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Thursday, September 28, 2006

A velha prosa de amor

Já me acostumei com teu bel canto
Ungindo e atiçando meus ouvidos
Limitando toda nobre balbúrdia
Imaculado firme, a meu solo dispor
Até que a doce madrugada cresça
No dourado acalanto entre nós
Ao sereno que refresca penumbra
Lânguida, lasciva e provocante
Imersa no tinto vinho da paixão
Noite, minha melhor e bélica noite
Dai-me para sempre tal conforto
Aos pés divinos do corpo, que dança

Brilhando esperança, ao redor da mudança
Fazendo alvoroço leve, debaixo da calma
Que Lua abriga


Paulo Roberto Andel, 28/09/2006

A canção da serena jovem

Eu queria ser
Literatura
Para te descrever
Com perfeição
Doce, mansa
De nascença
Recompensa
Para os olhos
Paladar de
Ouvidos
Todos sentidos
Talento me falta
E nem precisa
Quem não vê?
Tudo à vista
Teu sorriso
De conquista
Duas mil
Esmeraldas
Bandeira fincada
No monte plano
Estrela Vega
Navegante
Da candura inconteste
Que não sei
Descrever
Basta admirar
Repousar
O cansaço
E ver-te em sonho bom
Com brinde do cálice
Sagrado
Beleza em riste
Que te faz soberana
Tatiana


Paulo Roberto Andel, 28/09/2006

Tuesday, September 26, 2006

Quando éramos três

Toda casa era morada
Namorada sublime
Toda apoteose em praça
Quando éramos três
Fim do Leme, pôr do Seis

Tabernas eram nossas varandas
Cirandas para as marquesas
Asa morena, ala moana
Na Carioca, sempre matinê
Vinis de metal e fúria de titãs

Quando éramos três
Tínhamos juventude sob nossos pés
O charme do mundo, nas mãos
Dálias, margaridas meninas
Afora um túnel claro, sem luz
Nem fim

Quando éramos três
Bastava-nos serra e mar
Serra Costa
Chão de estrelas
Dadivosas
Inconteste beleza
Palavra cantada

Todas as coisas devem passar
Algumas, velozmente
Outras, com muita demora
E agora
Restam as lembranças
Dos melhores dias
De nossas vidas

Quando éramos unos
Indivisíveis
Quando éramos três
De uma só vez


Paulo Roberto Andel, 26/09/2006

Friday, September 22, 2006

Qualquer bobagem

Inventei
De escrever
Um fragmento
Só para fingir
Não ter
Argumento

Adoro ser tolo
Desacredito



Paulo Roberto Andel, 22/09/06

Thursday, September 21, 2006

Las chicas

Para as três meninas
Abraçadas, reunidas
Debruçadas em berço esplêndido
Banhadas no calor de festa
Delicadas como o dedilhar das cordas
Para o melhor rigor dos bandolins

Para as três meninas
Três marias
Dois sorrisos e um beijo são justos
Renascença da primavera
Que hoje estréia
E traz afagos, chamegos
Licores para brindar as flores
Inauguradas, desabrochadas

Para as três meninas,
Todo o vento nevega velas
Mesmo que seja brisa ligeira
Nau nenhuma há de resistir
E partirá
Em busca dos oceanos
Todos os continentes
Voltando apenas
Quando deixar meu coração em paz
A mesma paz que traz calma
Quando beijo a foto com os olhos
Três amores, três gargalhadas
Três meninas, treze tílias, sina.

Paulo Roberto Andel, 21/09/06

Do cristal quebrado

Encontrei um vaso raro de cristal, posto ao chão, quase espatifado
Houve quem lamentasse a queda do artigo por demais valioso, caro
Eu pensei em outra coisa, distante, outro jeito, outras palavras, mais
Reparei nos cacos maiores, lisos, brilhantes mas perdidos, revoltos
Cercados de menores, que emprestavam um batalhão de estranhos
Não havia mais liga, unidade, junção, formosura encantadora n'arca
Tanta beleza trucidada, jogada, descuidadamente fraturada, sem cura
O vaso tinha importância para nosso doce colírio aos olhos, caloroso
Valor vil do dinheiro ali, na cena, era de rasteira relevância, minorado
Prostrei-me ao deparar com certo final da peça, desfalecido aos tacos
Enxerguei morte de amor, o amor rasgado, desperdiçado, poído, nu
Daqueles que, tal como o belo vaso, cola alguma é tenaz de reparar.


Paulo Roberto Andel, 21/09/06

Wednesday, September 20, 2006

As flores da vida

Era o menino de olho na lagoa vadia, tão vespertina
Cheia de garças brancas e também dois pedalinhos
Sem muitos namorados a dedilhar por tanto amor
Em um fundo turqueza, cinzento, de muitas cores

Era o menino que fazia das vistas um bom navio
Para cruzar todos os mares de um planeta livre
Com a velocidade de um tal cometa, admirável
Desejável quando viesse toda noite enluarada
E que cortasse os horizontes feito tinta na tela
Brilhante, impactante, tal como caleidoscópio

O menino trazia um bondoso sorvete à mão
Contrariando o calor de seu coração juvenil
Ria do nada para quem fosse ali desatento
Mil motivos de felicidade não lhe faltavam

Ria da tarde, das cores sãs, do vento breve
Tudo coisas passageiras que nós, humanos
Desprezamos pela bobagem do ser adulto
É preciso que demo-nos o próprio indulto
Pela redenção da liberdade calorosa, viva
Que traga empolgantes visões das garças
Aposentemos de vez em sempre os paletós
A frieza dos escritórios gélidos, impessoais
Merecemos o intervalo do caos nas ruas
Apenas em breve e tão decidido instante
Para viver a verdade de meninos, limpos
Namorando a paisagem vistosa da lagoa
E cantar, partir e voltar ao melhor da vida

Há vida nas flores, nos cantos e campos
Onde os cegos também vêem, e vibram
Melodia melhor para os surdos não há
E o que dizer da voz que aparta mudez?


Paulo Roberto Andel, 20/09/06

Tuesday, September 19, 2006

O último dos moicanos

Eu sou o lobo que nunca dorme
E vivo vago, pela travessa dos poetas de calçada
Procurando meu quando, meu quanto,
Meu por quem?

Os sinos dobram?

Eu sou o sangue
Que jorra dos belos olhos da imagem da santa
Não me despeço ao primeiro passo
Eu troco meu traço
Por qualquer Graham Greene
Qualquer Rubem Braga
Todo biscoito fino me diverte
Me derrete
Feito o bom da calda
Brilho de amálgama

Eu sou uma canção na voz de Tatiana
Meu jazz é de Ipanema, secreta
Cortante blues
Bossa nova ao pôr do sol
De braços dados com a
Menina Janaína
Rainha de mar, morena de céu
Tudo ao léu

Eu sou meu longo caminho
Quando tudo parece perdido
Me divirto
Na roleta russa, vetusta
Falho, não caio
Junto, caminho
Sozinho
Sempre sozinho, mesmo ajuntado
Descanso em minha paz
Enquanto a noite de primavera
Não me conforta
Eu não digo amém
Além dos pés da bailarina

Meu tempo é nada
Delicado vazio
Dedicado, infinito

Paulo Roberto Andel 18/09/06

Cálice de agosto

Inexiste
Aquarela
Com todas cores
Para pintar
Tua beleza
Leveza e graça
de sorriso moço
Meu apreço
Em teu desejo
Feito a paz
De tua face
Que parece
Uma prece
No piano
De Simone
Julho é
Tua bênção
Agosto,
Minha lágrima
Cinema é
Tua fala
Teatro meu
Te amar


Paulo Roberto Andel 18/09/06

Monday, September 18, 2006

Quando menos se espera

Quando menos se espera, surge uma esquina
Uma dobra, um novo caminho para alameda
Mudam as coisas, as pessoas e os arredores
Males que se calam ou felicidades cerradas
Jogos de ação e reação, azar ou toda sorte
Vida e morte, desencanto e prazer, agonia
Serenidade, loucura, paz, insanidade ou fé
Todos os sentimentos, sensações e misturas
Guardados para o próximo passo, adiante
Mais à frente bem no arco do compasso
Quando menos se espera, logo em frente
Tem gente nova no paço, bem na sacada
O boteco da calçada e o novo sanduíche
A banca de jornais e uma velha novidade
O melhor de tudo, meu velho camarada
Vem com a surpresa, imponderável e sã
Indecifrável e pagã, inconscientemente vã
Que há de surgir logo na próxima virada
E nós, breves mortais em cativeiro livre
Não fazemos a menor idéia do que seja
Sabemos apenas que é maioral incerteza
Cujo controle foge de nossas leves mãos
Feito gata escaldada, lisa, escorregadia
Por todo dia a nos trazer o brilho novo
Quando menos se espera, o tempo muda
Voa ligeiro, delicado, busca e traz de volta
O que perdido parecia estar para o infinito
E aparecem os Zés, as Kleins, Alessandras
Elianes, Maranhões, tudo beira do monte
É quando olhamos para trás e refletimos
Para entender a doçura do tão ser acaso

Plácido

Absurdamente simples e real


Paulo Roberto Andel, 18/09/06

Sunday, September 17, 2006

O silêncio das mil palavras

Ontem, em certo momento do fim do dia, pude observar o horizonte nas imediações de Mangueira; subitamente e sem maiores justificativas lógicas, fui tragado pelas memórias de muitas estações atrás. Tratou-se um momento de amor antigo, surpreendente pelo momento em que ontem eu vivia, calmo e feliz. Surpreendente? Quem somos nós para administrar os anjos e demônios que navegam em nossas cabeças? O que importa se estamos bem-acompanhados, desejados, amados, se um pensamento vago pode nos surpreender com uma força de criptonita capaz de derrubar qualquer Super-Homem? Podemos estar apaixonados, inebriados, quando uma lembrança de amor rasga-nos feito uma potente lança das Cruzadas.

Nos tempos de minha adolescência, muito diferentes dos modernos, quando ainda era um amador assumido nas artes do amor, quase o mesmo de hoje, comecei a me interessar por uma menina que morava na mesma rua que eu; estudava num colégio, hoje extinto, onde eu tinha alguns amigos e, por fim, era minha companheira no grupo de escoteiros. Passamos a conversar regularmente, de modo que eu também comecei a utilizar o pretexto de visitar os amigos na saída da escola, apenas para vê-la. Em certo momento, era comum que nos falássemos diariamente e isso, certamente, fazia com que a moça não saísse de meus pensamentos. Havia, contudo, um problema para mim: tinha sido namorada de um então amigo meu, que ainda mostrava-se interessado, embora ele também o fizesse para outras inúmeras garotas. Tomei-me pela insegurança e fui deixando o tempo levar-me.
Aconteceu uma festa, eu sentado ao lado do amigo, e a moça convidou-me para uma dança. Tremi, mas fui. Primeiramente, o turbilhão de incertezas que povoa todo jovem; segundamente, o ar educado mas contrariado do amigo. Terminei a dança rapidamente, voltei a meu posto. O amigo comentou-me que eu não deveria ter ido, já que ela tinha chamado-me apenas para provocar-lhe ciúmes. Talvez fosse o certo, desculpei-me e seguimos em frente. Não sabia como lidar em tal situação, e nem sei se ainda hoje sou capaz.
Tempos depois, fizemos um acampamento de escoteiros e bandeirantes em um belíssimo lugar, o Forte Imbuí, parte integrante da Fortaleza de Santa Cruz, em Niterói; teatro de uma vista fascinante, capaz de lotar as vistas de Guanabara e suas luzes, mais o Atlântico Sul. Houve uma tarde muito nublada durante o evento, feriado, de modo que os escoteiros foram liberados das suas obrigações rotineiras; com a praia deserta a postos, resolvi mergulhar no mar gelado, emoldurado por cinzas, mas ainda sem chuva. Eis que o amigo, ao saber, veio em seguida. Sugeri-lhe que saísse; estava relativamente gripado e o oceano não estava dando tréguas, um frio enorme. Manteve-se.
Ao sairmos d'água, alguns outros amigos estavam na beira-mar; entre eles, a linda menina. Meu amigo batia-se de tanto frio, o que fez com que a garota fosse até perto do acampamento para pedir a alguém um casaco. Trouxe-o e entregou-lhe. Tive algum desconforto com a situação; ciúme, só instantes depois, quando ele comentou-me algo sobre o amor que ela lhe dedicava ainda, tendo ido até duzentos metros depois só para trazer-lhe um casaco. Quando estávamos deixando a areia, rumo às barracas, em bando, eis que a menina tocou em meu braço e disse-me que queria conversar comigo mais tarde. A curiosidade me bateu; imaginei que talvez quisesse minha ajuda numa conversa entre os dois, não sei dizer ao certo. Após o jantar, procurou-me e fez convite para que fôssemos ver o mar de perto, por cima das cúpulas dos canhões de guerra do forte. Aceitei e fomos.
O caminho foi de menos de um quilômetro, talvez. Perguntei se não queria que chamasse mais alguém, e surpreendentemente, recebi o veto. Ao longe, o amigo olhou e calou; nada fez nem disse, deu as costas.
Chegamos a uma das cúpulas e sentamo-nos ao chão. Tenho certeza de que a vista do negrume do Atlântico foi um grande momento para nós. Assaltado pela vergonha e pela insegurança da juventude, comecei a falar de outras coisas, menos a que supostamente nos teria levado ali: o desejo dela em conversar em particular. Entre músicas e futebol, a passagem do dia e a praia, ocorreu que ela entrelaçou sua mão esquerda na minha, direita. Em diante, um silêncio, silêncio profundo, de mergulhos n'alma. Pensei em fitá-la de frente e dizer como a achava linda; pensei em aproximar-me devagar e dar-lhe um beijo capaz de empolgar toda uma cidade. Pensei em dizer-lhe que era a dona dos meus pensamentos quando eu vagava em busca de sono, de como era bom ir até o colégio dos amigos só para vê-la.
Mais do que a falta de coragem, deve ter ocorrido outro motivo, inexplicável, para que eu não dissesse nada.
Por sua vez, ela também se calou, não sei exatamente a razão. E ficamos nós, calados, com os olhos mergulhados no Atlântico, de mãos dadas, sem dizer uma palavra por minutos e tendo como trilha o tilintar das águas nas pedras e areia.
Foram muitos minutos, muitos, até que ela, docemente, pediu para que retornássemos à base.
Deu-me outro sorriso, lindo, louro. Levantamo-nos e fomos caminhando calmamente, como que sorvendo cada instante, cada pedaço de brisa, cada gomo azulado do céu. Ela manteve a mão junto à minha, muitos metros. Ainda tenho na memória o calor de sua mão, a candura, a maciez, tudo inesquecível.
Quando a entreguei em seu posto, não podia sequer imaginar que aquele era o último momento próximo que teríamos em vida. Esperei por uma nova oportunidade que jamais voltaria a acontecer; o amigo, também.
Foram-se mais de vinte anos. Passa um, passa outro, sempre lembro do acontecimento.
O que diria a menina? O que me contaria? Aceitaria meu carinho, que ali seria inesquecível feito a cena de um épico de Hollywood? Paro e penso na delícia de que foi aquele momento, tão puro e significativo das melhores sementes do amor que tenho tentando plantar pelo mundo, por onde passo.
Tanto tempo depois, não sei dizer se aquele beijo, que tanto desejei ali, por não ter acontecido, passou a ser mais importante do que os inúmeros que vieram a seguir, nessa jornada de desencontros que, por nossa comodidade, denominamos vida.
Até hoje, mesmo amado e desejado num fim de tarde em Mangueira.
Sentindo-me primaveril, docemente adolescente e até sonhando com o amanhã.
Paulo Roberto Andel, 17/09/06

Saturday, September 16, 2006

Pausa

Sinto-me embebido na estranheza de mim mesmo
Quando surges à minha frente tão linda e morta
Não me cabe disfarçar o que penso feito espanto
Todavia, é o contrário do que eu sempre gostaria

O que te fez desfalecida para mim?

Foste meu recomeço e primavera, bem-abençoada
Sincera morada e guarita dos meus sonhos de amor
Povoaste todo meu encanto de céus e estrelas fiéis
Em teu sorriso guardavas minha cintilante alegria

No entanto, suicidou-se em meu peito

Ver tua beleza infinita ainda faz eloquente sintoma
Inegável te pensar ou desejar, medrosos instintos
Diferente, contudo, é não mais buscar o teu amor
Não procurar, não cobiçar e nem sentir-me vazio

Como pode o que melhor tive para oferecer a ti
Falecer em teu descaso, pétala rosa que resseca
Ter virado breu, pisado e não menos descartado
Pelas sapatilhas velozes de fascinante bailarina
Enquanto uma velha canção de trilha ecoa firme
Procuro pela noite morena onde tanto te sonhei
Acordo sereno e amuado, para te desencontrar

Meu anseio por tua voz escreve outras palavras

Não mais brilhantes, não tão apaixonantes

E, sinceramente, por essas eu não esperava


Paulo Roberto Andel, 16/09/06

Friday, September 15, 2006

Noite de folguedo

Convidaram-me para uma festa que acontecerá na noite de hoje.

Logo eu, tão velho e já sem empolgação para os arroubos juvenis que toda festa, toda celebração, de alguma forma possui.

Convite feito, refleti.

Não é nas festas que eu escuto a minha trilha sonora. Longe de tristeza, mas o que me alivia é a calmaria, a conversa de bom e suave tom. A música, urbana ou não, em moderado volume. Também há outra questão, que é a de certa falta de humanidade que as festas provocam, uma vez que, nelas, o importante é gritar, pular e não necessariamente compartilhar, exercer fraternidade. Gosto de recolhimento; gostava menos na mocidade. Mesmo os grandes eventos musicais não tenho presenciado. Barulho mesmo, só o do Maracanã, onde tudo é diferente - não acontece exatamente uma festa, mas sim um ritual de exorcismo.

Entretanto, é claro que festas têm o seu valor.

É bom ver as pessoas alegres mesmo que tudo seja por poucos instantes, pontinhos na aquarela.
A vida na Terra, árida, cheia de responsabilidades e compromissos, pede uma folga, ainda que efêmera. Cantar, dançar, pular, verbos interessantes para descarregar as tensões d'alma. Sei que não vai ter Bob Dylan, Eric Clapton ou Antonio Jobim; atualmente, gostam muito daquelas coisas dos chamados anos oitenta, um verdadeiro endeusamento que, se de certa forma pode parecer exagerado, ganha relevância quando se descobre o que veio dali em frente.

A bebida, gelada, há de ser um contraponto socializador. Afinal, tudo indica que o calor que tem assolado a Guanabara prevalecerá. Noite quente, noche caliente, sem culpa nenhuma.

Alguém me disse de umas meninas bonitas que por lá estarão. Festa sempre tem mulher bonita; sucedendo o contrário, não é festa mas guerra. Sei de algumas. Vez ou outra, uma casada; várias, com seus namoros que não levam a mais de três milhas, distantes no pensamento feito certa canção de Vinicius, presentes de corpos mas ausentes de alma. Não se pode deixar de dizer daquelas que, furtivamente, aproveitarão para conquistar seus amores de ocasião, safadinhos, velozes.
Incrível mesmo é saber das solteiras.
Jovens, lindas e solteiras. Devem ser muito exigentes, creio. Sei de uma, encantadora, que deixa a vizinhança em polvorosa com seu olhar de ametista, suas melenas claras que emolduram o rosto de porcelana, divino, abençoado. Difícil imaginá-la sem cortejos, sem companhia, plenamente improvável.
Enfim, todas, cada uma a seu modo, admiráveis.

Outra canção povoa minhas lembranças, algo de Ben, onde vai ter batucada e missa de ação de graças.

Os jovens vão cair na folia, divertir-se, amar, viver o bom da vida que é cada um desses goles de relaxamento mais do que merecidos na jornada.

Deixarei reservado um cantinho, para ficar espiando a algazarra, de perto e, ao mesmo tempo, tão longe. Talvez portando um toca-discos eletrônico, com algo bem distante do que as festas pedem, a delícia de sentir-me completamente estrangeiro em minha própria terra.

Acariciando a vista, meia dúzia de belezas entrecortando os céus do Centro. Tudo misturado a Bob Dylan, de novo ele, no direction home.

Em mente, o beijo da mulher amada.

Numa das mãos, o chope dourado da felicidade.

Na outra, uma liberdade enorme para ir e vir.




Paulo Roberto Andel, 15/09/06

Monday, September 11, 2006

Réquiem para o jovem velho amigo

Houve um ano
E foste embora
Com discrição
Por mais que o sol
Brilhasse
Era tempestade
Era teu inferno
E queríamos céu
Chão
Redenção
Todos demos
As mãos
E seguimos
Caminhando
Pela trilha
Sombreada
Recatada
Em busca
De luz
Da paz
O inevitável
Breve
Sentimento
Que tomou-nos
Por momento
E esvaiu-se
Feito pipa
Sem rabiola
Botão sem
Palheta
Na brisa leve
Duma tarde
Ensolarada
Triste
Mas ainda
Longe
Longe
Do fim.


Paulo Roberto Andel 11/09/06

Wednesday, September 06, 2006

Déjà vu

Estranha, sempre, a experiência de estar em um lugar novo e fitá-lo como se não fosse pela primeira vez. Tudo quase inédito: uma canção, uma foto, a literatura, o discurso, a mesa de botequim. Bateu um estalo, acha-se já ter sido tudo aquilo realmente vivenciado, como se fosse possível na vida apertar uma tecla, para a mesma voltar feito a nostálgica fita cassete.

Já vivi a sensação do déjà vu muitas vezes, todas brevíssimas. Lembro de algumas particulares, várias relacionadas à beleza e ao encanto da mulher. Certa vez, tive a sensação de que o beijo de uma era idêntico ao de outra, antiga; noutra oportunidade, a voz de uma futura amiga soou-me como a de uma bela e desaparecida mulher amada. Dia desses mesmo, encantei-me ao ver uma bela jovem flanando pela rua feito bailarina, remetendo-me ao distante passado. Outros, de amor, mais amargos: ao fim de uma história, em mais de uma vez, recomendei à ex-amada cuidado para que não fosse tomada pela frieza que, de certo modo, poderia deixá-la sozinha no fim do caminho. Sem querer, vi em face meu comentário travestido de profecia.

A saudosa praia de Copacabana é cenário meu para muitos outros devês também. Dia de sol que tem foto emoldurada pelo celeste do Leme ou do Posto Seis é padrão para a eterna repetição de cenários. Chuvoso também. Não foram poucas vezes que, na tarde cinza do mesmo Leme, eu enxerguei Copacabana por fotos em preto e branco que vieram da mesma lente, em momentos diferentes. Nunca me esqueço de um dia em que estava com minha mãe na praia, em tempos de Pedro Brito, com balde e pá de remexer areias; dei as costas para o Atlântico Sul e minha vista infantil beijou o Copacabana Palace como se fosse a primeira namorada – senti-me nos anos vinte, admirando a formosura do prédio

Ultimamente, tendo voltado aos bancos escolares depois de uma carreira acadêmica tida como encerrada, o devê é presença constante por todo lado: a emoção das provas, o bate-papo vadio na cantina, a festa de congregação, os churrascos de fim de semana, as jovens musas encantadoras que vêm e vão pelos corredores e arredores. E as vozes? Os jeitos? É Lívia que soa feito Ana, é Juliana que recorda Lavínia, muitas mais. O velho chope dourado celebrando os fins de noites. Caminhada em grupo, tal como manada de fiéis elefantes africanos pelas savanas.

Por outro lado, é possível crer no devê como uma ilusão de ótica, já que mesmo o mais assemelhado tem lá suas pequenas diferenças. Visto, revisto, revisitado, tudo sempre tem lá as suas questiúnculas, suas delicadíssimas nuances, essência deliberadamente chupada da idéia do bom e velho Heráclito, aquela onde não se pode entrar duas vezes no mesmo rio. Viver, escrever e reescrever, tudo com parágrafos de mesmo tamanho mas texturas diferentes.

Meu devê preferido? Agora?

O que não virá, certo.

Tuesday, September 05, 2006

Diariamentes

Todo santo dia, uma menina passa por perto de uma praça, onde hoje vivo
É rotina que insiste em transportar minha atenção para aquele mesmo trajeto
Faceira, vem e vai com seus trajes de belo corte, e melenas que livres flanam
Gosto de reparar seus nos modos, que remetem-me à velha canção de Gilberto
Alguma coisa sobre tradição e, ao mesmo tempo, sobre um tal jeito diferente
Ela desloca-se com admirável classe, em firme e decidido compasso de saída
Fosse eu um grande poeta, naturalmente traduziria sua candura em bons versos
Uns seriam mais recolhidos, outros mergulhariam num oceano celestial de paixão
Para que as doze ondas banhassem seus cabelos sedosos com o melhor carinho
E combinassem com o esmeraldino que faz justo enfeite a seu olhar distanciado
Procuro ao fim da praça, buscando quem seria o escorte preferido da tal menina
Olho e não vejo, ouço e não escuto, vasculho e desencontro signatário da sorte

Nada encontro pelos arredores, um murmúrio sequer

Havendo Deus, quem teria sido nomeado o fiel guardião daquela formosura?
Não tenho palavras e nem outras respostas que possam servir de forte amparo
Antes da primeira curva, ainda noto forte harmonia no suave passo da menina
O corpo que segue rota delicada, pequeno de tamanho, mas presença gigantesta
É como se fosse um novo pincel, quando namora gouache para beijar aquarela
E desenhar sonhos, desejos, dolências e carícias, luz de noite azulada e poesia
No fim do caminho, tenho a quase impressão de que ela flutua em vez de andar
Pois seus pés parecem desprezar quaisquer confrontos ou atritos contra os chãos
Dois amigos, entorpecidos, apresentam a exata solidariedade com minha causa
E, sem um fonema sequer, fitam-na do jeito como eu sempre faço, diariamentes

Ela desliza, solta, charmosa de inverno e linda, despedindo-se do horizonte

Parece que baila

E a praça termina, emudecida, divina

Friday, September 01, 2006

Tributo ao natimorto

Eu me perdi muitas vezes nas esquinas da cidade
Não sabia ao certo o prumo de uma nova casa
Faltou quem me servisse de guia ou guarita
Não foram poucos os mares que tragaram-me

Servi de gota no oceano, mero detalhe do plano
Calei-me no melhor momento de minha voz
Os manuscritos, atirados no fundo de uma caixa
Não guardei prosa, nem poesia, soneto que fosse

Procurei o espírito da paz e não fui recebido
As juras de meu amor foram incineradas em fel
Quando não parecia mais haver saída, motivo
Olhei para todos os lados e me veio a morte

A sorte

A boa morte

Morri quinze mil vezes, uma a cada dia
Todas em muitos momentos, negros
Renasci em mais outras quinze mil
Senti-me feito um reles punhado de Brasil

Brasil, terra vil, de aroma e azul de anil
Nunca fui tão reticente, pertinente
Nunca vi-me tão forte, sem mais morte
Nunca fui tão brasileiro

Ligeiro

Os que de mim caçoavam, emudeceram
Minha desgraça rezaram, exasperaram
Quando busquei meu próprio féretro, vivi
Longe, forte

Passageiro

Ainda não perdi a batalha
Dados de ossos repicam sobre a mesa
Escondem-se no copo de couro
Duradouro

Nunca fui tão estrangeiro



Paulo Roberto Andel 01/09/06

Amor debulhado

O agora visto
é um pote
de lágrimas
derramadas
que seriam vãs
se não fossem
incenso
para uma
palavra
esmiuçada
debulhada
outrora
batizada

amor