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Wednesday, November 29, 2017

amigo

Diante da miséria, do sofrimento, da dor, da doença, do risco de morte, qual o sentido do ódio na vida? Quanto tempo se desperdiça com inutilidades, com vaidades fúteis, com ruindade? Basta você olhar para o lado, o próximo, o pedinte na esquina, o esfomeado, o zumbi debaixo de crack e toda a empáfia vai ao chão.

É tudo inútil.

Viemos aqui para fazer coisas legais, progredir, ajudar o outro, aprender. Todos nascemos ignorantes, mas o aprendizado é permanente. E quem insiste na ignorância como meio de expressão nunca vai ver direito a tarde de sol, a criança caminhando na rua com seu biscoito à mão, o passarinho pousando na terra batida da praça.

Centenas de milhões de pessoas não podem usufruir dos confortos da Terra. Casa, comida, água, bens essenciais.

A vida escorre nos hospitais, no ódio estúpido, na violência que mata e mata sem sentido, na ganância, na negação da arte, na discriminação, no racismo, na homofobia, na retórica fascista, totalitária. Na ganância, a ganância.

Acabei de olhar para trás e vi 25 anos voarem longe.

Um amigo está em grande dificuldade num hospital.

Torço por ele. Torço, torço, torço.

Horas atrás, vivi uma felicidade estupenda ao me encontrar com Falcão. Agora, um rio de tristeza.

Não contem comigo para o ódio. Tenho mais o que escrever.

O ódio é para os fracos, os mal-amados, os que não veem os outros como amigos, os complexados, os rancorosos que têm certeza da própria mediocridade.

Numa triste manhã de quarta-feira, com trabalhos parados por motivo de força maior, meu tempo é para tristeza e amor.

Saia dessa, meu amigo. De alguma forma que não sei dizer.

@pauloandel

Monday, November 20, 2017

o berço esplêndido da dor

deitados eternamente
em chão de derrotas
a cada lindo dia de sol
ou nublado cheio de uhus!
e batidões e palmas das mãos
enquanto milhões de outras
mãos estendidas só pedem
clemência e até humanidade
um bem tão raro que até parece
valer dinheiro cru a olhos vivos
onde foi que nos perdemos? 
onde aprendemos a estupidez
ao dizermos que essa é 
a vontade de deus quando dele 
só esperamos generosidade e o que 
se vê aqui é avareza miséria 
ódio pelo ódio pelo ódio pelo ódio
tentativas de limpeza étnica 
travestidas de combate ao crime
enquanto nobres lordes brindam
nas milionárias sacadas das orlas:
'viva a escrotidão cosmopolita, viva!
não fomos nós que inventamos isso!
precisamos manter nossas putarias!'
as garotas são escravas dos puteiros
a polícia mata e morre por quem não
precisa dela mas sim de seus favores
mas já estamos perto do Natal e vamos
nos abraçar até chegar o carnaval
e depois a nova copa do mundo, uhu! 
aprender lições não é o nosso forte. 

Foto: Paulo-Roberto Andel




Saturday, November 18, 2017

simone mazzer's blues

enquanto teu corpo
me falta eu ouço um
rock na tevê miando
versos de amor e voz

a cantora grita afinadamente

e a guitarra me distrai em cor

num quarto escuro em noite
quente enquanto teu dorso
não me vem à boca em sonho
nem a carne fresca em pêlo

somos todos infelizes a granel
com delivery e smartphone

enquanto teu corpo
é lenda insone eu só
penso num jeito de
acabar indiferenças

se o futuro é a morte
e o fim do mundo é logo ali
por que a gente perde tempo
e não transa a vida logo?

ah, solidão insana que ejacula inbox whatsapp instagramático

os corações parecem sedentos
num país debaixo dos escombros

@pauloandel

Wednesday, November 15, 2017

quando o outro é nada

o problema está em
como vemos o outro
o outro

o maldito outro
o mendigo, o negro
o pobre outro
o transviado
o bêbado caído na porta do bar
- então fingimos: 'nada disso
nos pertence' 
é mentira! 

o favelado, o porteiro
que nosso preconceito estúpido
não cogita aceite
- nós somos escrotos covardes!

gente que não nos parece 
gente mas é gente demais

aí está o país dos empregadinhos
gente tratada como números
ou pela nova pérola: 'recursos'
então dizimamos a praça
trocamos de calçada e sonhamos
com a mudança para Miami:
o mais cafona dos sonhos! 

e quando não choramos pela
miséria em veias abertas debaixo
das marquises
e cogitamos uma bomba na favela
aí sim falta o outro
que nos diga sobre a nossa estupidez
que desvele nossa ignorância 
e arrase nosso anseio escravagista:
- não queremos funcionários mas
escravos contemporâneos

os trens lotados são navios negreiros
a praça de lágrimas é a dor
dos miseráveis 
e a empatia escorre por entre os
nossos dedos das mãos
o outro é o problema
o inferno
eu não tenho nada com isso
e não inventei o mundo
mas faço parte dele feito
o transeunte mais idiota

o problema está em
não tratar o outro feito
lixo, mas infelizmente hoje
essa é a voz do Brasil
a voz do Brasil, a pátria estuprada
em nome do vil capital
gente feita de massa podre
num estado que significa 
decomposição

Thursday, November 09, 2017

Noite de autógrafos


Thursday, November 02, 2017

Finados?

Então é Dia de Finados.

O dia dos que tiveram fim.

Seria isso mesmo?

Sim, quando penso que é impossível não chorar por causa da ausência de meus pais, que se foram justamente quando estavam tendo algum conforto material. Não há beijo, nem abraço, nem bom dia e fica uma certa impressão do mais ensurdecedor dos silêncios.

Não, quando penso que a ausência física é apenas física, porque os sinto por perto o tempo todo.

Para tentar aliviar a tristeza das perdas, comecei a escrever feito louco, o que me permitiu ser publicado e, com isso, ter ajudado na alegria de milhares de pessoas. Muitas vezes recebo mensagens de pessoas que dizer ter chorado ao ler algo que escrevi, mas não creio que seja por tristeza. É o que elas dizem.

Não aliviou, mesmo com treze livros em pouco menos de sete anos. A tristeza volta toda hora, só que com o passar do tempo ela é combatida com muitas lembranças divertidas e também inspirações. E então continuo escrevendo. Esta foi a principal razão: fazer da tristeza a reflexão.

Meus pais, os escritores que leio, os músicos que ouço, os artistas que vejo, os poetas, os homens de visão social, todos eles estão mortos, mas nem tanto. Todos eles estão aqui perto de alguma forma praticamente todo dia.

Tenho andado há meio século pelas calçadas do mundo, aprendendo, sofrendo, sonhando. Entender todas as injustiças é difícil demais, porém esta mesma dificuldade é também a vida. A vida. Não sei se um dia alguém pensará em mim ou me sentirá por perto, mas sei que eu mesmo sinto isso quase todo dia por muita gente.

Os finados são na verdade continuados.

Existe amor, por mais estranho que pareça dizer isso em meio a uma tempestade de ódios, recalques e pequenez humana, como se pode ver diariamente pelo mundo. Mas o ódio é dos infelizes, dos que têm consciência da própria mediocridade, dos que usam a inveja como ópio, dos pobres egoístas e pernósticos.

Existe amor. Eu sei e sinto isso, até mesmo nas palavras que não foram escritas ou ditas.

Os finados estão vivos demais.

Vivamos também.

@pauloandel