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Wednesday, February 25, 2015

Bob Dylan - Shadows in the night - 2015

Numa tarde do inverno de 1977, puxado pela mão de meu pai, num momento muito difícil da vida da minha família, eu carregava um pacote de figurinhas de um álbum chamado "Multicolor", de temática diversa: música, cinema, novelas.
Cheguei em casa, triste casa, abri o pacotinho para colar a figurinha. A imagem de um rapaz magro, com o arquétipo judeu do meu próprio pai, Seu Helio, cabelos grandes encaracolados.
Ali conheci Bob Dylan. Eu tinha nove anos de idade e nunca mais me esqueci. Alguns anos depois, aí sim eu entendi exatamente quem era e o que significava.
Assim como o Fluminense, meus pais, meus amigos e outros valores pessoais, Bob Dylan tem sido presença constante na minha vida e até mesmo na minha lida como escritor. Quem teve a oportunidade de ler meu primeiro livro, "Do inferno ao céu", depara-se em suas últimas páginas com uma crônica intitulada "A linha do céu de Barueri", uma singela homenagem referencial a "Nashville Skyline", um dos grandes álbuns do gênio, dentre inúmeras outras.
Acaba de sair no Brasil "Shadows in the Night", seu mais novo CD. Um desafio daqueles: trata-se de um álbum com algumas das mais emblemáticas canções outrora gravadas por ninguém menos do que Frank Sinatra. Leve-se em conta que qualquer coisa gravada por Bob Dylan vira sua composição no ato, num estilo único. Ele toma as canções e imprime sua marca incomparável.
"Shadows" emociona e faz chorar. É leve e triste. O trabalho de quem já viveu muito, talvez pense numa despedida e volte aos tempos da juventude atras de suas referências, suas admirações. Porém, em se tratando de um artista que encanta o mundo há mais de meio século e não para de tocar com sua Neverending Tour, é difícil acreditar que Dylan pense no fim mesmo.
Para quem mandou uma banana aos puristas, trocando o violão pela guitarra elétrica em meio aos efervescentes anos 60, desafiar definições e paradigmas trata-se apenas do óbvio.
O CD termina com "That lucky old sun". Faz todo sentido.
Em tempo: Bob Dylan é, sem dúvidas, o maior artista estadunidense vivo.
Imperdível.

@pauloandel

Tuesday, February 24, 2015

Yo La Tengo - Ohm

Tuesday, February 17, 2015

o ritual do habitual

DEITADO em berço esplêndido da casa, olhando o céu que deve estar por cima do teto se não deu nada errado, o Carnaval chegou ao fim. As transas acabaram, os amores de ocasião. No fim da tarde de quarta-feira encerra a apuração da Apoteose - salvo a festa na quadra da escola campeã, todo o resto da cidade parece a noite de um domingo. Depois tudo volta ao normal. A hipocrisia retoma seu lugar nas ruas e na internet. Derrubar o governo é legítimo quando não se votou nele. Os jornais editam a informação. Acabou a grande festa, o grande feriado. Trabalhar na quinta-feira opaca e lúgubre é, acima de tudo, atender aos caprichos dos patrões - quem vai lucrar se todos gastaram o dinheiro na folia? Ninguém vai dizer das gangues de pivetes assaltando na Central, Copacabana e Botafogo. Nenhuma justiça para a pobre menina currada em Osasco. Em nome de Deus, decapitam e atiram bombas. O homem morreu com seu carro afundado num buraco da prefeitura em Santa Cruz. O bicheiro redivivo passou feliz na avenida ao lado de seus capangas, a emissora registrou. Oh, Carnaval, com suas fantasias maravilhosas e o cinismo a céu aberto. Vamos voltar à labuta. O mundo corporativo não espera. Retomemos as canções de ódio, exclusão e preconceito que só o Facebook sabe proporcionar. O ritual do habitual.

@pauloandel

Saturday, February 07, 2015

a puta em versos pueris

doce, linda e trêmula
inebriada em versos pueris
e dorso nu
a delicada puta
é nada além de uma digna
valorosa mulher
perdida em sonhos e promessas
delicada e saborosa
puta
copacabana é um ventre
o novo brooklin é um fígado
a savassi entre as pernas abertas
e um país em flor
tesão de mil homens e amor
amor de ninguém
a puta linda, provocante quente
jorra o leite viril da campanha
até que os miolos moles
apareçam estouradas num cenário
numa cena de cinema
delicada e linda mulher nua
sangue novo na multidão
enquanto as mensagens
continuam mudas demais
cada novo passo é um abraço
de amém
versos delicados namorando
a carne crua
a singela beleza da mulher
a puta é súdita de uma realeza vazia enquanto
sua desejada carne alimenta as veias que deságuam
nos oceanos da paixão em vão

@pauloandel

Thursday, February 05, 2015

oração das almas perdidas

OBSERVANDO a pastosa programação da TV. Pensando nas impressionantes manchetes que a imprensa produz com ética, descompromissada com particulares. Deus há de banir o comunismo dessa terra, em nome da liberdade, da fé e do livre latifúndio ocioso. Extinguir essa sem-vergonhice dos vagabundos se sustentarem com R$ 100,00 ao mês, R$ 3,33 ao dia, R$ 1,11 em cada uma das três refeições diárias. O maldito partido dos trabalhadores, que só enche o país de vergonha e inaugurou essa maldita corrupção no Brasil. Por que insistem nessa conversa de povo se ninguém é igual a ninguém? O que eu tenho a ver com os mendigos que pedem esmola do outro lado da rua? Por que pagar impostos? Não fui eu que inventei o mundo e seus defeitos. Quero meu Brasil de volta. Poder passear no shopping tranquilamente. Gastar meu dinheiro obtido com suor e méritos - tive que dar duro na faculdade, mesmo com meus pais me sustentando. OBSERVANDO a pastosa programação da TV. Pensando nas impressionantes manchetes que a imprensa produz com ética, descompromissada com particulares. A miséria não existe, o que se tem é gente vagabunda que não progride.