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Tuesday, November 28, 2006

Oferenda

Para ti, tão somente em ti
Que busca em minhas palavras
O significado do amor
Te ofereço mais do que um punhado
A paixão de um cinza Guanabara
Num retrato em branco e preto
Sem hora de término ou chegada
Luzente estrela da madrugada
Desimporta o valor que não te deram
Pois sei que não tens preço
Adiante, me despeço num quando
Breve pausa, então retorno pelo hoje
Por tua boca, teus cabelos, teus anseios
Teu corpo delgado que faz vista de cobiça
Dos que te apenas desejam na pele
Mas não passam de amadores do tom
Feito sambas malfeitos de mau compasso
E são incapazes de namorar teu coração
Feito eu, somente eu, teu, semente em mim



Paulo Roberto Andel, 28/11/2006

Monday, November 27, 2006

Fim de noite no arraial

Quando eu estiver adormecido lá no arraial
Não me chamem, tampouco provoquem
Sorverei a noite eterna em nascedouro firme
Descendo cursos longos do rio a desaguar
Descobrirei todas trilhas da praia pequena
Até encontrar a moça da voz suave, cristã
Em sonho, trazê-la de barco para os anjos
Dar-lhe mão direita, percorrer ruas de pedra
Encostar-lhe no muro de certa casa vazia
E beijar-lhe como nunca, até o nunca mais
Afagar os longos cabelos de ouro negro
Abraçar o corpo de lisa pele, provocante
Ouvir respiração, pulsação, batimentos
Integrar-me nela tão feito um ser somente
Onde mora minha noite de lua na tal praia?
Mulher amada, distante, realidade em sonho


Paulo Roberto Andel, 27/11/2006

Friday, November 24, 2006

Um abraço de mulher

Ontem, houve uma mesa de bar.

Éramos eu e dois amigos, poetas. O estabelecimento era o do recente sempre, ou seja, que temos frequentado nas últimas noites desta primavera sem flores. Dentre algumas coincidências que temos em nossas trajetórias, uma delas foi a de, em épocas diferentes, termos sido escoteiros, o que acabou sendo tema dominante durante a estadia na taberna. Conversa boa, rigorosamente simples, sem iguarias sofisticadas que a casa não pode oferecer. Apenas a cerveja gelada e a prosa.
Entre as recordações do escotismo, perto de um ou outro comentário cotidiano, eis que um artista subitamente surgiu e ofereceu-nos uma caricatura do trio. Aceitamos, pagamos menos que o justo, mais do que poderíamos em tese. Bom sujeito, o artista; voz de locutor, pintor, desenhista, homem de pluralidade intelectual visível. Merece ser revisto. Tempos depois, foi para o balcão conversar com a proprietária da casa.
Quando falávamos, eu e os poetas recordávamos de acontecimentos da tenra adolescência: escoteiros basicamente acampam e é justamente este tipo de evento, o acampamento, que serve de roteiro para as melhores histórias, nem todas publicáveis. Ora, um sujeito que quase toma tiros sem querer; ora, o nem tão amistoso encontro com cobras venenosas na mata. Uma ou outra menina linda que tenha pertencido ao belo movimento que, se teve lá seus problemas devido à natureza em que foi concebido, para mim serviu como grande lição de vida, que comigo trago permanentemente. Lideranças curiosas, dificuldades, fome, muitos risos; diz o escotismo que os de sua estirpe sorriem nas dificuldades - lembro sempre disso como um dos maiores desafios da humanidade. Aprendi outras coisas também e tento vivenciá-las ao máximo: não apenas ser bom, mas também fazer o bem; não esperar gratidão; tomar iniciativas em determinados casos; praticar honestidade. Creio que, se tivesse violado com firmeza algum destes itens, talvez eu estivesse "melhor de vida", como se diz popularmente. Não lamento, melhor assim: recordo Darcy Ribeiro em um grande discurso, algo como "detestaria estar no lugar de quem me derrotou". Verdade.
Algumas garrafas foram esvaziadas. Acampamentos em voga ainda, voltei no tempo em exatos vinte e um anos.
Escoteiros organizam acampamentos com suas gentes de todo um Estado, ou mesmo Estados nacionais. No caso federativo nosso, brasileiro, a reunião nacional tem o nome de Ajuri, termo indígena que significa agrupamento, reunião. Fui num desses, era 1985, outro Rio de Janeiro, outro Brasil, outro São Paulo. Foram dez dias em Cotia, cidade anexa à capital paulista. Não sei explicar ao certo, mas o momento em que sinto-me quase paulistano é quando, na Dutra, avisto o velho estádio do Canindé à esquerda e, pelo noroeste, um sem-par de arranha-céus com a tradicional nuvem cinza fazendo vezes de cobertor da cidade. Tive essa imagem muitas e muitas vezes, mas a daquela vez, indo para Cotia, foi especial. Era a primeira vez em minha vida que eu saía do Rio de Janeiro.
O Ajuri era um mundão. Exércitos de gentes; poderiam parecer estranhos, mas não - quase todos cumprimentavam uns aos outros. As meninas, principalmente. Ganhavam sempre elogios bons dos maduros homens cuja faixa etária estava compreendida entre quatorze e dezessete anos. Os grupos misturavam-se; fiquei com os amigos do Monteiro Lobato, turma da Tijuca, amigo nosso de lá exagerou um pouco no cognac, foi temporariamente hospitalizado. Escoteiros também infringem regras. Dia seguinte? Mil maravilhas.
Banho era algo difícil por no Ajuri, embora absolutamente necessário como em qualquer outro logradouro. Água gélida com temperatura ambiente perto dos cinco graus. De toda forma, sempre valia a pena. Comida, era honesta, em qualquer horário. Justa.
Num dos dias, a escoteirada teve um dia de trabalho voluntário pela cidade. Dez mil rapazes e moças, ajudando a turma pelos arredores. Nunca mais vivi nada parecido, perto da unha só quando trabalhei como voluntário - e escoteiro ainda - no tempo das enchentes do Rio de Janeiro, creio que 1988. Falando de Cotia, fui escalado para trabalhar num orfanato, o primeiro em que entrei na vida também. Vida de escoteiro é cheia de primeiras vezes. Para mim, ainda é muito fácil relembrar aqueles momentos: a alegria que as crianças estamparam nos rostos quando chegamos, as brincadeiras, os jogos, os presentes que a eles demos mediante arrecadação prévia. Na hora do almoço, tenho certeza de que a comida não era das melhores; afinal, passei anos e anos cultivando o paladar com a ultra-baixíssima gastronomia. Olhei para os lados. Estavam todos felizes. Ignorei a qualidade do prato, voei baixo, senti-me felicíssimo também e foi muito bom. Houve um momento triste, sim: um rapaz, magriço e negro, por perto dos seus dezoito anos, soluçara para alguns de nós, contando que estava no fim da linha no abrigo; feito aniversário, teria que deixar o orfanato. Não tinha o rosto entristecido; entretanto, os olhos, sim, olhos que até hoje me fazem chorar. Alguém o abraçou. Éramos todos garotos, outra cidade, outro país. Ninguém pensou numa solução, mesmo que remediadora. Confortei-me quase ao fim do dia, quando passei pelo berçário antes de me despedir: três ou quatro bebês dormiam tranquilos, serenos, sem imaginarem o que seria vida pela frente. Deixei-me tomar pela paz.
A despedida do Ajuri foi num domingo ensolarado. Creio que por volta de duas horas da tarde. Foi muito bonito ver aquele batalhão de jovens como eu, correndo pelos campos, rindo, chorando, confraternizando.
A dez minutos da saída do ônibus que traria nossa turma de volta para a Guanabara, experimentei um dos momentos ímpares de minha vida. Dado fim da festa, milhares e escoteiros procuravam uns aos outros para trocares seus lenços de pescoço, gesto de fidalguia comum em efemérides como aquela. Eu caminhei metros e metros com o meu, amarelo, na mão; estranhamente, apesar do gesto, não se configurava minha intenção de procurar alguém para fazer a troca, talvez por que eu estivesse um pouco chateado com o fim do acampamento, um gosto de quero mais, saudade mesmo só tinha de minha mãe. Poucos passos antes de chegar ao ônibus, uma menina puxou meu braço e pediu para trocar os lenços. Parei. Vejo ainda seus cabelos negros, brilhantes a tocar os ombros, muito lisos; vejo os olhos verdes, mais brilhantes ainda, dois riachos d'água doce; vejo a pele, de uma brancura européia, sardenta, que só revivi posteriormente ao fitar minha amiga Luciene Magnani. Uma bonequinha. Era do Paraná.
Quase não usamos palavras: disse-lhe um sim, ela sorriu; entregamos lenços um ao outro, agradeceu-me. Quando veio o tradicional silêncio na conversa entre duas pessoas que não se conheciam, ela puxou-me para um abraço. Corei. Calei. Encostou a cabeça em meu peito e lá ficou. Um minuto, contei imaginariamente. Perto de nós, outros amigos meus viam e ficavam de boca aberta: era provável que fosse a menina mais bonita a cinco quilômetros de distância em qualquer raio. Éramos cercados de silêncio, de compaixão. Acho que muitos ficaram esperando um beijo que não aconteceu, que jamais aconteceu. Minuto finado, sorriu para mim, deu as costas, partiu para o infinito. Não eram tempos de hoje, tempos de e-mail e telemóvel, nada. Perdi seu nome. Seu contato. Ficou apenas a beleza do momento. Eterno.
Parei de sonhar, falei baixo, os poetas riram.
A última cena era da menina linda, sem dúvida. Ocorre, contudo, que não era a única, a beleza da mulher somente. Era a beleza do gesto, infalível. Era a beleza do amor. O amor que morava nos olhos de riacho, nos cabelos de grafite, mas também nos folguedos da petizada e no soluçar do amigo do orfanato. O amor nos abraços, nas trocas de lenços, na viagem, nas noites de campo.
Mais à frente, o artista que nos caricaturou despedia-se.
Os poetas se abraçaram, hora de ir embora. Conversa nostálgica, cogitou-se até um novo acampamento de brincadeira, reviver os grandes anos d'outrora. Despedimo-nos por ali.
Em instantes, adentrei casa. Vi a linda mãe, o irmão. Era tudo calmaria. Banho, comida, noticiário, deitei-me. Meu teto parecia solo lunar, mar da tranquilidade, onde eu bem gostaria de pisar sem voar. Um pontinho minúsculo dele trouxe-me outra vez o doce, o melhor prazer daquele abraço de mulher, de um minuto que, daquele jeito, nunca mais experimentei. Eu, que tantos abraços ganhei, que tantas vezes tentei, daquele nunca mais me esqueci. Um abraço que não tem nome, nem endereço.
Apenas monumento de amor que invade-me sempre.
Quase adormeci.
Paulo Roberto Andel, 24/11/2006

Thursday, November 23, 2006

Da brevidade

passo e reparo, paro e penso

vejo a avenida cheia de gentes, desencantos, desacatos

são dias de guerra sem paz, confronto, morte fugaz

quando vem a próxima esquina, o tempo assalta-me

somos batalhões de estranhos, agressivos, quase inúteis?

sim

por conta de uma vida breve, rasa, inútil paisagem da canção



Paulo Roberto Andel, 23/11/2006

Infeliz ano velho

Por agora, somos apenas nós dois
Eu e tu, nosso aguardado confronto
Tenho mais tempo, ao teu contrário
Não cabe a ti mais o velho poder
É tua vida que escorre feito areia
Duma ampulheta revirada na estante
Batalhas foram tuas, guerra é minha
Agistes como o pior dos carrascos
Dei-te esperança, dor foi meu troco
Pavor, morte, desilusão e lágrimas
Mas nada, nada rompe a eternidade
Lembre de minha mão a ti estendida
Agradecida com soco no estômago
Hoje, meu vômito é cada palavra
Enquanto respiras ofegante, difícil
Roubastes meu encanto d'alegria
Fostes silêncio em minha mansa voz
Porém, vida é sentença de mudança
Teus últimos momentos são duros
Enquanto deleito-me, redivivo em luz
A última porta aguarda-te com vigor
Quando saístes, bata com toda força
De modo que a maçaneta emperre só
Não me aniquilastes, foi tua derrota
O infinito te espera com sarcasmo são
E agora vejo o quanto eras fraqueza
Tua ilusão foi achar-me fraco, frágil
Dos escombros, renasço gigantesco
Teu lugar terá mais digna ocupação
Do novo ano, sou conselheiro e tutor
Humilhar-me e atingir-me cruelmente
Agora é muco em teu rosto no caixão


Paulo Roberto Andel, 23/11/2006

Tuesday, November 21, 2006

Nosotros

Somos nós, pela tarde ligeira, singelos nus
Um disco d'outrora toca uma bela canção
E tem vento firme prenunciando a chuva
Vejamos o teto, com rugas de piso lunar
O telefone? Ah, que rigue até madrugada
Deitados, somos nosso próprio feriado
Somos dia de rara paz no planeta dor
Por vezes, vejo-te calma, já repousada
E cogito afagar teu rosto com mão leve
Miro baixo, teu colo, teus seios, âmbar
Tudo faz silêncio, exceto a imaginação
Nela, eu cruzo quaisquer praias do forte
Desertas, observadas pela velha cúpula
Não há mais tiros, nem guerra ou paz
Teu sono manso sequer me desconfia
Dos oito mil dias que permaneces linda

Louca, linda, quente, marinha, tímida



Paulo Roberto Andel, 21/11/2006

Thursday, November 16, 2006

E la nave va

Vazio d'alma, tão desamor
Que deságua em turvo mar
Deitado com manto do céu
Num preto que brilha a mil
É perder todos os sentidos
Desmaiar, desfalecer ao léu
Sem o êxtase voraz da morte
Menos ainda deleite de sexo
Vazio d'alma é vácuo da vida
Contida em reles conta-gotas,
Abarrotada de meticulosidades
Mas perdida feito um sozinho
Que investiga as multidões e ri
Aplaude, brada, escandaliza
Para depois cair em silêncio
O silêncio que não é de calma
Silêncio de perda, de ausência
Pouco importando a mulher
Que lhe escorteia solenemente
É tudo vazio, escasso, fugaz

Alma negra, esparsa, vadia

Vazia


Paulo Roberto Andel, 16/11/2006

Monday, November 13, 2006

Bagdad Café

Eu e meu café discreto
Quase adoçado, firme
Quente feito um alívio
Na porta do Miramar

Somos companheiros
Reparando um dia
A tarde prata
Cinza de opaco
Que deixa recolhidos
Certos contribuintes
Justos beneficiários
De incentivos fiscais

São menos carros
Pouca gente n'orla
Um jeito de inverno
Cabe humanização?

Sem exageros, penso

Existem locais lotados
Mesmo sob a garoa
Marquises ou sinais
Esquinas, portas de banco
Praças sem grades
São cidades ao léu
Com famintos habitantes
A morar nas ruas sem nome
Nas casas sem paredes
Ou números

Era para ter sol de verão
Talvez nuvens de outono
Mas parece cor de inferno
Céu de Araras, Inferno Maré
Palafitas hoje são outras
Na imensidão, desproporção

Feito se coubesse num só lugar
Vitrines de Nova York
Miséria duma Etiópia
Violência de Bagdad
Por fim, nada me engana
É tudo muito Guanabara




Paulo Roberto Andel, 13/11/2006

Thursday, November 09, 2006

Fênix

Amor, gigante amor
Com vinte voltas em torno do sol
Dois mil companheiros
Vinte parceiros, cinco amigos
Mais três medalhas de bronze
Amor de idas e vindas, muitas
Silêncios e vozes bravias, limpas
Caos e calma num mesmo lugar
Amor que justifica o recolhimento
A própria morte tão inverídica
E transmuta-se, subverte a si somente
Busca outra moradia, outro pantheon
Um novo e discreto grande coração
Pula entre galhos e trilhas, desbrava
Amor que o mar leva, inunda forte
Até que evapora, voa, viaja em mansidão
Carregado pelas brisas indomáveis
Passa mundos e, inesperadamente
Revigora-se com o maior infinito
Bastando a a mais singela palavra
Um ato, um gesto quase impensado
Fala de seu próprio nome, de amor
E torna-se fênix de asas brancas, ligeiras


Paulo Roberto Andel, 09/11/2006

Choro ambulante

Nestes dias de horário de verão, a cronologia artificial dá outros tons às coisas de rua, visões e panoramas diferentes. Seis da tarde não é bem seis, sim cinco. Mais ou menos por aí.
Era eu margeando uma lateral da Praça da República, que também é o Campo de Santa Ana, sem muita pressa de ir à academia de ciências. Sempre gostei de ver, desde criança, os bichos em saudável harmonia. Marreco, pato, cotia, gato, todo mundo junto como deveria ser sempre em nichos humanos - e que sabemos não ser. Parecem todos amigos em nossa visão que insiste em tornar tudo muito humano. Amizade e carinho não seriam bem os termos; agora, que há uma razoável respeitabilidade entre as turmas da natureza, facto é.
Da esquina de Vinte de Abril com Frei Caneca até a rua dos Inválidos, o que não falta é a bicharada satisfeita caminhando pelos verdes de Santana. Melhor quando chega o fim da reta: tem um colégio de infância dentro do parque. Criançada correndo para ver as mães na saída, mais bichos, brinquedos, tudo atenuante para um exaustivo dia de trabalho. Ver alegria de crianças acalma, alivia e alumia.
Exatamente o que eu queria. Mais do que isso, precisava. Calma e alegria, mesmo rasantes.
Pouco depois da metade da lateral percorrida e muitos bichos legais à vista, a mesma que dá frente ao histórico quartel dos bombeiros, tendo já passado o portão que fica sempre lacrado, cheguei a um ponto de ônibus, cheio de gentes, todos na ânsia das conduções, da volta para casa, outros lugares. Um batalhão de estranhos, ninguém conversava. Há quem pegue os mesmos coletivos todos os dias, nos mesmos horários, uns reconhecendo a fisionomia dos outros, mas nada de prosa. Brasileiros. Silêncio de vozes, barulho de motores em arranque, tudo misturado à poeira emergente do chão. Foi quando certa imagem deixou-me estático por segundos.
Um rapaz, apoiado na lata de lixo, chorava compulsivamente. Num dos braços, tinha um carregamento de balas, donde supus ser um ambulante; noutro, base de apoio na caçapa de plástico laranja.
Aproximei-me e perguntei se poderia ajudar em algo. Não perguntaria jamais o porque de estar chorando, coisa que abomino com todas as forças. Quem chora tem motivo na maior parte das vezes, excetuando-se corruptos, bandidos e outros desclassificados. O moço tinha, mas não me disse; falou apenas que era nada não, mas continuava a chorar. Insisti. não deu certo. Manteve-se impassível, não era nada que eu devesse me preocupar, reiterou. Agradeceu, em prantos.
Ao redor, populares fitavam-me quase assustados, mas absolutamente calados, com certa nuvem de repreensão. Manifestações, somente na expressão dos olhos. Senti certa curiosidade: eu não deveria ter abordado um desconhecido que chorava porque ele estava com vestes humildes e eu, nem tanto? Não caberia apartar um transeunte por não saber de quem se tratava?
Segui em frente. Dez passos depois, olhei para trás. O rapaz já se recompusera, nem encostado na lata estava. Continuaria seu martírio de honestidade e venda das balas, imagino. Tudo quase normal, feito o silêncio dos alheios parados no ponto.
Dois marrecos, duas cotias, três lágrimas e um gato depois, chegou a escolinha. Uma patrulhinha de crianças, todas de camiseta laranja, cor igualzinha à daquela lata de lixo, indo e vindo para os braços dos responsáveis. Era fim de expediente. Fim de tarde. Fim de jornada.
Dobrei a esquina. Deixei o Campo de Santa Ana para trás. Hora de ciências.
Dia desses, tem mais patos pelo caminho, mais crianças, mais noites com cara de dia. Mais gente nas ruas, gente de verdade, gente de querer bem.

Menos lágrimas, assim espero.

Paulo Roberto Andel, 09/11/2006

Wednesday, November 01, 2006

Isabel

Louvado seja
O amor sagrado
Que desnuda-se
Com tua aparição

És firme procissão
Ao passo que eu
Humilde servo
Peregrino
Encanto-me, tão menino
Com tua também juventude
Teu discurso que é canto
Para orixás na beira do mar
Teu quebranto enfeitiçante
Amedrontador
Doce, cativante
Perfume de rosa do bouquet
Escarlate
Vem a mim de face tranquila
Delicada feito a suave brisa
Pela tarde da João Caetano
Engana-se tolo que não vê
Quando passas, provocante
E o pensamento, reticente
Viaja por todos os poros de ti

Paulo Roberto Andel, 01/11/2006