Translate

Tuesday, January 30, 2024

Oi, carnaval

Carnaval já é.

Ok, não parece? Tem certeza? O silêncio lá fora não rima com a festa da folia? 


Tudo bem que nessa tarde quente, estou escutando meu herói David Gilmour berrar “Shine on you crazy diamond”, o clássico de “Wish you were here”, desta vez numa pérola do CD “The Later Years”. O tempo não espera. Dia desses Gilmour disse que prefere “Wish you were here” a “Dark side of the moon”. Quem sou eu para contestá-lo? Gosto dos dois. Gilmour é de 1946, e está à beira dos 78 anos. Eu o conheci com 36. 


Pink Floyd de lado, mas já é carnaval? 


Espio pela janela da loja e quase não há carros. Os pedestres desapareceram de vez e o fim de janeiro é absolutamente silencioso no Centro do Rio, já tão sofrido pelos últimos anos. Agora, silencioso durante os chamados dias úteis, porque os finais de semana têm atraído multidões para a região, naturalmente por causa dos blocos comandados por aviões como Lexa e grande elenco. É gente pra todo lado. 


Já é carnaval. A rua tem uma certa cara de feriado emendado. Na praça Tiradentes, policiais e pessoas em situação de rua convivem pacificamente debaixo da mesma sombra de árvore, bem perto do primeiro ponto de ônibus. O calorão é de derreter. 


No fundo, no fundo, todos estão esperando chegar a grande festa de vez. E logo me lembro de Bola, o mitológico Rei Momo dos anos 1990, com toda a sua irreverência e carisma. Morreu jovem, uma pena. Certa vez o vi na Rua de Santana e gritei do outro lado da rua: “Bola, um deus”. Sorridente, ele começou a fazer evoluções e saudações. Um lorde como não se faz mais. 


Samba, alegria, beleza, sensualidade, diversão, sexo, a magia indescritível do desfile das escolas de samba, os bailes que ainda sobrevivem, os blocos que viraram uma febre de vez pelas ruas cariocas. O bicho pega, literalmente. Melhor dizendo, o bicho manda. 


Lá vêm turistas de toda parte, encantados, se divertindo a valer, preferencialmente sem nada de grave acontecer, como às vezes acontece nessa cidade turbulenta. 


O Carnaval tem uma força que nem o futebol consegue. Quando ele está a caminho, tudo fica aos pés, ao seu entorno, nada pode ultrapassá-lo. O futebol, não: tem uma grande decisão no domingo, segunda-feira a vida segue. No Carnaval, amigo, vinte dias antes da festa já tá todo mundo em ritmo de pressão e é natural que seja assim, especialmente para quem trabalha no desfile do Sambódromo. É o serviço e o esforço de um ano inteiro que está em jogo em 50 ou 60 minutos. 


Duas e meia da tarde. Timidamente houve algum movimento na rua. Um carro da polícia toca a sirene para nada, apenas passar o sinal. Não há sequer potenciais presos aqui na rua vazia. 


Off Carnaval, só mesmo David Gilmour cantando, desta vez com doçura, “Us and them”. É de longe, da turnê “Delicate sound of thunder”, 1989. Tempos de Luciene, Martha Rocha, Danielle e Alessandra. Comecinho de faculdade. Como meu diploma se encaminha para 30 anos, temos a certeza do tempo implacável. Tudo bem. Vivamos. O Carnaval está aí, com seu presente e passado. 

Wednesday, January 24, 2024

Línquedim

@p.r.andel*

O que mais gosto daqui é também o que me causa certo desconforto: a estranheza. 

É o lugar onde tenho menos contatos e interações, onde conheço menos gente. Me parece até misterioso. 

Por muitos anos, mais de vinte, tive um emprego estável, divertido e que me tirava um pouco daqui. Nos últimos cinco, virei micro empreendedor (com todas as agruras possíveis da modalidade) e, claro, a pandemia me deu um belo jab do qual não me recuperei ainda. 

Troquei de profissão, sem jamais abandonar a vocação da antiga, mas completamente desmotivado pelo "novo" mundo que, dentre outros defeitos, ainda tem acentuado etarismo, flexibilidade relativa e, em inúmeras situações, um rol de exigências muito acima do que os cargos e funções precisariam. 

Mas meu foco é falar de outra coisa. Nem sei se será um péssimo cartão de visitas ou não, e isso também não me causa qualquer preocupação. É apenas uma opinião e só. 

Gosto de ler perfis originais. Coisas que meus colegas curtiram, especialmente aqueles que mais admiro. Procuro, leio, me deparo com artigos e matérias até interessantes, mas quase sempre com um viés evidente: a repetição da fórmula de falar/escrever, às vezes parecendo até mesmo um verdadeiro "colão" para se fazer uma prova. 

Os mesmos termos, as mesmas palavras, as mesmas frases e até pequenos parágrafos inteiros repetidos, isso sem contar o manancial de neologismos e expressões em outros idiomas, que mais parece uma tentativa flácida de oferecer erudição. Seria algum sentido de unidade ou falta de originalidade? Adesão intelectual ou cópia de segurança? 

Há quem diga que o mundo corporativo deve ser desassociado dos outros ambientes, mas será isso possível? (Ainda) somos humanos, estamos nas ruas, vemos a miséria e o sofrimento a céu aberto, sonhamos, pensamos, temos sentimentos, sentimos tesão...

Quantas vezes você conheceu alguém no seu ambiente profissional que era completamente diferente - e para melhor - no cenário pessoal, por exemplo? O contrário também, lógico. 

Ok. Sede de conhecimento, foco, meta, time, resultados, vitórias, colaboradores. As empresas têm que lucrar e crescer. Os funcionários querem sucesso e remuneração. Nenhum problema. Mas será que só eu acho que muita gente repete as mesmas falas, às vezes sem sequer refletir a respeito, por mera busca de resultados? 

Que ninguém se ofenda com esta fala. Não é meu objetivo censurar ninguém, mas sinto falta da verdadeira originalidade nos pontos que reuni aqui. O mundo já tem guerras demais. A violência é a regra. Não quero colaborar com isso. Apenas acho tudo muito estranho nessa repetição permanente dos textos. 

Um pouquinho de diversidade no vocabulário faria bem ao LinkedIn. Acho. Apenas acho. 

Não quero ter certeza de nada. 

*Estatístico pela UERJ, 1994. Autor de mais de 30 livros. Durante duas décadas foi autor de artigos, matérias e releases econômicos. Cronista regular do Correio da Manhã, Museu da Pelada e Panorama Tricolor.


Monday, January 22, 2024

Ecos da bossa nova

Dia desses me deu de escutar bossa nova. Na verdade eu gostei desde sempre. É que eu gosto de escutar muita coisa, variando. Passo pelo rock, pelo jazz, pelo blues e até música de outros países, daqueles que nunca ninguém ouviu falar. Enfim, minha programação musical é um verdadeiro sarapatel.

Tava prestando atenção nas faixas e ouvido com calma toda aquela delicadeza, aquela riqueza que a bossa nova traz consigo, que é a música da celebração brasileira. A trilha sonora dos tempos de um país que parecia realmente dar certo, a caminho do verdadeiro progresso e da libertação do povo. Acabou que a ditadura não deixou e a Bossa Nova de certa forma ficou para trás. Mas na verdade, pensando bem, ela se espalhou pelo mundo com elegância. Os maiores craques do jazz tocaram bossa nova e se encantaram por ela. Os nossos artistas da bossa nova são reverenciados na Europa e em países como o Japão. Em todo o mundo a nossa música é aplaudida, exceto no Brasil, onde não apenas é subestimada mas às vezes agredida por pura ignorância. Os mais primitivos reduzem-na a “trilha sonora das novelas de Manoel Carlos”, com todo o ridículo contido nisso. 

Bossa Nova é música de elite? Só se for intelectual. Quando explodiu nos anos 1950, Copacabana - seu palco principal - já misturava em suas ruas milionários e proletários. Naquele tempo até Ipanema ainda tinha pobres. Eu sempre escutei bossa nova sendo pobre - sou até hoje. Tom Jobim era duro, morava num colégio com a família e, quando se casou, tocava nos mafuás de Copa para sobreviver. Quando se tornou um monstro do piano brasileiro, já tinha mais horas de atuação em rendez-vous do que qualquer outro músico. João Gilberto dividia apartamentos com dois, três ou quatro amigos. Herdeira era Nara Leão e só. Vinícius tinha posses de família e carreira diplomática. 

Bossa nova é música de branco? Ok, faltava diversidade no elenco de astros da época? Sim, mas a diversidade faltava em tudo. E não fosse o exílio voluntário de Johnny Alf, que nada teve a ver com racismo e sim sexualidade, o ponta de lança bossanovista seria um homem negro. 

Passei pela internet e encontrei um podcast onde estava o Régis Tadeu, crítico musical bastante conhecido. O colega perguntou quem era o grande artista brasileiro. Régis falou - com justiça - de Guilherme Arantes e que Tom Jobim é um nome máximo. 

O Brasil precisa respeitar o pessoal da bossa. Depois de anos com a mulher sendo tratada como destruidora de lares na música popular, é na bossa nova que ela vira a garota linda, em busca de carinhos e beijinhos, de abraços e amor. A bossa falava da beleza do mar, do namoro, do céu, da busca da felicidade. 

Falamos de Tom Jobim e de João Gilberto. Celebremos Carlos Lyra, Roberto Menescal, João Donato e toda uma geração de músicos, das melhores que este país já teve. 

Ninguém é obrigado a gostar da bossa. Basta respeitá-la e saber de seu passado, seu alcance mundial, sua força discreta e elegante que até hoje ecoa pelo Brasil. 


Sunday, January 21, 2024

Resenha do livro "A alma aflita das ruas"

Por Luiz Carlos Lacerda, o Bigode, cineasta, poeta e personagem marcante da vida cultural brasileira. 

Livro de Paulo-Roberto Andel, Vilarejo Metaeditora, 2023.

Encomendas: 21 99634-8756


Não por acaso, Andel reúne numa só crônica João do Rio, ao comentar a comoção que se abateu sobre a cidade e suas exéquias que reuniram 100 mil pessoas em 1923, e o escritor de Cenas de Nova York, o beatnik Jack Kerouac.

Um dedicou sua prosa literária e jornalística à apaixonada observação da "alma encantadora das ruas", o outro ao lado obscuro do hipócrita way-of-life americano, antecipado pelo pintor Edward Hopper, uma geração antes, no contraponto da família típica dos comerciais de margarina, com suas imagens de desolação, através de seus solitários personagens.

Nosso desesperado e aflito escriba se debruça sobre um Rio contemporâneo habitado principalmente por um exército de famintos que habitam as ruas. E se solidariza com a miséria desse universo que se alastra como incontrolável pólvora da chaga social que reina, soberana, no centro econômico de nossa cidade.

"Começa o dia (...) e então estendemos nossas mãos nas calçadas, buscando míseras esmolas de felicidade."

"A alvorada ainda está escondida pelo azul cobalto do céu. As padarias ainda nem abriram. Mas a fome já se espalha pela manhã." 

“Não há vagas. Não há vagas. Há desprezo, insensatez, mesquinharia, ódio, filhadaputice, escrotice, solidão."

E como um caminhante no caos que observa em sua volta, vai enumerando com sua nostálgica memória, a decadência do comércio que outrora pontuava com tradição e história a geografia mundana do Rio. Recolhe o que restou de endereços onde ainda sacia sua fome com as delícias que sobreviveram. Opus, Paladino, A Mineira - e reúne os amigos de sua pequena Confraria, uma espécie de cavaleiros das távolas redondas dos botequins resistentes.

Seu olhar de indignação não apaga o observador do entorno que emoldura sua trágica visão, como num documentário antropológico ou (novamente) numa pintura de Edward Hopper, consegue registrar, ao entrar num bar : "Há dois clientes. A atendente é loura, gordinha, bonita e olha para o outro lado da rua, como se admirasse um senhor gordo, também passando por ali. Ela fixa o olhar. Será?"

E se consola: "Continuo pobre, estou desesperado, mas meu par de bermudas e de chinelos me deixa feliz. Ultimamente tenho escrito livros."

E escreve freneticamente. Em sua coluna aos sábados no Correio da Manhã, e em dezenas deles publicados, sobre futebol e sua paixão pelo Fluminense.

Segue sua saga numa espécie de vingança contra a fome alheia e que não tem condições materiais para mitigá-la:

"Depois de comermos pastéis com laranjada na Rua dos Andradas (...) vamos lá porque é gostoso e barato (...) resolvemos caminhar até o Largo da Carioca.(...) eu pensei em fazer a minha velha visita ao Santos Dumont para tomar um sundae de morango em meio ao silêncio da Praça de alimentação do aeroporto."

E sua fixação pantagruélica continua, descrevendo um desfile de sanduíches nos endereços que ainda se sustentam em meio ao desastre neoliberal que é o responsável por essa multidão de famintos e sem teto sob onde houver marquises que os protejam das chuvas.

No entanto, consegue desfrutar da beleza da Cidade, como extrair a pérola que é a materialização da doença da ostra:

 " ...então logo chego ao VLT e fico admirando a beleza noturna da região, as árvores, os prédios da Beira-mar. (o trecho do aeroporto à Cinelândia é imperdível, pela bela arquitetura ali reunida) ".

E seu olho de lince foca distante, onde "as travestis dominam os postes, o que sobrou dos orelhões, os cercados e muitas paredes. A luta pela sobrevivência exige estratégias de marketing. " (...) seis pessoas em situação de rua, mais seus três ou quatro cães de estimação, vivem a morte em vida debaixo de uma marquise."

"(...) no centro do Rio o prato mais popular é o pacote de biscoitos. Sempre há jovens e adultos indo e vindo com biscoitos pra disfarçar a fome."

" Na Nova Petrobras descem batalhões de funcionários estranhos com suas roupas corporativas de cores neutras,suas mochilas com notebooks e fones de ouvido que ajudam a apagar o cotidiano triste."

"Passo na quitandinha recém aberta, compro pão para depois fazer um queijo quente. Um guaraná também. Gosto da lojinha pequena, acolhedora, com jeito de antigamente.”

Certamente se lembrando de tempos acolhedores e sem a pressa histérica da sobrevivência atual.

Registra também fatos na sua Copacabana onde morou adolescente 

("Minha terra sempre será Copacabana, mas sou um cidadão do coração da cidade"). Descreve cenas antológicas num elevador com o cantor Cauby Peixoto e seu paletó de lantejoulas azuis, Clóvis Bornay e Rogéria nas noites do bairro; a Lapa de Madame Satã e do cantor Osvaldo Nunes - que a amnésia cultural brasileira juntou ao batalhão de nomes excluídos, assassinado por dois garotos de programa.

E continua: "O Largo da Carioca em silêncio de morte às seis da tarde. O povo foi expulso pelo desemprego. Há um certo silêncio triste e indisfarçável nos arredores. Burburinho mesmo só numa fila de moradores de rua para ganhar o sopão."

"Se a população envelheceu e a boemia encolheu, paciência, mas não há como apagar a história de bares e boates memoráveis, dos inferninhos aos templos da bossa nova..."

Memorialista da urbanidade, fala dentro dele a voz da preservação desse patrimônio:

" Pela milésima vez, tiro uma foto do relógio da Mesbla. Nunca se sabe até quando o relógio estará lá ou alguém se interessará em fazer o registro."

Renomeia sua série de pequenas histórias e cunha o nome de um famoso jornal paulista, conhecido pelo noticiário de crimes, “Notícias populares”. E se dedica, como num alerta na falta da atenção das autoridades, a uma espécie de aviso aos navegantes sobre as zonas de risco.

Antes de se despedir : "A semana será puxada no trabalho e continuarei preocupado. Muito preocupado. Tentar buscar energias sobressalentes e resistir. Escrever. Torcer. Sonhar. É isso: sonhar é preciso."

Cai o pano sobre a Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro.

Um livro imperdível.



Friday, January 19, 2024

Olelha

Eu era pequenininho e aprendi a falar "orelha" do meu jeito. Ficou "olelha". Minha mãe adotou pra sempre, pra nunca mais se esquecer da minha infância. Só falávamos "olelha" e ríamos. Aliás, foi o que mais fizemos: beijos, abraços, ver desenhos animados e risos. 

Quando fiquei adolescente, sei lá como, inventei a brincadeira do orelhão: nada mais era do que fingir estar discando um número de telefone na orelha da minha mãe. Ela dava seu chorinho de três segundos e depois começava a rir. Entretanto, não gostava da ideia de ter um orelhão. 

Nos anos finais, ríamos de bobagens. Ela tinha medo de que suas orelhas crescessem conforme a idade, o que acontece com idosos. Eu vinha e falava "olelha", ela já respondia com o chorinho. As orelhas eram pequeninas, o nariz era pequenininho e lindo - ela zoava meu pai por ter um narigão maneiro. 

Não houve tempo de crescer nada. Ela morreu muito jovem, com 61 anos. Quanta coisa deixamos de viver... Mas pelo menos ficaram as lembranças maravilhosas de uma mãe amorosa, divertida e de uma tremenda inteligência, que nem o pouco estudo atrapalhou. Era uma brasileira que lutou muito, sofreu muito, mas nunca deixou de dar amor e humor ao filho. Foi o que ficou. 

Olelhinha, que nem o Cebolinha, cujo sorriso era igual ao dela. 

@pauloandel.

Thursday, January 18, 2024

Três da tarde

Eu queria sair por aí, ir embora, tomar um sorvete e ir para uma casa. Sem nenhum luxo que não fosse um ar condicionado.

Eu queria dar uma volta para ver o mar e a natureza, como se fosse me despedir deles. 

E caminhar longamente por uma rua com muitas árvores - com pequenos micos, quase nenhum carro, quase nenhuma pessoa e adoráveis cachorros nas varandas das casa. 

Andar sozinho, do jeito que tem sido nessa terra de humilhações, agressões e desumanidade.

Eu queria sair por aí e deixar o mundo para trás, com sua covardia e opressão. Quem sabe poder pegar o primeiro avião para a terra mais distante, sem prazos nem rumos, sem planos, quem sabe? 

Eu queria andar num lugar onde não me sentisse tão estrangeiro, tão fora de propósito, tão desfocado do que chamam de senso comum. 

Numa rua de um bairro simples e com pouca gente, sem nenhuma sofisticação mas um mínimo de conforto. Olhando os muros, as arquiteturas, as janelas de serenidade. 

Queria também reencontrar a maioria dos meus poucos amigos, mas acontece que eles estão mortos, muito mortos, e nunca me deram qualquer sinal de espírito. Então esse querer se torna inútil pelas condições adversas. Eu me lembro deles, rio e choro com eles quase sempre, passo as páginas do livro dos dias sem que eles apareçam numa linha sequer. Só estão em minha memória e, quando ela morrer, tudo será inútil. 

Nada de lojas, mercados, produtos, roupas, artigos de vitrines, nada disso. Apenas caminhar numa rua bem arborizada e, com sorte, encontrar um senhor que venda refresco de laranja ou limão na calçada. É o que basta. Quase todo o resto é desimportante. 

Era apenas caminhar num dia calmo, de paz, sabendo que poderia chegar tranquilo em casa, tomar um banho, descansar, rir e depois mergulhar numa pacífica noite de sono. Depois acordar e ter uma boa manhã, com café, sem medos ou dores, sem a menor chance de sofrimento.

Era apenas um passeio descompromissado e simples, não a gota d'água. 

Pode parecer uma bobagem, mas esse simples desejo é impossível para centenas de milhões de pessoas, dentre as quais me incluo. Sou apenas mais um. A formiguinha perdida na grande serra, prestes a ser abatida porque na modernidade a natureza é inútil diante de grandes corporações construtivas. 

Não se trata de negar as conquistas admiráveis da ciência, longe disso, mas temos um mundo moderno para uma ninharia de gente. A maior parte está muito longe disso, longe de uma boa noite de sono, de uma casa com algum conforto, de um bom almoço. Neste exato momento, a alguns quilômetros daqui pessoas perderam as poucas coisas que conseguiram no trabalho de uma vida inteira - e agora estão com água até o peito. Nunca puderam passear direito porque sair sempre significou levar duas ou três horas até o trabalho, passar o dia e voltar para casa não para dormir, mas desmaiar de cansaço. 

Eu queria mesmo era a paz. Infelizmente ela é impossível para qualquer pessoa que tenha senso gregário, ainda que este item esteja a caminho da extinção.

Hora de fechar a janela, a porta, encerrar o expediente e aguardar mais um dia de pena. A cumprir. 



Monday, January 15, 2024

Há um lindo sol lá fora...

Começa a semana e o Rio tem o cheiro das ruas tristes, da morte estúpida e da indiferença. 

Como se não bastasse a miséria e a extensiva violência, hoje os fluminenses começam a semana sem terem dormido. Casas alagadas, pessoas arrastadas e desaparecidas, água batendo no teto, tragédia. 

Não é de hoje. Eu fui voluntário e trabalhei por dez dias seguidos na grande enchente de 1988, quando o Rio parou. Bem antes, em 1966, a tragédia foi ainda maior. A gente se lembra dos anos por causa do caos. A cidade do Rio, a Região Metropolitana do Rio, o Estado inteiro. 

É emblemático que uma das vítimas tenha desaparecido no Chapadão, que é um exemplo real do abandono do Rio. Nesta região só existem notícias de morte. O Estado simplesmente não chega lá. E para quem acha que é exagero, basta dizer que se trata de uma região onde não é incomum ver carros carbonizados com esqueletos nos bancos, enquanto homens, mulheres e crianças diariamente lutam para sobreviver.

Muitas coisas podem e devem ser ditas. Mas tudo será menor do que a incompetência, o descaso e até o deboche do Poder Público. Mais uma vez: isso não é de hoje. Trata-se de um longo processo de descaso, onde grande parte da população só é vista como gado lucrativo, refém de traficantes e milicianos, relembrada a cada dois anos apenas para as novas eleições, visando a construção de um país democrático que, sejamos francos, só existe nos nossos sonhos - e quem quiser discutir a verdadeira democracia do Rio tem várias opções de reflexão: Chapadão, Alemão, Adeus, Juramento, Grande Tijuca, Antares, Terreirão...

Por fim, há um lindo sol lá fora que não disfarça a tragédia de um país destroçado pela mentalidade individual, pelo "cada um por si, Deus por todos" e por um dos mais abomináveis ditados: "farinha pouca, meu pirão primeiro". As cidades partidas, onde minorias vivem em seus condados e a maioria vive uma desgraça incessante. Não é de hoje, apenas consegue ser pior do que antes. A cada janeiro o sol continuará a brilhar, mas debaixo dele é difícil esconder as lágrimas de tanta humilhação e desprezo. 

@pauloandel

Sunday, January 14, 2024

Fred, my friend

Fred teria feito 57 anos hoje. Foi meu primeiro amigo regular, daqueles de ver quase todo dia. Ficamos amigos na escola, eu tinha nove anos e ele ia fazer 11. 

Desde criança, ele odiava sair de casa e, por isso, todos nos reuníamos lá. Ouvíamos rock, jogávamos botão, vimos Flavio Cavalcanti, "Grande sertão: veredas", vimos o Kiss no Maracanã. Entre 1977 e 1992, sua casa foi uma espécie de laboratório intelectual, artístico e sentimental da nossa turma. Fomos felizes para sempre por quinze anos, era uma turma da pesada. Ah, fomos escoteiros também. Ah, jogávamos bola na praia também. Jogávamos cartas, ouvíamos discos, quase sempre ríamos muito, embora hoje eu pense que, de algum jeito, o nosso grupo carregasse uma pequena melancolia típica do nosso tempo: precisávamos estudar, trabalhar, progredir, tudo isso sem as ferramentas necessárias. 

Quando ele se mudou de seu ótimo apartamento no Bloco F do Shopping dos Antiquários, vivemos uma diáspora por quase dez anos e nos reencontramos lentamente, às vezes, a partir de 2003 - eu tinha sido expulso de Copacabana, tudo era muito diferente de hoje - mal tínhamos telefone. Tudo mudou no dia em que minha mãe morreu em 2007, se é que isso realmente aconteceu: voltamos a nos falar diariamente, passei a visitá-lo semanalmente em Copacabana. Tudo era diferente dos anos 1980 e 1990, mas o velho espírito da nossa amizade estava lá. Quando perdi minha família e o Xuru, achei que ele ia ser meu ponto de apoio mas não deu: ele morreria rapidamente em abril de 2009. Foi enterrado no dia do aniversário de meu pai, 17. E quando voltei do enterro, arrasado, para o escritório onde trabalhava, soube que Cler tinha encontrado o corpo de nosso amigo Alex, no Jardim Botânico. Foi um dia bem difícil. 

Sempre tivemos muitos pontos em comum, outros bastante divergentes, mas conseguimos algo raro nessa terra: fomos amigos de verdade. Mesmo. Ele faz muita falta agora. Chamava minha mãe de tia e foi a primeira pessoa a me acudir quando meu pai morreu. Escrevi um livro inteiro sobre o tempo de nosso convívio, joguei fora mas farei outro: estava pesado demais, não à altura devida do sujeito divertido que ele era. 

Fred faz muita falta. Na sala de sua casa vivi vários momentos divertidos de minha vida, alguns dos melhores. Em momentos onde tudo parece perdido, ele chegaria de alguma forma só para dar uma força. Nós nos ajudamos em momentos cruciais, quando um só podia contar com o outro. Um nunca deixou o outro na mão.

Muita falta.

Monday, January 08, 2024

Barão, Barão

Revendo "Por que a gente é assim?", o documentário do Barão Vermelho. Acho que é a quinta ou sexta vez. Bom demais. Vale a pena ver mil vezes. 

Sensacional ter visto tudo desde o começo, começo mesmo: voltando do Maracanã de 434, passando pelo Passeio Público, a Escola de Música da UFRJ, vinha a boate Holigay e na porta uma plaquinha: "Hoje - Barão Vermelho". Ninguém conhecia. Depois, as rádios tocavam "Pro dia nascer feliz" sem parar. Minha mãe adorava o Cazuza. Ele era monstruoso. 

Depois de vários shows, vi o poeta muito louco no Leblon duas vezes, achei "Declare guerra" muito phoda, achei sensacional Frejat gravar. Gostava dos dois trabalhos, o da banda e de Cazuza. Não quis ir ao show do Canecão porque me entristeceu saber que ele estava bem doente. Deveria ter ido, mas eu tinha 20 anos, não estava preparado para perder ídolos. Nunca estamos para perder ninguém, talvez. E Cazuza morreu num sábado, dia 7 de julho, dia do maior de todos os shows da Legião Urbana, parando toda a zona sul engarrafada com o Jockey lotado. 

No começo dos anos 1990, sons fantásticos. Em 1992, showzaço nos Arcos da Lapa pela Eco 92: Barão, Jello Biafra e Mano Negra! Teve toda punk, tirei o Xuru da porrada, ele não parava de rir. E pra ir ao show, ainda furei com a Luciana, que era a maior gata, não rolou mais. O rock é assim. 

Eu estava lá na chuvarada quando eles abriram pros Rolling Stones em 1995. Que noite! Fui nos dois dias por sorte: no segundo show, o Luizinho tinha um ingresso sobrando e me deu. Foi demais. Fausto Fawcett tava na pista, Claudia Abreu também, linda, pequenininha. Bom, aquele primeiro semestre foi um dos melhores da minha vida. 

Um belo dia, encontro Manu no Mercadinho. Tomamos chopes e tals, aí ela me disse que o Barão ia lançar uma música maneira dentro de um mês e cantou pra mim: "Ela é puro êx-taseeeeee". Demais. 

Em 2005 o Guto Goffi apareceu numa situação das brabas: meu amigo Xuru tinha descido da UTI do INCA para o quarto, foi lá na visita. Bela atitude. Eu olhava pra roda punk de 1992 e lembrava que já tinha 13 anos. Não se pode ganhar todas. O Guto também estava lá no enterro. E sobrou pra mim a fala sobre o Russo, com a capela cheia de gente. Pelo menos Cler estava lá e fez suas galhofas: "Caraca, tem seis ex agora do lado do caixão, isso é um esculacho". A gente riu, mas doeu pacas. Dói até hoje. 

Anos depois, fiquei fã do Mauro Santa Cecília, que é um poeta monstruoso, mas não exatamente por isso e sim pelas crônicas dele na Revista Programa do JB. Que saudade comprar o jornal das sextas-feiras! Enfim, mantivemos contato por anos via internet e um dia nos abraçamos. Tenho um livro inédito que tem que sair, sobre a Copa de 2018, onde o Mauro participa e também o Rodrigo Santos, que ficou duas décadas no Barão e é campeão brasileiro de shows, agora relançando o Front!

Peninha morava aqui perto. Cumprimentava todo mundo, tava sempre na feira e no Mundial, era uma simpatia. Devia estar por aqui até hoje. 

Torci pacas para que a banda continuasse e deu certo. Acho que o Suricato ficou muito bem mesmo. Preciso ter o "Efeito Borboleta", CD ótimo do Rodrigo com Fernando Magalhães. O álbum mais recente do Guto Goffi também. E claro, o Barão físico.

Enfim, de todas as bandas consagradas dos anos 1980, o Barão Vermelho é a que eu mais estive perto como fã desde garoto e minimamente também pelos encontros da vida. 

Um dia ainda escrevo sobre eles. É melhor não duvidar. 

@pauloandel

Falando de rock

Em algum lugar de 1977 eu caminhava com meu pai pelas imediações do Cine Vaz Lobo, quando compramos figurinhas para um álbum chamado Multicolor, que ele fazia ou eu, não sei. Estávamos juntos. Ao chegarmos em casa,  fomos abrir os pacotinhos e vi um nome do qual nunca mais me esqueci: Bob Dylan, hoje certamente o maior artista estadunidense vivo.  E muitos anos depois foi Bob Dylan que me deu o caminho para Jack Kerouac, uma longa estrada à qual eu voltaria muitos anos depois até me tornar um escritor publicado. 

No célebre apartamento 1346 de certo prédio na rua Figueiredo Magalhães, ventrículo de Copacabana, Fred me esperava com o álbum "A trick of the tail", do Genesis. Eu tinha medo da capa, acho. Mas gostei do som. 

Entre os dois acontecimentos, lembranças da propaganda na TV do programa Rock Concert.

E não parei nunca mais. Anos depois eu estava com a multidão pra ver o Kiss no Maracanã lotado, 1983. Música na rádio todo dia. Namorar os discos na porta da Billboard da Barata Ribeiro. Acompanhar o Fred ao Disco do Dia, que ficava no Centro Comercial de Copacabana, quase esquina de Siqueira Campos com a avenida. Tinha fila para comprar LPs. The Cure e Metallica no Maracanãzinho, Jethro Tull no Canecão; Titãs, Paralamas e Barão por todo lado; Joe Cocker no Maracanã, Prince, Paul McCartney. Oingo Boingo na Gávea. Bob Dylan na Apoteose, Clapton e Bowie também. Mano Negra e Jello Biafra na Lapa. 

Desde o fim dos anos 1980 mergulhei em muitos sons e gêneros. Hoje mesmo comprei um CD de percussão árabe. Fui ao samba, à bossa, ao jazz, cubanos, europeus, África, Ásia, minha coleção tem de tudo. E sou feliz por isso. Ouço música diariamente com a mesma empolgação daquele garoto sonhando na porta da loja com "1984" do Van Halen ou "Brothers in arms" do Dire Straits. Voei meu mundo ouvindo música, mas quem me deu as asas foi o rock. 

Pra contestar, pra protestar, pra namorar, pra se entristecer, para pensar. Pra estudar. Álbuns como os do Clash, do Pink Floyd, do Rage Against The Machine, de Peter Gabriel, todos fazem pensar e buscar outras fontes: livros, filmes, quadros, peças. 

O rock mudou muita coisa no mundo, ainda que nem todos entendam e achem que faz sentido ser roqueiro e reacionário. Não é nada disso: o rock é revolucionário, é desafiador de definições, é demolidor de barreiras. Foi ele quem deu chance às expressões de combate ao racismo e à homofobia: basta pensar em Little Richard, para quem os jovens Rolling Stones abriram shows. E o rebolado incomparável de Elvis Presley? E as loucuras de Jerry Lee Lewis? 

Neste momento a TV mostra um prisma grandioso no palco do show de Roger Waters. É um símbolo que atravessa o mundo há 47 anos: até mesmo quem nunca ouviu o Pink Floyd já viu aquela capa preta extraordinária, uma obra de arte do século XX. 

Rock é postura, atitude, celebração, catarse coletiva. Os grandes barões do gênero são sexagenários, septuagenários e outros já deram adeus. Mas todos, de uma forma ou de outra, ainda encantam e influenciam milhões de pessoas mundo afora. O rock não vai morrer, o rock não vai acabar. Em tempos de ódio e indiferença, no meio de uma pandemia, diariamente alguém passa pela minha lojinha e saca um AC/DC, Deep Purple ou Joelho de Porco. Ou Ira! ou Tortoise. Tanto faz se é Premê ou Replicantes, Fellini ou Autoramas. O rock é pra abalar o óbvio e sacudir comodismos. 

O rock é puro êxtase, se me faço entender.

Estrangeiro

02/2022

Cai a noite no coração da melancólica Guanabara, que perdeu até suas papelarias tão encantadoras para o poeta Carlito Azevedo. 

A Leiteria Mineira quase sucumbiu mas resistiu, para a alegria do cineasta Luiz Carlos Lacerda. 

O Copacabana Palace abre suas portas para uma noite de latin jazz, bem perto do Beco das Garrafas, palco de histórias da arte. 

E eu escuto Albert Ayler, vejo Leandra Leal na TV em silêncio e penso nas derrotas do dia. 

Um garoto preto pobre preso com um pacote de mão e uma camisa do Flamengo. 

Um garoto triste e sofrido dormindo na estação Sete de Setembro do VLT. 

Olho para o WhatsApp e leio as falas cínicas de um homem de Deus.

Que ora, jejua, sobe montes e mente também. 

Troco Ayler por Prince e lamento sua morte tão precoce. 

Lendo Ruy Castro e Assunção, apoiando o embate. 

A linda baiana Emily há muito se foi da vizinhança. 

E Dona Marina está longe, bem longe em Paciência. 

Então revejo haicais do poeta Jocemar Barros e cartões postais de Ana Klein também. 

Onde está Keith Jarrett? Onde está Joe Jackson? Onde está Ben Harper? O mago Wayne Shorter se recolhe muito bem. 

Penso no pré-sal que roubaram do povo triste e usaram em bel prazer. 

Os hipócritas são felizes demais e não se importam com o mal que criam. 

Eu quero a baleia do Parque Peter Pan de volta ou pelo menos a minha prancha de isopor para turistas. 

Eu quero meus doze ou quinze anos de idade numa terra com bem menos ódio. 

Eu quero o fim das guerras, da escrotidão contemporânea. 

O maestro Gerald Thomas redime minhas tardes com seu contrabaixo arisco. 

E penso em gente amontoada debaixo de marquises vizinhas. 

Choro pela minha pátria mãe em prantos diante de tanta covardia. 

O poeta Allen Ginsberg ainda está vivo por sua obra tão devastadora. 

Deus não está desatento dos pastores covardes, nem pretende baixar na esquina. 

A TV num súbito encerra a série e pouco se tem a dizer de Leandra tão linda. 

@pauloandel

Saturday, January 06, 2024

Zagallo

Dado o inevitável da vida, a passagem de Zagallo sugere muitas reflexões sobre o futebol brasileiro, onde ele é uma página eterna do nosso esporte há décadas. 

Como jogador, reinou por Flamengo e Botafogo depois de passar pelo America. Do jovem recruta do Exército no Maracanã diante do Uruguai ao campeão mundial na Suécia, a distância é de apenas oito anos. Do quase corte da Seleção à consagração em 1958, com direito a gol do título, foram apenas alguns meses. E dos palcos suecos para o Chile, apenas mais quatro anos. Se parássemos por aqui, o Velho Lobo já teria um currículo monumental, mas o destino lhe reservou muito mais. 

Não há dúvidas de que a maior Seleção Brasileira da história começou a ser desenhada por João Saldanha, mas também é impossível não reconhecer que o Brasil do México 1970 foi todo reescalado e adaptado por Zagallo, dos cinco camisas 10 no ataque ao miolo de zaga com Piazza recuado. É o time dos sonhos que se tornaram realidade. 

Do campeão pelo Fluminense em 1971 ao gol de falta de Petkovic em 2001, Zagallo viveu trinta anos dourados. Ganhou e perdeu títulos, viveu novas emoções com a Seleção Brasileira. Comemorou o Brasil tetracampeão mundial nos EUA como coordenador técnico, foi vice mundial na França em 1998. Estava no Botafogo quando o Alvinegro alcançou o recorde brasileiro de invencibilidade em 1978, com 52 jogos. E faturou petrodólares nos primórdios do futebol árabe. 

Seria impossível para um homem de tamanho mundial não se envolver em controvérsias e polêmicas pelo caminho, mas todas são pequenas diante de sua estatura. Tão grande que já era imortal muito antes da própria morte, anos depois de sua última grande aparição pública, conduzindo a tocha olímpica no Rio de Janeiro para os jogos de 2016. 

Por fim, sua longa e gloriosa trajetória também se mistura ao folclore, como na superstição com o número 13 que sempre lhe acompanhou. Se pensarmos em expressões como "Brasil campeão" ou "Seleção de Ouro", ambas possuem exatas treze letras - e fazem todo sentido como o desfecho de uma vida espetacular, vitoriosa e que agora deita em berço esplêndido. 

É que os sinos dobram pela vitória. 

@p.r.andel

Wednesday, January 03, 2024

Três de janeiro

Há exatos dezessete anos eu trocava minhas últimas palavras com minha mãe. Trouxe um sanduíche de frango para ela. Não estava bem, nada bem, mas eu nunca imaginei que ela fosse morrer naquela noite. Então ela lanchou, dormiu, eu dormi também e à uma da manhã meu pai me acordou dizendo que ela tinha parado de respirar. Aconteceu. 

A vida é passageira, todos vão passar. O que achei profundamente injusto é que, depois de tantos anos de dificuldades, estávamos num momento razoável. Ela tinha 61 anos, jovem demais para os padrões atuais. E por mais que todo filho deva estar preparado para isso, a verdade é que nunca está.

Num curtíssimo período de tempo, morreram meus pais, meu irmão foi embora, morreram também Fred e Xuru. Todo o meu apoio. Eu nunca mais me recuperei disso e desde então venho pagando uma espécie de pena particular, que parece perpétua. Foi a partir destas perdas que me tornei um escritor, não por vaidade mas por necessidade de ocupar minha cabeça, trabalhar, trabalhar, trabalhar. Minha derrota não me impediu de publicar coisas bonitas, importantes e até brilhantes, mas o motivo de tantas páginas sempre foi o de tentar aliviar uma dor que simplesmente não tem alívio. 

Desde então, tive vários momentos felizes, construí coisas, juntei pessoas e me separei delas. São dezessete anos, mas parece que foi anteontem. É o mesmo dia com algum sol, o mesmo começo do ano e, em alguns janeiros, o mesmo passarinho piando na janela como se quisesse deixar algum sinal.

Pelo menos tive minha mãe, por trinta e poucos anos, nos bons e maus momentos. Especialmente entre os meus dez e dezesseis anos, tivemos uma convivência divertidíssima.

Ela sempre me ajudou, me incentivou e foi uma pessoa espetacular, daquelas que pega a pessoa em situação de rua e leva para casa pra ajudar. 

Está acabando o dia, o sol parece tímido. Três de janeiro é dia de pessoas muito importantes: Sergio Leone, Washington do Casal 20, Luiz Carlos Prestes. E é o dia que minha mãe disse adeus.

Monday, January 01, 2024

Resoluções 2024

AGORA QUE A RESSACA TOMOU O LUGAR DA FESTA...

E tudo voltou ao normal porque a vida não muda por causa de datas, vamo lá: 

1) Trate os outros como gostaria de ser tratado. Em tudo. Tudo mesmo; 

2) A vida é feita de ciclos. Convém não desprezar ninguém, especialmente os mais humildes e desfavorecidos. Muita gente hoje no total ostracismo já teve muito dinheiro e poder, e vice-versa;

3) Amizade é reciprocidade. Onde não há reciprocidade, não há sequer coleguismo; 

4) Em vez de olhar tudo pela lógica pessoal, é sempre mais honesto tentar se colocar no lugar do outro; 

5) Quem não tem tempo para você nas horas difíceis simplesmente não serve para hora nenhuma. Com algum talento, qualquer um organiza um jantar, convescote ou uma suruba. Difícil é escutar a dor do outro e ajudá-lo; 

6) Todo mundo tem problemas, mas só uma mente absolutamente estúpida os iguala, às vezes por conveniência hipócrita para justificar inação. Se o meu problema é marcar férias em Paris e o seu é uma demissão ou doença, eles naturalmente não são iguais nem aqui, nem na China; 

7) Jamais confie em pessoas que dizem se esquecer de tudo, por um motivo óbvio: na hora H, elas simplesmente vão se esquecer de você; 

8) Se você quiser ter sintonia de verdade com uma pessoa, é fundamental terem prazer em conversar. Para ser amigo, namorado, marido, amante, qualquer coisa. A boa conversa edifica o mundo;

9) Poucas coisas são tão lamentáveis quanto a omissão. Não se omita: isso depõe contra o seu caráter; 

10) Certas pessoas confundem veemência com grosseria e personalidade com agressividade. Melhor não tê-las por perto; 

11) É possível aprender alguma coisa diariamente com qualquer pessoa, mas as melhores lições costumam ser ensinadas pelas pessoas mais simples, que às vezes nem sabem que estão ensinando. Aprender coisas com funcionários de portaria, coleta de lixo e expedição que muitos professores nunca aprenderam para ensinar; 

12) Todo ser humano merece atenção, exceto os desprezíveis (falsos, calhordas, hipócritas, bajuladores etc). Mas também não é preciso haver briga. Basta desprezá-los por completo. Todo calhorda sabe quando cometeu a calhordice, portanto simplesmente ficará em silêncio escroque. E você se livra de uma porcaria;

13) Cuidado com a vaidade excessiva, que toma o espaço de tudo. Ela pode fazer perder oportunidades e pessoas incríveis, para sempre;

14) Pedir desculpas é uma qualidade, porém inútil se não for acompanhada de verdadeiros arrependimento e ação; palavras, o vento leva. O que muda o mundo são as atitudes. 

15) Menos é mais. 

Feliz 2024.

@p.r.andel