Ia fazer um lanche, passei mal estes dias. Fui à cozinha, peguei o prato e nele havia uma gotinha d'água. E uma formiguinha, tão pequenininha, tão minúscula que era quase imperceptível mas eu a vi. Nos encontramos por um segundo: a água escorreu e levou a coitadinha. Deve ter caído na pia ou no mármore. É difícil entender as coisas, mas existe algum sentido na existência de uma criatura tão frágil e indefesa, que some numa gota. Sem pai nem mãe, sem família, sem amor, nada. Oi e tchau. Bom, a gente também é meio formiguinha se olhar para cima e espiar um grande prédio corporativo. Ou se olhar na mais fascinante solidão, que é a multidão no Maracanã. De um andar alto nos arredores da Central do Brasil, é fácil ver multidões de formiguinhas humanas às cinco da tarde, loucas para fugir da depressão do emprego precarizado e voltar para casa, tomar um banho, conseguir comer alguma coisa. As filas dos ônibus são formigueiros, a barca rumo a Niterói também. E nas calçadas do Rio há formiguinhas ainda mais humilhadas, desprezadas por serem muito pobres. É difícil ser formiga. Aí me lembro de um outro dia, quando esqueci uma caixa com um pedacinho de pizza na mesma pia. Ao abrir... uma turma de formiguinhas, umas cinquenta, passeando sobre o lanche farto. Elas comeram bem antes de morrer: a pizza era gostosa, levei a caixa para a lixeira. Aquelas vidinhas minúsculas mas com um senso coletivo de humilhar os humanos, tão cheios de arrogância sem perceber que, dois dias depois da morte, não passam de carne podre e fedida. Apesar de ser considerada uma pessoa grande por causa da minha altura e peso, eu sempre me considerei muito pequeno. É melhor assim. Muito melhor. Fugir das grandezas me coloca em sintonia com a realidade. Bem diferente das gotinhas em pratos que afogam formiguinhas, os cemitérios estão cheios de mausoléus, mármore, sobrenomes, pompa e muita, mas muita empáfia dentro das tumbas.
@p.r.andel
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