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Tuesday, April 30, 2013

Secret world in motion

não existe propriamente

fracasso em derrotas:

o mesmo caminho que se fecha

oferece nuances e frestas

abre espaço e as réstias do sol

inundam com seu calor e luz

o que parecia tão turvo

não existe fracasso em derrotas:

a perda está em não lutar

temer a vida ou omitir-se -

nenhuma verdade pode ser

encontrada se alguém mente

para si mesmo – não existe

fracasso mas tão-somente

o próximo passo

a próxima parada

a conquista de outro horizonte

que, neste, sequer se desenha

ou se imagina -

o fracasso é apenas

um hiato da vida: seu tamanho,

cada um determina -

chora, ri, vive, exerce a sina

@pauloandel

Gimme gimme shelter!

Oh, a storm is threat'ning


My very life today

If I don't get some shelter

Oh yeah, I'm gonna fade away



(2x)

War, children, it's just a shot away

It's just a shot away



Oh, see the fire is sweepin'

Our very street today

Burns like a red coal carpet

Mad bull lost its way



(2x)

War, children, it's just a shot away

It's just a shot away



Rape, murder!

It's just a shot away

It's just a shot away



(2x)

Rape, murder!

It's just a shot away (2x)



The floods is threat'ning

My very life today

Gimme, gimme shelter

Or I'm gonna fade away



War, children, it's just a shot away

It's just a shot away (4x)



I tell you love, sister, it's just a kiss away

It's just a kiss away (4x)

Kiss away (2x)   Jagger/ Richards

Monday, April 29, 2013

Natalie means love

Saturday, April 27, 2013

"Só entende quem namora"

O aniversário da mulher mais linda do mundo (ou sobre ontem, hoje e qualquer dia)

Então é o aniversário da mulher mais linda do mundo. E o que deve ser dito para a mulher mais linda do mundo? Como presenteá-la? O que fazer? É CLARO que você não sabe ao certo. Mas algumas coisas podem ser feitas ou ditas, ou nem tanto. Por exemplo, que tal dizer que ao tê-la visto pela segunda ou terceira vez na vida você imediatamente fez um poema, publicou-o para que muitos vissem e nenhuma das tuas amigas de lá te perdoou por isso até hoje – simplesmente porque você a elegeu a mulher mais linda do mundo com duas ou três olhadas? Ou também dizer que, naquela segunda ou terceira vez, você a achou tão espetacular, passando com suas três amigas menos bonitas, todas charmosas, ela mais charmosa do que as outras três juntas – ao menos dentro do teu coração - perto de um churrasquinho de faculdade, que aquilo até expurgou do teu verdadeiro coração uma mulher que não te merecia e que agora te procura à toa – e que Livia Klein te deu uma bolsada por isso? É uma boa ideia. Bom, não chegue ao ponto grave de dizer que já beijou outras mulheres e – em praticamente todas as vezes - fechou os olhos pensando nela – nem toda mulher, mesmo que seja a mais linda do mundo, precisa saber disso, mas se for o caso de dizer, diga, pois as verdades nasceram para ser ditas e vividas, mesmo que em vão, sempre demolindo paradigmas. Também não diga – ou agora diga! - que não se conformava com aquela beleza toda pertencer à outra arquibancada, mesmo que quando você a via numa foto, só enxergava outras cores no conjunto. Mas você pode dizer que ficou apaixonado por sua dança, seu jeito, seu charme, seu baile à ribalta num dia em que teu tio morreu, tua mãe chorava a seco e você não sabia o que fazer ou dizer, apenas escrever um poema e um poema e outro poema para esconder a dor. Você também pode falar de seus olhos de ágata, de seu jeito delicado, de sua voz deliciosamente carinhosa e contar que ficou – completamente! - embasbacado ao vê-la numa estação subterrânea de metrô, talvez como não ficasse há muitos anos e que, se não tivesse namorada naquele instante, talvez a sequestrasse e fugisse com ela sem pedir resgate e partiria para Londres, Nova York ou até mesmo São Paulo – sim, até São Paulo pode se salvar quando tem em suas ruas a mulher mais linda do mundo – sem trocá-la por dois milhões de dólares, por exemplo – e você pensou seriamente nisso, caso ela tivesse dado alguma oportunidade de ser refém – e deveria ter sequestrado sem piedade porque era isso o que você queria. E pode também dizer que ficou embasbacado como um velhote babão ao revê-la poucos anos depois numa tarde de chuva imensa, ao lado da mãe que é uma simpatia – e é claro que você não é um velhote babão, ninguém acredita nisso salvo uma ou outra, mas um pouco de dramaturgia dá algum tempero ao conjunto da obra. E que foi muito difícil voltar para casa horas depois. Ora, fale das vezes que pensou em estar de mãos dadas com ela em lugares que têm natureza, paz e silêncio, e que pensar só não foi melhor do que se realmente tivesse estado. Ou das vezes que se surpreendeu com seus telefonemas, adorou a voz, mas nunca ligou de volta porque para você isso era verdadeiro risco de morte. Que tal dizer que queria ter viajado com ela para mil lugares, escutado todas as músicas, conversado com mil carinhos, visto todas as estrelas – a Vega inclusive - e que teria trocado todas, todas, todas as garotas que teve - aqui não importa quanto – só para estar ao seu lado numa tarde de outono qualquer – não deixe de dizer dos beijos que subverteu por causa disso! - a maioria não teve amor algum! Amar é abanar o rabo, disse Cazuza – como se a vida fosse eterna? Diga o quanto você gosta de ver o sorriso dela numa foto de rede social de computadores. Conte-lhe que é uma personagem constante de seus livros e crônicas – e que isso já te custou alguns pequenos tabefes, dezenas de esporros quase merecidos, namoros desfeitos e muitas sentenças de ciúme (até ontem ao menos). Por que não fala quantas vezes sonhou com ela, dormindo ou acordado? Lembre-a do orgulho que tem por tê-la conhecido, de tantas coisas boas que desejou a ela e dela mesmo que numa distância física enorme. E que adorava ver tua caixa postal eletrônica com o nome dela mesmo que com assuntos mais que banais – é a banalidade que leva à profundidade da vida. É justo contar que você teve e tem ciúmes de todos os namorados dela, que não queria que ela fosse embora do Rio de jeito algum e que ficou muito feliz quando ela aceitou colaborar com o seu sítio de futebol – outrora uma bobagem e está, por enquanto, em vias de se tornar algo sério, típico do mundo dos adultos que você, Peter Pan completamente fora de hora, granada juvenil sem pino, insiste em desafiar. Caso ela pense que tudo é bravata, pensando não ser a mulher mais linda do mundo, você tem a saída: é claro que ela é a mulher mais linda do mundo, mas, mesmo que não fosse, seria a mulher mais linda do mundo para os teus olhos, o coração e a mente – e isso é mais do que suficiente por ora e horas. Ela, tão linda, ainda acha ingenuamente que está envelhecendo e isso jamais acontece por trás do teu par de óculos, sempre a admirá-la onde quer que esteja, porque a cada dia que passa ela fica mais linda. Ela ainda é uma menina, com seu sorriso de menina mais linda do mundo e nada vai mudar isso em teus poemas e cartas e textos banais. Diga-lhe sem falta o quanto a acha maravilhosa, simpática, doce, sexy, atraente, provocante, apaixonante, espetacular, querida, desejável, amável, adorável e todos os outros predicados que você não escreve aqui – embora pense muito - porque simplesmente está engasgado e não se lembra das melhores palavras – mas as sente, sente muito também, sente o tempo inteiro como se ela estivesse do teu lado agora num banco de praia do Leme às seis da tarde naquele mesmo outono, e vocês bebessem um drinque sem álcool e rissem um para o outro sem qualquer motivo aparente que não a companhia um do outro. Ou nas pedras quase desertas da Urca, ali onde mora o pôr-do-sol? Ou no Alto, em Teresópolis? Ou na arquibancada tricolor com pouca gente num jogo de pouco atrativo? Ou num filme EUROPEU esquisito como esses que você tem visto aos montes em cinemas alternativos com frequentadores esquisitões. Diga-lhe de como pensou nela quando você estava num quarto de hotel vazio em São Paulo, 2011. É bom dizer que também pensou em Belo Horizonte em 2012 às sete da manhã quando se falaram e isso deu num conto de livro a ser publicado em breve ou longe. Fale a ela que sempre a achou a mulher mais LINDA do mundo mesmo quando você não deu um suspiro sequer de demonstração disso – o que foi raro. Quer dizer que teria sido o velho mais feliz do mundo se tivesse passado momentos legais ao lado dela numa cidade ou bairro qualquer? Faça. Não esqueça de lhe dizer de seu charme, de sua elegância, de sua formosura que são capazes de te deixar gago ou sem palavras por vários instantes diferentes. Sim, ela é linda, é a mulher mais linda do mundo e dança muito, uma profissional da dança, enquanto você mal sabe mexer os braços mediocremente e nem parece o corredor que foi um dia; contudo, se não consegue acompanhá-la na dança – impossível! – dê a ela um novo poema, fale de sua beleza indestrutível, diga-lhe o quanto a adora e não fuja disso – ela é linda demais para não receber todas as loas do mundo hoje e sempre. A mulher mais linda do mundo faz aniversário hoje e o presente quem ganha é você, que a carrega no coração noite e dia, nas tempestades como essa agora há pouco na outra sala com a gente insana que só entende de inveja e nem uma gota sequer de amor. A mulher mais linda do mundo faz aniversário hoje e nada a fará menos do que a mulher mais linda do mundo em nenhum momento. Ela não está do teu lado, ela não vai ver o jogo de amanhã com você e nenhum de nós tem a menor ideia do que significa esse estranho caminho chamado futuro, mutante e efêmero, ninguém sabe quando ela estará aqui – onde mora teu amanhã? Mas é importante que ela saiba o quanto você a quer bem, o quanto a adora, o quanto a ama desde que a viu pela primeira vez passando na portaria de um prédio que já não existe em outro lugar que não seja a tua memória, o quanto ela te faz bem mesmo que com tão pouca coisa. E como é bom vê-la hoje, amanhã, sempre, o tempo não tem nem terá importância, o que passou, vale o sentimento e o pensamento que voam rasantes sem a menor chance de serem abatidos. Você também pode dizer que Anna riu loucamente – e talvez até por ciúmes - quando soube deste cartão de aniversário e disse que você era maravilhoso, genial e também anormal – você é anormal mesmo, nenhum problema! Chegou o aniversário da mulher mais linda do mundo e é claro que o teu coração é feliz por tudo o que ela representa. Um dia será ainda mais – e tão lindo quanto ela, oxalá. Para a mulher mais linda do mundo, nunca é tarde para se deixar o beijo de sempre, o carinho de sempre, a satisfação de sempre, o amor de sempre, a admiração que começou do nada e virou um poema de parede para todo mundo ler, tudo o que nem uma prosa assim sabe contar tão bem. Esse cartão deve seguir com uns sete ou cinco anos de atraso, mas e daí? Nada mudou nele. E você sorri porque a acha muito, mas muito linda. A vida não rima com vão, a vida é hoje e hoje é o dia dos parabéns, todos os parabéns para a mulher mais linda do mundo, linda do teu mundo e onde mais for possível ou viável. Linda sempre, tão linda demais que nenhuma prosa é suficiente para descrevê-la. É QUE você a adora, eis a mais provável explicação.

Parabéns de sempre, beijo de sempre.

Esta prosa foi escrita num único take de vinte e oito minutos em 24/04/2013, sem revisões, exatamente como tinha de ser.

O título é um dos versos de "Pro dia nascer feliz", Cazuza & Frejat, 1982

@pauloandel

Friday, April 26, 2013

Mendigos e amores

Dois mendigos conversavam na grade da portaria do prédio onde moro, perto dela melhor dizendo, no fim desta quinta-feira que virou sexta, num tempo muito louco e diferente que tenho vivido.

Tinha acabado de ver meus amigos Kátia e Luiz, planejei uma pequena loucura, andei pela Prado Júnior quase à meia-noite e senti aquela alegria incontida que todo morador de Copacabana sente quando caminha feito hemácia pelas artérias de asfalto do bairro-mundo. Depois, tomei um táxi, pedi para ir pelo Aterro e lembrar do tempo em que dona Célia levava a mim e a seu filho, meu amigo Adão, para lancharmos cachorro-quente olhando o Atlântico Sul. Depois, as ruas intrincadas e desertas do centro da cidade, voltei para a Cruz Vermelha.

Um deles escutava um velho radinho de pilha, o outro ria e dizia de uma namorada do passado.

Desde pequeno eu considero inaceitável vivermos num mundo tão grande, com tanta terra e comida para que pessoas sejam miseráveis e morem nas ruas, não tenham casa, mexam no lixo em busca de uma refeição. Há quem não saiba ou finja não saber disso.

Alguém vai dizer que eu não passo de um comunista, no que tem toda razão. É um de meus orgulhos. Nasci em 1968, tive tio e pai presos pela ditadura, sempre estivemos em casa perto de Brizola, Darcy, Niemeyer, Prestes. Nunca aceitei e nem aceitarei a injustiça do mundo em termos de aparte social.

Não tenho dinheiro para tirar todos os mendigos da rua. Era o que eu queria.

Num súbito, parei e disse a ambos que eram importantes. Eles riram. Tinha dez reais e dei. Um deles me disse que eu era uma boa pessoa. Tenho andado pelo mundo e várias vezes há quem diga que sou uma boa pessoa, isso me dá alguma alegria.

Perguntei-lhes do amor que conversavam, o mais velho disse que era coisa de uns quarenta anos atrás, que nunca tinha esquecido a garota – era cozinheiro num restaurante e ela, garçonete – depois, por alguma razão que não disse ao certo, nunca mais se viram. Vejam bem, quarenta anos atrás, o sujeito padece num sofrimento sem par e fala de amor debaixo da marquise. Engoli minhas lágrimas e percebi o quão humano era aquele momento. Apertei-lhes as mãos, ambos pareceram surpresos.

Tomei o elevador. Carregava comigo um pequeno presente que vou entregar o mandar entregar para uma linda mulher. Desci no oitavo andar, escutei minhas vizinhas lindas conversando alto e rindo, jovens e lindas, cheias de vida, a vida que nos permeia e aquece e oferece calor até mesmo os sofridos mendigos da marquise do prédio onde moro, que não é meu, que nunca será meu e nem quero.

Eu não passo de um pobre comunista, com meus sonhos, meus planos falíveis, minha inquietude que me faz de pedra sem limo, rolando pelos cantos e vielas. A madrugada range e me sinto triste em não ter condições de abrigar aqueles senhores admiráveis que falam, vejam!, de amor na noite fria e abandonada, em plena tempestade de sofrimento.

Então penso que Anna me chamou de sensacional e anormal, toda a razão é para ela. Eu não posso mudar a vida dos mendigos, eu não sei se meu amor dorme, eu não sei como vai ser o amanhã depois da manhã. Mas me sinto bem em não deixar pedra sobre pedra na vida de ninguém, mesmo que seja com um simples aperto de mão, já que o interlocutor jamais esperava por isso. Viver é surpreender acima de tudo.

Não dormi direito até agora. Vi os dois mendigos como sinceros camaradas, corretos irmãos. Estamos tão perto e tão longe por causa dessa besteira chamada sociedade. Eles também não deixaram pedra sobre pedra no meu caminho: quando um eles falou da amada, aí tive certeza de que meu pequeno presente terá o destino mais certo de todos. Estou do lado dos mendigos, dos sofridos, dos amores. Eu sempre fui um comunista.

@pauloandel

Monday, April 22, 2013

Copacabana gris


TENHO VOLTADO muitas e muitas vezes a Copacabana, como se jamais tivesse deixado de ser morador do bairro, acontecido há vinte anos. É o que fiz há pouco, antes de escrever isso.

Muitos a chamam de “Princesinha do Mar”, justa lembrança do compositor Braguinha. Outros a veem como o paraíso perdido da luxúria e do underground.

Para mim é tão-somente a velha Copacabana, com suas esquinas de galeras, garotas bonitas, Eliane com seu sorriso indestrutível na Siqueira Campos, grupo de escoteiros, futebol na praia, futebol no Corpo de Bombeiros, mendigos conhecidos, pivetes, putas, travestis, generais e tudo o que uma fauna urbana tenha de melhor. Lanches no Bolonha, noites no Gordon, decotes entusiasmados na Bolero, peep show na Maiami, carteado na casa de Buja, campeonatos de botão no Luizinho, debates sem sentido no Sniff, amasso no Arpoador, filmes no Condor. Mesmo que muito disso já esteja morto há muito tempo, vive em meu coração.

AGORA escrevo depois de ter caminhado por suas areias, visto sua deliciosa decadência que se mistura com vanguarda. Narcisa pode descer linda de seu prédio e subitamente dizer um palavrão, para risos do porteiro. Clóvis Bornay não está mais na esquina do Coruja Bar da Prado Júnior. Jane Di Castro persiste no prédio da Copacabana. Onde estará o Dr. César Bordallo, dentista da minha amada mãe? Onde estará a dra. Lilly Lages, agora tão longe do edifício Igrejinha? E quando eu e Bola tomamos um porre homérico e agarrei Cássia Eller? E quando Tatyana ficou enlouquecida porque fechou os olhos para um beijo e declinei por vingança em pleno banco da praia às duas da tarde perto da Sá Ferreira? Ou Xuru pegando onda com sua prancha de isopor para depois Orlando Fantoni e Paulo Amaral nos pagarem um picolé? Kátia, linda e gigantesca para o meu metro e meio desfilando na Figueiredo Magalhães? A jovem putinha loura que patolou Marco em frente ao Bruni Copacabana e saiu sorrindo como nunca? Eu, Fred e Ricardinho correndo feito loucos alucinados depois de termos derrubado o travessão do Juva – nós, não: o Rico é que se jogou no travessão.

Tenho voltado a Copacabana, PISADO em sua areia que hoje é um tanto diferente, faz um barulho diferente de antes, Patricia já não me sorri mais à rua, nunca mais andei de mãos dadas com Ana Klein e assustei-a encontrando meu amigo Mussum -que parecia recém-saído de um confronto entre traficantes e policiais quando, na verdade, era apenas de uma super-rodada de chopes.

Agora o céu é gris, um feriado enrustido, as ruas sem gente, a praia bela como sempre, com suas novas garotas a sorrir e encantar. Agora não sou mais um menino tão pobre, de modo que posso economizar meus trocados e beber um chope à beira-mar, olhando para a paz do Atlântico Sul e seu infinito que jamais descobrirei. Céu em gris, cinza de outono, crianças brincam na praça do Leme, idosos movimentam-se nas máquinas de exercícios, eu fito o tempo e lembro quando meu pai indicou, com pesar, que ali havia uma estátua de Castelo Branco – quando virei comunista, entendi então do que se tratava. Um dia cinza de outono e alguém vai morrer no hospital São Lucas, casais vão se encontrar pela primeira vez na Fiorentina ou no Mondego – que tal algum bar menos conhecido? Dois velhinhos efeminados conversam animadamente numa banca da Ronald de Carvalho, Alvaro Doria elabora alguma pão-duragem em seu apartamento da rua Tonelero(s), onde estará Anna Paula? E Patricia Cardim? Agora Romano faz sua arte mágica longe das ruas de Copacabana. Meu mundo deserto e meu voo livre no Centro Comercial, na Musicale, nas ruas menos apinhadas, nas entranhas do bairro. Nunca mais brigaremos na casa de Ricardinho por causa de Atari, nunca mais veremos Conceição, a empregada, gostosíssima e o patrão dando em cima de forma completamente adolescente. Nunca mais ouviremos discos à máxima altura na casa de Fred, enquanto ele admirava os olhos de ágata de Claudia e pensávamos num lanche com pão francês fresco e pasta Allouette.

Em Copacabana nenhuma pessoa sabe mais meu passado, presente, quem sou e isso não tem a menor importância. Contudo, ao trafegar por suas ruas, eu sou uma gota de sangue em suas veias de asfalto. Aqui, me sinto em casa como em nenhum outro lugar. Caso exista vida após a vida, gostaria de ser um Fantasma, um espírito-que-anda pelas ruas secretas, cafonas e maravilhosas de Copacabana. Procurar por Mr. Eter, Kung-Fu Gay, Ramiro, Lina e seus outros reis das ruas, mendigos admiráveis. Ver Eliane sorrindo na volta da escola. Jogo de bola na vila da rua Tenreiro Aranha. Hamburger do Sumol. Esfiha no Baalbeck da Galeria Menescal com o árabe original.

Copacabana gris com réstias de sol por entre as densas nuvens. Retrato em branco e preto e algum arco-íris por perto. Passado e presente de corpos colados, lábios que se roçam e algum amor perdido. Meio-dia, meia vida inteira.

Tudo parece tão perto que devo estar entorpecido.

@pauloandel

Call me


http://www.youtube.com/watch?v=R5J-0jT0Eq8


If you're feelin' sad and lonely,

There's a service i can render;
Tell the one who loves you only -
I can be so warm and tender.
Call me, don't be afraid, you can call me,
Maybe it's late but just call me -
Tell me and i'll be around.
When it seems your friends desert you,
There's somebody thinking of you;
I'm the one who never hurt you -
Maybe that's because i love you.
Call me, don't be afraid, you can call me,
Maybe it's late but just call me -
Tell me and i'll be around.
(bridge:)
Now don't forget me 'cause if you let me
I will always stay by you
You've got to trust me, that's how it must be
There's so much that i can do
Call me, don't be afraid, you can call me,
Maybe it's late but just call me -
Tell me and i'll be around.
If you call i'll be right with you
You and i should be together
Take this love i long to give you
I'll be at your side forever
Call me, don't be afraid, you can call me,
Maybe it's late but just call me -
Tell me and i'll be around.

Saturday, April 20, 2013

Boston x Rio


acordei à toa:
não era o sonho
que me traía
mas sim a dura
realidade que
escorre nas ruas
feito sangue nas
veias cansadas
podia ter dormido
melhor ou até
descansado em
paz mas a verdade
é que meu sonho
não passa de guerra
inútil, em vão, oca
incapaz de justificar
o que se respira
pelos arredores daqui

e o caos, o caos
ainda há de ser
a melhor saída
para toda parte -
só o caos será
a verdadeira
e profunda
liberdade

##########

um dia vou
acordar em
copacabana:
tudo será livre
putas serão mitos
vagabundos
serão lordes
velhos generais
serão fracasso
e nada vai mudar
na tarde do leme
e nada será outro
no posto seis -
eu vou acordar
em copacabana
e meu coração
estará enterrado
na areia daquela
praia

@pauloandel

Meio-dia na Lapa


Duas garotas saborosas conversam animadamente enquanto seus amigos saltam com skates em frente aos Arcos.

Perto dali, mendigos deixam a vida escoar enquanto a dor é tamanha.

Jovens estudantes procuram música pop na Livraria Cultura.

Uma senhora gorda, mais gorda do que eu, traz seu carrinho de feira com frutas e legumes superfaturados.

Numa banca de jornal, senhores respeitáveis e um tanto efeminados espiam revistas gays.

Noutra banca de jornal, jovens impetuosos de camisetas pretas saúdam o rock.

O céu não tem fronteiras, o sol atravessa as nuvens carregadas e brilha, brilha loucamente como se fosse sua última vez diante de meus olhos fatigados. Mas ainda é cedo.

Baladeiros ainda vivem a sexta-feira que passou. Caminham a passos largos e risos idem de um lugar para outro.

O escritor Paulo-Roberto Andel carrega consigo um livro de Jack Kerouac, um cd de Herbert Vianna e ruma para sua casa confortável, pobre e completamente bagunçada na Cruz Vermelha. Antes de almoçar, deita-se, olha para o teto, puxa uma nota de papel para rabiscar um poema para Juliana, pensa nos telefonemas que precisa fazer, lembra de que tem um jantar com uma jovem e linda garota da Bahia e, talvez, avalia a possibilidade de ir para São Paulo em busca de um rompante dominical. Abandona tudo, lê Jack sozinho em voz alta para si mesmo, põe para tocar o cd de David Bowie, conta os trocados na carteira, chora e ri por um instante somente.

Meio-dia na Lapa.

A noite vai ser longa.

Thursday, April 18, 2013

Vale quanto reza

Wednesday, April 17, 2013

Outono

1

A estrada, os carros velozes, uma paisagem esperta e o mundo na próxima parada. A estrada, a natureza, o céu e sua beleza enquanto a caravana não para. Vidros abertos, ventos cortantes, voos rasantes, rodas de aço, braços fortes, belas mulheres e uma jornada que nunca termina. Um coração fiel que não trai nem aparta – apenas espera a hora certa da próxima batalha, procura o cheiro da próxima estrada – meu coração é a trilha de uma estrada e isso me basta.

2

nenhuma canção
é flor tão vistosa
para trazer consigo
o aroma do meu amor

3

sozinho no meu da multidão
descrente em frente à procissão
a estrada livre e a desilusão
uma artéria que sangra
um amor em vão

4

um outono
e as folhas mortas
fingem que não serão
redivivas – a estrada
é a primavera, matreira
favorita

5

nada vira do avesso sozinho/ nada é tão distante que não pareça real/ e o nosso caminho?/ rodas de aço e trilhos infinitos/ sem perder um segundo sequer/ e quem não vier conosco vai desperdiçar uma grande oportunidade/ já que nada vira do avesso sozinho/ nada, nada, nada do que eu pensava encontrar ou me surpreendesse/ eis o nosso caminho/ viajantes solitários e unidos/ por conta do mesmo destino

6

oh, céu de computador/ e um sorriso de verão inesquecível/ na contramão destes dias frios e torpes/ um sorriso, um coração e lábios que são chama acesa a queimar em mel – ah, o céu é um computador de infinitas paixões/ e as multidões estão sempre à espreita/ e se fosse uma janela onde surgisse o riso discreto e apaixonante de Izabel à vera?/ ah, computador, alivia a minh’alma/ e faz da tua cibernética um descanso/ um acalanto/ - um infinito de varanda ao léu/ um sorriso magnífico/ a desfraldar mil encantos/ feito fosse de Izabel/ nenhum espanto com a beleza que vocifera

7

Fred e sua casa
tudo está fechado
a janela é qualquer alma
nenhum passo pensado
e a festa acabou:
quando vamos embora?

@pauloandel

Monday, April 15, 2013

15 dias loucos, 2 dias normais



I

As duas pessoas mais importantes da minha vida, meus pais, faleceram há pouco mais de cinco anos, num intervalo de menos de um ano e meio. Fui à lua duas vezes e voltei. Foram os piores momentos que já passei. Mas não cheguei a ficar quinze dias seguidos como agora, dormindo menos quatro horas de sono por noite, isso quando consegui. Mas entender o processo atual não exige muita sofisticação: terminei dois livros, terminei meu namoro de quatro anos, apaixonei-me (ou sempre estive) à toa, tive dois casos impublicáveis com garotas que nem imaginava, outras loucuras que não cabe publicar, dirijo um site com milhares de leitores e problemas idem, um sujeito que me roubou quase foi assassinado, o futebol que amo tem exigido cada vez mais dedicação física para viagens, sou um potencial consumidor de porcarias destruidoras da saúde e some-se à tudo isso minha eterna intolerância com o sofrimento das pessoas nas cidades, algumas delas na marquise do prédio onde moro e ploft – está formada a receita de um enfarto fulminante. Juntando tristeza, desamor, euforia, amizade, bons encontros, literatura, músicas, tudo vira uma receita de insônia sensacional. – O que é que você está fazendo aqui? – Será que não poderia dormir aqui? – Não. – Fica longe para eu voltar agora para casa! – E o que faz o seu carro estacionado aqui em frente? – Bye, bye, so long, farewell! Ou então abra o primeiro livro de Kerouac ao lado da cama no texto sobre Nova York que fala de Chinatown. Ou algum verso de Leminski ou o livro de Marighella que Luiz deu de presente. Então não vou falar de quinze dias loucos, mas apenas dois dias calmos, sexta e sábado, ambos sem tanta loucura assim e uma carga afetiva enorme.

Meu fim-de-semana passado começou quando fui bem-recebido por João Garcez para um jantar em sua casa, amigo querido e anfitrião. Horas a fio de boa conversa, a sociedade, o drama, o futebol, pizzas, sentimentos comuns, a certeza de um grande livro que estamos escrevendo juntos, uma da manhã saio da Tijuca, Luiz pega seu táxi para Jacarepaguá, eu volto para a Cruz Vermelha e penso numa noite de sono feliz e tranquila... em vão. Então é acordar, acertar textos, preparar, escrever livro, responder mensagens, atender ligações, conciliar tudo com o corpo cansado, pensamentos perdidos e a necessidade de produzir sem sentimentos.

Você está cansado e pretende relaxar a mente? Entre no Odeon e veja “Django” de Tarantino às quatro da tarde, uma obra-prima onde o que não se faz é relaxar mente alguma enquanto a tela escorre política, segregação, violência, mortes e humor ácido. É um filme para se ver mais trinta vezes, tal como alguém fez em “Pulp Fiction” e nunca mais se recuperou por ter deixado Tatiana sozinha. Duas mulheres lindas e solteiras, presumivelmente heterossexuais, jovens, conversam perto da entrada e você percebe que uma delas foi sua ex-namorada de faculdade e não te reconhece – a recíproca não é verdadeira por causa de seios lindos de outros carnavais. Tarantino faz chorar e rir, pensar e viver, você sai rumo à Livraria Cultura, compra discos do Cure e do Tom Jobim, volta rapidamente, desce a Senador Dantas, o cheiro triste de azedume da rua deserta num sábado ao fim da tarde, belas turistas na porta do hotel loucas para atravessar a rua e cair no baile charme. Começa a chuva, quase ninguém na rua do Passeio, até que surge um bar aberto e Silvana está nele com seu sorriso de mil arquibancadas:  - Vou para uma festa na rua da Lapa. – Posso te levar, vamos. Feliz do homem que tem uma bela mulher a seu lado, nem que seja por cinco minutos de companhia. Então Silvana sobe linda para a festa num vestido que deve ter sido cinza, os céus apertam também em cinza, caminho naturalmente pela Lapa dos malandros protegendo os discos. Desaba um temporal, estou debaixo de uma marquise e o morador de rua é gentil a ponto de ceder espaço – quem menos tem a oferecer é sempre mais dedicado ao próximo, eis a estranheza da vida.

Trino telefona. Não estamos bem, vamos comer uma pizza e conversar um pouco no bar de sempre. Perdemos anos das nossas vidas oferecendo amor a mulheres e Cazuza dizia: “amar é abanar o rabo”. Nada mais preciso. Queremos falar de amor e mágoa, um flamenguista arrogante e chato de doer fica gritando para se pagar a série B e é claro que o ridicularizarei no lançamento. Janjão e Passarinho são nossos parceiros queridos, divertidos, brincalhões, é outra coisa. Uma, duas horas, uma boa pizza, quase nenhuma cerveja, dez horas da noite de sábado, os jovens vão para as ruas em busca do prazer, eu penso em voltar para casa. Trino vai embora.

Epocler telefona. Chama-se Rafael, mas é possível que só sua esposa o chame assim. Pensei que fosse algum problema. – Cara, venha para cá, estou com as gatas alucinantes aqui. Pat e Wal, Pat é Pepsi, um dia me apaixonei por ela ao vê-la numa fotografia, quase do mesmo jeito da bailarina de anos depois. Aquelas gatas alucinantes e suas histórias, seus amigos hipsters, suas festas muito loucas onde até caras quadrados como eu divertiam-se a valer. Estava completamente extenuado, dentro de casa, fiz o que me cabia: tomei um banho, roupas novas, táxi novo e a rua Barão de Iguatemi no coração. Todos nos conhecemos por meio de meu querido e inesquecível amigo Xuru, hoje exilado para sempre por causa de um maldito câncer.

Então chego ao bar marcado, sou recebido como um herói, Epocler é casado com Ana, ela é linda e divertidíssima e fala como se fosse uma garota ainda mais jovem do que é, conversamos mil coisas, recordamos nossos momentos divertidos ou mesmo uma fofoca qualquer, Lys está com sua filha e continua linda. Recebo um soco à mente quando revejo Chris “Nunes” – dia desses mesmo estávamos num show dos nordestinos na Barra, já escorreram treze ou catorze anos. E não bastasse esse cenário todo, eu mal desconfiava que meus amigos corjas estavam no bar ao lado: um súbito, a ribalta é ocupada por Bruno, Breno, Rodrigo, todos amigos amados e admirados, não consigo vê-los juntos em nenhum lugar porque sou um chato anti-formalista, não frequento festas, todos estão casados, felizes, com filhos e eu perco meu tempo com paixões à toa. Todo aquele pessoal junto me lembrou de admiráveis festas de ano novo no começo do século, quanto todos tínhamos o futuro a milhas e milhas de distância. Então Pepsi continuou com seu sorriso lindo, Wal com seu charme inigualável, as duas amam Henrique, eu reconheço que é difícil competir com ele, Epocler é muito engraçado e fala besteiras deliciosas, descontado algum odor inevitável não reconhecido pela organização terrorista promotora. Em duas ou três horas, bebemos nossas cervejas, celebramos a vida, os tempos do grêmio, o Sasso, tantos bares da cidade, eu até esqueci da minha tristeza por uns tempos, o cansaço também, uma saideira virou outra saideira e mais várias saideiras, a simpática dona do bar queria nos trancafiar lá dentro e ir embora. E como foi bom ver tantas pessoas amadas num espaço tão pequeno, todas ao mesmo tempo, o que eu não fazia há muitos e muitos anos. Rodrigo relembrou que homem que é homem de verdade não pega AIDS - tomem isso com humor. Rimos e fomos felizes de alguma forma, pegamos chuva na Iguatemi, ficamos adolescentes em segundos, prometemos repetir tudo logo, trocamos beijos, fizemos a vida valer a pena fora dos escritórios respeitáveis e do cotidiano certinho asqueroso.

Pepsi nos deixou na Praça da Bandeira. Dei-lhe um beijo e sorri. Ela é sempre a mesma e isso é ótimo.

II

Ainda fizemos a última parada no Galeto Bandeira. Morri de rir quando Ana ficou inconformada com a minha idade. Puxei a minha carteira de identidade e consegui convencê-la. Numa semana em que fui jocosamente chamado de “Bruce Willis gordo”, bom saber que ainda engano as jovens. Pedimos um galeto, poucos chopes. Deixei o casal num táxi na praça, tomei o seguinte e voltei a ser um viajante solitário na madrugada do Rio.

Ah, se o Xuru estivesse vivo, é claro que teríamos atravessado a praça em direção à rua Ceará.

Eu estou vivo e não quero voltar lá para chorar o meu amor, feito semana passada.

III

E tudo isso só foi possível porque um dia todos nós tivemos um amigo chamado Xuru.

IV

Cheguei em casa às três da manhã, tomei um banho frio, pensei nos amigos queridos, resolvi que ia escrever para uma garota que considero a mais bonita do mundo. Apenas para lhe dizer que ela é muito importante para mim. Bom, não se faz isso com ninguém às três da manhã, menos ainda eu mexer em internet numa madrugada, mas aconteceu. Mereço desconto porque estava alucinado, ora. Então aconteceram duas surpresas nada convencionais: a mesma garota que me chamou outro dia de “Bruce Willis gordo” perguntou se eu tinha alguma programação para domingo. Ao mesmo tempo, outra garota do passado escreveu coisas que nunca tinha me dito pessoalmente, de modo que não soube dizer num instante se era deboche ou sério. Afinal, três da manhã, eu muito louco, muito apaixonado, muito cansado, muito triste, muito eufórico ao ver os amigos, o cd dos Doobie Brothers tocando, as duas garotas escrevendo como viajantes solitárias na madrugada coisas que eu jamais esperava ler. Nesta hora, sem nenhum motivo aparente, fui feliz e conversei com uma delas até às cinco da manhã. Depois dormi mal, acordei às oito e a garota continuou muito importante, mesmo que eu não tenha importância alguma para ela. Então mandei a mensagem.

E tudo isso tem a ver com a memória do meu querido amigo Xuru. Ainda ouço sua risadinha engraçada e sagaz.

Hoje é segunda-feira. As mesas estão cheias de amigos.

Cheias, cheias.

@pauloandel

Saturday, April 13, 2013

Algum avesso?

e
nada
virou
do
avesso osseva
sozinho
alone
nada
osseva avesso
virou-se
por
vontade própria
nada
virou
nada

@pauloandel

Friday, April 12, 2013

Festa



posei com meus amigos
numa efeméride qualquer
e perto, ali tão perto
morava o amor que eu
nem sabia ao certo:
uma deusa branca
uma nostalgia franca
a bailarina e sua dança
um amor exposto
passei com meus amigos
numa noite de junho
e o salão era dança viva -
o voo supremo e feliz
da bailarina e um poeta
que guardava lágrimas
e as trocava por alegria:
ah, nunca fomos tão
felizes com nossos olhares
de futuro – eu e meus amigos
enquanto a deusa bela
fazia do palco ametista -
será que ainda somos
os mesmos e mesmos?
que bailarina explica?

@pauloandel

Thursday, April 11, 2013

Beijo


beijo
beijo
beijo
velas içadas em
mar bravio
chama incessante
sem desatino
e um calor 
de mil léguas
mil estradas
caminhada infinita
rumo ao desafio
beijo
beijo
céu sem fronteiras
chão de estrelas
mistério e cor
alguém e alguém
tão seu
fazendo a liturgia
do prazer devido -
onde está meu
porto seguro
escrito amor?

@pauloandel

Wednesday, April 10, 2013

Grande mesa de bar


Certa noite da semana passada, resolvemos torrar toda nossa grana num botequim confortável, um bar da Cruz Vermelha. Eu e meus velhos amigos dos tempos de faculdade. Tem sido assim nos últimos vinte e cinco anos, salvo um ou outro intervalo.

Tudo começou quando demos às costas para as aulas preferidas dos enfadonhos no Instituto de Matemática. Havia um grande hall no centro do prédio e invariavelmente ficávamos por lá, ora falando besteiras, ora debatendo, ora aprendendo uns com os outros. Para alguns o que nos trouxe até aqui juntos foi o carisma, algo sempre difícil de definir. Prefiro dizer que foi nosso excelente bom-humor, associado às pluralidades decorrentes de cada um morar num canto do Rio de Janeiro, o que valeu para música, livros, esportes, política e outros temas. Eu era um garoto e vivíamos a efervescência da primeira eleição presidencial depois da ditadura cívico-militar. O país rugia. Graças à minha querida Ana Klein, assisti um grande pronunciamento de Luiz Carlos Prestes num auditório da UERJ.

Faltou dizer das garotas. Acho que éramos engraçados. Talvez muito engraçados. Digo isso porque alguns sujeitos resmungavam quando nos viam e as garotas sentavam-se ao nosso lado com incrível facilidade. Uma vez que nenhum de nós era um gallant (mesmo que algumas garotas e rapazes dissessem que sim), quero crer que foi por conta do humor. Elas gostavam muito e talvez gostem até hoje, não sei dizer. Outras, mais jovens, gostam também, acho. 

Brincávamos de ser os Doobie Brothers. Uma banda de rock enorme, cheia de gente e diversidades, com indas e vindas, nenhuma ausência definitiva. Alexandre gostava de canções bregas. Nelson, de samba clássico. Sergio, de metal. Gerson, pop. Bola e eu, de tudo (estava mergulhado no começo do jazz). Max, não sei ao certo. Catalano, canções esquisitas. E foi o mesmo Catalano que, certo dia, antes de jogar cartas com Valéria, Ana Paula e a espetacular “Carla “Coelhinha” viu os garotos de esquerda ao lado das meninas bonitas e gritou: - Seus merdaaaaas! Saiam disso aí e venham ajudar o centro acadêmico. Relutei num momento porque tinha acabado de deixar o escotismo num momento de muita mágoa e tinha prometido a mim mesmo: nunca mais iria voltar a movimentos voluntários. Mas o que vale o “para sempre” de um garoto de vinte anos? Nada. É possível que Catalano nos detestasse porque éramos de esquerda, mas imediatamente ficamos amigos para sempre. Até hoje quando ele conhece alguém, diz que é um merdaaaaaa e depois o admira profundamente. Gosto disso.

Ficamos muito populares na faculdade por besteira: fazíamos coisas tão ridículas naturalmente que todos riam e os recalcados diziam que queríamos aparecer (não havia internet ainda). A pior delas foi usar nossos conhecimentos de estatística para promovermos pesquisas de opinião na faculdade sobre quem eram os caras mais chatos e as gatinhas prediletas, com direito a título e badalação. Virou uma bomba e, do dia para a noite, todos nos conheciam: não podíamos sequer beijar uma mulher feia numa festa escura que, no dia seguinte, todos descobriam – exceto Bola e Max, sempre muito reservados (eu também sou mas, modéstia à parte, sempre fui um sortudo nisso – não sei dizer por que, mas as mulheres bonitas gostam de mim). Precisávamos de um nome, Alexandre cunhou: CECRIME (Central de Concursos Ridículos do Instituto de Matemática e Estatística da UERJ). Virou marca. Passávamos por um andar do prédio, alguém dizia “Oh, lá vai a CECRIME”. Depois adentramos o movimento estudantil, veio o tempo de estágio, você começa a trabalhar, as coisas ficam mais sérias, outras nem tanto. Foram anos muito felizes para mim entre 1988 e 1993. Eram as festas, os shows, as aulas divertidas, os pequenos passatempos, a descoberta de um mundo novo, viagens, tudo sem muito tempo para descanso e sono. Começamos com cinco ou seis pessoas, a coisa ficou séria quando colocamos duzentas pessoas para irem num churrasco em Itatiaia, ida e volta no mesmo dia. Se alguém ficou com a namorada de alguém, não foi de propósito – anos de impulsos em vez de prudência. Eu não tinha um tostão mas tinha toda a felicidade do mundo chamada futuro. 

Um belo dia, vem uma derrota na alma. Você percebe que nada é eterno e que a faculdade simplesmente acabou para nunca mais voltar. É hora de ser um profissional respeitável e se adequar às normas para sempre. Dei tchau ao professor Amâncio, olhei para o hall, nenhuma das minhas garotas bonitas, nenhum dos meus irmãos, desci as rampas e só voltei ao prédio uns doze anos depois. Os garotos de hoje estão escrevendo suas histórias por lá também.

Enquanto isso, temos nos refugiado nos bares, nos meios virtuais, nos telefonemas e, com algum êxito, a velha chama de metade de meio século está muito acesa. Foi assim no Vieira, o bar da Cruz Vermelha. Josimar (que se chama Ricardo, não gosta do apelido e jamais o perderá) chegou cedo. Rimos. Catalano apareceu, rimos também. Ninguém esperava por Trino, foi uma surpresa ótima. Tiba anda cada vez mais sério e também gosto disso. Ficamos uma hora, duas, conversas bobas e outras profundas, sinto felicidade em reconstruir num momento aqueles dias incríveis que passamos todos juntos quando éramos jovens cheios de futuro. Alguém casou e descasou, alguém foi feliz para sempre, eu sofro por um amor inútil e parece que outras mulheres sentem o cheiro disso. Nelson é difícil. Bola é difícil. Max é difícil. Somos adultos quando pedimos um táxi para irmos para casa. Assim foi.

A vida segue enquanto brindamos nossos copos, vemos o quanto é legal ter uma mesa de amigos num bar, sabemos não ter mais todo o tempo do mundo, também sabemos que a estrada está muito longe do fim, sabemos o quanto estes momentos são importantes para cada um de nós. E, se a estrada não estiver longe por algum acidente, chegou a hora de viver dez anos a mil, de amar e fraternizar cada segundo porque a vida não espera, ela tem data de validade numa granada sem pino – qual o dia? – e não temos tempo a perder – ficamos amigos porque o que nos move é contrariar convenções. As histórias do passado são fascinantes e definitivas, mas o mais legal é escrever as histórias do hoje, do agora e do daqui a pouco.

As mesas estão cheias de amigos.

@pauloandel

Tuesday, April 09, 2013


Você já tentou varrer a areia da praia?
Já ficou no escuro ouvindo o canto da cigarra?
Já ficou no espelho rindo sozinho da sua cara?
Já dormiu sem ninguém num canto de rodoviária?
Já dormiu com alguém por migalha?
Você já tentou varrer a areia da praia?
Você já tentou varrer a areia da praia?
Já perdeu a hora quando o tempo pára?
Já gritou uma palavra até perder a fala?
Já colocou todas as roupas do armário na mala?
A sua casa já desmoronou no meio da sala?
Você já tentou varrer a areia da praia?
Já quis demais alguma coisa já quis alguma coisa já?
Jamais quis alguma coisa já?
Já?
Você já tentou varrer a areia da praia?
Já viu sumir a última estrela da madrugada?
Já ficou um dia, um mês, um ano sem fazer nada?
Já colocou todas as roupas do armário na mala?
A sua casa já desmoronou no meio da sala?
Você já tentou varrer a areia da praia?
Jamais quis alguma coisa já quis alguma coisa já?
Já quis demais alguma coisa já?
Já?
Já!

Titãs, "Tudo ao mesmo tempo agora", 1991
@pauloandel

O lado escuro do quarto afora

Agora é uma noite que avança longa, fria. Os apartamentos vizinhos num completo silêncio que só é quebrado por meu rádio e Marisa Monte cantando “ela vem e ninguém mais bela vem em minha direção” – nem minhas belas vizinhas jovens dão sinal de vida, adormecidas que estão com felicidade e corpo. Foram drinques, pequenas lágrimas, saudade, o amor que não acontece, a sensação pálida de ser estrangeiro ao lado do corpo de outra mulher antes da saudável solidão. As horas que não passam e você aflito com o prazer alheio de quem não te ama, numa história sem é, cabeça, sentido, começo e – que dirá - meio. Um livro de Keroauc em cima da cama conta sobre homens que desfrutam o melhor de Nova York, com seus bares, o ir e vir incessante dos transeuntes, as pessoas chapadas, a desilusão em nome do progresso. Por que eu perco meu tempo pensando numa mulher que dorme com outro homem em outra cama e jamais há de pensar em mim por um instante que seja, já que nunca o fez? Por que não levo a sério as mulheres que dizem me amar e dão demonstrações plausíveis disso? Por que – sem nenhum deus com culpa -, por quê? Por que perco tempo com quem não me dá um pingo de atenção, ainda mais que agora estou no lado escuro do quarto afora? Pensei que já estivesse suficientemente dentro da velhice para estar livre desses desencontros, da tristeza que é a falta de reciprocidade ou o incômodo de ter mais uma vez desperdiçado tempo. Queria estar longe desses desejos tão saborosos, mas que não levam a nada; ao menos, que fossem bem direcionados a quem pudesse me confortar. E todo esse maremoto de sentimentos eu penso sem um fonema exposto sequer – no quarto, só a pá do ventilador faz algum barulho. Tenho medo de ter ficado louco à toa, mesmo que os loucos sejam os mais admiráveis – são os loucos que subvertem a ordem vigente, são insubordinados aos chavões e aos pré-estabelecidos, veem o tato da visão e ouvem o olfato do tato. Quem inventou o amor a ponto de fazer os corações insatisfeitos em uma madrugada solitária, sem ruídos, sem um lance que leve a cabeça ao Everest, sem carinho? Agora é só uma longa noite vazia e funérea onde meu coração não descansa e tenho pena de mim mesmo em vão. Agora é só um dia triste num deserto sem o amor devido, aquele que ruge ao peito, que arrepia, que atravessa fronteiras e paradigmas, que vocifera e acaricia. Então me pergunto: depois de tanto tempo parado na esquinada memória, o que é que eu ainda estou fazendo aqui? Por que ainda não peguei o telefone e liguei para a primeira garota generosa que quisesse horas de agrado? Por que fazer papel de idiota a troco de nada? Tão estranho que uma bobagem tão grande e desimportante seja simplesmente amor – e pior, de um sem dois. A vida é hoje, amanhã não cabe. A dor é hoje e dói. A vida também rói. Por que não estou no Grant´s, sistema nervoso central de Nova York, uma da manhã, famintos e doidos indo de um lado para o outro, gente tentando achar uma agulha de vida num palheiro? Talvez fosse menos desconfortável. @pauloandel

Thursday, April 04, 2013

Sontag! Susan Sontag!



SOBRE SUSAN SONTAG

Crítica social e escritora norte-americana nascida em Nova York, uma das principais intelectuais americanas. Filha do comerciante Jack Rosenblatt, que morreu de tuberculose pulmonar (1938) e de Mildred, que casaria com o Capitão Nathan Sontag (1945), cresceu em Tucson, no Arizona e na adolescência mudou-se para Los Angeles, onde fez o colegial e (1948). Um ano depois mudou-se e recebeu o B.A. do College of the University of Chicago (1951) e casou-se com o instrutor de sociologia Philip Rieff, de quem divorciou-se na mesma década. Na Harvard University, EUA, no Saint Anne’s College, Oxford, Inglaterra, e na Universidade de Paris (1957-1958), estudou filosofia, literatura e teologia. Ao longo de sua carreira lançou quatro romances, uma coletânea de contos e uma série de peças de teatro e ensaios. 

Muitos de seus contos saíram em publicações como The New Yorker, The New York Review of Books, The Times Literary Supplement, Art in America, Antaeus, Parnassus, The Threepenny Review, The Nation, entre outras. Seus livros foram traduzidos para 32 idiomas. A escritora também escreveu e dirigiu quatro filmes e esteve à frente de algumas produções teatrais. Ativista dos direitos humanos durante quase toda sua vida, presidiu o American Center of PEN (1987-1989), uma organização internacional de escritores dedicada à liberdade de expressão, na qual liderou uma série de campanhas a favor de escritores presos ou perseguidos.

Mudou-se para Sarajevo, na Bósnia-Herzegóvina (1993), onde passou grande parte de seu tempo até que recebeu o título de cidadã honorária (1996). Em seu primeiro ano na capital fez sua última produção teatral, Esperando Godot, de Beckett. Escreveu romances, ensaios, peças de teatro e roteiros de filmes, assim como ensaios para publicações como The New Yorker, Granta e New York Review of Books. Escreveu 17 livros e entre seus trabalhos mais conhecidos, estão Notes on Camp (1964), um estudo sobre a estética homossexual, Against Interpretation and Other Essays (1966), Melancholy Objects, On Photography (1977), Illness as Metaphor (1978), A Susan Sontag Reader (1982) e The Volcano Lover (1992). Entre outros prêmios de sua carreira, recebeu o National Book Critics Circle Award (1978), o National Book Award (2000), o Jerusalem Prize (2001), o Peace Prize do German Book Trade (2003) e o Prince of Asturias Prize (2003).

Contrária à guerra, foi uma das primeiras a discordar da política norte-americana pós 11 de setembro (2001), em um controverso ensaio publicado na revista New Yorker. Foi amplamente criticada quando declarou que os ataques não eram ataques covardes à civilização, mas um ato de coragem em conseqüência a alianças e ações específicas norte-americanas. Desde então, foi uma crítica declarada do presidente Bush sobre sua responsabilidade nos ataques de 11 de setembro e particularmente sobre a guerra no Iraque. Morreu em 28 de dezembro de 2004, a exato um mês de completar 72 anos, no hospital Sloan Kettering, em Nova York, vítima de leucemia.


Tuesday, April 02, 2013

As canções - I


1

qual seria
a melhor canção
para fazer
nossa alvorada
nascer? – aquela
onde todos são
quase felizes
e ninguém é
perfeito

2

agora tenho
em mente
uma canção
que trata de
solidão em estado
bruto – carnes
sem espírito
que se locupletam
na vã imensidão
do sexo e mais
nada

3

quem há de dizer
da minha dor de amor
não ser roxa
de tristeza? só eu sei
dizer da dor que me
celebra –
rasgo de lâmina afiada
como se fosse um solo
de Clapton
em “Old Sock”

4

a minha canção
adormece
sem pavor nem
pecado não
deixa rastilho
nem causa
controvérsias
é somente uma
canção que
adormece e não
provoca nem
namora

5

eu queria falar
de algum sinal
exagerado no
amor sincero,
nenhuma avant-garde:
e queria também
dizer de bom sonho
depois de uma noite
ao lado do grande
amor – mas agora
sou tão longe que
a via láctea parece
pequena num tema
de piano

6

eu queria que
você estivesse
aqui
e fosse minha
canção de amor

(continua)
@pauloandel