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Saturday, August 06, 2022

agosto copacabana - short cuts

A esquina da Siqueira com Tonelero é sempre tumultuada. Com o metrô, ficou mais acentuada. Tudo bem. Na estação, tem uma loja que só vende ovos de galinha. Nada pode ser mais Copacabana.

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Cinco e quinze da tarde, chego à porta do shopping, vejo o fliperama que já não existe, nem o Bradesco. Por um instante, me vem à tona uma cena muito triste em 1993: uma família em situação de rua à calçada, o pai tinha uma perna amputada, ficava numa cadeira de rodas e usava uma sonda. O homem não tem direito de esquecer das cenas de guerra. 

Dez passos adiante, o antiquário continua no mesmo lugar, mas não há o menor vestígio de Patrícia porque agora ela é uma empresária de sucesso no Leblon, acho. 

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L.O. Matta. Compro bons discos para revenda. Posso ficar até 18:20 e depois pegar um táxi para o Caravelle, mas tudo é rápido demais e, por isso, antes das seis tudo já acabou. 

Os blocos continuam iguaizinhos. É insuportável ver o Sniff's fechado. 

Meia hora antes, melhor uma caminhada pelas únicas ruas do mundo onde verdadeiramente me sinto em casa. 

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Na esquina da Figueiredo com Tonelero fica o Solar. Jogamos muitos campeonatos de botão ali, rimos, fomos efemeramente felizes e tudo acabou. Ou não. Ficam as memórias. Elas sempre vão nos perseguir. 

Botão acalma a alma. Já comemorei gols no botão que jamais se igualaram aos do Maracanã. Só entende quem vive isso. 

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Parece incrível não ter a Academia Gracie, nem a Kayat Esportes nem o Sumol na esquina. Certos estabelecimentos deveriam ser eternos, mas aí está o capitalismo para arrasar tudo. 

Já na Barata Ribeiro, eu ia comprar um chaveiro do Fluminense na loja, mas estava muito cheia. Tudo bem. 

E o CIB? Está tão diferente com a fachada azul. O vizinho, Costinha, nunca mais. A Modern Sound virou o Supermarketing. A Billboard está fechada para sempre. 

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A Santa Clara tem movimento. Onde foi parar a loja de esportes? Lá atrás tinha a Suprema, com pasteizinhos alucinantes. Senhor! 

Ok, os tempos mudam, mas será que o destino do Cirandinha era virar um hortifruti? Nem estou falando dos rococós da Casa Barbosa Freitas ou da Sloper. 

[O Metro Copacabana tinha um ar condicionado de arrepiar, literalmente 

Quando você entra na Domingos Ferreira, logo vem a arrumada e ordeira portaria do Edifício Master. Tudo está bem, o documentário foi maravilhoso, mas quem veio dos anos 1980 lembra do balacobaco. A gente tinha medo da gangue, agora tem medo das grades e do silêncio.

Antes, esqueci o nome da loja de esportes que durou muito tempo na esquina de DF com Santa Clara. O letreiro era vermelho, com fonte vintage. Por ali rolava a Tele Rio Times Square, ou era perto da Figueiredo? Ninguém liga. 

Prédio do Sesc Copa, sem movimento. 

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Durante muito tempo, o prédio da esquina com a Constante ficou abandonado. No térreo, a lanchonete Top Top (será que o nome veio da canção?). Agora é uma espécie de apart hotel para a terceira idade. Eu tinha medo do prédio abandonado, com o portão acorrentado e um vigia. A Top Top tinha um excelente misto quente. 

[Meu joelho dói. Sofro calado. Muitas vezes calado. 

De cada lado da rua, a Domingos Ferreira é bem servida por dois excelentes galetos com balcão francês, conforme mandava o figurino. Também tem a filial do Caravelle, que tinha outro nome, mas a gente só se liga no original. 

Há tempos não paro ali. Preciso voltar. 

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Passo pela Barão de Ipanema e finalmente chego à quadra tão familiar, que frequentei de 1984 a 2005. 

Por um instante, eu queria ter dez anos de idade em 1979, para que minha mãe me puxasse pela mão e fôssemos lanchar no Bob's. Nós éramos felizes, mesmo com todas as dificuldades, e ainda ficaríamos em Copacabana até 1993. Uma senhora experiência. Sempre demos muito valor aos lanches, era um luxo para nós. 

Por um instante eu queria passar do Caravelle, interfonar para o Xuru descer e ele reclamar, porque não aguenta mais o cheiro da melhor pizza do mundo invadindo sua casa. 

Mãe, nunca mais. Xuru, também não. Mais do que mãe e amigo, taí duas pessoas que nunca me deixaram na mão. 

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Entro no Caravelle e me sinto em 1985, mesmo que as dores, a tristeza, as dívidas e as pressões digam o contrário. Peço uma Coca-Cola gelada, garrafa de vidro 290 ml, e espero por meus amigos. Nós nos conhecemos na casa de um deles, ainda criança, e nossa amizade se firmou em campeonatos de botão quase diários. De lá para cá, todos crescemos, vivemos, morremos um pouco e agora usamos o WhatsApp para nos sentirmos pós-adolescentes, com velhas brincadeiras ridículas que ajudam a disfarçar a realidade da vida e a marcha atlética do tempo, que sempre vence. 

Em cinco minutos, Raul chega e, por qualquer motivo, começamos a rir. Melhor assim: risos são a melhor morfina. 

Mais dez minutos e cinco jovens senhores respeitáveis pedem pizza, chopes e, pelas próximas horas, vão celebrar muitos dos melhores momentos de suas vidas. 

Não há mais nenhum dos grandes garçons do passado no Caravelle. 

O Bob's faleceu. 

A vida escorre. 

@pauloandel