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Sunday, July 24, 2022

Janjão

Há muitos anos, mais de vinte, eu saía do trabalho a pé para casa e Seu Janjão me cumprimentava com um oi, um aceno de mão ou algo simples. Ele morava com a família num sobrado a metros do meu prédio, e lá ficava com sua cadeira na porta. Praticamente de segunda a sexta, todas as semanas, todos os meses em fins dos anos 1990. Nunca falamos nada além dos cumprimentos, mas eu achava legal que um vizinho me reconhecesse e se preocupasse em dar um oi. Parecia coisa boa das cidades do interior. Ele me lembrava o Seu Madruga, ahaha.

Era uma época difícil: meu pai parou de andar, o mundo desabou mais uma vez e lá estava eu sob os escombros. Amigos deram as costas, a injustiça era a sina. Ia e voltava do trabalho para casa. Tudo era racionado para que pudéssemos sobreviver (nada diferente de agora, exceto por não ter mais família). A internet estava começando e ainda viria muito ódio pelo caminho. 

Muitas e muitas vezes eu vinha pelo caminho amargurado, triste, mas perto da portaria o Seu Janjão acenava e eu me sentia melhor. Eram dias em que as pessoas basicamente só falavam comigo por motivo de trabalho. Pelo menos eu tinha a MTV para me distrair. Dureza. 

Em algum feriado em casa ou folga repentina, alguém bateu à porta numa tarde de sol. Não esperava ninguém, achei estranho, fui espiar. Era um garoto, pedindo colaborações para o velório do Seu Janjão, que morrera de manhã. Fiquei paralisado. Peguei a carteira, dei o que tinha, o rapaz agradeceu e foi batendo em outros apartamentos. Passei o resto da tarde pensando naquele senhor educado, que nunca soube meu nome mas fazia questão de me cumprimentar. Aquilo me entristeceu profundamente.  

Dias depois, voltei à rotina de trabalho. Vinha da Rua do Senado, pegava o último trecho da Mem de Sá e logo o começo da Rua de Santana. Perto de casa, nenhum aceno ou oi. Não havia um cumprimento. Perdi para sempre o amigo que se preocupava comigo, mesmo que sequer tenhamos sido amigos de ofício, claro. O que importava era a generosidade, o apreço, o velho sentimento de fraternidade. 

@p.r.andel