que eu não confie por dinheiro; se não confiar, não serve para ser meu amigo. E sinceramente, a melhor coisa que me aconteceu na vida foi me livrar para sempre de gente que não confia em mim por dinheiro, porque eu sou muito mais do que um bolo de notas de papel, porque minha cabeça vai muito além do que um bolo de dinheiro, um carro ou uma casa. Eu não trocaria os milhares de sentimentos e emoções que despertei nas pessoas por dinheiro. A minha amizade não tem preço. Cada um sabe de si e eu é que sei de mim: todo dinheirista é, no fundo, um limitado diante da vida. Pode ter posses, bens, a porra do dinheiro em espécie mas não tem alma, não sente a vibração do poema, não percebe a cena por trás da cena. Todo dinheirista é limitado. MONEY, IT'S A SHIT. 

@p.r.andel

Tuesday, March 11, 2025

Palavras que eu gosto

Pela grafia, sonoridade ou mesmo simpatia.

cereja

laranja

cebola

triagem

fábula 

hambúrguer 

bife

atlântico 

sêmola 

hiato

bola

litro

caixa

bangu

hiper

pequenininho 

camisola

alameda

almôndega

salada

creme 



Friday, March 07, 2025

Festa não!

Nunca gostei de festas. Não tenho nada contra elas, nem contra quem gosta, apenas eu nunca me senti bem. A coisa de estar obrigatoriamente feliz me incomoda. Sempre gostei de silêncios e momentos reservados. A maior saudade que trago do escotismo é das noites no campo, num enorme silêncio às vezes interrompido pela natureza - todos dormiam enquanto eu era o lobo insone. Engraçado que fui criado no Maracanã com 120 mil pessoas, mas ali eu não via como festa e sim como missão. Era a multidão, os corações em luta e eu com meus pequenos olhos e ouvidos atentos a tudo. Parecia uma festa, mas não era. Na faculdade não tive alternativas, tinha festa toda hora, as garotas estavam sempre lá, os colegas, mas eu meio que fazia missão protocolar. Festa para mim era ter um dia bom e fazer algo legal, fazer um bom lanche, dar uma volta, ver o mar, o verde. Ou mesmo ficar escutando boa música, lendo o encarte, mergulhando na obra. Depois de velho, larguei de vez e nunca mais fui. Meus pouquíssimos amigos devem compreender porque não vou. Eu não quero botar roupas para agradar, eu não quero bajular ninguém nem ser bajulado, eu só quero andar por aí com meu par humilde de chinelos pretos e meu bermudão. Eu não quero fingir que estou feliz para enganar alguém, eu não quero me enganar e honestamente acho ridículo quando alguém finge estar feliz mas é óbvio que não engana ninguém. Onde foi que aprendemos a fingir felicidade apenas para mostrar aos outros? Quero que todos se divirtam muito em festas, eu só prefiro curtir a minha infelicidade reservadamente, em goles, em pequenos silêncios, sem barulhos, com quase ninguém. É da natureza dos lobos insones, se é que alguém me entende. 

@p.r.andel

Goodbye Summer

são poucos dias para o fim do verão 

e nosso alvoroço cessa

ficam para trás as areias escaldantes

os amores de ocasião 

a paisagem mais colorida

e abraçamos certa sobriedade 

que o tempo sempre nos impõe 


depois vamos olhar para trás 

sempre contando cada verão 

como se fossem aniversários 

efemérides inesquecíveis e leves

cheios de lembranças e vozes


eu vivi muitas vezes o verão 

mesmo sendo um ser glacial

e lembro de momentos límpidos

acreditem: posso até ter sido feliz


as cores, as luzes, o mar indo

e vindo gelado e tão brilhante 

a manhãzinha ainda nascendo 

ou o fim de tarde no posto seis


já contei muitos verões e isso é bom

ainda carrego algumas esperanças 

é que não é ainda o fim do caminho:

enquanto isso, vou escavar alegrias


@p.r.andel 


(em memória de Mauro Santa Cecília, poeta absoluto que faz uma falta enorme)

Tuesday, March 04, 2025

Affonso Romano de Sant'Anna

QUE PAÍS É ESTE? [1980] 

Parte I


Uma coisa é um país,

outra um ajuntamento.


Uma coisa é um país,

outra um regimento.


Uma coisa é um país,

outra o confinamento.


Mas já soube datas, guerras, estátuas

usei caderno “Avante”

— e desfilei de tênis para o ditador.

Vinha de um “berço esplêndido” para um “futuro radioso”

e éramos maiores em tudo

— discursando rios e pretensão.


Uma coisa é um país,

outra um fingimento.


Uma coisa é um país,

outra um monumento.


Uma coisa é um país,

outra o aviltamento.


Deveria derribar aflitos mapas sobre a praça

em busca da especiosa raiz? ou deveria

parar de ler jornais

e ler anais

como anal

animal

hiena patética

na merda nacional?

Ou deveria, enfim, jejuar na Torre do Tombo

comendo o que as traças descomem

procurando

o Quinto Império, o primeiro portulano, 

a viciosa visão do paraíso


que nos impeliu a errar aqui?


Subo, de joelhos, as escadas dos arquivos

nacionais, como qualquer santo barroco

a rebuscar

no mofo dos papiros, no bolor

das pias batismais, no bodum das vestes reais

a ver o que se salvou com o tempo

e ao mesmo tempo

– nos trai

Monday, March 03, 2025

A Vila

Sempre gostei de ver os desfiles, desde garoto. Rolando de rir com o Milton Cunha - ele é muito maneiro e uma figuraça. Fidelidade pra mim, só no futebol: já torci por várias escolas, inclusive ao mesmo tempo. Agora, se tem uma que é tipo "paixão antiga" (aka Tim Maia), é a Vila. Tudo começou em 1988, quando entrei pra UERJ e fiquei íntimo de Vila Isabel - a escola tinha acabado de ser campeã. Pô, claro, tem a Mangueira em frente ao prédio, mas todo mundo é Mangueira, fica legal ter uma alternativa. E depois passei anos mágicos por ali, que já estão longe mas se tornaram inesquecíveis. Agora mesmo pensei: onde eu estava há 30 anos? Provavelmente no paraíso, mas não sabia o percurso do trem fantasma que teria de encarar. Aquela coisa de UERJ, Vila e Maracanã é muito forte para mim. Um dia escrevo sobre isso. Ah, meu Deus: a gente almoçava na Parmê com os tickets do estágio e quase sempre estava no Capelinha, 1993, 1994. Onde isso tudo foi parar? Nas lembranças da madrugada de Carnaval muitos, muitos anos depois, sem um único personagem real por perto. Um tempo tão forte que João Gilberto tocava no rádio cantando Noel Rosa: "A Vila não quer abafar ninguém/só quer mostrar que faz samba também."

Friday, February 28, 2025

Rio

O Rio é de muitas coisas. O problema é que a maioria não pode usufruir dessa terra cheia de belezas naturais. Estamos em pleno Carnaval e vocês nem imaginam como tem tanta gente muito diferente das fotos e matérias da TV: trabalhadores oprimidos, cidadãos humilhados, gente honesta ameaçada. 

De toda forma é Carnaval e cada um vai tentar sua migalha de felicidade como puder. A força do samba e da festa são definitivas e atraem os olhares do mundo inteiro - e parte dele vem pra cá, em busca de temperaturas altíssimas, mulheres e homens belíssimos, muita put4r14 e loucura, é lógico.

Na TV temos agora três dias de escolas de samba. Sinceramente, uma ótima ideia, tanto para quem vai ao Sambódromo, que vê tudo mais espaçado, quanto quem ficará pela TV - é um show de ângulos e luzes.

Por uma semana, a gente tenta esquecer a dor de uma cidade tão bela com gente tão humilhada e sofrida, já que o Rio vai muito além de seus espetaculares cartões postais - a vida não se resume a Ipanema e Leblon. Tomara que a festa das ruas tenha pouca violência, que prevaleça a paz e que dê um respiro, porque depois de 10 de março o inferno carioca voltará, e será uma longa e tortuosa estrada até a próxima pausa.

A gente inventou ou aprimorou muita coisa que o mundo gosta. O Carnaval, o futebol, o Cinema Novo, o samba de raiz, a bossa nova, o mate de tanquinho, o aplauso para o pôr do sol e Copacabana, que é primeira e única como Patolino. Tem Botafogo, Gávea, Madureira, Méier, o Tijucão. Da Estrada de Botafogo até a rua Santa Clara dá um mundo. Os mais atentos vão falar de Sampaio, Quintino e Piedade. Vila Valqueire e Realengo. Campo Grande, Bangu, Paciência, Camará. O Rio tem muitas coisas e celebra seu aniversário em pleno sábado momesco. Ainda existe alegria e beleza, mas é preciso ter felicidade - o que só será possível quando a cidade for realmente de todos. Mas agora é festa, quem pode dança e quem não pode se tranca. 

@p.r.andel

Wednesday, February 26, 2025

Letrinha

Meu pai tinha uma letrinha bem pequena e elegante. Anotava tudo, estava sempre com um bloquinho e papel: escalações, preços de produtos, datas de pagamento, qualquer coisa. Falava pouco, sempre escrevia. Era muito organizado. Escreveu até poucas horas antes de sua morte. 

Hoje, mexendo entre alguns CDs, encontrei pequenas folhas de um bloco. Lá estava a letrinha: compras. Macarrão, arroz, manteiga, suco, tudo com preço. A letrinha me diz tanta coisa, tanta, e ao mesmo tempo, traduz todo o vazio que ficou com a morte dos meus pais, mesmo sabendo que a vida é assim e que não há jeito. Piora um pouco porque meus pais eram boas pessoas, e isso está cada vez mais difícil num mundo de gente falsa, egoísta e de mau caráter - como perdi tempo com pessoas assim nos últimos anos... Felizmente ficaram para trás.

A letrinha traz à tona a história de um homem que sofreu desde garoto, perdeu os pais ainda criança, foi criado em colégio interno e desprezado pelos parentes, que veio para o Rio, lutou, trabalhou, enriqueceu, perdeu tudo e continuou lutando até os 54 anos, quando parou de andar. Mesmo assim, tentava ajudar em todas as tarefas domésticas. Nunca reclamou de ter se tornado cadeirante. Do jeito dele, foi feliz e infeliz com minha mãe. Faleceu um mês depois de ter completado 67 anos, com plena saúde mental. Apesar do problema, teve sua última década com alguma tranquilidade, eu segurava o tranco.

Tínhamos diferenças de uma vida inteira. mas também proximidades. O Fluminense ficou para sempre, a não ser que o destruam. Andar pelas ruas foi um hábito que ele incentivou. Leu alguns dos meus textos e gostou muito, o que também gostei porque era um leitor voraz e, portanto, um bom avaliador. Num começo de noite como hoje, falaríamos do Águia e desse jogo que merece cuidado. Eu o chamava de Mala Pai. 

Para alguns pode parecer uma bobagem, mas aquela letrinha era uma espécie de marca de uma família que desapareceu. Lembrando dela, eu penso no meu tio que morreu lá longe, da minha amada mãe. Se estivessem aqui, certamente estariam sofrendo porque o Rio de Janeiro humilha seus habitantes, ainda mais sendo idosos octogenários. Mas seria bom que estivessem. Já que é impossível, tomara que eu esteja errado e tenham se encontrado, que estejam bem, muito diferentemente de mim. Mas é isso: daqui a pouco começa mais um jogo do Fluminense, eu lembro tudo de novo e preciso fazer várias coisas para continuar sobrevivendo. Não dá tempo de pensar, apenas seguir em frente nessa estrada que é muito difícil e que, no fundo, nenhum de nós sabe ao certo onde isso tudo vai dar.

PS: quem diz que não houve ditadura no Brasil, nem tortura nem humilhação, não deveria sequer ter nascido

@p.r.andel

Tuesday, February 25, 2025

Nirvana

Eles eram phoda. Ainda são. De alguma maneira as bandas nunca acabam - elas deixam de gravar, tocar, os integrantes se aposentam, outros morrem mas o som fica. Mais de trinta anos depois o Nirvana tem uma potência e uma energia supremas. 

Demorei a entender a coisa. Quando surgiu a turma de Seattle, eu era muito mais Pearl Jam - é quase um time de coração. Você vê o primeiro álbum, tem "Black", "Alive", "Jeremy", "Evenflow", depois "Dissident" no segundo, aquilo era uma pancada n'alma. Segui com eles para sempre. O Nirvana, não. Demorou. Eu ouvia, achava legal mas acho que nos meus círculos da época não rolava tanto. A MTV estava com tudo - e eu quase trabalhei lá... snif... - mas era um tempo de juventude. Faculdade, calouras lindas, chopes, churrascos e, em certas hora, eu me enchi de ser o aluno mediano que jamais tinha sido, então encarei 28 disciplinas e passei direto em 26 delas. A TV ficou rara por falta de tempo e depois, pela pobreza mesmo, eu fiquei sem TV. Voltei a ter uma em 1994, voltei a ver tudo feito um louco mas aí o Nirvana é que tinha dado o fora, como bem sabemos. 

Eu me toquei de vez do quanto a banda era phoda no Acústico MTV. Fenomenal. Ali deu pra captar todas as nuances incríveis da banda que juntava caos, porrada, lirismo e mensagem num pote cheio de açúcar e pimenta malagueta. Virei um fã tardio, mas me salvei. Grande admirador da banda. Fã, não: o Regis Tadeu tem razão, todo fã na acepção máxima da palavra é um idiota. Viva o som.

#######

Eu me lembro de onde estava quando soube da morte de Kurt Cobain: numa banca de jornais da Francisco Otaviano, a rua grã-fina de Copacabana e Ipanema. Era um sábado por volta de seis da tarde, quando já estavam entregando os jornais de domingo. O Sérgio leu e me disse com seu sarcasmo clássico, mas aí eu disse "Hã?" e voltei à banca, não acreditando. Ele riu, mas não muito, depois fomos lanchar em algum lugar - estávamos sempre lanchando, pouco importando o dinheiro. A morte de Kurt me comoveu porque eu realmente não sabia do cenário de seus últimos dias de vida - que apontavam para o fim -, e também porque era um jovem quase da minha idade e quando a gente tem vinte e poucos anos se acha invencível, eterno, uma bobagem que a maturidade apaga tudo com um paninho e água. Não sobra uma mancha. Tudo bem, a gente mantém solidariedade pelos nossos.

"Come as you are..."

#######

Trinta anos depois, a loja já fechou. Vou fazer uma live aqui e dar no pé, somente às nove da noite. Tirando os blocos, o Centro do Rio está vazio e triste. Triste. Aqui ouço "All apologies", em sua versão original do álbum "In utero" (1993). E tanta coisa vem à mente porque, mesmo sendo um admirador tardio, eu não deixei de associar as canções às épocas - e aquela, dos anos 1990 até +- 1995, foram da pesada. Depois sofri uns baques, fiquei fora do circuito e quando voltei o mundo já era outro. Não importa: o Nirvana foi uma porrada, foi um socão no queixo e mesmo sem a dedicação devida, posteriormente compensada, eu estava por lá. Faz muito tempo, mas não me esqueço de nada e isso me dá alegria - odeio gente hipócrita que finge ser esquecida para não falar de coisas que possam lhe trazer algum mínimo incômodo.

Sunday, February 23, 2025

AMIGOZ...

Há  pouco, ouvi alguém dizer sobre o pior tipo de amigos. 

Pensei na falta de sentido. 

Se é pior, não pode ter nada de amigo.

Amigo é para quem precisa. É para a hora da chuva e do frio, não dos canapés e da fama efêmera. É para a hora das lágrimas. Quem não te apoia na dor não serve para berda nenhuma. 

Amigo é força, não largar pra trás.

Estende a mão, não a recolhe nem finge esquecimento seletivo..

Amigo é fortalecer, não bajular e nem subestimar. Bajulador não é amigo, é apenas um oportunista lucrando com a bajulação. 

Amigo admira e não tem inveja. Torce pelo outro em vez de jogar contra. Quem joga contra não é amigo. Favor não confundir isso com mera divergência, que todo amigo de verdade tem 

Amigo respeita e fortalece o lugar do outro, especialmente em termos de protagonismo. Amigo que não digere o protagonismo do outro nunca foi amigo. 

Amigo é procurar a vírgula para fortalecer, não para detonar sob o pretexto farsante da sinceridade. Aliás, excesso de sinceridade na maior parte das vezes não passa de grosseria ou desrespeito com o próximo. Muitos acreditam saber, mas poucos dominam as palavras de modo a agir com prudência e maturidade - em qualquer época. Bem poucos. 

Amigo, não o AMIGOZ, amigo algoz, contando os segundos pra tifu com farofa... Que já te sugou muito no passado...

Já fui amigo de muita gente que, na hora H, me descartou feito lixo. E gente que sempre se disse amiga, mas nunca passou uma mísera bolinha de gude. Se eu dependesse desses, tava phodido pra sempre. Meu consolo é saber que ajudei gente paca. Muitos só passaram a ter alguma relevância quando eu me empenhei em valorizá-los...

Tudo bem, ainda estou vivo e eles também. Eu deito e tenho a minha insônia tranquila. Será que eles dormem bem com a escrotidão no colo? Marionetes de berda...

Os primeiros a te enterrar em vez de dar a mão. Depois fazem cara de paisagem e, se você morrer, vêm com textão bonito - e hipócrita - no Facebook. Que morram eles! 

@p.r.andel

Thursday, February 20, 2025

Era tudo nosso

Perto das nove da noite, Copacabana fervilhava por volta de 1982. No entanto, a  areia da praia ficava quase toda livre por um motivo curioso: não havia luz na orla. As pessoas praticavam os esportes até quando era possível enxergar alguma coisa.

Geralmente saíamos da casa do Fred, na Figueiredo Magalhães. Eu, Fred, às vezes o Ricardinho. Noutras, o Marco Antônio. Ou qualquer amigo de bobeira disposto a chutar bolas imperdíveis ou fazer gols na famosa trave do Juventus, time orgulho do bairro e do futebol de praia. Se conseguisse o quarteto, o ideal era jogar dupla de praia com dois goleiros. Se não desse, a solução era individual: cada um dava cinco chutes a gol e se preparava para defender outros cinco. 

Como já disse, a praia estava deserta às nove da noite. A gente gostava daquilo, um futebol solitário, a trave, o mar, o murmúrio das águas do Atlântico Sul. O Fred gostava mais de ser goleiro, eu preferia chutar em gol. Então embarcávamos no campo dos sonhos, tentando imitar os craques que jogavam naquele tempo. Um chute de efeito era do Éder ou do Nelinho, peritos no assunto. Uma cabeçada de zagueirão? Edinho. Uma arrancada pela esquerda: Júnior ou Pedrinho. Aliás, Júnior foi nosso vizinho a vida toda, também craque do Juventus e não saía da Figueiredo, além de ter uma loja de artigos esportivos na Siqueira Campos.

Goleiros eram Raul, Paulo Victor, Leão. O Fred gostava do Birken Meyer, que jogava no Cosmos (!) de Nova York. 

Uma bola na trave, na forquilha. Outra triscando. A gente imitava a torcida no Maracanã: "UHHHHHHHHH". 

Às vezes aparecia um ou outro garoto perdido querendo jogar a de fora. Não chegava a ser raro, mas o horário não ajudava muito.

Dez da noite. Batia a escuridão. De longe a fina linha retangular sugeria o que realmente era. Tentávamos acertar o gol. Fred era pesado e grande, mas voava e espalhava. Ricardinho também. O Marco era bom mas era baixinho, então buscar o ângulo era uma alternativa. Fui um goleiro razoável no máximo. Fiz o que pude.

Em certo momento a gente desistia. O breu tomava tudo. Luzes, só nos faróis que cruzavam a avenida Atlântica a passeio ou em busca de emoções diferentes na orla mais famosa do mundo. A gente se olhava, mal falava e estava tudo entendido: vamos voltar outro dia. Pegávamos os chinelos e tchau. Ah, claro, e a nossa bola de 27 gomos, pois alguns já tinham caído.

Hora de voltar para casa. Onze da noite, mais de duas horas de futebol no escuro. A gente descia boa parte da Figueiredo Magalhães. Geralmente eu carregava a bola, mas ela não era minha. Embaixo do condomínio Camões, a galera do Juventus se espremia num boteco. Duas quadras depois, o Marco Antônio virava à esquerda pela Barata Ribeiro. Eu e Fred íamos até o Shopping dos Antiquários, onde estávamos em casa. O Ricardinho andava mais um pouco, cruzando o Bairro Peixoto. Fizemos isso algumas dezenas de vezes juntos e fomos felizes. Afinal, para garotos de treze e catorze anos, o futebol é o mundo e mais: ainda tínhamos um futuro imenso pela frente - a Copa da Espanha, o Torneio dos Campeões, o Campeonato Carioca, era muita coisa: Edinho, Cláudio Adão, Junior, Adílio, Zico, Tita, Luisinho, Moreno, Leandro...

A bola. A bola. O inesquecível silêncio na beira do Atlântico Sul, o céu de duas mil estrelas, a Copacabana dos anos 1980. Nosso Maracanã era de areia. 

Onde estão meus amigos? 

@p.r.andel

Tuesday, February 18, 2025

Qualquer verão

mais um lindo e 

insuportável 

dia de sóis com 

um jovem amigo 

à espera da sepultura

Saturday, February 15, 2025

Madrugada elegante

Venho aqui à procura de Gigio em vão. Tenho meus rituais. Da mesma forma irei ao Maracanã procurar meus pais que já não existem num estádio que também não existe - agora é outro. É como se eu voltasse à faculdade 37 anos depois, sabendo que meus grandes professores estão mortos, que minhas belas amigas agora são avós dedicadas e que meus camaradas se mandaram - eu não vou encontrar ninguém, todos só existem nas minhas lembranças e mais nada. Mas insisto. 

Tudo passou numa velocidade assombrosa. Perdi muita gente. Detesto a soberba de dizer que ganhei leitores, é ridículo mesmo sendo verdade. Eu preferia ter mantido os colegas por perto, mas não deu. Pelo menos eu ainda tenho alguns outros colegas por perto. E me preocupo com outros que andam sumidos, espero que não seja nada grave. 

Uma e meia da manhã. Meu amor dorme longe. O calor é insuportável. Os camaradas de WhatsApp foram dormir. O consolo é a elegância suprema de Paulinho da Viola na TV. Uma espécie de antídoto contra a estupidificação dos tempos. 

Do nada, lembro e rio. Uma garota chamada Mariana, bonita pacas, amiga de uma conhecida que visitei em Vitória. Cheguei à cidade e fomos para um stand up comedy. Depois virou bar e ficamos os três na mesa. Aleatoriamente, a Mariana começou a falar de homens atraentes e disparou: "Eu pegaria você tranquilamente". A conhecida não gostou. Eu ri. Isso faz muitos e muitos sábados à noite. Eu logo voltei pro Rio e nunca mais fui à Vitória. Eu tinha trinta e poucos anos, o futuro era um horizonte futuro. 

A Portela de Paulinho da Viola desfila garbosa na TV. A elegância supera tudo. Isso não é literatura, mas apenas um desabafo.

@p r.andel

Um viva aos calhordas

Calhordas são calhordas. 

Às vezes nos prejudicam e sacaneiam. Quase nos destroem. Jogam pra matar.

Mas depois que eles passam, como é bom tê-los longe. 

Quando os encontramos por desagradável acidente, sequer disfarçam: lembram de suas vitórias de merda, de seu caráter de merda, da merda moral que carregam de forma enrustida e estampam em seus rostos toda a mediocridade que lhes alimenta.

Calhordas são importantes: livrar-se deles nos lembra como buscamos outro caminho. Descartá-los é reanimar o viver. 


Tuesday, February 11, 2025

Pequenas pílulas

PIZZA

Depressão dá livros, filmes e vidas. São inúmeros exemplos. Um deles: você está com fome, precisa comer mas fica paralisado e não consegue agir. Está revisando um livro atrasado, fica congelado e não consegue agir. Não é que esteja distraído com a TV ou a internet: na verdade você está no berço esplêndido de sua tristeza e desesperança. Quando se dá conta, passaram horas e horas. Você está preocupado porque sua amiga preferida vai extrair um dente e fica paralisado esperando alguma notícia. Então escurece, a tua cabeça começa a doer de fome e aí você precisa fazer alguma coisa de vez. 

CALOR FDP

Quem pode ficar tranquilo e paciente nesse inferno de 50 graus com vento quente de ventilador? Quem? 

Por que não comprei um aparelho de ar condicionado anos atrás. Por quê? Não sei. Deveria ter comprado. Não comprei. Me fudi. Tudo bem. 

Calor é bom para criança, gente de férias e rica, que pode driblar as armadilhas do inferno carioca. O proletariado carioca, não: ele só se fode. Estagiários se enforcando com as gravatas, soldados molhados nas fardas, vendedores pingando nos uniformes.

Tomara que não exista outro inferno além do Rio. Imagine a temperatura do caldeirão. Se já é difícil a 50 graus, imagine a 5.000.

PRIIMMMM

Toca o interfone. Eu odeio interfone mas preciso dele. Atendo depois de uma caminhada manca. Chegou a comida.

Vou até o elevador e pego a cestinha. Uma deliciosa pizza, com bastante tomate para irritar o mala do Catalano, caso estivesse aqui. Já comemos muitas no passado. Agora é tarde. Faço meu lanche durante a live, ninguém percebe. A depressão não passa; a fome, sim. Pedi um refrigerante de dois litros, pouco. 

O Fluminense não me dá paz.

Na TV, o entrevistado explica que o PCC tem uma espécie de BNDES para fomentar a indústria do crime. Você pode pegar capital para investir no crime, não é maravilhoso? Então eu, camelot, prestador de serviços literários, cronicamente pobre, não tenho um mísero puto num banco - sem contar os ditos amigos FDPs que têm e te negam com desculpas ridículas -, pois meu negócio é vender música e livros, mas se eu for um assassino, estuprador ou traficante o meu agenciamento bancário está garantido. 

Alguém ainda quer falar de democracia e meritocracia nessa merda comigo? 

Será que encaixo em alguma linha de crédito light para crimes de baixos teores? 

GLUB

A pizza estava uma delícia. Fiquei tão contente que me lembrei de uma pizza brotinho que comi com meu pai nas Lojas Americanas de Copacabana, bem em frente ao Metro - com seu ar refrigerado siberiano - e perto da Casa Sloper. Era de mussarela, deliciosa demais. Parecida, só tem em dois lugares: no Chuá da Sete de Setembro e no Coliseu das Massas.

Cinquenta anos depois, não há Lojas Brasileiras, Metro, Casa Sloper, pizza brotinho e pai. Só sobrou eu, o que é quase nada. Tudo bem. 

Quando fiz o pedido no Ifood, vinha uma Pepsi de dois litros. A loja perguntou se podia trocar por Sukita de Uva, aceitei. No elevador, recebi uma Fanta Laranja. Tudo bem. 

A depressão não para nunca, mas é possível ter alguns momentos divertidos.

@p.r.andel



Sunday, February 09, 2025

Parênteses

(vai começar a semana) (vamos falar baixinho para não acordar ninguém) (algumas pessoas conseguirão grandes êxitos) (a maioria lancinante continuará na miséria) (o mundo é feito para a minoria) (a maioria é um grande exército de cachorros espiando o frango girar na assadeira bem na porta da padaria) (vai começar a semana) (vamos falar baixinho para não acordar ninguém) (quem serão as novas vítimas das balas perdidas?) (manchetes populares das mesmas notícias com novos atores) (quem pode dá uma esmolinha ou diz que  fica triste) (mas não move um dedo para mudar nada) (o carnaval já bomba a todo vapor e o resto que se dane) (e daí que algum amigo seu vai se matar?) (você não criou o mundo, não é verdade?) (os personagens mudam mas os roteiros são os mesmos) (e falamos de democracia no meio de tanta fome, miséria e descaso) (daqui a pouquinho centenas de milhares de pessoas humilhadas pela opressão econômica vão pular de suas camas, pedir a Deus, pular na Supervia ou no BRT) (rapaz, são quase duas da manhã) (eu queria estar no meu bar, sozinho de verdade, com meu chope gelado aliviando toda a minha mágoa) (o máximo que dá para fazer é escrever no smartphone) (as pessoas mortas nunca mais vão voltar) (e várias vivas estão moralmente mortas) (já vai começar a semana, não há escolta) (e a opressão é uma arma apontada para o próprio peito) (quem não sente dor nem liga) (vai começar a semana) (vamos falar baixinho para não acordar ninguém) (boa sorte a quase todos) (que o mundo doa menos pra tanta gente que merece muito, mas muito obrigado) (fiquem em paz).

Saturday, February 08, 2025

Boemia duranga

E a gente voltando a pé do Leblon até Copacabana de madrugada, enquanto passavam vários ônibus lotados porque as pessoas curtiam na Zona Sul, se divertiam por lá.

Às vezes queríamos ver as últimas gatonas da noite na Visconde de Pirajá, que naturalmente nem ligavam para nós. Na maioria dos casos, íamos pela orla. Era bom. A praia à noite tem um silêncio próprio. Descíamos até o Jazzmania e depois tomávamos o caminho de Copacabana. Ipanema e Leblon eram sempre mais desertas, bem vazias na madrugada - contrastando com os domingos. Copacabana, não: sempre tinha gente ou no calçadão ou até na areia, mas também tinha uma tranquilidade, um silêncio menor. 

Quando passávamos por estes lugares, nem sabíamos que eles foram desbravados pelos gigantes da arte brasileira: atores, diretores, músicos, poetas e artistas plásticos. Quanta gente boa do Brasil já tinha feito tantas vezes o mesmo caminho notívago a pé? Muita. Só queríamos nos divertir um pouco. Do Posto Seis até a Figueiredo Magalhães ainda havia dois quilômetros e muita contemplação do Atlântico Sul. Quando sobrava algum dinheiro, ainda rolava um lanche no Gordon, que ficava aberto por toda a madrugada. 

Chegava em casa na ponta dos pés: o apartamento era pequenininho, qualquer barulho na cozinha acordaria meus pais. Direto para um banho silencioso e veloz, cama. Como não havia WhatsApp, nossa resenha era só no dia seguinte, talvez na praia, no Maracanã ou em algum encontro na tarde de domingo. 

II

No Leblon ficava o pessoal de grana. Era tudo mais caro. Em Ipanema, quase isso. Às vezes a gente parava perto do Chaplin, quase na esquina da Farme de Amoedo, e ficava ali na calçada, conversando. Ainda éramos garotos, 17, 16 anos. Do outro lado da rua ficava o McDonald's abarrotado de gente. Tudo isso acabou. 

No Baixo Gávea ficava a turma do rock, mais especialmente os fãs de metal. Todo mundo de preto. Lembro de um rapaz que, dizem, tinha feito até cirurgias para ficar idêntico a Bruce Dickinson, o cantor do Iron Maiden, e realmente ele era muito parecido: todo mundo olhava quando passava. Mas o BG não era nos fins de semana e isso nos afastava, porque tinha escola e tal. Emprego era muito difícil, mas a gente tentava: nunca tinha vagas. 

III

No fim das contas, eu acho que o nosso grande barato era a volta perto do bar. A gente gostava muito daquilo: do silêncio, do ir e vir lento das ondas. Foram dezenas de vezes. 

Faltou falar das bandas. Culture Club. Smiths. Duran Duran. Ah, sim, Supertramp.

(Continua).