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Monday, October 30, 2006

Da ausência onipresente

Certas efemérides trazem contas de minha presença
Há os que a ela creditam alguma frágil importância
Contento-me com fidalguia e delicadeza dos alguns
Entretanto, com plena elegância, sei-me discordante
Não é a minha natureza que move moinhos, pazes
Não é o meu testemunho que acaricia ouvidos fiéis
Faço-me notar intensamente é com minha ausência
Meus silêncios que preenchem espaços, alicerces
Quando calo-me e configuro-me de corpo distante
É quando o melhor de mim revela-se no horizonte
A falta de minhas frases e vozes faz cem discursos
Afasto-me e, com isso, ressalto o melhor de mim

Reticente, mudo, sou mais rigoroso dos discursos
O mar de idéias torna-se impecavelmente límpido

Paulo Roberto Andel, 30/10/2006

Friday, October 27, 2006

O fim do fim da linha

Eu comecei caminhada
E não pude mais parar
Persegui mapas mudos
Rabisquei traços, trilhas
Passaram-se mil léguas
Arredores foram longe
Todos os tudos longe
Quando olhei para trás
Era uma estrada, farta
Recheada de percalços
Tive as bolhas nos pés
Sede, suores, cansaço
A fome, senhor, fome
Atacou-me em bandos
Noites de frio, relentos
Dias sem sombra, sóis
Para minha voz, silêncio
Companhia era solidão
Sem importar exércitos
Subitamente, firmei-me
Era o final duma estrada
Encerrada uma jornada
Não esperava medalhas
Cumprimentos, brindes
Nenhum tapa nas costas
Somente missão cumprida
Fiz juramento em palavras
Restou meia volta, volver
Reparei estar equivocado
Veio uma tal nova ordem
Mandaram-me de volta
A estrada cerrava portas
Mas o mundo continuava
Missões, novas missões
Noutros prolongamentos
Peguei papel e prancheta
Risquei novos percursos
O fim da linha parecia lenda
Ledo engano ocasional
Todo fim é mero recomeço
A linha passa longe do fim
Segue solta, desconhecida
Destemida para a eternidade


Paulo Roberto Andel, 27/10/2006

Thursday, October 26, 2006

Trevo das missões

Ásperos chãos, vários
Humildes gentes na ida
Um pouco de verde vil
Tenta ocultar o asfalto
Que leva e traz um país
De um lado, são Paulos
Noutro, descem os rios
Meninos soltam as pipas
Pela inquieta juventude
Entre o cinza carbono
Flanante rumo ao céu
É transporte das massas
Carros quase populares
Têm batuque no trajeto
Biscoito, refresco e bala
Passatempos divertidos
Para atenuar a marmita
Mulata de sandália alta
Passista dez carnaval
Dois recantos da miséria
Um naco de esperança
No mar de avenida viva
Morta, por todos lados
Ao longe, tiro é favela
De perto, tem resenzala
O rádio canta o vulgar
É a pétala desfolhada
Amanhã, Natal é novo
Ano velho, rei morto
Passeatas, procissões
Greves, perdas, rebeliões
Olhos infantis comentam
Vilares, Caxias, Meritis
Pelo Trevo das Missões


Paulo Roberto Andel, 26/10/2006

Wednesday, October 25, 2006

Viveres

Viver desconstrução, constituição

Estar por todos os lados e sentir-se um estrangeiro

Olhar todas as manchetes e pouco lê-las, quase nada


Viver destruição, retificação

Parecer criança no meio duma praia de Copacabana

Escavar a terra com a pequena pá, encher um balde

Areia de levar, jogar de um lado para outro, misturar

Trazer água salgada para azeitar o cimento brinquedo

Com a mão na massa, constatar o nada sedimentado

Ilusão à toa que beira do mar carrega para o sempre


Viver

Modificação, desmistificação

Nada do que era será, tudo o que vier mudará

E meu hoje, orixá?


Paulo Roberto Andel, 25/10/2006

Monday, October 23, 2006

A praia vermelha

Era pequeno pedaço de escombros que habitava-me
Tardio, queria ser presença de um desajustado amor
Poderia ser indesejável morador se a tanto chegasse
Talvez um tento contra se de real importância fosse

Contudo, não era exatamente o caso que atingia-me
Nem a quem deu-me mão macia pela madrugada fria

Parecido mesmo, era com afecção que chama-se acne
Daquelas que não se espreme, apenas põe-se o creme
Deixa-se estar, secar até que o cravo e o pus morram
Sem marcas manchadas, sangue e nem rasgos de pele

Mais do que eu, éramos nós portadores de escombros
Em certo momento, notamos o que era desimportante

Fizemos dos pedaços espinhas, na vizinhança atlântica
Elas ficaram nuas, cruas, sem mais força de incomodar
Tornaram-se cacos pelos quais não apreço não havia
Incapazes do aprazível, atraente ou mesmo desejável

Viajando no coletivo urbano, seriam simples passageiros
Esperando o final do tempo, o fim da linha, breve adeus
Paralela era a lua oclusa entre nuvens parecendo lençóis
E nós, em silêncio, namorando horizonte negro brilhante

Removíamos certos cacos que nunca mais vão retornar
Espinhas que secaram e perderam-se, morreram tão sós
Ao passo em que nós, reticentes, confortáveis na baía
Formávamos juntos o barco de cruzar oceanos bravios

Do choro, restou apenas o prenúncio de nova alegria
Lagrimalegria do poeta Caetano, mais que pertinente
Corações perfeitos do poeta Renato, ali exatamente
O calor da mão macia que aludia ao melhor do amor


Paulo Roberto Andel, 23/10/2006

Tuesday, October 17, 2006

Strani

Certo dia, veio um amigo e falou-me do estranhamento que lhe causo, ora por ser fan do falecido cantor paquistanês Nusrat Fateh Ali Khan, ora por gostar de ir ao Maracanã a jogos de pouco público...onde não necessariamente comemoro os gols de meu time. Estranho. Riu, brincou, mas desvelou algum desconforto com a situação, o que me fez refletir a respeito.
Não foi a primeira vez que isso ocorreu. Amigos, alguns, já mencionaram algo semelhante antes. Uma ou outra namorada, menos afeita às artes e prosas, talvez. Contudo, foi suficiente para que, às vésperas de um sono que não se avizinhava conforme o devido, eu encarasse o teto de branco cinza e poeira lunar. Estranho?
Pode ser.
Nasci no dia do aniversário de minha mãe. Talvez não conte como um legítimo estranhamento, dado que um planejamento poderia viabilizar tal fato (o que, no caso, certamente não ocorreu). Quinze para as quatro da manhã. Coreto mais que alterado.
Assim, para efeitos documentários, meu primeiro estranhamento oficial foi quando aprendi a ler e escrever praticamente sozinho. Meu pai comprava hectares de revistas em quadrinhos, Pato Donald, Mickey, eu lia todas e, em alguma ocasião, tinha à mão lápis e papel. Pronto. De certa forma, como eu mal tinha três anos, ficava difícil discutir tramas de Walt Disney com meus contemporâneos de brincadeira na praça. Tornei-me quase um ermitão neste assunto, letras. Melhor jogar bola com os amigos. Escrever, sempre sozinho.
Um grande momento da minha estranha vida ocorreu em 1974, na Praia Vermelha, aos pés do Atlântico Sul. Houve uma excursão do colégio para a Urca - sim, para uma criança, qualquer deslocamento por mais de dez quadras pode ser considerado uma viagem. Lá chegando, eu lembro bem da professora Diva, nos enfileirando. Não lembro se a estátua de Chopin já existia na calçada. Vi vários sujeitos que depois identifiquei como soldados - para mim, eram iguais aos soldadinhos de acrílico que eu tinha de brinquedo e utilizava para tudo, menos guerras. Outros sujeitos, senhores, com outras roupas bonitas, nos esperavam. Perguntei algo como "Tia Diva, porque a praia se chama Vermelha?" e recebi como resposta uma dúzia de olhos arregalados em minha direção, seguidos de um silêncio sepulcral e o riso amarelo da mestra, que jamais me respondeu ao questionamento. Talvez tenham desconfiado de que eu fosse o mais jovem comunista brasileiro e estava na fila em missão de atentado à ordem nacional. Difícil entender porque incharam as vistas; era 1974, tempo difícil de entender qualquer coisa. Tempos depois, a mesma Tia Diva enviou um relatório ao serviço de orientação educacional; chamaram minha mãe ao colégio. Constava que eu era excessivamente tímido, retraído e com possível dificuldade em matemática - só desconfiei dessa história depois que me acostumei a falar para 500 pessoas em auditório, como presidente de centro acadêmico, e também ter colado grau em estatística mais meio bacharelado em matemática, tudo com letra minúscula. Realmente, julgar o outro é sempre complicado, mesmo que o julgador tenha seus trinta anos e o julgado, uns cinco.
Sosseguei até uns oito anos de idade, quando comecei a ler números do "Pasquim". Adorava palavrões de Ivan Lessa. Meus amigos achavam estranho, claro, que eu contasse piadas sobre o General Figueiredo, recente dito presidente da dita república. Tudo minúsculo.
Os tempos foram passando, eu sempre gostando de aprender coisas diferentes, sem especializações, ouvir falar de um pouquinho de tudo. Veio a moda do shopping, eu ia para o Arpoador. Espalharam-se fliperamas pela cidade, meu negócio era botão, futebol de praia e pingue-pongue. Leo Jaime tocava no rádio; reuníamo-nos na casa de Buja para ouvir Kiss, Genesis, um tal de Guns n' Roses, jogar botão e mau-mau. Todos viajavam para suas casas de campo, entre rocks rurais, e eu enfiado em barracas de lona, mosquiteiro, nos matagais mais próximos ou longínquos, conforme as conveniências.
Escolhi minha carreira em plena fila do vestibular, claro. Não tinha a menor idéia do que era aquilo. Alguém inventa que você, com seus dezesseis, dezessete anos, tem que escolhar algo com que pretende conviver por trinta e cinco - isso, se tudo correr bem com o FGTS. Tasquei a danada da estatística. Quase ninguém sabia do que se tratava, e acho que não sabem até hoje. Por causa da faculdade, acabei conseguindo meu primeiro estágio profissional no garboso hospital psiquiátrico da Venceslau Brás, Doutor Philippe Pinel, o Pinel. Estreei em 1990, junto com Collor na presidência. Eu sei, isso realmente parece muito estranho. Nos intervalos, para testar a veracidade da informação de que a média de pontos de um dado atirado infinitamente é de três e meio, resolvi atirá-lo. Quinhentas vezes. Era aquilo mesmo, teimosia de garoto.
Quando me formei, deu-me um peso danado de consciência. Eu ia embora, meus amigos iam ficam na faculdade. Fiz prova para dois mestrados, passei em um, não tinha bolsa; ri muito. Resolvi ficar mais um ano e meio prorrogando o melhor da vida acadêmica, faculdade matemática, apenas para manter o vínculo diário. Estranheza. Um dia, desisti. Ano depois, ingressei na faculdade de sociologia da federal, tudo minúsculo, e quase que meus amigos me mataram: Estatística e Sociologa, agora maiúsculas, quase saem no tapa todos os dias - migrar de uma para outro significa deixar a Young Flu pela Jovem Fla, trocar Meca pelo Maracanã da fé, ou ainda deixar de ser Fagundes para materializar Léo Áquila, se é que me entendem. Mais grave ainda trocar a velha camisa da UERJ para beijar o brasão na camisa da UFRJ. Durou pouco, mas fiz com fé, sem fé.
Estranho?
Não menos do que gostar de ter ido aos jogos do Fluminense na terceira divisão do campeonato. O Brasil vivia a sede da destruição tricolor e eu, lá, feliz com meu cachorro-quente, torcendo e vibrando com Joel Cavalo e outros não eleitos. Disse antes, melhor com estádio vazio.
Dispensei dois empregos em São Paulo só para não dar intimidade à cidade e ter que viajar de avião, um de meus poucos pavores. Gosto de ir lá por um, dois dias, nada além. Ensinou-me o velho Braga, relatando a história do hóspede e do peixe: ambos, depois de três dias, fedem.
Gosto de Bob Dylan, desde que eu tinha oito anos de idade, não perguntem a razão, eu não tinha sossegado. Houve um tempo em que todo mundo gostava. Hoje, não mais. Chamam-no de fanho e desafinado, eu desconfio que não entendem as letras.
Certa vez, apaixonei-me efemeramente por uma mulher casada. Minha turma toda de bar disse algo bem chalhorda "Deixe de besteiras e dilacere essa mulher!". Eu só pensava em carinho, sexo e amor. Quando contava a alguém, risada era reação. Estranho. E a outra, depois, que não valia um clipe enferrujado? É, acontece, perdemos tempo com coisas e gentes desnecessárias - e isso nem sempre é estranho, sabe-se. Ama-se à toa, apenas para redesenhar o novo amor.
Com as melhores companhias possíveis, senti-me muito sozinho; por vezes, foi muito bom. Mesmo.
Deixei de ir a algumas grandes festas e folguedos, tudo para ficar em casa lendo Graham Greene ou vendo o programa do Abujamra com trilha sonora de Tom Zé. Nenhum arrependimento.
Entre muita coisa séria e convencional, a estranheza morou e mora ali defronte. Parece vizinha, namorada, colega de classe que senta ao lado. Fazer o contrário, o não usual, o inesperado, pois. A tevê diferente, a música diferente, o sanduíche diferente, a prosa diferente, tudo me interessa.
Falando nisso, outro dia conheci uma garota do barulho, feito a velha canção do ministro. Podia dizer de seus bom-gosto, de sua conversa empolgante que dura horas e horas feito amor incessante, de seu notável saber das artes e letras. De seus ótimos piercings. Morena daquelas que inevitalvemente os incautos fitam, mesmo que acompanhada. Um doce. Uma graça, gatona. Veio um rompante, falávamos de ciência, soube que era formada em Estatística!
É ou não é algo para lá da ponta-esquerda de estranho?
Paulo Roberto Andel, 18/10/2006

Para a pequena carioca do Leme

A carioca
Acaricia os olhares
Dos que apreciam
Certa elegante passada
Para fincar terreno
Nas areias copacabanas
Sestrosa
Faceira
Ela estica a toalha e deita
Fabulosa, deslumbrante
Para o banho de sol
Num outubro qualquer
A carioca passa ao largo
De todas mazelas e vícios
Vive em si todas virtudes
Brilha impávida, lívida
Pela tarde clara de mel
Por vezes, é paulistana
Noutras, catarinense
Fluminense, mais que voraz
Reticente, nem tanto veloz

É água do mar que beija-lhe, saborosa

Nua

Crescente

Vez em sempre traz vida
Discreta, mais bonita
Bonita de beleza que desengana

Infinito, perene deleite


Paulo Roberto Andel - 17/10/2006

Friday, October 13, 2006

Um

Quando estou cantando
Dispenso aplausos e bravos
Importam-me somente teus ouvidos
Teu coração e sabor
Toda cor é brilhante
Quando embrulha teu charme, rouge
Até o cinza se agiganta

Ver-te na foto é poema
Teu sorriso, alvo certo
Ipanema
Meu corpo voa cidade
Escreve sambas, trovas
Roça, morde, move-se
Desimporta-se
Não és minha metade
Inteira ainda te quero

Morres a cada dia
Perdida nas flores
De minha delícia, prazer
Luxúria e candura
Assim mesmo
Tudo misturado
Avesso reverso
Submersa paixão

Todo meu sonho mora em ti
Todo meu gozo, dedico-te

Dia todo dia

Amore mio
De tantas épocas
Santa profana
Da minha rasa fé

Há de haver outro canto
E novo bravo aplauso
Quando eles nascerem
Seremos vida na selva
Relva a rolar, perdidos na selva
Entre tremor e torpor
Restará apenas
Nosso estranho amor

Bravo

Bravo

Bravo aplauso
Desejo ocluso
Mais que familiar
Multidões e Brasis
Por um triz, teu nome rima
Cativa-me, torna-me rocha
Enquanto o céu não vem
Moras em cada rosto
Que me acaricia
Podem ser muitos
São poucos perto de um
Perto do fogo que me toma
E basta


Paulo Roberto Andel, 13/10/2006

Corpo

Um corpo doura-se
Na beira da piscina
Encanta muitos olhares
Na ginástica de academia
Sente, corre e pulsa
Na pista da Lagoa
Descansa nu na cama
King Size sem milímetros
Desfalecido após a noite
De verão
De rock and roll music
Um corpo canta
Baila, pula
Sobressai na multidão
Experimenta
Confortável lingerie
Delicia-se ao vestir
Num rompante
Encerra fileiras
Termina o ciclo
Inesperado
Deita e morre
Completa vazio
Na televisão

Paulo Roberto Andel, 13/10/2006

Lágrimas

Elas descem
Caudalosas, fortes
Correm no rosto
E dissipam-se
Nascem, morrem
Muitas vezes
Em todos os dias
De muito tempo atrás
Ninguém as vê
Não vejo ningém
A televisão traz
Notícias populares
O telefone, mudo
As pessoas trancadas
Nos seus quartos
Sem ao menos esperar
A sala de jantar
Ai de mim
As lágrimas são assim


Paulo Roberto Andel, 13/10/2006

Wednesday, October 11, 2006

Aurora da solidão

Solidão é sedento vazio
Opaco d'alma não dedicada

Todos temos uns dias
De famigerado calor
Queremos matar sede
Trucidá-la com rigor
No entanto, com espanto,
Sem água brava devida

Mesmo que a melhor conversa
Esteja ao lado

Ainda que a mulher mais bonita
Avizinhe-se

Há um momento de súbito oco
Mergulho profundamente raso

Fica-se vadio e livre, pipa solta
Sozinha não, solitária é o certo
Lá fora, um Maracanã a berrar
Nada atrai um solitário coração

Nada escuta-se
Ele, o coração, basta-se



Paulo Roberto Andel, 11/10/2006

Piada do copo

Fui copo d'água
Clementino
Esqueceram-me
Namorando filtro
De tanto encherem-me, transbordei
Caí, quase me fraturei
Um vizinho, molhei

Sede, não matei

Fugi aos meus propósitos
Meus objetivos sinceros
Não sei dizer ao certo
O que me tirou caminho

Certeza plena, só uma:
Tempestade em mim não havia
Chuva, apenas



Paulo Roberto Andel, 11/10/2006

Tuesday, October 10, 2006

De nada

O nada paira
Sobre as cabeças
Paradas
Impregnadas
De nada
Cabezas cortadas
Incendiadas
Por um fogo de palha
Maltrapilha
Empilhada
No canto da sala
Defronte vêem
Paulatinamente
Panaméricas
Cabeças frustradas
Interrompidas
Incapacitadas
De sentir ou pulsar
O quase nada
Que não diz nada
Tão obrigado
De nada
Adeus, Guanabara
De nada
O seu inferno
Para nada
Busquei tabuada
Noves fora
Nada


Paulo Roberto Andel, 10/10/2006

Princesinha

Certa vez, eu cruzei a noite de Copabana aos pés
Meu amor distante dava-me suas delicadas mãos
As luzes dos letreiros levavam-nos até Nova York
Misturadas ao barulho dos carros, muitos apinhados
Havia gente aos cântaros, formigueiros nas calçadas
Era véspera de mais um grande feriado adiantado
Eu pensei no caos, no wild side feito por Lou Reed
Onde tudo era quase permitido por ser Copacabana
De repente, pouco importou o pandemônio urbano
O ir e vir dos inúmeros populares bem apressados
E nem mesmo uma fina ameaça de chuva ao léu
Mundo era grande, gigante, resumiu-se completo
Nas palmas suaves das mãos do meu longe amor
Continham todo o calor que eu sempre desejei
Afáveis, adoráveis, firmeza e doçura fascinantes
Quatro mãos, minha dona, linda lua, nua minha
Toda e solamente minha, absoluta compleição
Feito a Copacabana, princesinha que me habita
Ainda que à distância, permanente louco amor


Paulo Roberto Andel, 10/10/2006

Para os pequenos caixeiros viajantes

Os garotos sonham acordados
Trazem suas caixas de madeira
Escovas, flanelas
Latas de graxa
Cruzam as grandes capitas
Com seus pés de chinelos
Curvam-se aos senhores
Feudais
E ganham sobrevida sofrida
Arregalam
Os olhos esperançosos
Sem devidos óculos
Perante a cena da televisão
Na loja de departamentos
Da Rua Uruguaiana
Eles não frequentam shoppings
Também não ouvem Jamie Cullum
Ganham camisetas de candidatos
Suplicam passagem ao trocador
Tudo pelas suas convicções
Tudo para não namorar crime
E a ele morrerem abraçados no fim
Tudo pelas mães, vivas, mortas
Os garotos lutam sem armas
No meio da guerra, sem trincheira
Perto do fogo, plena selva
Fome, frio, miséria a granel
O que pedem é tão pequeno
Querem ser humanos, brasileiros



Paulo Roberto Andel, 09/10/2006

Sunday, October 08, 2006

Resumo

As coisas resumem-se no jeito que as fazemos, como lidamos

É o jeito que determina resultado para tomar de assalto o céu

Também ele, o jeito, conduz aos dissabores infames do inferno

Há uma terceira via, tétrica, para o limbo chamado indiferença

Dessa, não há Deus ou Diabo capazes de salvar um engano

É vazio vago, abismo sem fundo nem resgate, sequer perdão



Paulo Roberto Andel, 08/10/2006

Voando baixo

Alguém me perguntou sobre nunca ter voado na vida
Talvez o medo de enfrentar a majestade do velho céu
Minha resposta, simples, irrisória feito saldo negativo
Falou de meu vôo regularmente feito com a vista livre
Imaginação farta a percorrer todo lugar da terra firme
Flanante pelo infinito quase inatingível, mas desejado
Aconteceu que sempre, sempre fui criatura do litoral
Meus pés são acostumados ao gelado mar salgado
O céu não tem fronteiras, só belas estrelas a reluzir
Gosto de segurança, limites, avaliar possibilidades
Admiro os pássaros humanos, de ferro, ao longe
Fito horizonte, defronte, tão belo e tão dadivoso
E cogito voar o mundo, sim, muitas vezes breves
Mas os pés, meus pés, que roçam pelo Atlântico
Estão bem firmes, junto ao solo, mesmo arenoso
Para chegar à Lua ou ainda aos anéis de Saturno
Imaginário meu, livre, basta, sobra e calha, calmo


Paulo Roberto Andel, 08/10/2006

Tempos modernos

Tiveram-me sempre feito homem de confiança
Era justo e verdadeiro, correção era meu lema

Um dia, traíram a mim e minha pátria, sem dó
Uma, duas, treze, zil vezes do poeta Caetano

Mudar é importante, saber mudar, modificar
Tolo que nunca fui, aprendi sem esquecer fé

Mandaram-me cuidar do relicário, intacto
Espatifei o cenário, dinamitei todo cristal

Baguncei o coreto, desfiz as malas prontas
Roupas no canto de chão, anel pelo ralo

Um dia, fiel guardião eu fui, moço de bem

Hoje, quero mais é ver o fogo pegar circo!


Paulo Roberto Andel, 08/10/2006

Namoro de infância

Isabela
Parou na porta de sua casa
Na rua de Santa Clara
Viu-me, sorriu
Veio-me, beijou

O doce namorou meu rosto
Fez da pele seu bel viver

Pus lancheira no chão
Enquanto ônibus não vinha

Era primavera
De muitas estações atrás

Hoje, reparo a calçada

A velha porta descansa
Adormece
Firme de madeira forte

Meu sonho acorda

E agora?

Isabela, onde mora?


Paulo Roberto Andel, 08/10/2006

Saturday, October 07, 2006

Réquiem do grande amor

Deparei-me com teu rosto
Eras diferente, ainda linda
Eras próxima, de corpo
Não vi mais meu amor
Não te vi mais em mim
Pensei chorar

Calei-me

Eras tão viva em meu altar
E fugistes por nada
Aniquiladora brilhante
Confusa, perdida

Rias

Querias mostrar felicidade
Ao passo que teus olhos
Forçavam descanso
Sem paz, no entanto

Ninguém me disse
Comentou
Eu mesmo avistei
Meu amor ficou
Noutra face
Noutra casa

Namorada


Paulo Roberto Andel, 07/10/2006

Museu de grandes novidades

Tudo
Muito
Outro

Novo mundo

Outro
Muito
Novo

Todo mundo

Outro
Novo
Modo

Novo tudo

Outro tudo
Todo novo
Qualquer modo
Coisa mesma


Paulo Roberto Andel, 07/10/2006

Monday, October 02, 2006

Para os 150 desaparecidos

Eles vinham de longe, do monte
E traziam seus pertences
Sonhos e lembranças
Tudo era muito perto do céu
Azul de cobalto ao lado
Verde bandeira esperança ao chão
Terra à vista seria bela, nova
Não fosse algoz de vida
Em plena tarde, estrela cadente
Dor, perda, devastação, morte

Sorte?

Eles vinham do longe
Desceram do céu
Foram ao inferno
Para àquele, céu
Retornarem

Existe paz?



Paulo Roberto Andel, 02/10/2006