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Saturday, May 31, 2014

no surprises

um coração aflito vaga pelos silêncios da fria noite de sábado
e voa longe, sonha o distante
cobiça as leves improbabilidades
um coração triste por conta dos mortos
os precocemente desaparecidos
os desolados e perdidos na selva do vão capital
um coração e sua vitrola eletrônica
num concerto do radiohead
e sua melancolia melódica
as pessoas estão apressadas com seus computadores de mão
e suas frases curtas, pragmáticas
thom yorke canta "no surprises"
a dor é tão evidente - por que nos surpreende?
garotos bobos escrevem tolices em busca de trinta segundos de fama
um coração e os tiros sombrios ao longe
as balas vão matar quem não merecia
alguém está ao lado de alguém que não queria
"no surprises!"
somente a estrada para fazer animar um tolo pobre coração
sempre na contramão
entusiasta da contradição

@pauloandel

Friday, May 30, 2014

consolação

uma garota linda e louca
um araponga à paisana
e o concreto jorra no vento
o tempo e o acontecimento
num momento! ei, momento!
selvas de pedra e gente carniça
hipócritas felizes e abonados
trabalhadores sofridos, aflitos
e toda são paulo não é de boa
- as equimoses são as estações -
- nada mudou - pobre são paulo -
que fim tomou a beleza lúcida
de rochelle schneider - mítica?
o sonho e seu assobro são festa
nas ruas de certa avenida central
ah, são paulo, longe do meu amor
perto do meu coração tão luzidio
o sol que nos consola parece breve
enquanto o gris do céu rege a dor

@pauloandel

Tuesday, May 20, 2014

os campos do silêncio

o silêncio dos homens em tempos tão ruidosos
porque vivemos angustiados
esperando os últimos momentos divertidos que não chegam
pensando em tudo o que foi desconstruído
e também o que sobrou
as memórias, fatos e objetos sobreviventes
o silêncio dos homens numa noite tão bonita
e dolorida
a multidão gritava como nunca no maracanã
enquanto o choro de um homem bom era tão triste
o pai, o filho e a morte tão crua à vista
numa humilde casa do coração da cidade
o silêncio dos anos é a lembrança de muitas reticências
poucas certezas
e o sentimento indescritível da falta que sentimos
do que sequer sorvemos, aproveitamos -
um desejo chamado saudade -
o silêncio do filho em lágrimas discretas
a imaginar o que restou das melhores lições
do silêncio de seu pai
o silêncio dos homens diante das mazelas do mundo
as injustiças que brotam a cada esquina, nas estradas de terra
nos matagais
há um país sofrido em busca de seu reencontro:
o abraço entre a gente, o resgate da generosidade, o trabalho
o silêncio do filho é a morte do pai
mais viva desde o sempre
as ruas parecem tão desertas: precisamos de gente, gente, gente

helio andel (17/04/1941-21/05/2008)

@pauloandel

Monday, May 19, 2014

a guerra

venha! venha!
vamos abrir as portas e as janelas
fazer da casa a terra liberta
onde todos serão um
e o somente não resista
às intempéries da paixão
para que os corpos
sejam livres na verdade nua
vamos derrubar os dogmas que nos aprisionam
eles não querem nosso bem
sejamos a pátria, a família
o amor pelo amor vivido
e saibamos celebrar a amizade
o respeito a quem não tem
o carinho para com quem sofre e chora debaixo do céu estrelado
e nenhum teto fraterno
sejamos o clímax de nossas plenas crenças e desejos
sem deixar que os deuses nos imponham desamor
sejamos a casa, a escola, a família
nossas mães dedicadas e pais proletários
enquanto namoramos os livros na sala -
e a voz seja um sinal de abraço
que as praias românticas e silenciosas sirvam como fotografias
dos namoros mais repletos
- oh, deus que não entendo e tanto ofereceu lágrimas aos meus olhos! -
até que eu possa
ver todas as crianças com a alegria que tive quando fui uma delas
agora que meus pais se fazem morte e presença
tão intensa que a tristeza infinita
confunde-se com as melhores
lembranças
que os escoteiros estejam sempre alertas a cada arcozelo
e este mundo de frias corporações nunca mais alimente a guerra
a guerra
- oh, senhor deus das minhas lágrimas! que cada criança tenha um carrinho
uma bola
e a saúde dos pais a bem tratá-la
meus amigos comunistas abraçados
no atlântico sul de copacabana:
as tristes putas lindas vão se recuperar
mulheres meninas com o gosto do mundo a se experimentar
os mendigos serão passado
e não precisaremos de mais droga nenhuma
para fingirmos fleuma e alegria
a terra
será a dignidade de todos
meus irmãos abraçados serão todos
um silêncio de luar será a melhor serenata
enquanto minha musa dorme nua
e ao lado
recito poemas de fé:
o meu país será outro, super outro feito artérias jovens
cheias de sangue limpo e rico -
copacabana será minha para sempre e fará da ribalta a luz
bailará entre musas estrelas
terá minha serena fidelidade:
seremos nós, nosso mundo
e tudo terá a calma do devido lugar
seremos nossos livros de história
cada vez mais bonita
sem porém a acrescentar: seremos nós mesmos!

@pauloandel

três pequenas histórias do litoral

1

Você olha a beleza do mar do Vidigal a São Conrado. Por um instante, ela faz esquecer as mazelas: a injustiça, a dor, o desespero, a escrotidão. A favela com classe, o verde que deslumbra. No ponto, entra um senhor lentamente e alguém logo lhe oferece assento no ônibus. Agradece, diz que não é necessário. Percebe-se que é cego.

Estava em busca do pão. Bem devagar, esgueira-se pelo corredor cheio e começa a distribuir pequenos papeizinhos onde pende ajuda financeira. Trata-se de uma cena comum nesse mundo de merda onde o egoísmo se traveste de capitalismo, mas o que chama mais atenção é que o senhor cego estava completamente sozinho – em geral, os pedintes portadores de necessidades tem alguém a ajudar-lhes na tarefa. Nada. um homem sozinho, esgueirando-se entre gente, certeiramente chegando perto das mãos das pessoas e lhes dando um bilhetinho de ajuda que não devia ter mais do que qutro centímetros.

Poucos falam no ônibus. O cego distribui os papéis. Até na hora mais difícil para uma pessoa, que é ter que sucumbir diante do dinheiro e pedir a terceiros, sua tarefa é dificultada. Numa das mãos ele carrega os papeizinhos; na outra os pequenos trocados. Penso na dificuldade de sua luta solitária. O jogo de mergulhar no escuro tão bem descrito ali: o senhor que não enxerga, os papéis que podem ser perdidos ou ignorados pelos mais rústicos, até mesmo o dinheiro. À ESQUERDA, a beleza infinita do Joá e o Costa Brava, Ao centro, o Brasil que ainda sofre enquanto moderninhos de merda chamam isso de assistencialismo. O que se faz com as centenas de milhares de pessoas que não são amparadas pelo Estado e, claro, tratadas como lixo pelo mercado? Ao fazer essa pergunta, geralmente o interlocutor recebe de volta um silêncio cínico que, audível, é traduzido pela chula expressão “fodam-se”.

Alguns sorriem porque a placa avisa quando você está na Barra. Os mais informados se entristecem ao lembrarem-se da linda Patrícia Amieiro. No primeiro ponto, o senhor cego salta. Conseguiu alguns bons trocados, terá direito a um pão enquanto a luta infinita não recomeça num novo ringue da vida. Devagar do começo ao fim, ele ensina que não se deve desistir nem quando tudo parece perdido. Tudo dança.

2

Poucos metros adiante, o sinal fecha perto do famoso e decano condomínio Riviera Del Fiori. Um menininho negro magro, magro e muito pequeno com suas bolinhas fazendo malabarismo. Era tão pequeno que mal conseguia alcançar as janelas dos carros para pedir ajuda aos irritados motoristas que o queriam fora daquele sinal, daquela avenida e até mesmo fora do planeta. Pequeno demais diante dos grandes gigantes de concreto e moradores abastados. Pequeno demais o garoto e longe demais de seu destino merecido: escola, comida, carinho, brinquedos, tudo perdido diante da solidão de uma avenida da Beverly Hills carioca e sua cafonália. Entre os carros, um Brasil que ainda sofre no almoço e sonha com o jantar, enquanto a vida ali parece tão injusta, insana e sinceramente tremo quando alguns de meus companheiros de faculdade  - muitos, beneficiados pela escola e dinheiro públicos – defendem a volta de velhos valores piorados, capazes de tornar o sofrimento daquele menininho pequeno, magro e negro uma escravidão a se perder pelos novos séculos.

3

Fim de dia, a bela praia de Botafogo, Pão de Açúcar ao fundo, belezas incontáveis desde séculos atrás, um rapaz solitário sentado no pé da trave esquerda á esquerda de quem olha a praia de frente. Um silêncio dos céus, um desenho de avião contornando, calçadas vazias, um Rio de Janeiro com vestes de outono e certa tristeza que alimenta o melhor da bossa nova, uma melancolia que não tem fim. O Rio é lindo, a vida é triste, só nos resta seguir em frente sem direção certa e sequer a menor ideia de onde isso tudo vai parar – se é que haverá parada.


@pauloandel

Friday, May 16, 2014

os brasis

1
O Brasil mudou nos últimos anos. Mudou sim. E para melhor. Não exatamente como muitos gostariam, não exatamente na construção de uma sociedade mais libertária e intelectualmente enriquecida, mas mudou. É fácil demais condenar o governo chamando de clientelismo qualquer política de inserção social. É fácil demais chamar o pobre de vagabundo quando se nasceu bem amparado financeiramente pela família, em competo descaso ao que se passa no outro lado da calçada. É fácil demais fingir que não se via milhões de pessoas simplesmente morrendo de fome – ainda morrem, mas numa escala muito menor – porque os socialmente cegos entendiam que cada um deve ser por si e não precisamos do Estado – a maneira educada de dizer “Foda-se o outro. Quero é saber de mim”. Décadas anteriores mostraram que o conceito de máxima liberdade do capital especulativo só serviu para aumentar o abismo social e suas mazelas. O Brasil ainda está longe do que se pode chamar de plena justiça social, mas mudou para melhor. Ainda falta muito, muito, muito. Não é possível sentir-se conformado quando bandidos armados oprimem favelas, estupram adolescentes arrancadas da casa dos pais e depois a exploram como garotas de programa. Inaceitável pensar que tudo o que aí está em termos de violência está diretamente ligado à indústria das drogas, dirigida de longe por milionários inescrupulosos que trocam seus capangas como quem troca de roupa: morre um analfabeto, coloque o fuzil na mão de outro – e pior ainda é pensar que, se todos estes escravos do crime tivessem recebido a devida atenção socioeducacional, é se imaginar que a força do banditismo fosse hoje cada vez menor. Não há como achar normal que, em 2014, pessoas considerem um acinte o caminhar de pretos e pobres em shopping centers requintados das grandes cidades. O que dizer de um candidato que se apresenta em frente às câmeras de TV, em busca de um novo mandato através de eleição, dizendo que tem saudades da ditadura cívico-miliar de 1964, responsável por estupros, torturas e assassinatos de milhares de brasileiros, impondo a pena de morte sem dó? Quem pode defender como são o fato do governo institucionalizar o crime que deveria combater? Falta muita coisa ao Brasil de agora, mas seria uma estupidez retornar a tempos de porões, farsa de frangos e entrega do patrimônio nacional a troco de banana – e, se neste momento, você reclama porque o sinal do teu celular é uma merda permanente, talvez entenda o papel de Daniel Dantas neste sentido.

2
O Brasil também paga o preço do mundo inteiro. Caminhamos para um mundo cada vez mais tecnológico e menos evoluído intelectualmente, por mais paradoxal que isso possa parecer. A internet é um fenômeno fabuloso, um dos grandes inventos da humanidade, no mesmo patamar do avião, do telefone, da luz elétrica; no entanto, sua enorme riqueza está mal distribuída. As pessoas gastam cada vez mais horas na rede mundial de computadores e cada vez leem menos, pensam menos, refletem menos. Curte-se e compartilha-se sem a menor convicção pró e contra, em gestos mecanizados completamente ausentes de reflexão. Parecer ficou mais importante do que ser. Há muito, ter ficou bem mais importante do que ser. As grandes imagens, os grandes textos, os pensamentos instigantes, os contrapontos, tudo fica perdido diante de um debochado vídeo popular onde alguém desrespeita alguém, ou alguma fofoca a respeito de determinada celebridade. O que poderia ser o mar da sofisticação se transformou no deserto das ideias. Sem ler, estudar e refletir, a capacidade argumentativa fica cada vez mais rasa. E ENTÃO surgem os fascínios pelos autoritários, os choques de ordem, a verborragia de aparências, a ostentação cafona. Nem tudo é derrota, claro: "O bom da Internet é que ela liberta o homem moderno, dando a ele uma independência, algo semelhante a um novo Renascimento, livre de opiniões editorializadas, livre de civilizações cosmopolitas e altamente fascinante. A Internet é efetivamente o maior veículo, o antirracista, o anti-preconceito religioso - na medida que proporciona a real integração dos povos, que se dá por meio da cultura e da informação. Daqui a uns 30 anos, a configuração do mundo globalizado e internetizado será fascinante, isso se o Saddam Hussein não jogar bombas bacteriológicas na gente antes disso. O ruim da Internet é que está virando uma enorme "páginas amarelas', ou seja, um enorme mercado de vendedores ambulantes." – Gerald Thomas em 1998.

3
O que falta realmente é respeitar a democracia. A palavra vem do povo. Da maioria. Ela é que deve prevalecer. Não há mais espaço para rancorosas viúvas do nazismo tupiniquim.

@pauloandel

Wednesday, May 14, 2014

dias de gris

1

ah, o peito que range
e dói
um coração que sangra
triste
e persiste
a desilusão
o pouso dos dias vazios
calados
sem viço
enquanto promete-se festa
a multidão sem voz
então
precisamos de mais piedade
trocarmos verdadeiros
abraços
que tenham
algo a dizer para os corações
que sangram firmes:
precisamos do futuro!

2

o amor não dorme
nem repousa:
apenas faz tocaia
até atacar
uma presa apaixonante
e sequestrá-la
até chegar ao cativeiro
numa base lunar

3

a dor silenciosa
corroendo lentamente
a réstia de vida
a dor, a dor
a tristeza em cor

4

batalhões de estranhos
a celebrar
a indisfarçável falsa
intimidade:
peixes fora d'água
numa rede antissocial


@pauloandel

Tuesday, May 13, 2014

lovewalk


@pauloandel

Thursday, May 08, 2014

chamei vanessa

chamei vanessa
para ver samba raiar
cantei, chorei
supliquei
parecia iemanjá
deusa azulada
do mar
chamei vanessa
e sambei para lhe amar
beijei, toquei
aceitei
acertando no milhar
chamei vanessa
se quiser acreditar
a realeza
aplaudiu paixão lunar

@pauloandel

maio

outono que não liberta:
cheiros de ruas tristes
e lixo e miséria a granel
a nossa grande cidade
tem cheiro duma tristeza
duas meninas solitárias
na mesa de um bar limpo
as calçadas esvaziadas
e cantos de lixo sobre lixo
as crianças comendo lixo
e a humanidade inexplicável
somos frios demais! frios!
por isso a miséria é normal
os guardanapos sempre limpos
as empregadas uniformizadas
pátria livre mãe sem gentileza:
não vamos consertar o mundo
nossos defeitos são outros
e bem mais que maiores
- somos os tais, somos futuro!
a marquise é aterrorizante


@pauloandel

Thursday, May 01, 2014

sobre felicidade

Não é por não falar
Titãs
1991


Não é por não falar
em felicidade
Que eu não goste
de felicidade
Não é que eu não goste
de felicidade
É por não falar
em felicidade
E é por falar
infelicidade
Que eu não gosto de falar
em felicidade

@pauloandel