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Saturday, March 21, 2020

a vingança da noite dos cristais

pode ser.
pode ser a derrota.
a minha última derrota, logo eu
que venho de tantas.
talvez seja o meu fim.
não sei dizer. ninguém sabe.
eles destruíram o pouco
que eu tinha.
eles debocharam e riram
ao chutar meu rosto.
mas eu ainda estou vivo
e viverei
para ver todos eles, nazistas
em desgraça.
todos os nazistas
humilhados.
toda a minha dor se voltará
contra os inimigos do povo
dos pobres e famintos.
todos eles vão feder
feito merda
e serão humilhados
até a hora da morte.
podem juntar seu dinheiro
roubado.
sua quadrilha de assassinos
cruéis.
hei de ver o fim dos nazistas
e cada um deles há de lembrar
o cuspe na cara de hitler.
o rato de esgoto hitler
com sua cara escarrada.
o escarro escorrendo
o câncer que lhe corrói.
o desprezo e a repulsa
que nenhum dinheiro
jamais compensará.

@pauloandel

Wednesday, March 18, 2020

dê o fora, Inepto!


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Friday, March 13, 2020

rotas da boa morte

"depois que morri, pude perceber que dentro do mínimo razoável fui um homem bom.

escutei as pessoas. não roubei. não prejudiquei ninguém seriamente. só fui verbalmente agressivo para me defender de violências.

não fui canalha. não traí. não deixei meus ex-amigos na mão. não fingi desatenção quando precisaram de apoios.

pensei no outro, no próximo, de verdade. não me limitei a esmolas para me livrar de gente sofrida. quem mendiga não merece ser tratado como mendigo. quem trata o mendigo como mendigo não é digno de consideração.

entendi que o mundo só funciona de verdade com solidariedade plena, de coração, sem hipocrisia e oportunismo.

tirei de mim qualquer mágoa dos que me prejudicaram, sabotaram e roubaram. pude ver alguns deles pagando a famosa lei do retorno. não adianta postar fotos felizes e, na calada da noite, olhar o teto do quarto como um espelho que estampa uma pessoa de mau caráter.

praticamente todas as pessoas que me amaram de verdade também estão mortas, salvo raríssimas exceções. mas não lamento. fui um homem bom. amei e fui amado. mesmo morto, sou capaz de amar.

fui um homem bom. agora caminho sozinho por ruas sem nome, entre pessoas sem rosto, olhando por entre os escombros de almas perdidas, solitárias, desmanteladas. pessoas mortas, que insistem em viver com fones de ouvido e smartphones à mão.

escrevi coisas que me dão orgulho. as melhores, quase ninguém leu. as piores foram aplaudidas de pé. as medíocres foram encantadoras. cada um tem os leitores que pode.

dia desses depois da morte, um jovem morto debochou de minhas ideias sem me conhecer ou sequer trocar conversas. usava um tom professoral e anglicismos ocos, típicos dos capachos intelectuais que sonham com dinheiro e poder em deslumbramentos corporativos, ou que acreditam que o próprio talento é inédito no mundo morto. olhei e ri, deixei o cadáver em silêncio. ele morreu muito jovem, perdido em manchetes ocas e pedantismo imaturo. é justo rir dos pedantes e depois deixá-los viver ao longe, longe.

ando numa cidade morta, que perdeu o viço e oferece calçadas vazias, ruas esburacadas, lojas fechadas e mãos estendidas por esmolas que adiem a morte e confirmem a morte em vida.

antes de morrer, minha mãe me disse que eu era um homem bom. foi meu maior orgulho. dei alegria a quem me deu sentido numa terra de dores, egoísmo, sofrimento e indiferença.

o brasil está morto. o rio de janeiro está morto. sou um estrangeiro em minha própria terra. às vezes alguém me dá bom dia no elevador. os funcionários do prédio são sempre solícitos. depois passo por um portão verde, ganho a rua e vejo uma solidão enorme. tenho fome, sede, dívidas, melancolia, cansaço. tenho dores físicas, mesmo morto. meus chinelos sempre me lembram de que fui um homem do povo, desimportante, apenas em busca de migalhas de felicidade, um bem precioso mesmo depois da morte.

caminho por uma rua sem movimento que não vai dar em nada. busco as últimas forças em locais improváveis. passo calmamente enquanto transeuntes celebram um fascista boçal. eles estão muito mais mortos do que eu."

@pauloandel

Wednesday, March 11, 2020

Os subterrâneos do futebol brasileiro

O título desta coluna é uma homenagem adaptada do grande livro de João Saldanha, "Os subterrâneos do futebol", leitura obrigatória para qualquer brasileiro que goste do esporte ou pretenda escrever a respeito dele. Por sua vez, o inesquecível Saldanha quis homenagear Jorge Amado quando batizou o próprio livro. 

Infelizmente as linhas a seguir nada têm a ver com a trajetória destes dois craques da vida brasileira, João e Jorge. Vida que segue, diria o maravilhoso cronista esportivo. 

Vamos lá.

O recente - e triste - episódio envolvendo a prisão de Ronaldinho Gaúcho traz à tona algo muito especulado mas pouco falado no Brasil: a sensação permanente de que o luxuoso apartamento do futebol brasileiro tem, no mínimo, vizinhos de porta e prédio bastante indesejáveis, parecendo até um esquisito condomínio de casas na Barra da Tijuca onde ninguém sabe que o morador ao lado é miliciano, por exemplo. 

Ao lado de dribles, gols, festas e paixões, ainda que nosso futebol não seja sombra do que já foi um dia, caminham fortes interesses que não são do jogo nem dos torcedores. Não é algo de hoje, vem de muito longe, inclusive no exterior, mas o atual cenário brasileiro com todas as vísceras sociais cancerosas à vista, faz pensar. 

Quem se lembra da farra na chegada da Seleção tetracampeã mundial, entrando com bola e tudo pelo Galeão sem passar pela alfândega? Perto do que veio depois, virou fichinha. Este é apenas um exemplo. 

Somas interestelares de valores em transações nem sempre cristalinas. A clara preferência de investimento da televisão, que privilegia poucos clubes e tendencia o principal campeonato do país. Dirigentes de caráter duvidoso, alguns inclusive presos ou citados em escândalos de grandeza nacional. Outros, que se tornaram milionários trabalhando em clubes onde não recebem (ou não deveriam receber) salários, dada a hipocrisia do amadorismo dos cartolas. Negociações astronômicas de jogadores que não vingam no futebol internacional e muitas vezes retornam ao Brasil em pouquíssimo tempo - três ou seis meses. Dívidas impagáveis - algumas, com explosão súbita -, muitas vezes adquiridas por negligência trabalhista ou jurídica, deixando os clubes à míngua mas muitos funcionários e prestadores de serviço com satisfação plena. O VAR que dá muito mais certo para um lado do que outro. Conflitos de interesse a granel por toda parte. Livros e livros que denunciam a corrupção vertical da FIFA de cima para baixo. E o mundo da informação é paralisado porque, claro, a imprensa esportiva depende do futebol para sobreviver, dedicando-se apenas aos casos mais evidentes. Tudo isso embalado por muitas festas e convescotes milionários, alguns deles - sem moralismo - impróprios para menores de 75 anos. 

Claro, o futebol brasileiro é um natural reflexo do país. Por isso, está mais perto de suas mazelas terríveis do que se gostaria. Muito mais. 

Importante pontuar: o que vemos na televisão diariamente é a representação de menos de 10% dos jogadores de futebol profissional do Brasil. Os outros 95% não estão na mídia, jogam muitas vezes por um prato de comida ou até mesmo em condições análogas ao trabalho escravo, disputando partidas vistas por menos de dez torcedores, mas que são acompanhadas atentamente do outro lado do mundo por conta das bolsas de apostas. 

Voltando aos 10% da elite econômica do futebol, há relatos costumeiros de um jogador retornar parte de seus rendimentos mensais para quem o fortaleceu com um excelente contrato, às vezes até acima do que mereceria tecnicamente falando. Qualquer semelhança entre este procedimento e a já famosa suspeita de "rachadinha" parlamentar, com 48 depósitos de 2 mil reais em espécie no caixa eletrônico, é mera evidência. E quando você vê aquele pereba como titular absoluto do seu time, sem entender porque o reserva não o substitui, não tenha dúvidas: não existe coincidência nisso. 

O treinador que indica reforços, o dirigente que contrata vários jogadores de um mesmo empresário, o clube que revela vários jogadores sem retorno esportivo mas com rápidas negociações internacionais. Os clubes que têm uma sequência de negociações de jogadores que, em muitos casos, não vingam esportivamente. E treinadores que vêm e vão com velocidade hipersônica, pendurando e renegociando salários atrasados. 

Bom, até recentemente a CBF tinha dirigentes que não podiam sequer viajar para o estrangeiro, sob risco de entrarem em cana via Interpol. Outros cumprem pena no exterior. Sempre alinhada com a ditadura e, posteriormente, com todos os vícios do corporativismo e da baixa politicagem das federações estaduais, a Confederação é um triste retrato da vida brasileira, salvo raras exceções de dignidade que ocuparam seus quadros. Se pensarmos friamente, tem o mesmo modus operandi da FIESP, da CNI e de outras entidades empresariais que, dentre outras picaretagens, financiaram o golpe de 2016 e prepararam o terreno para o horror que hoje vivemos. A única diferença é que a CBF, direta ou indiretamente, legaliza todo dia uma partida de futebol que, na arquibancada ou na tela da televisão, serve de pequeno bálsamo para milhões de corações torturados pela difícil vida no Brasil, ou de confere para outros corações que não estão nem aí para nada. 

Para quem ama o futebol, só resta uma saída: tapar o nariz e voltar a ser criança por 90 minutos, tal como o jornalista Juca Kfouri receitou certa vez numa entrevista. O jogo de bola ganhou o planeta, é o esporte mais popular do mundo, mas carrega em suas costas bem mais do que jogadas fabulosas e lances inesquecíveis. 

Pode parecer estranho fechar uma coluna sobre o futebol brasileiro e não falar em Neymar. Mas, pensando bem, é melhor assim. Novamente o talento de João Saldanha cai melhor por aqui: vida que segue. 

@pauloandel