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Wednesday, August 28, 2013

Bonequinha de luxo

I

oh, bonequinha/ deixa teu sono ir embora/ e espera a noite sem afronta/ onde ela te dará os melhores sonhos/ as canções de amor/ e pequenas maluquices admiráveis/ oh, bonequinha/ veste teu pijama em bom pano/ deita sem caber outro engano/ e adormece em busca do pote de ouro/ num arco-íris em ballet

II

e quando você/ se deitar/ e teus olhinhos de ágata mergulharem no luar/ de um teto sem estrelas mas tão firme/ é que o teu quarto se faz teu guardião/ e a vida lá fora/ tem as estrelas tão ansiadas/ mas fenecidas/ são luzes do longe/ enquanto as luzes novas a brilhar/ vão nascer da formosura/ que mergulhou no mistério/ do teu olhar/ lá fora existe lua, noite e encanto/ mas um guardião te nota/ repousada em mar de beleza/ meus olhinhos de ágata que fazem serenatas de paixão/ enquanto a noite dorme, dorme/ e clama pelo azul de uma nova alvorada

III

e agora/ você vai embora/ enquanto eu conto as horas pra te ver/ chegar/ oxalá o luar seja breve/ e as estrelas sejam feiticeiras de tiro curto/ por que estarei aqui/ quando você voltar/ estarei aqui/ quando o sol brilhar e você chegar


@pauloandel

Monday, August 26, 2013

pactos

que tal fazermos
um pacto daqueles
bem fiéis e inabaláveis?
você entra com a tua cor
teu sabor e algum
monodrama enquanto
eu venho com meu oceano
de paixão em torno teu
até você se afogar de carinho
voltar à tona e pedir sufoco
uma vez e outra outra vez

que tal esse pacto?
sem conversa fiada
ou tropeço ou hiato?

que tal sermos nossos sorvetes
nhá benta e cerejas?

chamas ardentes
enquanto o tempo clama
pelo hoje que já demora


@pauloandel

Thursday, August 22, 2013

o quiseres

quando me quiseres
feitiço serei poema
e se pedires recato
farei devassidão
quando falares de prosa
darei frases tortas
e teu gosto por cores
será meu gris
e se nossos amores
forem cousa morta
meu tesão por ti
há de pedir o bis
renovar-se de fato
e não suceder a moléstia
do que se faz hiato
um calhamaço de desejo
onde nada é pecado

@pauloandel

Tuesday, August 20, 2013

noites do lido

foi-se assim, dengosa e livre
enquanto ouvia poemas de luar
era quem não se aquietava
em seu desalinho com o ordinário
ela namorava a dor da lua
e buscava o fascínio da vida
entre sofrimentos e risos vis
e navegava e navegava o só
os esnobes só viam-lhe beleza
os covardes exigiam-lhe âmbar
eis que seu resto era insana canção
a trazer lirismos de além-mar
ela chorava por meu pranto
e gozava com meu gozo
ela dançava e sorria, linda
era inverno de Leme a sangrar
até estancar qualquer rancor
de modo que hoje, tão longe
ainda há um rufar de tambores no peito
a certa lua cheia há de nos redimir
e seremos, seremos
o colapso de toda tristeza em vão
ela e meu pequeno grande poema
onde versos tristes desimportam:
cada uma de suas armadilhas
fez-se pomar de se colher amor

@pauloandel

Thursday, August 15, 2013

us3

que tal se a gente
ficasse juntinho
a três: eu, você
e o sempre sempre
nos abraçando?
siameses implacáveis
sorrindo junto
gozando de boa
inventando nosso
loucamor que
decerto sorvemos

@pauloandel

Saturday, August 10, 2013

Marillion - Garden Party



desafio

quem
resiste
a um monumental
poema de carne
osso
e desejos?

@pauloandel

Friday, August 09, 2013

Tangerina


hum, hum
e você está me olhando por quê?
pensando em me desnudar?
deixar-me em nudez em fato
e beijar minha saliva doce
até o encanto fazer encanto
o que você está esperando?
outro alguém já desimporta
a vida é hoje, outro agora
a minha calda quer você no ato
debaixo da pele sou incêndio
e ardo firme por mim mesma
o que você está esperando?
alguém vir à tua frente
e tomar de vez o teu lugar
e me morder e me chupar
tirar meus pedaços do lugar?
se eu fosse você não vacilava
a vida não tem returno
tão na cara o que eu te quero
e você já nem se importa -
depois não esperneie à toa
as chances não são do sempre
tudo o que eu preciso por ora
é da tua boca em mim
me mastigando sem fim
fagocitando tanto enfim -
caiu em si ou vais ficar aí
com a tomada desligada
que nenhum curto-circuito
sabe sequer atiçar por nada?

@pauloandel

Thursday, August 08, 2013

tratado geral do amor profundo

então deve ser amor
por ser um querer sem ter ou estar
um querer de namorar e ler e ver – ouvir
um querer-se ao longe e permitir-se em sonhos
um volume máximo de jazz a fio
deve ser amor
porque dirige a êxtase mesmo sem sexo e toque
sem pipoca e cinema,  sequer as mãos dadas
ah, deve ser amor
porque nenhuma outra mulher
tão linda é tão linda assim
porque nenhum romance
é tão romance a fim
e o que se faz amor senão chama inexplicável
que incendeia lareiras?
sim, o amor que não tem lógica
nem forma, apenas o abstrato
às vezes surge na beleza                             (e dança
mas vira eternidade num encantamento
e se equilibra em nada: um fio, uma pena
qualquer recado, uma frase
o que é o amor senão o que não se ensina
mas muito se entende?
ele vive e causa frio na barriga
brilha fundo numa só palavrinha
quem sabe uma simples figurinha?
ou a mensagem cifrada na garrafa?
deve ser amor porque atravessa anos
em voo livre e caminha com leveza
de garça num lindo parque verde                         (aos olhos
intacto, invencível!
claro que é amor!
faz-se quente, doce, impreciso
deita-se em berço imprevisível
dá tesão e calafrio num suspiro
nem que seja sozinho – só de pensar
claro que é amor
pois não tem réplica ou causa
e nem precisa de retorno:
basta-se em si sempre no mesmo lugar
a esperar e reacender-se por puro amor

@pauloandel

uma gata num trem

parei, mirei um caleidoscópio
e vi uma gata no vagão de um trem
suburbano acho que vi uma gatinha
frajola feito um desenho animado
tinha algum dono temporário talvez
que ali já não se via nem queria
os passageiros queriam adotá-la
e levá-la pra casa com seus pelos
de encanto – de longe eu assistia
e logo a quis bem ao meu lado
com seus olhinhos bem puxados
diamantes raros e sofisticados
eu só pensava em ouvir ronrom
e tocá-la de leve, cheia de segredos
arisca e mansa entre os miados
mas então cochilei e despertei
quando vi o bom de mim, me perdi
estava em outra estação, oh não!
a gata tinha sumido! havia descido
alguém a raptou ou foi embora
sozinha, charmosa e tão estimada
agora fiquei grilado: queria a gata
então voltarei outras vezes ao vagão
no ir e vir da Central ao Brasil
até encontrar de novo aquela gata
os trilhos vão ser promessa
cada dia vai ser uma nova viagem
e eu não descanso nem desisto:
reencontro e sequestro a gatinha
pra ser meu amor de estimação
e razão de vinte e dois mil poemas

@pauloandel

Yo la tengo

Tuesday, August 06, 2013

retrato do artista quando solo

era uma vez e outra vez
ou muitas histórias atrás
quando me deparei sozinho
pode ter sido na infância, na juventude
pode ter sido em qualquer compasso
e aconteceu muitas vezes
e aconteceu muitas vezes
nas noites silenciosas dos acampamentos
sucedeu que estive sozinho
mesmo que em momentos ligeiros
mesmo que na sala de casa
e meus pais discutiam algo fácil
mesmo que com a garota
mais bonita do mundo ao meu braço
sucedeu que estive sozinho
apesar dos muitos amigos na praia
nos bares, na faculdade, em shows de rock
em grandes jogos tricolores
houve uma ocasião em que olhei
para cada e toda parte
até concluir que na verdade estava
completamente sozinho
enfrentei perigos inúteis, riscos
tudo desprovido de algum senso
e quando comemorei superações
a solidão era o caminho
ah, os amores, os namoros
a volúpia indecifrável do sexo
quantas garotas deliciantes
meu prazer redivivo e, num súbito
o dever cumprido de alguém sozinho
fui um transeunte de grandes ruas
artérias das grandes capitais
observei os passageiros, os trabalhadores
em insaciáveis jornadas de volta às casas
o ir e vir dos transportes de massa
em todos eles a solidão parece ser
o retrato do inevitável destino
adulto, encarei os temores dolorosos
a cor da morte, viva e aterrorizante
meus pais mortos em casa
as cores do féretro estampadas
e as lágrimas do eu sozinho
tenho mergulhado em histórias
sentimentos estúpidos, inúteis
mas verdadeiros e pulsantes
mas eles apenas dormem
nos vagões solitários de um trem
imaginário à cabeça de um pobre
homem sozinho
meus amigos disseram adeus
em dias de azul infinito
e então chorávamos em capelas
quando eu olhava para o lado
e me via tão sozinho
não há perdição ou dor, nem derrota
trato apenas de uma constatação:
a inevitável viagem do homem
e seu caminho imprevisível
o homem e seu caminho a sós
são exercício de nenhuma fé
lado a lado, frente e verso, bastam-se
na condição de alguém sozinho
uma procissão, uma passeata
uma torcida apaixonada e fãs
à beira do palco ou à ribalta
gente a cântaros numa cidade
e me sinto tão sozinho
sendo moço velho casado
agora mergulho em versos
difusos, concretos, etéreos
e todos os sons em volta soam nada
e o silêncio se faz ordem unida
alguém recorda uma canção
alguém deseja o meu amor
e nada é capaz de tirar a minha condição
de bípede sofisticado sozinho
mais tarde vou namorar
e ver um filme, sorver um livro
serei carinhoso como sempre
mas estarei irremediavelmente
sozinho
do alto, o mundo é um precipício
mas também uma vista cristalina
pássaros cortam o infinito
entender o mundo é um desafio
e a vida é o resumo de surgir
crescer, amanhecer até um dia
em que se deva desacontecer
num calado que revela o fato:
mergulhar na surpresa
sozinho


@pauloandel

Amor e ócio


I

Certa vez, tive um sócio comercial. Ele não era lá grande coisa em termos de ética e outras partes essenciais do convívio humano, mas era um sujeito engraçado. Às vezes falava sério demais. Noutras, me convencia de coisas insólitas – por exemplo, transar com uma garota que eu já não estava nem um pouco a fim. Isso e muito mais.

Houve um dia em que conversávamos depois do expediente num restaurante qualquer de Copacabana e desandamos em falar de mulheres.

Algo em torno de dez anos atrás.

Eu ainda era um garoto, caçava paixões, tinha diversos amores de ocasião, nem tinha conhecido a mulher mais linda do mundo ou vivido sentimentos inúteis de liquidificador. Em claras palavras, o futuro ainda todo à frente. E dizíamos bobagens, ora piadas machistas fúteis e divertidas, ora divagações sobre algo sem muito sentido ou importância. Tudo pós-onze de setembro.

Num momento, não me lembro como, ele disse de seu casamento de longa data (com algumas escapulidas) e afirmou: “Se você pensa em se casar agora ou no futuro, minha dica é a seguinte: case-se com uma mulher com quem você tenha prazer em conversar por horas a fio. Não que isso seja a única coisa importante – e não é -, mas é a mais importante. Não sendo capaz de ser feliz com uma mulher numa simples conversa, você não será feliz em nada. É por isso que meu casamento tem dado certo.”

O tempo passou, não me casei, mas sempre pensei nisso. Ao menos adotei o critério do sócio com namoradas, ficantes longas ou alguma mulher por quem tenha me apaixonado no período. Sempre o critério. Quando não deu certo, hora de adeus. Penso bem: que sentido faz estar ao lado de alguém com quem você não tem prazer em conversar? Nenhum. Carinho, sexo, outras peripécias, tudo é muito fácil quando em um casal ao menos um dos dois não é um completo idiota – basta explorar as boas possibilidades físicas. Conversar não. Precisa de fluidos positivos, agradabilidade, empolgação, cativação. É mais além. Mas todo homem precisa exercer o direito à contradição: nestes anos que seguiram, a garota que mais tempo namorei foi justamente com quem eu menos conversava. Por isso, agora tenho uma nova, linda e jovem com todo o futuro à frente que eu já tive e escorri em vão - nem tanto, divertidamente pois.

Gosto de conversar.

Meu sócio não era grande coisa, mas tinha toda razão.

II

Há pouco, uma amiga jovem e bonita me fala da alegria que é poder ver desenhos animados com seu pequeno filho e depois levá-lo à escola. Há respeitáveis mulheres bem-sucedidas que ganham cinco vezes mais; contudo, estão passando suas vidas em detestáveis escritórios fechados e refrigerados do mundo corporativo enquanto, num desperdício, seus pequenos filhos crescem acompanhados apenas por seu pequeno amigo computador. Estar ao lado do filho, viver uma história de amor real a cada passo. Tem preço? Não há salário de multinacional que pague. Nada paga a vida, o amor, a proximidade.

Uma amiga jovem e bonita, muito jovem, do mesmo jeito que minha mãe foi um dia e chegava a ficar contente quando eu matava aula e víamos os desenhos do SBT. Isso nada tinha a ver com notas na escola: numa ocasião, já aprovado antes do quarto bimestre, matei todas as aulas possíveis só para ficar em casa com ela. Amigos do colégio vieram à minha casa depois de duas semanas. Exagerei na dose.

Já adulto, mantive o ritmo na faculdade. Matei mais aulas do que qualquer outro aluno de meu curso. 

Namorar, jogar sinuca, ficar horas incríveis conversando sobre o nada no hall, jogar cartas, seguir cachorros nos arredores da 28 de setembro, ir para a concha acústica em busca de shows, Nelsinho tocando violão, Luciene linde com seus cabelos louros cacheados. Perdi dezenas de aulas, muitas, mas ganhei em convívio, amizades, troca de ideias, aprendizados diversos.

Anos depois, recebi uma proposta de trabalho que me pagaria o triplo do salário, mas isso significava mudar de cidade e ficar longe de meus pais. Ainda convivi com eles uns três ou quatro anos. A grana? Uns duzentos mil reais. Mas quanto custa estar ao lado dos pais pelo mesmo período? Tem preço?

A vida deveria ter mais ócio.

Domenico De Masi tem sempre razão.

Meu sócio também.


@pauloandel

Monday, August 05, 2013

wave



o céu do Leme sem tamanho
imensidão azul de preto e giz
e meu amor agora é dor que range -
vamos disfarçar a dor pelo sexo -
vamos silenciar qualquer tormenta -
ah, os castelos, belos castelos
que erguemos à sombra d’álma
feito moinhos de Cervantes
ah, os desejos, as trocas, a cor
tudo o que não aprendemos bem
os garotos jogam bola na areia
os casais normais entrelaçam-se
enquanto a noite só nossa, quente
tem também tremores e arrepios
mas sabemos de nossos lugares
alguém me cante uma velha canção
alguém me diga de algum desafio
e os jovens são como bons jovens:
riem e vivem a vida num segundo
o céu do Leme é a Via Láctea, viva
embora falte a estrela Vega, límpida
e as ondas são como boas ondas:
vão e voltam, são passado e futuro
são mistérios e convites à paixão
e então somos beijo e silêncios
o desarmar de nossos rancores
eis-nos incêndio em mar e prazer
ainda somos um pouco jovens
e se alguma chama se apaga sã
é porque falta minha estrela Vega
a estrela Vega, um disco na vitrola
e um trovador solitário a navegar
nos acordes de uma outra canção

@pauloandel

Sunday, August 04, 2013

domingo livre

sky blue sky
o domingo tão bonito
com crianças no parque
garotas nas praias
e frangos em brasa
um cansaço desejável
uma lerdeza desejável
e o café ainda demora
mais tarde tem futebol
e cor e sombra em vista
os restaurantes apinhados
as vitrines cobiçadas
e ninguém liga ao certo
para o que acontece
ao lado, ao lado
nasce outra semana
e você pensa com paciência
no que deve ser feito
no que deve ser deixado
a hora das prioridades
e não dar prioridades a nada
onde você mesmo não passe
de uma eventualidade
contas a pagar? perdas e danos?
desacontecimentos?
lamentações e maus agouros?
o domingo faz-se altiplano
amanhã vem mais um dia
com certezas e desenganos
vamos viver o domingo
e se o resto entrar pelo cano
que tenha onde desaguar
sem transtornos tamanhos

@pauloandel

Saturday, August 03, 2013

O poema do silêncio


"Difícil fotografar o silêncio", de Manoel de Barros


Dois escritores

Maria Thereza é escritora e mora num confortabilíssimo apartamento num dos últimos prédios do Leme. Aos trinta e cinco anos de idade, casou-se com um abonado empresário vinte anos mais velho. Tem uma vida de enorme conforto material, dois belos filhos, viagens frequentes para a Europa, jantares em bons restaurantes mais todos os mimos que a força da grana ergue pelo mundo afora. Por isso e outras coisas dedicou-se à literatura, da qual não depende para qualquer conforto de conta corrente.

A primeira sexta-feira de agosto, por volta de onze da noite e Maria Thereza aproveita a bela paisagem da praia de Copacabana em seu canto mais charmoso e discreto. O marido está recolhido: pode ter adormecido ou mesmo estar mergulhado em um livro qualquer onde se ensine táticas para ser rico, bem-sucedido e poderoso – parte da literatura a qual ela abomina, embora não admita publicamente. As crianças foram para uma festinha. Bebel, a empregada, está de folga. Uma noite bela e fria, que sugere amores, desejo, palavras doces, carinhos provocantes, uma noite do Leme. Ao fundo, o horizonte em preto brilhante que oferece sonhos e até mesmo pequenos delírios de carne e espírito. Então vem o inesperado.

Metros à frente, perto de um quiosque, tomando o caminho dos pescadores, um senhor caminha de mãos dadas com uma jovem que poderia ser sua filha, exceto se os eventuais beijos ardentes não denunciassem o teor da relação – devem ser ao menos namorados. Maria Thereza espia, estranha, contrai a vista e, num súbito, não tem mais dúvidas: o senhor gordo, de camiseta preta e chinelos descompromissados, acompanhado da jovem mulher em mãos a caminho do Leme é um velho conhecido seu, não se veem há anos. Trata-se do também escritor João Ribeira, já publicado e com alguma aceitação no mercado. Ela, tão rica e bem-sucedida. Ele, com trajes humílimos de escritor falido que se tornam seu charme kitsch.

Um segundo e Maria Thereza faz da sua enorme varanda o mundo.

E pensa em amor. Em tesão. Prazer. Vontade. Vira a cabeça, fita a sala imponente do grande apartamento do Leme e percebe ali o imenso vazio que a sofisticada mobília, os quadros caros e a prataria imponente não conseguem preencher. O dinheiro não é capaz de afagar a solidão humana na primeira sexta-feira de um agosto qualquer. Volta seus olhares para o Leme. João está perto da barraquinha de cerveja, sentado com a garota em seu colo e parecendo dez ou quinze anos mais novo do que os quase cinquenta que possui. O casal se beija e ri, como se Otto ali cantasse: “O que ela gosta é de fumar e beijar seu noivo de tarde na praia”. O Leme é um silêncio de fim de noite, mas nada se compara ao verdadeiro féretro da alma que se agiganta no grande e confortável apartamento no fim do quase-bairro. “Não existe amor no RJ” é uma sentença improvável. A garota tem pouco mais de vinte anos, Maria Thereza percebe isso em seu belo par de óculos que agora ajuda a esconder de si mesma alguma lágrima de tristeza. Mas o que a abala com tanto conforto e realização, uma bela família, a saúde em dia e uma ótima conta corrente? Amor. Amor. Isso tudo lhe parece um bom tema para uma crônica ou conto, quem sabe um poema.

Ela passa a observar o casal namorando no banco como se fosse uma obsessão de novela global. Quer saber o que acontecerá em diante, mesmo que pareça tão óbvio. O escritor e a garota não param de se roçar na praia quase vazia. Ao longe, mas nem tão longe, os olhos de águia da escritora são pedras fixas, mas atordoadas: tudo parece dizer que ela queria estar no lugar da garota – afinal, ainda é jovem, bela, faz sucesso em outros olhares, exceto os de um empresário bem-sucedido na primeira sexta-feira de agosto, mais interessado em ler, ver besteiras ou simplesmente dormir. Ou ainda um analgésico contra o tédio de um casamento que talvez não tenha tanto sentido assim.

A lágrima vira realidade. A jovem senhora, ainda com tanto pelo caminho em termos de felicidades efêmeras, perde uma linda sexta-feira fria. Mais uma.

O casal namora e parece estar em vias de providências para a volta ao lar, efêmero ou não. O mar do Leme sente canções que roem feito mistério e Cacaso, numa outra estação sorri.

Maria Thereza chora de vez. Velhos conhecidos que não se viam há anos, agora juntos num cenário tão improvável.

Ela foi namorada de João nos tempos de faculdade.

A primeira sexta-feira de agosto é um moinho.

@pauloandel

Friday, August 02, 2013

mar

mar - o delicado mar
para amortecer
os corações acesos
tão confusos e vivos
enquanto o atlântico
beija as pedras do Leme
para um amor que dorme
outro acorda tão bonito
outro amor não morre
a morte e um desperdício
mar e pedras são beijo
e os corações distantes
choram, choram por toa
o silêncio faz-se exílio
Copacabana e uma pátria
em perigo e dramas vis
mar - o delicado mar
um coração perfeito namora
enquanto outro
se apavora em céu
de noite fria e seca
um amor se despe - adeus
outra cor se aflora

@pauloandel

bastava

o que bastava
estava no teu eu
ou nós e os corpos
qualquer tarde
era leme, grajaú
ou saens peña
que tal francisco
real sem viço
o que bastava
era a tarde sem sol
um pingue-pongue
fogos de artifício
e guaraná champanhe
o que bastava
era estar perto de deus
os dois a sós
e algum mar
que a memória
louca perdeu

@pauloandel