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Friday, March 28, 2025

Money above all

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Thursday, March 27, 2025

Light: padrão milícia

LIGHT: PADRÃO MILÍCIA 

Que o serviço da Light é uma OSTA no RJ, todo mundo sabe. Coitada da empresa bilionária, tão sofrida... Estou no trabalho, cheio de dor na coluna, quando recebo mensagem do excelente funcionário do meu prédio pelo Whatsapp: "Ó, o rapaz da Light mandou avisar que a luz pode ser cortada a qualquer momento". Isso depois da empresa encher você de mensagens no WhatsApp e no e-mail 10 minutos após o vencimento.

Não bastasse o constrangimento ilegal previsto no CDC, regularmente a Light intimida seus clientes mesmo quando as contas JÁ ESTÃO PAGAS, porque ela se vale de um prazo absurdo de até 05 dias para conferir um pagamento via PIX, que é INSTANTÂNEO. Em nome disso, repetem procedimentos típicos da milícia para constranger seus clientes. Simplesmente mandam um capanga ir aos endereços constranger as pessoas e sequer conferem pagamentos instantâneos, sem contar a mudança das datas de vencimento das contas. 

E se você tenta simplesmente COMUNICAR UM PAGAMENTO FEITO, a resposta digital é "aguarde até cinco dias". No Whatsapp, a pomba da assistente virtual exige o seu CEP para prosseguir; quando você digita, a cara de pau te diz que está errado, mesmo você tendo decorado o número porque reside há 25 anos lá.

O assistente virtual serve para baixar segunda via e só. O resto volta e meia trava. 

Se você quiser ser atendido pessoalmente em pleno 2025, precisa se deslocar a uma agência cheia de gente (porque o número de clientes lesados é muito maior do que o dos atendentes, que também se estressam naquele INFERNO). 

LIXO DE EMPRESA. VERGONHOSA. 

E pensar que, quando era criança, eu também sonhava em trabalhar nessa porcaria..

Que ERDA depender do capitalismo sem concorrência. Que ERDA é o atendimento da Light, que por receber em sua maioria pessoas do povo feito eu, nos trata como lixo sem chance de reciclagem.

@pauloandel

Monday, March 24, 2025

Rô-Rô, pra fechar o verão

Como os tempos voam a 1.000 km por hora, a gente mal falou dos fogos do réveillon e já estamos a caminho de abril. Agora somos outono, de duas com as folhas no chão e certa chuva pontual. Note que em fevereiro não havia caído uma gota d'água. O calorão foi barra pesada, mas passou. O Carnaval dominou o mundo e se mandou. É, o verão acabou. Logo, logo, ele volta. 

O meu verão ia acabar no primeiro Fla x Flu da decisão do campeonato, uma quarta-feira. O Rio teve uma chuva maluca, que ignorou vários bairros mas castigou outros. No Centro o caldo estourou: várias ruas viraram riachos, árvores e postes caíram e, se eu mesmo não pusesse a vida em risco, atravessando uns 30 metros com água no joelho, não veria o Fla x Flu no conforto da TV. Deu Fla, ainda tinha jogo, esfriei a cabeça. Então percebi que ainda tinha verão até domingo, com o segundo jogo da final e, antes, a despedida dos blocos no Centro.

Chegou a quinta-feira e tirei onda. Vi um dos grandes shows da minha vida. Ângela Rô-Rô, símbolo do Rio, aos 75 anos botou pra sacudir o Teatro do BNDES lotado de fãs, bem no coração da cidade. Não bastasse ser uma das maiores cantoras do nosso tempo, Ângela é uma garantia de risos, danada para contar histórias e causos hilariantes entre as canções - que ela tem aos montes, mesmo quando se trata de ex-amores. Uma tremenda companhia para se conversar por horas. 

Enquanto faz piada com a própria idade, mas espantada com as cantadas que recebe “das novinha”, ela assoa o nariz, ajeita a roupa mil vezes e dispara clássicos eternizados da MPB como “Simples carinho”, “Só nos resta viver” e, claro, sempre fechando a apresentação, “Amor, meu grande amor”. 

No meio do caminho, interpretações vigorosas do cancioneiro internacional como “Night and day” e “Ne me quittes pas”. Ao lado de R2, seu inseparável maestro Ricardo Mac Cord, pianista cristalino e parceiro de décadas. Enfim, um espetáculo para ninguém botar defeito e de graça: o teatro do BNDES tem uma programação semanal às quintas e sextas, vale conferir. Artigo Barnabé virá em breve. 

Garota carioca, suingue bluesy bom, botando rock nas baladas, a maravilhosa Angela Rô Rô não tem herdeiros musicais. Ninguém faz essa mistura tão bem dosada de baladas, standarts e underground como ela ainda faz. Aliás, tínhamos uma, que infelizmente perdemos precocemente no caminho: Cássia Eller. Vamos usar e abusar de Ângela, vamos ouvir tudo que Ângela tem pra cantar pois ainda há muito tempo, mas a vida é hoje. 

No fim de semana seguinte ao show, os blocos deram adeus e o Flu perdeu o título. Paciência. Foi aí que realmente entendi que o verão tinha assentado praça na quinta mesmo, com a plateia inteira do Teatro do BNDES cantando “Amor, meu grande amor” de pé. As águas de março já estão partindo, mas a tricolor Rô-Rô volta em maio no Teatro Rival. Vale a pena ver de novo.

Acordado

Queria uma lata de leite condensado agora, nova, com bastante leite condensado dentro.

Vou dormir de novo e comprar mais tarde.

É um pedaço de felicidade possível, real.

A felicidade acessível. 

Um pouco mais de sono e a busca por uma semana de paz, mínima que seja.

II

E por que estou acordado agora? Por medo. Simples medo do que virá daqui para frente. Eu não preciso sair cedo para a loja, não tenho mais que madrugar no ônibus para chegar à faculdade, nem bater ponto no escritório. Não deveria ter medo, mas tenho. Pensando bem, devo sim. 

Então são vinte para as cinco, eu escrevo um pouco, espio a ausência de recados - com ou sem medo todos estão dormindo - e então me toco de que sonhei com um dos meus passatempos prediletos do passado: viajar de ônibus à noite. Lembro de estar chegando em alguma rodoviária próxima do Rio, coberta, talvez a duas ou três horas daqui porque fiz contas pequenas de chegar ao Rio à meia noite. Me lembro brevemente do desembarque e que alguém me acompanhava.

Quando acordar de novo, pesquisarei preços para o irmão do Piccoli, irei para a loja e sonharei com a vitória na Lotofácil, que literalmente pode salvar a minha vida e prolongá-la - afinal, não adianta parecer ter 40 e poucos anos se na realidade tenho quase 60. É bom apenas por uma vaidade oca e só. Eu sei o peso que carrego literalmente, em quilos e tristezas.

III

Seria bom demais ter uma lata de leite condensado agora, mas é impossível. O que resta é um trago de Coca-Cola. 

IV 

Bom mesmo é ter paz. Ter saúde, uma casa, uma boa família. Ter amigos, poucos mas verdadeiros. Bem poucos. Poder escrever e publicar. Ver o mar, caminhar por ruas incríveis. Ficar deitadão sem medo das contas. Escolher a paz.

V

Todos os dias, de maneira infalível, eu penso em pessoas importantes da minha que se foram, nem sempre para a morte mas também para a indiferença. E todos os dias eu penso em como este mundo humano é egoísta, escroto, opressor e praticamente escravagista. Também penso em coisas legais e consigo produzir ainda coisas em alto nível, sem precisar da ilusão boboca do mundo belo e perfeito porque ele está longe disso - basta não ser um alienado e perceber que não há uma única rua sem tristeza nesta cidade.

Monday, March 17, 2025

O Fla x Flu do trem da Central

Segunda-feira, cinco da manhã. Começa a semana, bem cedinho para os trabalhadores do Rio. A maioria proletária se desloca de trem para a gare da Central do Brasil. São dezenas de milhares de trabalhadores, muitos flamenguistas e tricolores também. É a continuação do Fla x Flu de ontem, quando o Flamengo foi campeão no empate sem gols. Os flamenguistas viveram a felicidade do título, que lhes servirá de combustível nestes dias de luta. Os tricolores, coitados, amargaram o vice e seguirão na labuta sem a efêmera, mas deliciosa, alegria da vitória. Talvez a escolha clubística seja a única coisa que separa esses trabalhadores; de resto, eles pertencem a um grupo homogêneo e sofrido, que disputa um prato de comida como se fosse uma bola, que muitas vezes vive humilhado pela opressão criminosa do tráfico e da milícia. Homens, mulheres e crianças que saem de madrugada e não têm garantia de que conseguirão voltar para casa, nem que poderão comer algo além de biscoitos baratos no decorrer do dia. A maioria destes torcedores não conseguiu ir ao Maracanã: viveram o Fla x Flu final em biroscas, na rua, em radinhos de pilha ou pelo celular. São excluídos do estádio pela opressão financeira que vivem noite e dia. Agora, depois desta viagem longínqua para centenas de milhares de torcedores, que logo chegará à Central, começa o Fla x Flu da vida, a luta, o corre, a batalha para se chegar vivo até o próximo final de semana, com a vida dignamente cumprida. O Fla x Flu não termina nunca, é o jogo que não acaba, é também o único combustível de alegria para muita e muita gente que tem no jogo de bola a sua única esmolinha de alegria. O Fla x Flu tenta driblar a natureza e ser feliz num mundo duro, pesado e desumanizado, mas a vida continua. Ainda estamos aqui e todos querem apenas viver com dignidade. Daqui a pouquinho, quando o trem sentar praça na Central do Brasil, o Fla x Flu continua. Com ou sem luto, a vida continua em riste. Muito mais siameses do que adversários, tricolores e rubro-negros seguem acreditando, tentando, mirando a efêmera felicidade. 

@pauloandel

Saturday, March 15, 2025

Os pernósticos

Eles se acham o máximo. São o tipo de gente que ri das pessoas humildes, que não praticam a farsa da norma culta. Acreditam piamente que são seres superiores por causa disso. Vivem a cafonice pueril do Português perfeito. Não, eu não quero abrir uma guerrilha léxica, mas apenas dizer que a mensagem e o conteúdo são mais importantes do que a forma em si, assim como o presente é mais importante do que sua embalagem. O Brasil é um país de pessoas humildes e sofridas, oprimidas. Muitas passam longe da discutível norma culta. Merecem ser desqualificados por isso? Claro que não. Temos a linguagem popular brilhando na cultura brasileira em muitas manifestações do Norte-Nordeste. Temos a fala das ruas, urbana, contemporânea. Sim, vamos estudar a língua, vamos aprimorar as falas e escritos, mas que fique bem claro: nenhum pernóstico engomadinho com sua gramática de decoreba é capaz de oferecer boas mensagens com paixão, fúria, tesão e sede de liberdade. O talento do texto se mede por fatores muito além do simples domínio gramatical. 

@p.r.andel

Money, it's a shit

Parei pra ler uma besteira na internet e um grupo de pessoas discutia um post de possível golpe do empréstimo e tal. Isso tem toda hora. Mas eu acho graça como o dinheiro muda tudo. E começam as desgraças: amigo que é amigo não pede dinheiro, dinheiro estraga amizade, eu não empresto nem pra quem eu confio. Repararam a hipocrisia? Confiam em tudo, menos quando há dinheiro. Que merda de amizade é essa? Eu já emprestei dinheiro paca quando tinha, raramente me dei mal. Infelizmente perdi uma ou duas amizades numa história mal contada sobre dinheiro, que a gente só percebe a besteira aos 27 anos quando já tem 50 e não mudou o mundo. Um dos poucos amigos meus de verdade me deu dinheiro pacarai e eu também salvei a vida dele umas duas vezes, mas infelizmente ele morreu e não volta. Teve gente que se dizia minha amiga demais e, na hora em que eu mais precisei, me deu um chute na bunda. A questão é que o mundo dá voltas e isso é um perigo. Já dei dinheiro, já torrei dinheiro, já fiz coisas maravilhosas com pouco ou nenhum dinheiro. Nunca me interessei por isso, nunca medi nada nem ninguém pelo dinheiro. Minhas pequenas felicidades foram em noites no campo, silenciosas, com uma barraca e alguma comida. Ou no Maracanã vazio, deserto, numa noite de jogo com pequeno público. Nas incontáveis sessões de cinema onde estive sozinho ou com no máximo três pessoas. Sentado na areia olhando o infinito do Atlântico Sul e sonhando com uma garota que jamais me beijaria. Foda-se o dinheiro: ele só serve para sobreviver. Enquanto isso, esses idiotas economizam dez mil reais no banco e se acham ricos, mas quando alguém está doente ou à beira da morte, fazem cara de paisagem e depois escrevem lindos posts de merda. Eu não tenho nenhum amigo em que eu não confie por dinheiro; se não confiar, não serve para ser meu amigo. E sinceramente, a melhor coisa que me aconteceu na vida foi me livrar para sempre de gente que não confia em mim por dinheiro, porque eu sou muito mais do que um bolo de notas de papel, porque minha cabeça vai muito além do que um bolo de dinheiro, um carro ou uma casa. Eu não trocaria os milhares de sentimentos e emoções que despertei nas pessoas por dinheiro. A minha amizade não tem preço. Cada um sabe de si e eu é que sei de mim: todo dinheirista é, no fundo, um limitado diante da vida. Pode ter posses, bens, a porra do dinheiro em espécie mas não tem alma, não sente a vibração do poema, não percebe a cena por trás da cena. Todo dinheirista é limitado. MONEY, IT'S A SHIT. 

@p.r.andel

Tuesday, March 11, 2025

Palavras que eu gosto

Pela grafia, sonoridade ou mesmo simpatia.

cereja

laranja

cebola

triagem

fábula 

hambúrguer 

bife

atlântico 

sêmola 

hiato

bola

litro

caixa

bangu

hiper

pequenininho 

camisola

alameda

almôndega

salada

creme 



Friday, March 07, 2025

Festa não!

Nunca gostei de festas. Não tenho nada contra elas, nem contra quem gosta, apenas eu nunca me senti bem. A coisa de estar obrigatoriamente feliz me incomoda. Sempre gostei de silêncios e momentos reservados. A maior saudade que trago do escotismo é das noites no campo, num enorme silêncio às vezes interrompido pela natureza - todos dormiam enquanto eu era o lobo insone. Engraçado que fui criado no Maracanã com 120 mil pessoas, mas ali eu não via como festa e sim como missão. Era a multidão, os corações em luta e eu com meus pequenos olhos e ouvidos atentos a tudo. Parecia uma festa, mas não era. Na faculdade não tive alternativas, tinha festa toda hora, as garotas estavam sempre lá, os colegas, mas eu meio que fazia missão protocolar. Festa para mim era ter um dia bom e fazer algo legal, fazer um bom lanche, dar uma volta, ver o mar, o verde. Ou mesmo ficar escutando boa música, lendo o encarte, mergulhando na obra. Depois de velho, larguei de vez e nunca mais fui. Meus pouquíssimos amigos devem compreender porque não vou. Eu não quero botar roupas para agradar, eu não quero bajular ninguém nem ser bajulado, eu só quero andar por aí com meu par humilde de chinelos pretos e meu bermudão. Eu não quero fingir que estou feliz para enganar alguém, eu não quero me enganar e honestamente acho ridículo quando alguém finge estar feliz mas é óbvio que não engana ninguém. Onde foi que aprendemos a fingir felicidade apenas para mostrar aos outros? Quero que todos se divirtam muito em festas, eu só prefiro curtir a minha infelicidade reservadamente, em goles, em pequenos silêncios, sem barulhos, com quase ninguém. É da natureza dos lobos insones, se é que alguém me entende. 

@p.r.andel

Goodbye Summer

são poucos dias para o fim do verão 

e nosso alvoroço cessa

ficam para trás as areias escaldantes

os amores de ocasião 

a paisagem mais colorida

e abraçamos certa sobriedade 

que o tempo sempre nos impõe 


depois vamos olhar para trás 

sempre contando cada verão 

como se fossem aniversários 

efemérides inesquecíveis e leves

cheios de lembranças e vozes


eu vivi muitas vezes o verão 

mesmo sendo um ser glacial

e lembro de momentos límpidos

acreditem: posso até ter sido feliz


as cores, as luzes, o mar indo

e vindo gelado e tão brilhante 

a manhãzinha ainda nascendo 

ou o fim de tarde no posto seis


já contei muitos verões e isso é bom

ainda carrego algumas esperanças 

é que não é ainda o fim do caminho:

enquanto isso, vou escavar alegrias


@p.r.andel 


(em memória de Mauro Santa Cecília, poeta absoluto que faz uma falta enorme)

Tuesday, March 04, 2025

Affonso Romano de Sant'Anna

QUE PAÍS É ESTE? [1980] 

Parte I


Uma coisa é um país,

outra um ajuntamento.


Uma coisa é um país,

outra um regimento.


Uma coisa é um país,

outra o confinamento.


Mas já soube datas, guerras, estátuas

usei caderno “Avante”

— e desfilei de tênis para o ditador.

Vinha de um “berço esplêndido” para um “futuro radioso”

e éramos maiores em tudo

— discursando rios e pretensão.


Uma coisa é um país,

outra um fingimento.


Uma coisa é um país,

outra um monumento.


Uma coisa é um país,

outra o aviltamento.


Deveria derribar aflitos mapas sobre a praça

em busca da especiosa raiz? ou deveria

parar de ler jornais

e ler anais

como anal

animal

hiena patética

na merda nacional?

Ou deveria, enfim, jejuar na Torre do Tombo

comendo o que as traças descomem

procurando

o Quinto Império, o primeiro portulano, 

a viciosa visão do paraíso


que nos impeliu a errar aqui?


Subo, de joelhos, as escadas dos arquivos

nacionais, como qualquer santo barroco

a rebuscar

no mofo dos papiros, no bolor

das pias batismais, no bodum das vestes reais

a ver o que se salvou com o tempo

e ao mesmo tempo

– nos trai

Monday, March 03, 2025

A Vila

Sempre gostei de ver os desfiles, desde garoto. Rolando de rir com o Milton Cunha - ele é muito maneiro e uma figuraça. Fidelidade pra mim, só no futebol: já torci por várias escolas, inclusive ao mesmo tempo. Agora, se tem uma que é tipo "paixão antiga" (aka Tim Maia), é a Vila. Tudo começou em 1988, quando entrei pra UERJ e fiquei íntimo de Vila Isabel - a escola tinha acabado de ser campeã. Pô, claro, tem a Mangueira em frente ao prédio, mas todo mundo é Mangueira, fica legal ter uma alternativa. E depois passei anos mágicos por ali, que já estão longe mas se tornaram inesquecíveis. Agora mesmo pensei: onde eu estava há 30 anos? Provavelmente no paraíso, mas não sabia o percurso do trem fantasma que teria de encarar. Aquela coisa de UERJ, Vila e Maracanã é muito forte para mim. Um dia escrevo sobre isso. Ah, meu Deus: a gente almoçava na Parmê com os tickets do estágio e quase sempre estava no Capelinha, 1993, 1994. Onde isso tudo foi parar? Nas lembranças da madrugada de Carnaval muitos, muitos anos depois, sem um único personagem real por perto. Um tempo tão forte que João Gilberto tocava no rádio cantando Noel Rosa: "A Vila não quer abafar ninguém/só quer mostrar que faz samba também."

Friday, February 28, 2025

Rio

O Rio é de muitas coisas. O problema é que a maioria não pode usufruir dessa terra cheia de belezas naturais. Estamos em pleno Carnaval e vocês nem imaginam como tem tanta gente muito diferente das fotos e matérias da TV: trabalhadores oprimidos, cidadãos humilhados, gente honesta ameaçada. 

De toda forma é Carnaval e cada um vai tentar sua migalha de felicidade como puder. A força do samba e da festa são definitivas e atraem os olhares do mundo inteiro - e parte dele vem pra cá, em busca de temperaturas altíssimas, mulheres e homens belíssimos, muita put4r14 e loucura, é lógico.

Na TV temos agora três dias de escolas de samba. Sinceramente, uma ótima ideia, tanto para quem vai ao Sambódromo, que vê tudo mais espaçado, quanto quem ficará pela TV - é um show de ângulos e luzes.

Por uma semana, a gente tenta esquecer a dor de uma cidade tão bela com gente tão humilhada e sofrida, já que o Rio vai muito além de seus espetaculares cartões postais - a vida não se resume a Ipanema e Leblon. Tomara que a festa das ruas tenha pouca violência, que prevaleça a paz e que dê um respiro, porque depois de 10 de março o inferno carioca voltará, e será uma longa e tortuosa estrada até a próxima pausa.

A gente inventou ou aprimorou muita coisa que o mundo gosta. O Carnaval, o futebol, o Cinema Novo, o samba de raiz, a bossa nova, o mate de tanquinho, o aplauso para o pôr do sol e Copacabana, que é primeira e única como Patolino. Tem Botafogo, Gávea, Madureira, Méier, o Tijucão. Da Estrada de Botafogo até a rua Santa Clara dá um mundo. Os mais atentos vão falar de Sampaio, Quintino e Piedade. Vila Valqueire e Realengo. Campo Grande, Bangu, Paciência, Camará. O Rio tem muitas coisas e celebra seu aniversário em pleno sábado momesco. Ainda existe alegria e beleza, mas é preciso ter felicidade - o que só será possível quando a cidade for realmente de todos. Mas agora é festa, quem pode dança e quem não pode se tranca. 

@p.r.andel

Wednesday, February 26, 2025

Letrinha

Meu pai tinha uma letrinha bem pequena e elegante. Anotava tudo, estava sempre com um bloquinho e papel: escalações, preços de produtos, datas de pagamento, qualquer coisa. Falava pouco, sempre escrevia. Era muito organizado. Escreveu até poucas horas antes de sua morte. 

Hoje, mexendo entre alguns CDs, encontrei pequenas folhas de um bloco. Lá estava a letrinha: compras. Macarrão, arroz, manteiga, suco, tudo com preço. A letrinha me diz tanta coisa, tanta, e ao mesmo tempo, traduz todo o vazio que ficou com a morte dos meus pais, mesmo sabendo que a vida é assim e que não há jeito. Piora um pouco porque meus pais eram boas pessoas, e isso está cada vez mais difícil num mundo de gente falsa, egoísta e de mau caráter - como perdi tempo com pessoas assim nos últimos anos... Felizmente ficaram para trás.

A letrinha traz à tona a história de um homem que sofreu desde garoto, perdeu os pais ainda criança, foi criado em colégio interno e desprezado pelos parentes, que veio para o Rio, lutou, trabalhou, enriqueceu, perdeu tudo e continuou lutando até os 54 anos, quando parou de andar. Mesmo assim, tentava ajudar em todas as tarefas domésticas. Nunca reclamou de ter se tornado cadeirante. Do jeito dele, foi feliz e infeliz com minha mãe. Faleceu um mês depois de ter completado 67 anos, com plena saúde mental. Apesar do problema, teve sua última década com alguma tranquilidade, eu segurava o tranco.

Tínhamos diferenças de uma vida inteira. mas também proximidades. O Fluminense ficou para sempre, a não ser que o destruam. Andar pelas ruas foi um hábito que ele incentivou. Leu alguns dos meus textos e gostou muito, o que também gostei porque era um leitor voraz e, portanto, um bom avaliador. Num começo de noite como hoje, falaríamos do Águia e desse jogo que merece cuidado. Eu o chamava de Mala Pai. 

Para alguns pode parecer uma bobagem, mas aquela letrinha era uma espécie de marca de uma família que desapareceu. Lembrando dela, eu penso no meu tio que morreu lá longe, da minha amada mãe. Se estivessem aqui, certamente estariam sofrendo porque o Rio de Janeiro humilha seus habitantes, ainda mais sendo idosos octogenários. Mas seria bom que estivessem. Já que é impossível, tomara que eu esteja errado e tenham se encontrado, que estejam bem, muito diferentemente de mim. Mas é isso: daqui a pouco começa mais um jogo do Fluminense, eu lembro tudo de novo e preciso fazer várias coisas para continuar sobrevivendo. Não dá tempo de pensar, apenas seguir em frente nessa estrada que é muito difícil e que, no fundo, nenhum de nós sabe ao certo onde isso tudo vai dar.

PS: quem diz que não houve ditadura no Brasil, nem tortura nem humilhação, não deveria sequer ter nascido

@p.r.andel

Tuesday, February 25, 2025

Nirvana

Eles eram phoda. Ainda são. De alguma maneira as bandas nunca acabam - elas deixam de gravar, tocar, os integrantes se aposentam, outros morrem mas o som fica. Mais de trinta anos depois o Nirvana tem uma potência e uma energia supremas. 

Demorei a entender a coisa. Quando surgiu a turma de Seattle, eu era muito mais Pearl Jam - é quase um time de coração. Você vê o primeiro álbum, tem "Black", "Alive", "Jeremy", "Evenflow", depois "Dissident" no segundo, aquilo era uma pancada n'alma. Segui com eles para sempre. O Nirvana, não. Demorou. Eu ouvia, achava legal mas acho que nos meus círculos da época não rolava tanto. A MTV estava com tudo - e eu quase trabalhei lá... snif... - mas era um tempo de juventude. Faculdade, calouras lindas, chopes, churrascos e, em certas hora, eu me enchi de ser o aluno mediano que jamais tinha sido, então encarei 28 disciplinas e passei direto em 26 delas. A TV ficou rara por falta de tempo e depois, pela pobreza mesmo, eu fiquei sem TV. Voltei a ter uma em 1994, voltei a ver tudo feito um louco mas aí o Nirvana é que tinha dado o fora, como bem sabemos. 

Eu me toquei de vez do quanto a banda era phoda no Acústico MTV. Fenomenal. Ali deu pra captar todas as nuances incríveis da banda que juntava caos, porrada, lirismo e mensagem num pote cheio de açúcar e pimenta malagueta. Virei um fã tardio, mas me salvei. Grande admirador da banda. Fã, não: o Regis Tadeu tem razão, todo fã na acepção máxima da palavra é um idiota. Viva o som.

#######

Eu me lembro de onde estava quando soube da morte de Kurt Cobain: numa banca de jornais da Francisco Otaviano, a rua grã-fina de Copacabana e Ipanema. Era um sábado por volta de seis da tarde, quando já estavam entregando os jornais de domingo. O Sérgio leu e me disse com seu sarcasmo clássico, mas aí eu disse "Hã?" e voltei à banca, não acreditando. Ele riu, mas não muito, depois fomos lanchar em algum lugar - estávamos sempre lanchando, pouco importando o dinheiro. A morte de Kurt me comoveu porque eu realmente não sabia do cenário de seus últimos dias de vida - que apontavam para o fim -, e também porque era um jovem quase da minha idade e quando a gente tem vinte e poucos anos se acha invencível, eterno, uma bobagem que a maturidade apaga tudo com um paninho e água. Não sobra uma mancha. Tudo bem, a gente mantém solidariedade pelos nossos.

"Come as you are..."

#######

Trinta anos depois, a loja já fechou. Vou fazer uma live aqui e dar no pé, somente às nove da noite. Tirando os blocos, o Centro do Rio está vazio e triste. Triste. Aqui ouço "All apologies", em sua versão original do álbum "In utero" (1993). E tanta coisa vem à mente porque, mesmo sendo um admirador tardio, eu não deixei de associar as canções às épocas - e aquela, dos anos 1990 até +- 1995, foram da pesada. Depois sofri uns baques, fiquei fora do circuito e quando voltei o mundo já era outro. Não importa: o Nirvana foi uma porrada, foi um socão no queixo e mesmo sem a dedicação devida, posteriormente compensada, eu estava por lá. Faz muito tempo, mas não me esqueço de nada e isso me dá alegria - odeio gente hipócrita que finge ser esquecida para não falar de coisas que possam lhe trazer algum mínimo incômodo.

Sunday, February 23, 2025

AMIGOZ...

Há  pouco, ouvi alguém dizer sobre o pior tipo de amigos. 

Pensei na falta de sentido. 

Se é pior, não pode ter nada de amigo.

Amigo é para quem precisa. É para a hora da chuva e do frio, não dos canapés e da fama efêmera. É para a hora das lágrimas. Quem não te apoia na dor não serve para berda nenhuma. 

Amigo é força, não largar pra trás.

Estende a mão, não a recolhe nem finge esquecimento seletivo..

Amigo é fortalecer, não bajular e nem subestimar. Bajulador não é amigo, é apenas um oportunista lucrando com a bajulação. 

Amigo admira e não tem inveja. Torce pelo outro em vez de jogar contra. Quem joga contra não é amigo. Favor não confundir isso com mera divergência, que todo amigo de verdade tem 

Amigo respeita e fortalece o lugar do outro, especialmente em termos de protagonismo. Amigo que não digere o protagonismo do outro nunca foi amigo. 

Amigo é procurar a vírgula para fortalecer, não para detonar sob o pretexto farsante da sinceridade. Aliás, excesso de sinceridade na maior parte das vezes não passa de grosseria ou desrespeito com o próximo. Muitos acreditam saber, mas poucos dominam as palavras de modo a agir com prudência e maturidade - em qualquer época. Bem poucos. 

Amigo, não o AMIGOZ, amigo algoz, contando os segundos pra tifu com farofa... Que já te sugou muito no passado...

Já fui amigo de muita gente que, na hora H, me descartou feito lixo. E gente que sempre se disse amiga, mas nunca passou uma mísera bolinha de gude. Se eu dependesse desses, tava phodido pra sempre. Meu consolo é saber que ajudei gente paca. Muitos só passaram a ter alguma relevância quando eu me empenhei em valorizá-los...

Tudo bem, ainda estou vivo e eles também. Eu deito e tenho a minha insônia tranquila. Será que eles dormem bem com a escrotidão no colo? Marionetes de berda...

Os primeiros a te enterrar em vez de dar a mão. Depois fazem cara de paisagem e, se você morrer, vêm com textão bonito - e hipócrita - no Facebook. Que morram eles! 

@p.r.andel

Thursday, February 20, 2025

Era tudo nosso

Perto das nove da noite, Copacabana fervilhava por volta de 1982. No entanto, a  areia da praia ficava quase toda livre por um motivo curioso: não havia luz na orla. As pessoas praticavam os esportes até quando era possível enxergar alguma coisa.

Geralmente saíamos da casa do Fred, na Figueiredo Magalhães. Eu, Fred, às vezes o Ricardinho. Noutras, o Marco Antônio. Ou qualquer amigo de bobeira disposto a chutar bolas imperdíveis ou fazer gols na famosa trave do Juventus, time orgulho do bairro e do futebol de praia. Se conseguisse o quarteto, o ideal era jogar dupla de praia com dois goleiros. Se não desse, a solução era individual: cada um dava cinco chutes a gol e se preparava para defender outros cinco. 

Como já disse, a praia estava deserta às nove da noite. A gente gostava daquilo, um futebol solitário, a trave, o mar, o murmúrio das águas do Atlântico Sul. O Fred gostava mais de ser goleiro, eu preferia chutar em gol. Então embarcávamos no campo dos sonhos, tentando imitar os craques que jogavam naquele tempo. Um chute de efeito era do Éder ou do Nelinho, peritos no assunto. Uma cabeçada de zagueirão? Edinho. Uma arrancada pela esquerda: Júnior ou Pedrinho. Aliás, Júnior foi nosso vizinho a vida toda, também craque do Juventus e não saía da Figueiredo, além de ter uma loja de artigos esportivos na Siqueira Campos.

Goleiros eram Raul, Paulo Victor, Leão. O Fred gostava do Birken Meyer, que jogava no Cosmos (!) de Nova York. 

Uma bola na trave, na forquilha. Outra triscando. A gente imitava a torcida no Maracanã: "UHHHHHHHHH". 

Às vezes aparecia um ou outro garoto perdido querendo jogar a de fora. Não chegava a ser raro, mas o horário não ajudava muito.

Dez da noite. Batia a escuridão. De longe a fina linha retangular sugeria o que realmente era. Tentávamos acertar o gol. Fred era pesado e grande, mas voava e espalhava. Ricardinho também. O Marco era bom mas era baixinho, então buscar o ângulo era uma alternativa. Fui um goleiro razoável no máximo. Fiz o que pude.

Em certo momento a gente desistia. O breu tomava tudo. Luzes, só nos faróis que cruzavam a avenida Atlântica a passeio ou em busca de emoções diferentes na orla mais famosa do mundo. A gente se olhava, mal falava e estava tudo entendido: vamos voltar outro dia. Pegávamos os chinelos e tchau. Ah, claro, e a nossa bola de 27 gomos, pois alguns já tinham caído.

Hora de voltar para casa. Onze da noite, mais de duas horas de futebol no escuro. A gente descia boa parte da Figueiredo Magalhães. Geralmente eu carregava a bola, mas ela não era minha. Embaixo do condomínio Camões, a galera do Juventus se espremia num boteco. Duas quadras depois, o Marco Antônio virava à esquerda pela Barata Ribeiro. Eu e Fred íamos até o Shopping dos Antiquários, onde estávamos em casa. O Ricardinho andava mais um pouco, cruzando o Bairro Peixoto. Fizemos isso algumas dezenas de vezes juntos e fomos felizes. Afinal, para garotos de treze e catorze anos, o futebol é o mundo e mais: ainda tínhamos um futuro imenso pela frente - a Copa da Espanha, o Torneio dos Campeões, o Campeonato Carioca, era muita coisa: Edinho, Cláudio Adão, Junior, Adílio, Zico, Tita, Luisinho, Moreno, Leandro...

A bola. A bola. O inesquecível silêncio na beira do Atlântico Sul, o céu de duas mil estrelas, a Copacabana dos anos 1980. Nosso Maracanã era de areia. 

Onde estão meus amigos? 

@p.r.andel

Tuesday, February 18, 2025

Qualquer verão

mais um lindo e 

insuportável 

dia de sóis com 

um jovem amigo 

à espera da sepultura

Saturday, February 15, 2025

Madrugada elegante

Venho aqui à procura de Gigio em vão. Tenho meus rituais. Da mesma forma irei ao Maracanã procurar meus pais que já não existem num estádio que também não existe - agora é outro. É como se eu voltasse à faculdade 37 anos depois, sabendo que meus grandes professores estão mortos, que minhas belas amigas agora são avós dedicadas e que meus camaradas se mandaram - eu não vou encontrar ninguém, todos só existem nas minhas lembranças e mais nada. Mas insisto. 

Tudo passou numa velocidade assombrosa. Perdi muita gente. Detesto a soberba de dizer que ganhei leitores, é ridículo mesmo sendo verdade. Eu preferia ter mantido os colegas por perto, mas não deu. Pelo menos eu ainda tenho alguns outros colegas por perto. E me preocupo com outros que andam sumidos, espero que não seja nada grave. 

Uma e meia da manhã. Meu amor dorme longe. O calor é insuportável. Os camaradas de WhatsApp foram dormir. O consolo é a elegância suprema de Paulinho da Viola na TV. Uma espécie de antídoto contra a estupidificação dos tempos. 

Do nada, lembro e rio. Uma garota chamada Mariana, bonita pacas, amiga de uma conhecida que visitei em Vitória. Cheguei à cidade e fomos para um stand up comedy. Depois virou bar e ficamos os três na mesa. Aleatoriamente, a Mariana começou a falar de homens atraentes e disparou: "Eu pegaria você tranquilamente". A conhecida não gostou. Eu ri. Isso faz muitos e muitos sábados à noite. Eu logo voltei pro Rio e nunca mais fui à Vitória. Eu tinha trinta e poucos anos, o futuro era um horizonte futuro. 

A Portela de Paulinho da Viola desfila garbosa na TV. A elegância supera tudo. Isso não é literatura, mas apenas um desabafo.

@p r.andel

Um viva aos calhordas

Calhordas são calhordas. 

Às vezes nos prejudicam e sacaneiam. Quase nos destroem. Jogam pra matar.

Mas depois que eles passam, como é bom tê-los longe. 

Quando os encontramos por desagradável acidente, sequer disfarçam: lembram de suas vitórias de merda, de seu caráter de merda, da merda moral que carregam de forma enrustida e estampam em seus rostos toda a mediocridade que lhes alimenta.

Calhordas são importantes: livrar-se deles nos lembra como buscamos outro caminho. Descartá-los é reanimar o viver. 


Tuesday, February 11, 2025

Pequenas pílulas

PIZZA

Depressão dá livros, filmes e vidas. São inúmeros exemplos. Um deles: você está com fome, precisa comer mas fica paralisado e não consegue agir. Está revisando um livro atrasado, fica congelado e não consegue agir. Não é que esteja distraído com a TV ou a internet: na verdade você está no berço esplêndido de sua tristeza e desesperança. Quando se dá conta, passaram horas e horas. Você está preocupado porque sua amiga preferida vai extrair um dente e fica paralisado esperando alguma notícia. Então escurece, a tua cabeça começa a doer de fome e aí você precisa fazer alguma coisa de vez. 

CALOR FDP

Quem pode ficar tranquilo e paciente nesse inferno de 50 graus com vento quente de ventilador? Quem? 

Por que não comprei um aparelho de ar condicionado anos atrás. Por quê? Não sei. Deveria ter comprado. Não comprei. Me fudi. Tudo bem. 

Calor é bom para criança, gente de férias e rica, que pode driblar as armadilhas do inferno carioca. O proletariado carioca, não: ele só se fode. Estagiários se enforcando com as gravatas, soldados molhados nas fardas, vendedores pingando nos uniformes.

Tomara que não exista outro inferno além do Rio. Imagine a temperatura do caldeirão. Se já é difícil a 50 graus, imagine a 5.000.

PRIIMMMM

Toca o interfone. Eu odeio interfone mas preciso dele. Atendo depois de uma caminhada manca. Chegou a comida.

Vou até o elevador e pego a cestinha. Uma deliciosa pizza, com bastante tomate para irritar o mala do Catalano, caso estivesse aqui. Já comemos muitas no passado. Agora é tarde. Faço meu lanche durante a live, ninguém percebe. A depressão não passa; a fome, sim. Pedi um refrigerante de dois litros, pouco. 

O Fluminense não me dá paz.

Na TV, o entrevistado explica que o PCC tem uma espécie de BNDES para fomentar a indústria do crime. Você pode pegar capital para investir no crime, não é maravilhoso? Então eu, camelot, prestador de serviços literários, cronicamente pobre, não tenho um mísero puto num banco - sem contar os ditos amigos FDPs que têm e te negam com desculpas ridículas -, pois meu negócio é vender música e livros, mas se eu for um assassino, estuprador ou traficante o meu agenciamento bancário está garantido. 

Alguém ainda quer falar de democracia e meritocracia nessa merda comigo? 

Será que encaixo em alguma linha de crédito light para crimes de baixos teores? 

GLUB

A pizza estava uma delícia. Fiquei tão contente que me lembrei de uma pizza brotinho que comi com meu pai nas Lojas Americanas de Copacabana, bem em frente ao Metro - com seu ar refrigerado siberiano - e perto da Casa Sloper. Era de mussarela, deliciosa demais. Parecida, só tem em dois lugares: no Chuá da Sete de Setembro e no Coliseu das Massas.

Cinquenta anos depois, não há Lojas Brasileiras, Metro, Casa Sloper, pizza brotinho e pai. Só sobrou eu, o que é quase nada. Tudo bem. 

Quando fiz o pedido no Ifood, vinha uma Pepsi de dois litros. A loja perguntou se podia trocar por Sukita de Uva, aceitei. No elevador, recebi uma Fanta Laranja. Tudo bem. 

A depressão não para nunca, mas é possível ter alguns momentos divertidos.

@p.r.andel



Sunday, February 09, 2025

Parênteses

(vai começar a semana) (vamos falar baixinho para não acordar ninguém) (algumas pessoas conseguirão grandes êxitos) (a maioria lancinante continuará na miséria) (o mundo é feito para a minoria) (a maioria é um grande exército de cachorros espiando o frango girar na assadeira bem na porta da padaria) (vai começar a semana) (vamos falar baixinho para não acordar ninguém) (quem serão as novas vítimas das balas perdidas?) (manchetes populares das mesmas notícias com novos atores) (quem pode dá uma esmolinha ou diz que  fica triste) (mas não move um dedo para mudar nada) (o carnaval já bomba a todo vapor e o resto que se dane) (e daí que algum amigo seu vai se matar?) (você não criou o mundo, não é verdade?) (os personagens mudam mas os roteiros são os mesmos) (e falamos de democracia no meio de tanta fome, miséria e descaso) (daqui a pouquinho centenas de milhares de pessoas humilhadas pela opressão econômica vão pular de suas camas, pedir a Deus, pular na Supervia ou no BRT) (rapaz, são quase duas da manhã) (eu queria estar no meu bar, sozinho de verdade, com meu chope gelado aliviando toda a minha mágoa) (o máximo que dá para fazer é escrever no smartphone) (as pessoas mortas nunca mais vão voltar) (e várias vivas estão moralmente mortas) (já vai começar a semana, não há escolta) (e a opressão é uma arma apontada para o próprio peito) (quem não sente dor nem liga) (vai começar a semana) (vamos falar baixinho para não acordar ninguém) (boa sorte a quase todos) (que o mundo doa menos pra tanta gente que merece muito, mas muito obrigado) (fiquem em paz).

Saturday, February 08, 2025

Boemia duranga

E a gente voltando a pé do Leblon até Copacabana de madrugada, enquanto passavam vários ônibus lotados porque as pessoas curtiam na Zona Sul, se divertiam por lá.

Às vezes queríamos ver as últimas gatonas da noite na Visconde de Pirajá, que naturalmente nem ligavam para nós. Na maioria dos casos, íamos pela orla. Era bom. A praia à noite tem um silêncio próprio. Descíamos até o Jazzmania e depois tomávamos o caminho de Copacabana. Ipanema e Leblon eram sempre mais desertas, bem vazias na madrugada - contrastando com os domingos. Copacabana, não: sempre tinha gente ou no calçadão ou até na areia, mas também tinha uma tranquilidade, um silêncio menor. 

Quando passávamos por estes lugares, nem sabíamos que eles foram desbravados pelos gigantes da arte brasileira: atores, diretores, músicos, poetas e artistas plásticos. Quanta gente boa do Brasil já tinha feito tantas vezes o mesmo caminho notívago a pé? Muita. Só queríamos nos divertir um pouco. Do Posto Seis até a Figueiredo Magalhães ainda havia dois quilômetros e muita contemplação do Atlântico Sul. Quando sobrava algum dinheiro, ainda rolava um lanche no Gordon, que ficava aberto por toda a madrugada. 

Chegava em casa na ponta dos pés: o apartamento era pequenininho, qualquer barulho na cozinha acordaria meus pais. Direto para um banho silencioso e veloz, cama. Como não havia WhatsApp, nossa resenha era só no dia seguinte, talvez na praia, no Maracanã ou em algum encontro na tarde de domingo. 

II

No Leblon ficava o pessoal de grana. Era tudo mais caro. Em Ipanema, quase isso. Às vezes a gente parava perto do Chaplin, quase na esquina da Farme de Amoedo, e ficava ali na calçada, conversando. Ainda éramos garotos, 17, 16 anos. Do outro lado da rua ficava o McDonald's abarrotado de gente. Tudo isso acabou. 

No Baixo Gávea ficava a turma do rock, mais especialmente os fãs de metal. Todo mundo de preto. Lembro de um rapaz que, dizem, tinha feito até cirurgias para ficar idêntico a Bruce Dickinson, o cantor do Iron Maiden, e realmente ele era muito parecido: todo mundo olhava quando passava. Mas o BG não era nos fins de semana e isso nos afastava, porque tinha escola e tal. Emprego era muito difícil, mas a gente tentava: nunca tinha vagas. 

III

No fim das contas, eu acho que o nosso grande barato era a volta perto do bar. A gente gostava muito daquilo: do silêncio, do ir e vir lento das ondas. Foram dezenas de vezes. 

Faltou falar das bandas. Culture Club. Smiths. Duran Duran. Ah, sim, Supertramp.

(Continua).

Wednesday, February 05, 2025

Saudade do jogo

Daqui a pouco vai ter Vasco e Fluminense. Longe, muito longe do Maracanã, desta vez em Brasília. 

Eu era uma criança quando descobri que o time adversário tinha uma camisa diferente, com uma faixa. Meu pai me puxava pela mão e eu vivia o campo dos sonhos. Nenhuma criança de hoje vai entender o que era estar na arquibancada com mais de cem mil pessoas, em partidas memoráveis e cheias de craques, com um mar de bandeiras e sons. 

A gente ficava procurando a felicidade a cada domingo no Maracanã. Tudo passou numa velocidade extraordinária. Os meus craques da infância agora são senhores de idade, avôs, bisavôs, e outros foram embora antes da hora 

Neste momento o Fluminense vive uma fase de doer, fruto de sua gestão estapafúrdia. O Vasco, rival centenário, paga o preço de suas gestões anteriores. Neste século, os dois clubes decidiram um único título. Os tempos são outros. Há pouco mais de 50 anos, o Vasco era campeão do Brasil e o Fluminense começava a montar a espetacular Máquina Tricolor. Há pouco mais de 40 anos, decidiam o Campeonato Brasileiro. E agora? 

Nesta quarta o Vasco é favorito. Certamente chegará às semifinais do Estadual. O Fluminense tem sua camisa centenária e sua vocação de mosca na sopa - feito para incomodar. E nos clássicos, não é incomum que o time em pior fase vença o jogo. Mas é pouco: o Tricolor está longe dos momentos gloriosos. Que hoje dê um passo para sua recuperação. 

Agora, se pelo menos por alguns instantes o clássico fosse faiscante como em 1976, 1981 ou 1989, os garotos de hoje iam entender o tamanho desse confronto. É um jogo de muita história.

Tarde com Judas

A tarde calorenta para danar, mas uma compensação: passa Judas Priest na TV, um show de 15 anos atrás mais ou menos.

Inevitavelmente, lembro de meu saudoso amigo Fred e todas as aventuras em que a gente se metia para conseguir discos ou mesmo gravar uma fita cassete com sons que gostávamos de ouvir. 

O Judas Priest sempre foi uma potência. É uma das maiores bandas de todos os tempos e um dos gigantes do heavy metal. Engraçado, quando a gente era garoto eu lembro certa vez: estávamos numa loja onde o Fred foi comprar calça jeans na Figueiredo Magalhães e o vendedor era um cara ligado em rock, então começamos a bater papo, a falar de bandas e daqui a pouco ele começou a falar das bichas do rock, efetivamente de Lou Reed e do próprio Rob Halford. 

Estou falando de 42 anos atrás, ou seja, nunca foi segredo para ninguém que o Rob Halford era gay. E daí? Ele é um dos maiores cantores de rock and roll da história, um dos maiores ícones do metal, o Judas mantém a mesma integridade profissional e respeito artístico que tinha no começo da sua carreira de quase 50 anos. Mas então percebemos que os assuntos já estavam por aí atormentando a cabeça das pessoas…

O que rolava mais na casa do Fred eram as bandas de metal e rock and roll, né? Iron Maiden, o próprio Judas Priest, Kiss, Metallica, enfim, depois rolou uma era mais pop que o Fred descobriu, comandada pelo Level 42 porque adorava o baixista da banda, Mark King, que é um senhor músico também, um verdadeiro monstro tocando contrabaixo. 

Passamos tardes muito divertidas nos anos 1980. A casa era simples a gente ia para lá, se reunia porque era o único lugar que tínhamos livres, porque o Fred era o único de todos nós que tinha os pais separados e a mãe trabalhando fora de casa quase o dia todo, então o apartamento era nosso para fazer a festa, mas não tinha essa moleza de hoje, como ligar o canal fechado e assistir a exibição de uma banda. Tudo era muito mais difícil, não apareciam os shows ao vivo de rock na televisão. 

Eu me lembro que até o primeiro super grande show que foi transmitido. Acho que já no finalzinho dos anos 1980 pela Bandeirantes a Band né? Quando os Rolling Stones começaram a turnê Steel Wheels, que era uma uma espécie de retomada da banda. Ao mesmo tempo, um momento em que eles começaram a usar os palcos colossais, que duram até hoje. Tinha a participação de John Lee Hooker na abertura, o Guns n' Roses. Claro aí depois com o tempo as TVs acabaram apresentando shows e festivais, mas aí é outra coisa.

Agora o tempo é outro. Já não há mais tantas grandes bandas de rock and roll por aí em plena atividade, a maioria já é de pessoas mais idosas. O final inevitável está chegando, paciência. Há pouco anunciaram que julho terá as despedidas oficiais de Black Sabbath e Ozzy Osbourne. O tempo é Implacável, os caras fizeram meio século de coisas maravilhosas, mas um dia chega a hora, vai chegar para todos.

Para nossa sorte, a nossa geração de cinquentões teve a possibilidade de ver vários dos seus ídolos por muito tempo.

Opa, peraí que agora Paul Stanley está cantando. 

Sonho

Não dormi tão bem assim porque ainda nem são seis da manhã. Mas dormi até bem, antes da meia noite. Nestes tempos modernos é um achado.

Curioso é que sonhei. E raramente eu lembro dos sonhos. Desta vez eu lembrei de tudo. Engraçado. Pareciam pequenas esquetes. Em algum lugar grande, com reuniões de grandes públicos, eu estive em três momentos com três pessoas que já não fazem parte da minha vida, mas que fizeram durante algum tempo, especialmente quando me achavam útil para alguma coisa. Nenhum problema ou mágoa: tudo deve passar e a gente sabe que num longo caminho como o da vida, poucos vão continuar ao teu lado.

Mesmo assim, achei curioso. No sonho, as três pessoas repetiam exatamente os mesmos comportamentos que me levaram a deixá-las de lado. Os mesmos. Aquela coisa da indiferença blasé, da desumanidade disfarçada de pragmatismo, do desprezo elegante pela "falta de tempo", hoje em dia uma das melhores desculpas quando temos um e-mail ou um Whatsapp chegando em segundos. Em 2025, a pessoa só não tem tempo para quem efetivamente não quer. É mais simples do que parece. 

Vale para mim também, mas procuro ser o mais honesto possível: não acredito em amizade sem reciprocidade. Amizade não se resume a cumprimentos e eventuais convescotes de botequim. É mais do que isso. Bem mais. Pobre de quem nunca aprendeu esta simples mas definitiva lição.

@p.r.andel

Friday, January 31, 2025

Homem de negócios

HOMEM DE NEGÓCIOS 

Jorge Ben Jor

1989


Homem de negócios, fique de lado

Eu não sou um robô nem um computador

Nem seu criado, não, não

Tá legal que você é muito esperto

Pois para sustentar o seu status

Pisando e passando por cima das pessoas

Você vai colecionando

Dúvidas, mal-olhados, aborrecimentos

Insônias, dores de cabeça e falsos amigos

Queda de cabelos, dores no peito

E duvidosas amantes

Parece que bebe ou é assim mesmo

Não tem solução, não, não


Por isso, calma e prudência

Quando falar comigo

Não queira me mudar

Pois eu penso, falo, ouço, vejo

Logo eu existo

Eu sei que sou poeta

Artesão do meu trabalho

Por natureza, que beleza

Tuesday, January 21, 2025

KitKat Junky Man

Estou obcecado por KitKat. Até outro dia eu zombava dele e de seus fãs, porque o Bis sempre foi melhor. Mas agora eu sou um traidor de mim mesmo. Já nos ensinou Enrico Bianco: "a única coisa importante no homem é a sua contradição" - conheço gente que, hipócrita mesmo, praticou contradições muito mais graves. Depois de anos e anos, tenho comido KitKat como se fosse um junkie de Copacabana em P & B na calçada da Prado Júnior. Prefiro ok branco, mas o KitKat marrom também é ótimo, geladinho. Enquanto o mund fora é triste e cinza, meu KitKat traz cores de alegria. Enquanto idiotas perseguem o comunismo em 2025, KitKat traz a paz na terra aos junkies de boa vontade. Ah, o KitKat parece o beijo daquela gata cujo nome preservo, beijo de arder e suar feito tesão. E daí que eu não gostasse antes? Eu também odiei o Smashing Pumpkins até me apaixonar. Os gostos mudam. Agora eu dou um porradão em mim mesmo, ora, sorvendo cada pedaço crocante. Só os idiotas não se contradizem, só os idiotas perseguem os que traem a si próprios. Me deixe em paz com meu contraditório, porra: eu não sou perfeito. 

@p.r.andel

Monday, January 20, 2025

Madrugada

O que estará acontecendo neste instante durante o sono - ou a insônia - de tantas pessoas hipócritas, falsas e egoístas? 

Cenas de remorso ou escrotidão? 

Ninguém nunca sabe. 

O que será? 

[Só o acaso estende os braços a quem procura abrigo e proteção

Wednesday, January 15, 2025

Aprovado

Muitas pessoas comemorando aprovação na UERJ, pais e filhos. Essa alegria eu conheço bem há 37 anos, tempo demais. Em 1988 não havia celular nem computador ou internet, você comprava o Jornal dos Sports e procurava sua inscrição no Olimpo. A minha estava. Acho que foi a primeira vez - e uma das únicas - que chorei de alegria. Eu não sabia comemorar. Meses antes, meu tio - que pagou minha faculdade anterior - tinha morrido. Eu não conseguia emprego, nem estudar, não tinha cursinho e a fase final era discursiva, tinha que encarar. Bem, eu estava no bom e velho grupo de escoteiros, tínhamos organizado um bingo para arrecadar recursos para um acampamento. Eu desci, comprei o jornal, li e chorei sozinho. Não falei com ninguém, ninguém me abraçou, eu sou assim - estou acostumado à frieza. Mais tarde minha mãe apareceu e dei um abraço nela. Ficou toda contente, imagine: ela, trabalhadora, lutadora, que mal fez o primário, colocou o filho na faculdade. Naquele tempo, nossa vida era muito difícil e meu pai achou aquilo sem importância; na época fiquei triste mas hoje entendo, ele sofria demais. Passou. Tantos anos depois, aquele dia ainda é muito especial para mim. Mudou minha vida para sempre. Durante alguns anos, convivi com jovens homens e mulheres da pesada, aprendi um milhão de coisas; vivi experiências acadêmicas, culturais e artísticas incríveis - de Luiz Carlos Prestes a Cássia Eller e Tom Jobim. Vi filmes incríveis, joguei bola, beijei garotas lindas, ri com muita gente e quase todos ficaram para sempre comigo, mesmo ausentes fisicamente mas na cabeça e no coração. E ainda pude ajudar bastante meus pais em seus anos finais, fruto da minha capacitação. Eu entendo essa alegria dos pais e filhos hoje, ela ainda percorre meus sentimentos. Eu sei, a gente sabe mas não se cansa de sentir. 

@p.r.andel

Monday, January 13, 2025

Trivial

É manhã enrustida.

Enquanto o céu vai trocando de azul, sinto dores.

O silêncio da noite, rascante.

Lá longe, os trabalhadores se movem de suas casas para encarar o trabalho. Alguns choram. Eu também acuso o golpe. 

Fred faria 58 anos hoje. Mal passou dos 42. Ele faz falta. 

Agora são cinco horas. 

Os dias se repetem.

Saturday, January 11, 2025

O jeito é ficar trancado

As festas de fim de ano são importantes. A gente tem a sensação de que um ciclo acabou e virá outro, virtuoso. Passa o Natal, a gente se enche de esperança para aguentar o tranco, estouram os fogos malditos para aterrorizar os bichos, então começa janeiro e… tudo está onde sempre esteve. Os problemas, as dívidas, os desencontros e, para muita gente, o verdadeiro desespero. Por fim, a nossa querida cidade, que é linda em vários lugares mas que é um verdadeiro martírio para milhões de cariocas. 

Desde garoto, sempre gostei dos noticiários locais. Eu sempre gostei da minha cidade. Adorava espiar o Guia Rex para conhecer as ruas, saber as divisas dos bairros. E durante muito tempo eu fui um cidadão que viveu a pulsação das ruas. Minha juventude foi em Copacabana, já disse isso muitas vezes e não me canso, na verdade me orgulho disso. Durou de 1968, um ano nada fácil, até 1993. De lá para cá, estou no Centro do Rio, até onde der. Pois bem, conheci muitos bairros e especialmente quando me tornei aluno da UERJ, fiz toda a travessia do Rio, do Leme a Santa Cruz, de Jacarepaguá ao Catete e por aí vai. 

Aos poucos, o ritmo foi diminuindo. Os eternos amigos de bar somem, o tempo passa, as pessoas se afastam, você se casa e sua vida fica essencialmente caseira. Se contarmos o avanço da internet e os costumes pós pandemia, aí é que a turma se entoca. As conversas se limitam ao WhatsApp. Sim, o mundo mudou sem dúvida, e é claro que a cidade nunca foi fácil com tanta desigualdade, mas era diferente. Diferente. Muita coisa hoje atrapalha os convívios, a internet também, mas o fato é que a violência carioca já ultrapassou há muito os limites da brutalidade, o que cria uma multidão de cariocas enjaulados. 

Boa parte do Rio não tem a funcionalidade do Estado. São muitos territórios onde imperam as leis do tráfico e/ou da milícia. Diariamente milhões de cariocas são oprimidos pela vontade do crime, que submete, humilha, tortura e assassina rindo. Um simples comentário pode ser tido como fofoca e a barbárie justifica que uma garota faladeira tenha seu cabelo raspado ou tampinhas de refrigerante coladas em seu couro cabeludo. Você não pode ir, vir, não pode usar determinadas cores de roupas, não pode ir a determinados lugares, não pode mexer os braços, não pode falar e em breve não poderá mais respirar. 

Quando não é o caso das favelas e comunidades sequestradas por bandidos, a qualquer momento e em qualquer bairro você pode ser enquadrado por carros e motos prontos para te fuzilar, com total ausência policial. E não tem dia no Rio em que alguém não seja fuzilado. Quando isso não acontece, a vítima tem “sorte” por “só* ter sido agredida. Morte, morte, morte, tortura, ódio, até onde isso irá piorar? 

São oito da noite de sábado. Eu pensei em jantar na rua. Talvez comer um sanduíche na padaria. Acontece que dá medo. O Rio dá medo. Pelo menos daqui, sem sair, o máximo que escuto são os tiros de Santa Teresa. Eu fui um cidadão que viveu intensamente as ruas dessa cidade, é uma pena que isso acabou e, pelo visto, não tem mais volta. O jeito é ficar trancado. 

Gata argentina

aquela tua boca 

de gata argentina 

gata branca de Hollywood 

cacheadinha com seu

sorriso de linda e tímida 


te procuro em águas 

que não sei navegar -  

apenas mergulho

sem compromisso 

com a grande vitória, 

procurando em vão 

por uma garrafa 

que eu mesmo atirei

no Atlântico Sul -

que tal saudade? 


aquele teu sorriso

de gata argentina 

brilha numa foto antiga:

this is modern times!

Wednesday, January 08, 2025

Ainda sobre o Goldenglôbi

1) Impressionante como tanta gente teoricamente culta, intelectualizada, informada etc ainda não tenha se dado conta do tamanho da conquista de Fernanda Torres e toda a equipe de "Ainda estou aqui". Nada, absolutamente nada tem condições de diminuir essa vitória, goste-se ou não de seus protagonistas, de suas trajetórias pessoais etc; 

2) Depreciar o tamanho dessa conquista repete um velho comportamento à brasileira que já vitimou personagens tão díspares quanto Pelé, Tom Jobim, todo o Cinema Novo, Chico Buarque (como escritor), Paulo Coelho, Vanderlei Luxemburgo, Emerson Fittipaldi (argh), Piquet (argh), Éder Jofre, a própria Anitta recentemente etc: a incapacidade de aplaudir a expressiva e evidente vitória alheia. Não é uma questão de defesa artístico-intelectual, nem de orientação política, mas da mistura do velho complexo de vira latas com um recalque continental. Não surpreende: em meu minúsculo universo cotidiano, percebo direitinho quando algum trabalho meu ganha mínimo destaque, ou simplesmente quando lanço/anuncio um novo livro, e então percebo a reação de alguns "amigos"...

3) Se à essa altura do campeonato, alguém te disse que a vitória de Fernanda foi "safadeza da Lei Rouanet" e outras selvagerias mentais equivalentes, é melhor rir da criatura tosca. 

@p.r.andel

Monday, January 06, 2025

O verão também presta

Começou o ano novo. Mais um em nosso caminho inevitável para a morte. É janeiro, logo é verão, gatinhas, engarrafamento, assaltos, um calor do inferno, uma promessa de novidade que nem sempre é tão nova assim. 

A canção já dizia “É verão/ bom sinal/ já é tempo/ de abrir o coração e sonhar”. Versos bonitos com os maravilhosos vocais do Roupa Nova,que nem sempre se aplicam ao verdadeiro turbilhão de emoções que se vive no Rio de Janeiro. Tá tudo aí, para dar e vender, escapando de uma e outra bala perdida. 

No calor é mais difícil aturar os espíritos de porco, né? Por exemplo você, imagina a esquina da rua Sete de Setembro com a avenida Rio Branco, a gente fala do coração da cidade do Rio. Normalmente é um lugar que tem uma certa concentração de carros à medida que vai se aproximando no Largo da Carioca, onde o trânsito é fechado e você precisa desviar à esquerda para fazer a volta. Pois bem, quase sempre tem um desgraçado que, na hora em que o sinal vai fechar, mete o carro em cima da faixa de pedestres. 

Ele sabe que não vai dar tempo. Ele sabe que não tem como fazer, mas mete o carro assim mesmo só para sacanear as pessoas na hora de atravessar, então pacificamente elas desviam do maldito carro e atravessam fora da faixa contra a vontade, já que o cidadão está ocupando o espaço destinado ao povo a pé. Não tem um dia de segunda a sexta que isso não aconteça pelo menos dez vezes por dia: pode fazer as estatísticas, pode anotar e acompanhar. Toda vez é a mesma coisa, é um negócio realmente impressionante. 

Pra não dizerem que sou um chato, a parte marítima vai bem, obrigado. Solzão, calor mate no tanquinho, esportes, mulheres maravilhosas, todo mundo tentando literalmente o seu lugar ao Sol, os turistas se esbaldando a valer por toda parte. Mas acontece que a cidade não se limita a isso, né? E cada vez mais está ficando quente no Rio de Janeiro, um inferno. 

Muita gente trabalha e sem facilidade, né? Às vezes com ternos pesadíssimos, roupas, fardas e botas. Enfim, gente que passa mal com tanto calor, que não tem a menor facilidade na estação que muitos vibram por estarem nas férias, mas que outros sofrem de montão. Eu mesmo sofro imensamente com calor desde criança, sempre me fez mal, mas felizmente a minha situação de camelô sofisticado me permite trabalhar em minha própria loja com bermudas e chinelos. A maioria não tem essa sorte, e por eles sofro. 

Tudo bem. Ninguém aqui é contra a felicidade no verão nem contra os veranistas. É só para dizer que uma parte da turma sofre para viver nessa época. E que o Rio não é somente orla - o subúrbio tem uma longa e sofrida história. Mas é legal que as crianças, assim como os que podem viver o melhor do verão nessa vida, também se lembrem dos excluídos do bronze. Muita gente na luta, tentando sobreviver como dá. 

Para terminar, a frase da Fernanda Torres pós Bola de Ouro faz pensar: “A vida presta”. No calorão do verão ou mesmo quando o bom outono chegar. O verão também presta, ok. 

Vence o cinema

Tomara que um dos grandes lances da vitória avassaladora de Fernanda Torres no Globo de Ouro seja, sinceramente, a busca de parte dos brasileiros por sua própria arte. 

Longe de qualquer discurso nacionalesco - tou fora disso, ouço de Bezerra da Silva a Slayer -, sempre tive em mente que precisamos dar valor coletivamente ao nosso cinema, teatro, à musica, às nossas artes em geral. 

Temos uma infinita expressão artística de qualidade. No cinema, não há dúvidas: basta ver o Canal Brasil com algum tempo. Você vai ver filmes sensacionais de todas as épocas. No Rio, o movimento do Estação, liderado pela força da natureza que é o Cavi, tem formado novas gerações de cinéfilos marcando ponto diariamente. 

Viva o cinema do Brasil!

Sunday, January 05, 2025

Bosasova Bova - Zumbi do Mato

Em 2024, o Rio de Janeiro saiu da pasmaceira musical e soltou um verdadeiro rojão sonoro, daqueles típicos de avant-garde que a cidade foi especialista no passado. Tudo aconteceu com o lançamento de “Bosasova Bova”, álbum que marca a volta do Zumbi do Mato à cena musical depois de encerrar as atividades em 2013. Desde o retorno, a banda tem feito shows concorridos no cenário underground carioca e o novo álbum está disponível nas plataformas digitais.

Provavelmente a melhor maneira de descrever o som do Zumbi (mas nem de longe única) vem de seu próprio perfil na Wikipedia. Vejamos: 

“Zumbi do Mato é uma banda brasileira de rock experimental/noise rock do Rio de Janeiro famosa por suas canções bem-humoradas e surreais, escritas num estilo de fluxo de consciência e repletas de alusões mordazes à cultura popular – focando particularmente em aspectos como a literatura/filosofia ocidental, a vida cotidiana no Brasil, e figuras públicas da vida real e personagens fictícios de diversas formas de mídia –, technobabble, escatologia, nonsense, e elaborados jogos de palavras e trocadilhos. Tendo amealhado um forte séquito cult ao decorrer dos anos 1990 e 2000 que perdura até os dias atuais, o grupo teve diversas formações durante sua existência”. 

Quando o ZDM encerrou as atividades, disse o jornalista Silvio Essinger em artigo de Eduardo Rodrigues para O Globo: 

"Naqueles anos 1990, em que tudo o que uma banda do rock underground carioca poderia almejar de mais nobre era ser mais ultrajante que os seus pares, o Zumbi do Mato era uma banda ímpar. Não tinha guitarra, cultuava o lado maldito do rock progressivo (Van der Graaf Generator, King Crimson), interessava-se genuinamente pelo que a cultura tinha de mais trash e conseguia conciliar a escatologia (sempre desconcertante) com referências para lá de eruditas do avant-garde. Histórias bizarras de seus shows abundam - afinal, essa foi a banda que fez sua fama sendo uma não-banda, não-rock, não-MPB, não-vendável, não-qualquer coisa e, ao mesmo tempo, ligada em tudo. O Zumbi tocou no Garage, no Circo Voador, na livraria Berinjela, no Retiro dos Artistas... Merecia a Cidade das Artes, mas não houve tempo. Fica a poesia: Tiroteio do esqueleto sem cabeça / é um clássico da MPB brasileira / é a morfologização patética dos fonemas / é a p* que pariu te mandando ir se f*." 

Agora o Zumbi do Mato está de volta. Em “Bosasova Nova”, o grupo mostra no álbum a mesma potência que marcou sua trajetória no underground carioca. Os fãs, que sempre idolatraram a banda mesmo quando sua volta parecia impossível, vibram com os novos shows e, inevitavelmente, com a atmosfera musical desafiadora que marcou o Rio alternativo nos anos 1990 e 2000. Aliás, o Zumbi é 100% desafio em todas as perspectivas de sua obra, absolutamente atual. 

Não deixe de conferir canções como “Essa criança (ela vai ao shopping)”, “Miojo puro”, “Dor física” e “Frio do caralho”. A mão genial de Zé Felipe e a performance irreverente de Lois Lancaster trazem para novas (e velhas) gerações uma das sacadas musicais mais ricas, divertidas e criativas que o underground carioca já viu. 

Vida eterna ao Zumbi do Mato! 

Wednesday, January 01, 2025

04:13h

A doce ilusão da virada de ano já se dissipou e as coisas então voltam ao normal. 

Mais ou menos, melhor dizendo. 

Pra quem pode, o ano novo começa apenas na segunda-feira que vem. Mais quatro dias de descanso.

Já o proletariado, não: encara o batente daqui a pouco, em ônibus e trens abarrotados. A dura luta do povo pela sobrevivência. 

Na TV já tem telejornal. Ontem já teve tiroteio no São Carlos, Estácio. 

Ainda há tempo para um cochilo antes do café.

Difícil mesmo será amanhã: 18 anos da morte da minha mãe. 

@p.r.andel

Sunday, December 29, 2024

Sanduíche

SANDUÍCHE 

[ou o último domingo do ano

Numa noite de 1982, eu tinha alguns trocados e fui caminhar pelas ruas de Copacabana. Fiz isso muito até o dia em que fui despejado do bairro, caminhar por suas ruas sem um objetivo, apenas flanar, e mantive esse hábito até hoje sempre que posso. Pelo menos uma vez por mês.

Queria lembrar o nome da lanchonete que funcionava na esquina da Siqueira Campos com Barata Ribeiro. Era bem grande. Enfim, parei por lá perto das nove da noite, me sentei no banquinho acolchoado e pedi um cheeseburger com refresco. Sabe aquele bife roots, feito na casa? Era assim. Suculento. Sou capaz de rever a cena toda 42 anos depois. Só não lembro o nome da lanchonete. Ela ainda durou um bom tempo. 

Depois do lanche, desci a Barata Ribeiro até perto da esquina com a Santa Clara. Eu ia na Billboard, loja de discos, pra olhar as capas dos álbuns lançados - e torcer para o Fred comprá-los porque eu não tinha um tostão. O máximo que dava era para o sanduíche, esse nunca me abandonou. Olhava os discos, os artistas, sonhava em ter LPs - que não consegui, mas diz uma coleção legal de CDs. A gente ouvia música, conversava sobre música, ouvia rádio, apreciava os artistas, sonhava com os shows - que eram mil vezes mais acessíveis do que hoje - íamos ao Canecão com trocados. 

[Acho que pensei nisso porque também lembrei do meu amigo Xuru, que faria aniversário hoje mas já se mandou há tempos. Uma pena. Acho que toda semana falamos do Xuru no nosso grupo de Whatsapp e, de certa forma, é um jeito de mantê-lo vivo para nós. Temos ido ao Caravelle comer pizza, bem ao lado de onde ele morava. Se o Xuru não tivesse ido embora tão cedo, eu não passaria 10% das humilhações que passei. Deixa estar. 

Com catorze anos, o meu mundo era pequeno mas simples: sanduíche, loja de discos, casa do Fred, Maracanã, futebol na praia e grupo de escoteiros. Cinema. Shows. Com pai e mãe tudo é mais fácil, a gente não precisava gastar quase nada. A inflação era trágica, mas a gente consumia muito pouco. Não era fácil ser adolescente, aliás nunca será, mas a gente tinha momentos divertidos. 

Um dia resolvi emagrecer. Não aguentava aquela conversa de "você é bonitinho de rosto". Perdi 15 kg, fiquei viciado em corrida e me senti muito bem até o dia em que precisei parar de correr. Eu amo futebol, mas a corrida me proporcionou um bem estar único. Emagreci, mas o sanduíche continuou por perto. Agora eu penso em 1988, que foi um grande ano, e de outros tantos momentos divertidos que me acompanharam até aqui. Há muita dor também, mas o saldo é positivo. 

Chegamos às oito e meia do último domingo do ano. Simone está cantando na TV. Ela é das nossas. Acabou 2024. Desde 1982, meu sonho é ter uma casinha, livros, discos, conversar um pouco e ver a minha cidade menos triste e violenta. Ter um sanduíche com refresco. Se pudesse, eu sairia agora pelas ruas de Copacabana só para me reencontrar com meus 14 anos. Não tem mais Billboard, mas agora eu tenho minha própria lojinha de discos. Não tem mais Fred. Não tem mais Xuru. Nem pai, nem mãe. Sobraram alguns amigos, muitos conhecidos e gente que me agradece porque defendo o Fluminense. Às vezes alguém me abraça porque escrevi sobre alguma luz da cidade. Muita gente foi embora sem dizer adeus, os piores são os que escolherem fazer papel de mortos em vida. Deixa estar: é melhor ser um ex-amigo do que um bajulador. 

Apesar da internet ser um ímã de gente ruim, conheci pessoas fantásticas por aqui. Gente que eu idolatrava e agora conversa comigo. Gente que ajuda a aliviar as dores do mundo. Muito obrigado a todos os que, de alguma forma, têm me ajudado a sobreviver nesse mundo de tanta ingratidão e rancor.

Ah, quando eu via as capas dos discos da Billboard, também sonhava com a chance de publicar um livro. Demorou 25 anos, mas não é que aconteceu? 

@p.r.andel

Friday, December 27, 2024

Gostoso

16:30 de Brasília, coração do Rio.

Desço a Lavradio vazia e entro na rua do Senado. Vem alguém atrás de mim e saio da calçada minúscula para dar passagem. Um rapaz, um homem negro de mais ou menos uns 40 anos, parecendo estar em situação de rua, passa por mim. Para um metro adiante, vira e me olha de cima a baixo. Quando preparo meu instinto natural de defesa, o nacional dispara: "Gostoso!"

Quis o destino que eu estivesse na porta da Hamburgueria da Alfândega. Olhei pro sujeito, mandei meu polegar de tchau, entrei na lanchonete e subitamente lembrei de uma garota em quem eu nunca mais deveria pensar. Dez segundos depois, eu já era um cliente satisfeito à espera de um cheeseburger duplo, com poderosos bifões de 160 gramas. 

Você é o que come. Obviamente, sou gostoso. Mas achei que, com 130 kg e 56 anos, eu já estivesse na faixa de isenção das cantadas gays. 

As garotas também faziam isso, mas só discretamente.