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Friday, May 31, 2013

O último dia de maio


ESQUINA de Sete de Setembro com Uruguaiana, coração do Rio, a Cavé que um dia foi de Jane, talvez duas e meia da tarde e finalmente revejo Anne depois de quatro anos. Impressionante como ela ainda me causa tanto impacto positivo depois de vinte e nove anos, mais impressionante é que parece vocacionada a ser linda e jovem para sempre. Nem um pouco impressionante que esteja casada e feliz – impossível seria sua disponibilidade. Luiz, velho amigo também presente, caminhamos para o café da Livraria da Travessa para gastarmos horas em admirável conversa fiada, mas não houve café e sim Stellas geladas. Antes disso tudo, tive um bom feriado, inúmeros beijos de chocolate, fiz estatísticas mais cedo, falei pouco com meu amor e caminhei desde a rua do Senado até o ponto de reunião, num outono gelado que inunda o Rio de folhas ao chão.



Então falamos da vida. Da sociedade. A frieza do mundo moderno. O ir e vir de gente formada que mal sabe ler. A decadência intelectual dos meios jornalísticos. E rimos, rimos bastante. Anne tinha me dado conselhos amorosos em 2009 que segui à risca, para risinhos dos funcionários do prédio onde moro – e se assustou em saber de minha paixão louca que não cessa. Luiz falou da quebra das convenções, ao mesmo tempo em como mantém um casamento feliz, duradouro e fiel mesmo sendo um sex-symbol da academia de ciências. Eu às vezes também sou um sex-symbol: Tatiana me chamava assim e adorava que eu fosse o gordinho oficial quando viajávamos. Perdi uma grande oportunidade mas não me arrependo. Três amigos à mesa, uma doutora linda, um doutor querido, lembramos que não temos nenhum deus nas mãos – quem nos condenaria? - para Ursula, sou filho do capeta e isso me soa ridículo demais – há uma única mulher que me faz pensar em deuses – há uma bailarina no caminho. Rimos mais. Rir é bom, afaga a alma, serve de acalanto para não se lembrar desta terra linda e louca, onde milhões morrem à míngua e vivemos para servir a um sistema basicamente inútil. Depois voltamos a falar de coisas sérias demais, nenhuma delas tão divertida quanto as viagens e os pêssegos da adolescência. Onde repousa a casa de Henrique em Arraial do Cabo agora? Derrubada pela força da grana que ergue e destroi coisas belas – no muro dela, anos depois dos anos de viagens incríveis, eu beijei Tatiana.



A livraria é abarrotada de títulos por todos os lados, inclusive dos alternativos que não chegam às casas convencionais. Pensei na importância de se escrever um livro: será que ainda tem validade jogar uma mensagem numa garrafa ao mar para que alguém a resgate? Pode ser. Eu e Luiz somos sócios em dois livros de futebol que vêm a caminho. Sim, teremos mais. E também dois romances. Escrever é jogar amor no papel, mesmo que ele também seja ódio e dor. Qual o sentido da vida? Nenhum. E a vida precisa ter sentido? Não necessariamente. Viva e deixe viver, o caminho surge por si mesmo e nunca sabemos onde será o fim da estrada, exceto quando Anne comunica que precisa ir embora, o horário estourou e digo a ela que duas horas de sua prosa valem um século, prometo não telefonar mais de quatro em quatro anos, sou muito relapso com essas coisas mas não deveria. Compro o novo disco do Daft Punk e pago mais caro do que o (muito) merecido. Hora de deixar a deusa morena de simpatia na estação Carioca, beijos, abraços, uma felicidade enorme dos amigos que se querem tão bem. Linda, ela desce as escadarias como se fosse uma modelo de algum outro país latino. Antes, Sete de Setembro, Rio Branco, o rush nas ruas – você fica caminhando pela Uruguaiana mas não tira o pensamento da Rio Branco – sim, é verdade, tentei mais de trinta vezes – quem é homem de verdade para confessar a uma mulher que beijou outras outras trinta pensando nela o tempo inteiro? Oh, Rubem Braga contaria uma história melhor.



Cogito o World Press Photo na Caixa Cultural, logo ali do lado; Luiz sabiamente decide por um café – sim, agora sim! - na livraria Cultura. Sempre abarrotada, Yamandu passa ao largo sem ser incomodado, conseguimos uma pequena mesa e dois banquinhos estilo bossa-nova. Sempre temos mais assuntos, que vão aos porões do peso aos céus do bom humor. E temos alguma tensão por conta de nossas vidas e do futuro que se avizinha – eu, talvez menos: não tenho nada a perder, estou completamente sozinho no mundo e a cada dia que passa isso se encaminha para uma realidade imutável – nem achei que fosse um dia passar dos quarenta anos de vida - it's better to burn out than to fade away – o que importa na próxima semana? A vida é agora! - Temos saudades dos nossos campeonatos de botão que nunca mais vão acontecer porque nossa Copacabana e o Xuru morreram – sempre estive sozinho desde que aprendi com um ou dois anos de idade a dizer “não precisa” sempre que alguém tentava me ajudar a andar – ou quando comecei a escrever sozinho, por puro instinto – falo de coisas de quarenta anos atrás como se fossem ontem. Queria mesmo era ter milhões de reais só para evitar que Luiz precisasse se mudar para o Maranhão: ideal seria financiarmos uma nova Factory com algum Reed, Cale, Warhol, Basquiat também. Uau, que loucura!



CAMINHAMOS até a Presidente Vargas, Luiz tomou o ônibus confortável para a Freguesia. Retornei a pé pela Uruguaiana, uma sexta-feira fria sem pagodes, sem funk na rua, sem garotas de coxas e vestidos generosos, o silêncio e o negrume de mãos dadas dizendo “vá embora, a semana acabou, o mês também”. Penso em jantar ou lanchar, desisto. A Praça Tiradentes, deserta. O edifício Ventura todo iluminado. O ponto de ônibus para Campo Grande e assemelhados lotado de trabalhadores, garotas bonitas, gente sofrida e fé. Nenhum deus me oferece a mão, sigo sozinho. Lavradio, um deserto enquanto a turma não chega para os shows sofisticados e caros de “gente bonita”. Henrique Valadares, minha casa no caminho. Escutar um disco novo, pensar num poema, mastigar o sofrimento de amor enquanto as paredes permanecem mudas e quase caladas pelo non-sense.



Uma quadra depois, o desconhecido e desimportante escritor Paulo-Roberto Andel carrega um pacote com biscoitos, pão, queijo, refrigerante, pasta de amendoim, jornal velho e outras quinquilharias enormes sem qualquer valor. Abre a porta do pequeno apartamento, joga tudo no sofá, abre um iogurte, verifica as mensagens no telefone celular, recusa um convite para uma suruba, recusa uma ida a um bar qualquer, percebe-se falido e mais velho do que já era, pensa em Marina, pensa em Juliana, cogita chorar ao lembrar-se de que Fred e Xuru estão muito mortos mesmo vivos demais à memória. Joga as roupas no tanque, mergulha num banho gelado, seca-se, coloca uma bermuda nova, liga o toca-discos, ouve os Paralamas do Sucesso em belas versões acústicas, apaga a luz e pensa. Troca o disco por “Shine” de Joni Mitchell, dedicado a um balé. Folheia o amor em dias de fúria de Ferlinghetti. A noite de sexta-feira mal começou e ele a encerra em um grand finale impublicável sem a menor chance de dormir - virou um vampiro Peter Pan.

E assim termina o último dia de maio.


@pauloandel





World Press Photo



Há anos, frequento a exposição internacional.

E nunca saio com os olhos intactos.

No WPP você se depara com as melhores fotos do mundo no jornalismo. E, por isso mesmo, existe vida, arte, poesia dor e morte.

O inevitável balé da morte.

O sofrimento das pessoas ao redor de um mundo tão injusto por conta da ação dos homens, tão belo quando o mistério de seu surgimento.

Visitar o WPP é uma experiência sensorial, motora, emocional e principalmente humana.

Existe um mundo lá fora, longe dos shopping centers e das baladas, que precisa ser revisto. E isso é tarefa de cada um de nós.

O balé da morte e meu choro.

Ano que vem, se ano houver, eu volto para a outra. Esta, ainda verei dez vezes.

http://guia.uol.com.br/rio-de-janeiro/exposicoes/detalhes.htm?ponto=world-press-photo-2013_3752168001


http://www.worldpressphoto.org/

@pauloandel

Wednesday, May 29, 2013

Cacaso

então
senti que o resumo
é de cada um
que todo rumo
deságua em lugar comum
então eu monto num cavalo
que me leva a Teerã
e não me perco jamais
quando desespero vejo muito mais
essa canção me rói, feito um mistério
essa tristeza dói
meu fingimento é sério
como aéreo é sempre todo amor

("Feito Mistério", 1978)


Burn

TARDE

tão tarde
que não se pode
voltar atrás?
que isso
meu rapaz
não é assim
que se faz:
recuar é repensar
refletir
sobreviver
e se tem gente
que não te tem
apreço
noutro endereço
pode estar
o teu verdadeiro
lugar

BURN

Here’s a burn
I’m burning so alone
while you´re in a smile
on another street
I’m just a poor man
a sad man
a man-in-a-beat
no one can see
my oceans in pain -
anybody can’t see
the purple tears
that just drive me -
there’s a lonely tramp
in a praying for a cent
while any absent makes
him as the saddest man
many times in a day -
I’m burning so alone
no one can’t stand here -
all my lovely people
went away with no direction -
patiently I’m waiting
every and every minute
that leaves away my trust
the world-at-end
a vampire world:
who cares?

O COLO DO MUNDO

eu só precisava agora
do colo do mundo
aquele que não tive
nem vejo ou sinto
o que será
do colo do mundo?
apenas um paraíso
de meia-dúzia?
onde mora
o colo do mundo?
parece ter escapado
de meus olhos
marejados
por conta de
um mísero segundo

@pauloandel

Monday, May 27, 2013

Over the rainbow!

O poeta e a bailarina

@pauloandel

(clique na imagem para ampliar)

Pro dia dos namorados

@pauloandel

(clique na imagem para ampliar)



Saturday, May 25, 2013

Narizim

e se você me abrisse os braços
pra gente fazer um país?
e se virássemos pássaros?
aves siamesas num
mar da tranquilidade qualquer?
qualquer sexo, qualquer mulher
uma regata na lagoa
o costa brava pra te namorar
e se você deixasse eu cantar
bem no teu ouvidinho doce
um recadinho bem safado -
um narigão e um narizinho -
um funk-soul de grudar
e apaixonar por tesão lancinante
num’alma até eriçar o peito?
minha Nefertiti, sem perfeição
nada de amor na contramão -
ah, carinho e oxalá uma canção
um acalanto entre a minha e a tua mãos -
o resto sai do chão!

Sobre "Fullgás", Marina Lima e Antônio Cícero, 1982

@pauloandel

Amorzim


o meu amorzinho
mora numa caixa
de computador
fica embrulhado
feito um bombom
e passeia num livro
o meu amorzinho
é um sorvete delicado
é framboesa à mesa
e mãos dadas numa
tarde de sábado -
e tanto sonha longo
e tanto passa ligeiro
sonhando com beijo
apreço, acalanto –
amorzinho sem espanto
feito rima de poeta ou
voo rasante de bailarina
colombina linda e rica -
amor sem métrica
tática, técnica, hiato:
apenas aquece e arrepia
num simples “bom dia”
e deixa seu rastro -
que pecado?

@pauloandel

Saturday, May 18, 2013

Dorme

oh, desamor
que dorme
no espaço
ao lado -
enquanto
meu amor
deita noutro
mar sem
tranquilidade.

ah, gozo manso
que não rói

pensamentos
e quer ser
estrangeiro

em vez de
natimorto.

hum, mansidão
de quem tem
tempo de pensar
e se convencer
de que o bom

do amor é outro:
o que não se faz
óbvio e claro
o que suscita
calores outros
novos versos
e um tesão
irremediável

@pauloandel

Wednesday, May 15, 2013

Jovens de 80





















@pauloandel

O mar da lua


queria saber quem
semeou o amor que
mora em teu olhar
duas estrelas pretas
apaixonadamente
livres no peito do céu
cravejado de paz
queria saber quem
plantou o sorriso
no teu rosto de amores
cais dos navios que são
delícias d’alma
fonte dos desejos
mar tropical da lua -
quem fez a tua cor
de pecado
o teu sonho
a tua beleza
meu sentimento?
um cântico no sereno
um tanto desejo
um êxtase, um brilho -
e nada rima melhor
com Silvana do que
o sinônimo preciso
escondido num subjetivo
anagrama –oculto
entre o querer e a alegria
típicos da mais profana
admiração: um nirvana

@pauloandel

Tuesday, May 14, 2013

Linda como sempre


procurei duas jabuticabas
duas amoras
numa árvore frondosa
noutro par de olhos da Lapa
e quando me vi
um feitiço da vila
é que incandesceu
meu olhar
duas amoras de cobiça
acendendo um sorriso
de mil fantasias
e o noturno da Lapa
com seus corações a mil
quem será que prende
o olhar dessa dona
que agiganta e contenta
que provoca e conquista?
procurei duas jabuticabas
duas amoras
no concreto da Lapa
mas um feitiço da vila
aqueceu meu coração -
quem sabe o não?
hum, sorriso do céu
sem fronteiras
apenas estrelas
e o meu olhar fita
aquela mão delicada
só para dizer
*“eu quero ir-me embora
eu quero dar o fora
e quero que você
venha comigo”
enquanto algum
chapeuzinho se faz
minha incansável procissão

@pauloandel

Versos de “Você não entende nada”, Caetano Veloso

Você não entende nada!




Quando eu chego em casa nada me consola
Você está sempre aflita
Lágrimas nos olhos, de cortar cebola
Você é tão bonita
Você traz a coca-cola eu tomo
Você bota a mesa, eu como, eu como
Eu como, eu como, eu como

Você não está entendendo
Quase nada do que eu digo
Eu quero ir-me embora

Eu quero é dar o fora
E quero que você venha comigo

Eu me sento, eu fumo, eu como, eu não aguento
Você está tão curtida
Eu quero tocar fogo neste apartamento
Você não acredita
Traz meu café com suita eu tomo
Bota a sobremesa eu como, eu como
Eu como, eu como, eu como

Você tem que saber que eu quero correr mundo
Correr perigo
Eu quero é ir-me embora
Eu quero dar o fora
E quero que você venha comigo
E quero que você venha comigo
E quero que você venha comigo
E quero que você venha comigo
E quero que você venha comigo
(Caetano Veloso)

Friday, May 10, 2013

Loco


“Hei loco, loco/ insano ente/ que vasculha amor em vestígios e réstias:/ por que não dormes agora e namora a madrugada/ entorpecido pelo sono bom?

Hei loco, loco/ caçador de nada/ debaixo da gélida noite e da lua que não vai dar cris/ quero saber por onde passa a tua estrada

Atento aos versos enrustidos de Lessa/ Burroughs, Kerouac e Braga/ sempre no fio da navalha/ sempre ameaçando cômicos incêndios imaginários/ tão juvenis/ num caleidoscópio ou em tecnicolor

Águia do Atlântico Sul/ leão que jamais tem manso/ eterno maníaco adolescente/ um Peter Pan rebelde com várias causas/ até quando você vai desperdiçar seu tempo com a Terra do Nunca?

Hei loco, bonito/ põe teu busto/ numa praça de mediocridades/ é lá que residem as ideias mais admiráveis/ Loco, fogueira d’alma/ vida sem razão/ e um coração interminável vociferando paixão pelas cidades”

@pauloandel

Thursday, May 09, 2013

Corações perfeitos

“Somos corações perfeitos/ e nenhum rancor nos tinge/ quem não soube abraçar o nosso amor/ perdeu o prumo na estrada/ enquanto navegamos outras histórias/ outras palavras/ escrevemos novos poemas e romances/ em busca de carinho e glórias/ somos corações perfeitos/ e pulsamos doces, fortes/ nosso calor permanente/ bandeiras ao vento, gritos na multidão e uma linda chuva de prata/ o sorriso de menina que arrebata/ eis a mais linda namorada/ nossos olhares tão desejosos/ buscam um interminável carisma/ uma flâmula/ uma rajada de amor no peito/ somos corações perfeitos/ e rumamos serenos/ qual é a paz que atordoa?/ será a de nossa felicidade?/ ou pequenos prazeres de hora e meia?/ somos corações perfeitos/ porque vivenciamos nossos sonhos/ eles reluzem em cores cheias/ em carne e osso/ em lágrimas e um tesão interminável/ em drama, gozo e conquista/ somos corações perfeitos/ porque sabemos viver nosso louco amor/ até mesmo quando ele nos despreza/ ou rejeita/ eis nosso retrato de marés flamejantes/ um incêndio nas veias/ uma procissão de paixão em chamas/ nossas cores no concreto são sina”.



Wednesday, May 08, 2013

Tiros curtos


1

mão e mão
aquecendo-se
enquanto fuzilam
um coração
nem uma nem outra
duas ingênuas mãos
alheias ao que passa
ao largo de suas
delicadas palmas -
mão e mão
nenhuma cabeça:
o amor é mansidão
contramão
um cão perdido à rua
enquanto seu dono
pede esmola numa
procissão

2

nosso imperfeito
e delicado caminho
para o que chamamos
morte: cada dia, um dia
meia-dúzia de momentos
felizes, algum amor
em vão, alegria
à contramão, sexo, dor
arquibancadas
e a sensação estranha
de que ainda há
páginas importantes
que não foram
viradas

3

agora somos o drama
o silêncio e o rancor
agora somos a perda
o vazio e o desamor
agora nada de calma
que o dia não espera
agora o tempo à vera
e nada desimporta
agora somos um nada
desperdícios à toa
noves fora a batalha
pra que guerra?
acabou


oh, cansaço
que entorpece
a alma -
nenhum alívio
nenhum bálsamo
apenas crime
e castigo:
ninguém derrotado
ninguém redivivo
e ao fundo
todos pedindo
abrigo

@pauloandel



Saturday, May 04, 2013

Outros mendigos

Era um começo de noite qualquer em Copacabana. Minha amada mãe me puxava pela mão, tínhamos acabado de assistir a algum filme no Metro (com seu ar-condicionado poderosíssimo – o letreiro e as luzes, depois descobri, tinham algo de Nova York). Íamos tomar um táxi quando uma velhinha, bem velhinha e sua neta ao lado pediam alguma esmola. Num súbito, minha mãe tirou o dinheiro, deu, foi agradecida e imediatamente começou a chorar – quando veio morar no Rio, tentando ajudar a pobreza dos pais que nunca mais veria, ela chegou a morar nas ruas, daí a comoção. Falo de 1975, 38 anos portanto. Depois daquele dia, nossa família teve uma enorme derrocada financeira, melhorou, piorou, depois eu fiquei sem família para sempre por aqui.

Desde aquele dia no cinema, eu aprendi o quão duro pode ser a vida de quem não tem nada num mundo cheio de coisas. E nunca mais deixei de dar esmolas quando tive condição, mesmo com o coração partido porque sei que não estou resolvendo um problema, mas apenas atendendo numa emergência.

E nunca mais deixei de chorar por isso.

Falar de mendigos e de suas dores é algo recorrente quando escrevo. É algo que sinto desde sempre.

Uma das coisas que me fez ficar completamente afastado de determinadas crenças religiosas é porque eu nunca via em suas lideranças a real intenção de tocar nesse espinho: ajudar miseráveis de verdade. Há quem diga até que eles já são “condenados” a viver assim, como se a vida e a outra vida fossem vínculos de uma conta corrente. Algo extremamente humano em termos de mediocridade que sirva para entender o mundo e o que tem depois dele, se tiver.

Dentro de alguns dias, completarei 21 anos de trabalho ininterrupto em meu emprego atual. Depois, quem sabe, contrariando paradigmas, 45 anos de idade – eu achava que não chegaria aos 30. A cena do cinema vai fazer 40 anos e eu continuo não aceitando esse mundo injusto, deturpado, hipócrita e corroído que aí está.

Sim, há vários mundos, várias geografias e formas, mas nada me tira da cabeça que, se o ser humano fosse realmente voltado em seu bojo para o bem do outro, muitas das dores que vemos pelas ruas deste mesmo mundo seriam varridas. Isso tem a ver com economia, sociedade e cultura, mas para muitos o melhor é lavar as mãos, dar um bom “foda-se” e partir com felicidade para o shopping center mais próximo - onde se possa gastar os tubos com porcarias absolutamente inúteis.

Perder a noção de preocupação com o próximo e a tristeza em ver pessoas chorando, sofrendo, catando lixo, mordendo restos é algo que chega às vísceras da desumanidade.

Felizmente, depois de tantos anos, não me deixei contaminar pela frieza do capitalismo e suas teses de que só os fortes sobrevivem.

Sem minha linda e amada mãe aqui, eu não passo de um sobrevivente. Então, enquanto ainda houver sol, vamos escrever, ler, pensar, amar, sofrer e tentar entender o que não se compreende.

Nunca aceitarei a pobreza, a exploração, a escravidão explícita ou enrustida do homem pelo homem, seja ela qual for.

Nunca.

"É pelos palcos que vivo."


@pauloandel

Thursday, May 02, 2013

Hey Jack Kerouac



  Hey Jack Kerouac

I think of you mother

And all the tears she cried

She would cry for none other

Than her little boy lost in a little world that hated

And that dared to drag him down

Her little boy courageous

He chose his words from mouths of

Babes got lost in the world

The hip-flash slinging madmen

Steaming café flirts

They all spoke through you

Hey Jack, now for the tricky part

When you were the brightest star

Who were the shadows?

Of the San Francisco beat boys

You were the favourite

Now they sit and rattle their bones

And think of their blood stoned days

You chose your words from mouths of

Babes got lost in the world

The hip-flask slinging madmen

Steaming café flirts

In Chinatown, howling at night

Allen baby, why so jaded?

Have the boys all grown up

and their beauty faded?

Billy, what a saint they made you

You're just like Mary down in Mexico

On All Souls' Day

You chose your words from mouths of

Babes lost in the world

The cool junk booting madmen

Street minded girls

In Harlem, howling at night

What a tear stained shock of the world

You've gone away without saying

Goodbye

Fascículos


A

quase todos dormem noutra rua e não existe pecado/ somos uma enorme madrugada/ enquanto as pessoas riem nas mesas da taberna/ e dois olhos infantis me namoram / e meus dois olhos de jabuticaba mansa replicam romance/ vamos aceitar nossas contradições/ já que a vida é agora/ e não vale perder tempo pelo que não comove nem faz sonhar/ são pessoas numa taberna e meus olhos se fazem juvenis/ eles também namoram uma menina com gosto de mel/ hum, madrugada que mal começa/ e já somos de novo tão jovens, jovens, jovens refazendo amor


B

não chores pelo que não foi
não fez e mal existiu
não chores pelo vazio
pelo que nunca passou de sugerido
não chores pela hipótese -
o real sempre virá acima
não chores, não chores:
o amanhã é outra promessa
e quando menos se espera
qualquer desamor se ajoelha
diante de um novo ardor:
chama que explode nos céus
em plena noite de idílio
uma rainha despreza um trono
uma princesa que se avizinha
com jeito tão ameno


C

maio/ que ainda guarda o outono no colo/ e lá vão os comunistas/ para as ruas de Havana/ eram tão oprimidos, massacrados, feridos/ que fica difícil entender porque abarrotam a grande avenida/ há quem os chamem de atrasados, perdidos, ignorantes/ mas os comunistas respondem com um sorriso nos lábios/ uma bandeira vermelha ao vento/ e a certeza de que a liberdade é o caminho/ que jamais será aberto/ pelo coração das grandes corporações econômicas/ números não são gente/ maio tem corações partidos e promessas distantes/ o final mora longe/ os comunistas estão nas ruas/ com seus corações pulsantes e um calor de solidariedade imortal


@pauloandel