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Tuesday, February 28, 2017

meu poema torto

meu poema torto 
é denso, é doce, é temperado
com lagrimalegrias e magoamores
ele não lamenta mas registra
e mora nas entrelinhas
nas vielas das conversas
meu poema torto é freelancer
franco atirador do trôpego romance
e sente as dores das ruas: 
o rancor, a ignorância e o desprezo
o homem que mata o homem e ri
o bobo da corte de camisa amarela
e uma panela vazia de atabaque
meu poema é desencontro: 
o verso que não rima, o jazz fonético
a ida sem vinda, o desapego em cor
o amor que nada espera, o ceticismo
diante das pessoas apressadas 
com suas conversas em smartphones
e desejos inúteis de poder
meu poema torto é uma cidade partida
estraçalhada, tão iludida 
a falsa joia rara de um país fudido
nas mãos de psicopatas analfabetos
é viúvo da valentia ingênua
e reticente diante do caos disfarçado
pelas manchetes de mentira
e novelas de notícias editadas
ah, esse poema que não constrói
não edifica nem serve de exaltação
com exceção dos admiráveis mortos
os miseráveis, os militantes
os batalhadores agora tão mortos
exilados desta escravidão oficial
com tinta fosca de ordem e progresso
o meu poema torto queria outra coisa
outra gente, a de abraços sinceros
tão distantes da dialética corporativa
e dos bares chiques, moderninhos
- o país do futuro é uma pilantragem
- quem vai acreditar nessa merda? 
um garoto é morto a socos e chutes
porque não tem dinheiro para um lanche
uma garota é estuprada à luz do dia
porque um monstro lhe achou oferecida
e os imbecis aplaudem o fascismo
como meio de integração social: 
vamos aplaudir o capitão nascimento
e ignorar a fala de jards macalé
meu poema torto não tem happy end 
- todo mundo vai se fuder no final
nenhum super herói vai nos salvar
meu poema torto é a desilusão
a tristeza em vísceras detalhadas
que nenhum samba comprado lê
- alguma coisa está feito um cochicho
de que aqui jaz a sonora importância
somos a pátria opaca dos banqueiros
dos homens brancos de bem e paz
- os tiros de fuzis são sorrisos cínicos
meu poema torto é a derrota certa
que trago desfraldada num abraço

@pauloandel


Wednesday, February 22, 2017

carne crua II

I

carne crua, trêmula
ofegante
liquefeita
no mar das carícias
em mil predicados 
e um desejo só

carne crua, vadia
namoradeira
instigada pelos gostos
ou os imaginários
deliciantes

carne do gozo
do tesão
um jato, uma lágrima
um coração de alfaia
retumbante 

carne da provocação

um grito, um alívio
o impulso ao chão


II

carne crua, fria
morta
refém da terra má
estirada sem causar
apelo
aos indiferentes

carne vazada, invadida
estraçalhada 
rumo ao inevitável
pedestal
da decomposição

- a carne é nada - é inquilina
do desconhecido

é a primeira página


III

carne ao lado
da carne
as duas estrangeiras
distantes no ofício
perdidas 
enquanto os smartphones
vibram e as músicas 
tocam
as carnes alheias entre si
são saltos e passos
nas próximas estações

@pauloandel 

Friday, February 10, 2017

Meu novo livro - Cenas do Centro do Rio

Paulo-Roberto Andel lança seu primeiro livro de contos, crônicas e poesias, ambientadas em histórias ficcionais - e baseadas em fatos reais - tendo o Centro do Rio de Janeiro como palco, em 98 páginas.

Prefácio de Elika Takimoto, prêmio nacional Saraiva 2015 de literatura infanto-juvenil.

"Sempre que vemos um filme, estamos, na verdade, ouvindo uma história que nos é contada pelo diretor. Este procura os melhores planos, as melhores sequências e coloca a música (ou o silêncio) em um quadro muito bem estudado. Cenas do Centro do Rio de Paulo-Roberto Andel nos dá a sensação de estarmos diante uma tela de cinema. As descrições são precisas a ponto de nos fazerem enxergar o que Andel viu. Mas não falo aqui só de fotografias. Como disse Veríssimo, a principal matéria-prima para uma crônica são as relações humanas e neste livro elas aparecem de forma intensa e diversa."

Direção de Zeh Augusto Catalano.

À venda em www.arlequim.com.br

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