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Tuesday, September 20, 2011

IVAN, MEU ÍDOLO

A crônica

Ivan Lessa

Crônica, do grego chrónos, tempo, cronicar, feito Tácito, relatar o tempo ou tempos.

Por que nós, brasileiros, fizemos do gênero especialidade da casa — feito muqueca de peixe ou tutu à mineira?

Eu, pela parte que me cabe — e é pouquíssima a parte que me cabe —, eu tenho minhas teoriazinhas.

Primeiro lugar, porque nós trabalhamos bem com poucas armas, isto é, Euclides da Cunha à parte, nosso fôlego literário é curto.

Não há nenhum demérito nisso.

Se a América Latina fornece caudalosos escritores, como Vargas Llosa, Roa Bastos e Alejo Carpentier, nós, por outro lado, somos excelentes no pinga-pinga do conto: o próprio Machado de Assis, Lima Barreto, Alcântara Machado, Dalton Trevisan, Clarice Lispector, Rubem Fonseca.

Segundo lugar, porque nós temos consciência da extraordinária violência com que o tempo vai levando as coisas e as gentes, daí a necessidade de registrar, de alguma forma, o que se passou e passa no âmbito pessoal e intransferível.

Terceiro lugar, em conseqüência disso que acabei de falar: somos muito pessoais, vemos e vivemos muito a nossa vida e a celebramos quase que no próprio instante em que ela se passa.

A crônica é a nossa autobustificação, por assim dizer.

Ou, em termos da realidade atual: é a nossa autonomeação para assessor disso ou secretário daquilo outro.

E em quarto e último lugar: dinheiro.

Não há motivo nenhum para se ficar encabulado.

Quem não escreve por dinheiro não é digno da profissão.

Um romance vende cinco mil exemplares e o autor, com alguma sorte, pega o equivalente a uns tantos salários mínimos.

Se dividirmos tempo gasto no trabalho e na vida de estante do livro, vai dar nisso mesmo: salário mínimo.

O cronista, por outro lado, mesmo mal pago — e quando é bom não é esse o caso —, tem uns cobres garantidos no fim do mês, se o empregador for bom pagador.

Conseqüentemente: aí está, viva e atuante, a crônica do cronista brasileiro.

Pouco importa que o cronista ou a cronista limite-se a relatar seu encontro no bar ou sua ida ao cabeleireiro.

Tanto faz que seja elitista ou literariamente limitador.

E daí que tenha menos profundidade que mergulhadores mais audazes como Milan Kundera e Marion Zimmer Bradley?

A crônica vai registrando, o cronista vai falando sozinho diante de todo mundo.


Ivan Lessa fez parte do grupo que colaborou e que, durante muito tempo, fez sucesso no jornal "O Pasquim". Carioca, filho de Orígines Lessa e Elsie Lessa, escreve com sucesso, valendo-se de um humor cheio de ironias. Auto-asilado na Inglaterra, segundo ele por ter-se desencantado com o Brasil, trabalha na BBC de Londres. O texto acima consta do livro "Ivan vê o mundo", Editora Objetiva — Rio de Janeiro, 1999.
































SE AINDA FIZER SENTIDO...

ELEFANTE




Eu sempre quis ter um elefante quando era criança; ou seja, quando se sonha.

Mais tarde, subvertendo a idade, continuei sonhando até outro dia.

Ter um elefante, um hipopótamo, um leão.

Acho que deve ser coisa de criança. Talvez eu tenha sido criança até muito depois do devido, quando a vida já deveria ter-se tornado chata, séria, fria e matematicamente cruel. Adiei o inadiável e pode ser que a razão me pertencesse.

Enquanto os outros estavam - e estão - obcecados por carros, imóveis, viagens, produtos importados e sofisticações eletrônicas, loucamente eu continuo com o sonho de ter um elefante.

Alguns podem pensar que seria porque, para se ter um bicho assim, é necessário licença, poder, dinheiro, múltiplas condições.

Não.

Eu não tenho o menor interesse nessas coisas. A algumas delas, eu até ofereço desprezo.

Ontem mesmo disse ao meu chefe que, se não precisasse pagar minhas contas mensais e se a empresa onde trabalho um dia precisasse, eu não faria questão de salário.

Ter um elefante talvez fosse para lembrar dos tempos em que meus pais ainda me carregavam pela mão, no zoológico, onde tudo era diferente e tinha a saudável aragem do futuro. Ou talvez porque o elefante é simpático, grandão, divertido. Ou porque ele passa uma imagem de paz e infância como poucas outras no mundo.

Eu queria ter um elefante. Eu queria mudar minha rua, meu bairro, minha cidade.

Eu queria mudar meu time de futebol para cada vez melhor.

O meu país.

O problema é estar longe, muito longe disso tudo.

Mataram a rua da minha infância para o progresso de Copacabana. Estou longe dos tempos em que podia ir tranquilamente no zológico sem ter medo do presente. Nunca mais meus pais me deram as mãos.

O duro de ser adulto está em enxergar a inevitável crueza desta passagem chamada vida. Muitos choram e sofrem, poucos se preocupam.

Tanta gente a matar e morrer por nada e eu só queria ter um elefante.

Tanta gente a chorar pela fome e miséria enquanto a nauseante indiferença persiste nas ruas das grandes capitais, mas eu só queria um elefante.

Morto-vivo, deslizo pelas páginas da vida cotidiana buscando um sonho impossível. É o que me resta; melhor dizendo, o que me basta.

Ontem, flanando pela cidade vizinha, revi um amigo querido que não via há muitos anos. Em sentido figurado, era como rever o elefante no zoológico: uma gota de alegria.

Um dia, hei de também rever o bicho gigante em algum lugar com meus mesmos olhos idos de criança. Onde, não sei.


Paulo-Roberto Andel

Saturday, September 17, 2011

TEMPO OUTRO TEMPO?

Tempo, tempo
tempo
outro
tempo
colírio de drama
e cor
entre o alegre
chorar do nascer
e a implacável
certeza do fim

Tempo, tempo assim:
milhão num
segundo
entre a dor
do paciente
ou o saciar
da fome do
pedinte

Tempo ateu, tempo crente
solidão em forma de gente
no andar do transeunte
impaciente

É que o tempo não espera
é que o tempo não espera
meu tempo é uma janela
fechada
e sua cortina azul
para fingir beleza
enquanto a vida à rua
é pesticida
do que aprendemos
ser
solidariedade

O tempo não espera
ele espreme a era
e faz da mocidade
o pus que se remove
o tempo, o tempo
que aquieta a cidade
é o mesmo
que nos aterra
muito antes do devido:
o adocicado sabor
do que não nos pertence
e é apenas
incontrolável


Paulo-Roberto Andel, 17/09/2011

Friday, September 09, 2011

O MUNDO É UM MOINHO

ALGUM TEMPO DEPOIS


(Baby, all I need is a shot in the arm)

É que continuamos os mesmos em nossa sede vã de liberdade que, no fundo, esconde individualismo e indiferença. Cada vez mais a tecnologia avança e somos mais atrasados, mais rústicos, mais desapegados de certa humanidade que seria essencial nessa terra estranha, para onde se vem e de onde se vai sem o menor sentido. Depois de amanhã, o mundo vai parar por causa da tragédia das torres. Uma guerra onde só há derrotados: os mortos, os oprimidos. Para vingar o desastre de 11/09, quantas pessoas foram assassinadas, torturadas, estupradas e vilipediadas no Oriente? O petróleo roubado, as armas químicas em massa, a desconfiança; o temor nos aeroportos e, longe destes (ou mesmo muito perto), os grotões de miséria que compõem a grande parte do que se convencionou chamar de população humana. Continuamos os mesmos: uns escravizam outros, com ou sem códigos, com ou sem regras. Somos a essência da estupidez que incensou perseguições e teve como pavorosa resposta aqueles dois aviões explodindo os prédios. Assassinar três mil, vinte e cinco mil ou dois milhões não é nada para a perversidade humana. Há dez anos, eu tinha família, achava que tinha amigos, achava que tinha futuro e tentava entender porque o Xuru ria depois de mais uma cirurgia, que parecia tão simples como noutras vezes mas acabou sendo tão cruel. Há dez anos eu tinha algumas dívidas, muitas expectativas e ainda acreditava no ser humano como pensamento em massa. Há dez anos talvez o mundo tivesse chance de ser mais mundo. Eu tinha raiva de como as coisas eram conduzidas em meu país e hoje isso mundou um pouco; a vida de muita gente ficou menos pior, e isso me conforta. Mas é pouco. Muito pouco. Tecnologias, dinheiros, prazeres e gostos que sempre vão ser restritos à ínfima amostra da população, enquanto o resto vive de dia para conseguir o sono e dorme para esperar o próximo dia. Vão. Tudo em vão. Eu não tenho mais nada, exceto a certeza de dez anos perdidos e sofridos. Meu olhar se perde no espelho velho de um banheiro. Os cabelos são tomados aos poucos pelo branco. Mal tropeço ou estalo os dedos e me surgem as lembranças admiráveis de quando eu tinha vida pela frente - foi outro dia, mas agora é tão desaparecido quanto tudo o que escapou de minhas mãos. Enfim, depois de amanhã vão celebrar os dez anos de horror e morte na cidade de Nova York para que nunca mais esqueçamos daquele dia pavoroso. Meu maior problema é que, ao lado daquele mesmo dia, passaram outros três mil, seiscentos e quarenta e nove outros dias - e, a cada vez que vi a dor, o drama, a miséria, a violência e o horror contidos em cada um deles, jamais fui capaz de captar algum sentido na vida. Vivamos até a próxima refeição, o próximo programa de TV a cabo ou a internet que nos junta a milhões de pessoas para nos diplomar bachareis da solidão. Vivamos até o próximo consumismo barato dos shopping centers; a nova cena da novela; a mentira dos supertimes ou o mais novo político ou grupo que realmente mostra ares de combate à corrupção. Vivamos até o próximo botequim cheio de gente mas vazio de assuntos, ou as pessoas massacradas na covardia do mau transporte público de massa. Vivamos para nos esconder da vida e usar as religiões como um saboroso cartão bancário: você paga, terá crédito no futuro. O sentido talvez seja esse: o de esperar o futuro, o que vem depois da luz no fim do túnel, se luz houver. Porque o presente, esse sim, não faz sentido algum.






Paulo-Roberto Andel, 09/09/2011

Friday, September 02, 2011

RODCHENKO RULES!

O GÊNIO RI


1969

Nashville Skyline


Robert Zimmermann - Bob Dylan