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Saturday, December 31, 2022

Livros "A essência do FDP" 1 e 2

Em 2018, publiquei dois livros inspirados na obra original do intelectual português Alberto Pimenta, "Discurso sobre o filho da puta". 

Pimenta, com magistral prosa e poesia, descreve bem este personagem contemporâneo que encontramos em todos os caminhos. 

Meu caminho foi o das crônicas de botequim. Mal sabia eu o quanto os livros teriam de profético para os anos seguintes no Brasil. 

Hoje, no último dia do pior governo da história do país, comemoro com o relançamento de ambos. 


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Wednesday, December 28, 2022

ainda lembro e me lembro

eu lembro. lembro de quase tudo. minha memória é delícia e inferno. eu me lembro quando fiz sinal para um táxi no colo de minha mãe, assim como me lembro de ser carregado em minha festa de aniversário em 1970, aos dois anos de idade. eu lembro do panduíche na revista e do sujismundo na tv. eu me lembro quando meu pai me disse "félix" e "fluminense" pela primeira vez em 1973, antes dos cinco anos de idade. lembro de ver minha mãe chorando quando chegamos a vaz lobo para morarmos um ano, em 1976 - eu já tinha oito anos. também me lembro de comprar coxinhas sequinhas e deliciosas numa lanchonete no largo de vaz lobo, enquanto tocava belchior na lanchonete. volto a copacabana em 1975 e lembro quando a ditadura me expulsou da escola, ou quando minha mãe chorou muito ao falar com uma jovem mãe em situação de rua na frente do metro copacabana. eu me lembro de ana paula, linda, passar pela figueiredo magalhães, mas aí já tinha 14 anos e isso tem apenas 40 anos. eu me lembro de todas as vezes que precisei chegar em casa para dormir, ou às vezes nem ir, para não ter choques com meu pai doente por alcoolismo. eu me lembro de quantas vezes vi o atlântico sul e pensei no mistério, no medo e na morte, sonhando em ser alguém digno e poder dormir todas as noites em paz - o que jamais aconteceu. eu lembro de meus amigos à mesa jogando cartas enquanto alguns ficavam muito loucos de pó e algumas garotas se esfregavam em nossos colos, aí já tinha 18. recuo e relembro quando ia com meu pai de copacabana até são joão de meriti, então pegávamos um belo ônibus que passava pela dutra e eu me sentia feliz por ser um ajudante de loja aos sete anos de idade. lembro de minha mãe comprar uma caixa de madeira de um velhinho na viveiros de castro, ele era bem velhinho e essa caixa até hoje serve para guardar meus botões. eu me lembro de todas as vezes que sofri bullying na escola, todas as humilhações ridículas e todos os rostos dos algozes - a maioria se tornou a mediocridade esperada. eu me lembro de uma garota que beijei sem saber o nome, no meio do ajuri de cotia com dez mil escoteiros em 1985. lembro de quase todas as admirações e paixões que tive, vividas ou não, não sei se sou lembrado. lembro das últimas palavras que não troquei com xuru e fred, cujas ausências são dolorosas ao extremo para mim, isso com 13 ou 17 anos atrás. e lembro do dia em que fiquei amigo do xuru em 1984, assim como lembro da primeira vez em que fui à casa do fred em 1977. eu me lembro de ter visto os paralamas no parque lage, quando ninguém os conhecia. eu me lembro do bar bole bole e de billy blanco cruzando diariamente o shopping dos antiquários. lembro de antológicas noites no campo em arcozelo, vale do sol, imbuí, serra dos órgãos e vassouras - japuíba-patis-gaviões, 1987. eu me lembro de ter jogado botão com augusto, luis e Marcelinho debaixo da escada volante em 1978, e de ter assistido aulas de catecismo com floriano em 1979. eu me lembro de ter acariciado uma gata por baixo da mesa enquanto seu noivo tinha ido ao banheiro do bar, 1995. eu me lembro quando vi chocão pela primeira vez e ela era bem pequenininha. eu lembro de lula perseguido pela imprensa numa denúncia do pasquim de 78. e me lembro do homem cadeirante triste, usando uma sonda debaixo da marquise do shopping dos antiquários em 1993. bem mais longe, lembro de minha primeira entrada no shopping em 1975, vindo da Toneleiro e acessando pela siqueira campos. eu me lembro de dri, roberto e nilton jogando bola no bairro peixoto em 1981. lembro do lazlo e do janjão, que foram meus vizinhos em 1978, assim como o luiz fernando português, o marcelo e a maravilhosa zuleika. eu lembro de todas as injustiças e portas na cara que sofri, e me lembro também das pouquíssimas pessoas que me deram a mão sem oportunismo. eu me lembro quando chorei de alegria pela primeira vez, quando passei para a uerj - tem apenas 34 anos. minha memória tem coisas demais, é minha delícia e desastre ao mesmo tempo. ainda me lembro.

@pauloandel

Saturday, December 24, 2022

sociedade dos poetas mortos: frases do filme

“Carpe diem. Aproveitem o dia, meninos. Façam de suas vidas uma coisa extraordinária.”

"Quando você pensa que conhece alguma coisa, você tem que olhar de outra forma. Mesmo que pareça bobo ou errado, você deve tentar!”

"Na vida, há tempo para se arriscar e tempo para se ser cauteloso, e um homem sensato sabe qual é o momento certo para cada uma dessas coisas."

"Não importa o que dizem a você, palavras e ideias podem mudar o mundo.”

"Não lemos e escrevemos poesia porque é bonitinho. Lemos e escrevemos poesia porque somos membros da raça humana e a raça humana está repleta de paixão. Medicina, lei, negócios e engenharia são ocupações nobres para manter a vida. Mas poesia, beleza, romance e amor são razões para ficar vivo.”

"Garotos, vocês devem se esforçar para encontrar suas próprias vozes. Porque quanto mais vocês esperarem para começar, menos provável que vocês possam encontrá-la. Thoreau disse: ‘A maioria dos homens leva uma vida de desespero silencioso.’ Não se rebaixem a isso. Saiam!”

"Todos nós temos uma grande necessidade de aceitação, mas vocês devem confiar que suas crenças são únicas, suas próprias. Mesmo que as pessoas as achem estranhas ou impopulares, mesmo que todos forem embora”

"Só nos seus sonhos o homem é realmente livre, é assim e sempre vai ser. (Carpe Diem)”

"Vocês estão vendo estas fotos, meninos? Os jovens que estão nesses quadros planejam revolucionar o mundo e transformar suas vidas em algo magnífico. Isso foi há 70 anos. Agora estão todos mortos. Quantos tiveram uma vida realmente feliz? Quantos realizaram seus sonhos? Aproveitem o seu dia. Vivam o presente. Confiança é saber que somos limitados, que não podemos adivinhar o que está por vir, que jamais controlaremos todas as ‘possibilidades’ e que nossa única saída é viver intensamente a realidade, seja boa ou ruim.”

Friday, December 23, 2022

noites no campo 1984

agora tudo é questão de silêncio. todos os garotos e garotas estão dormindo, todas as crianças e eu, em plena maturidade dos dezesseis anos, faço a ronda sozinho enquanto o pessoal foi de carro até a cidade para bebericar. então olho para o céu limpo, cheio de estrelas e todas elas já estão mortas, mas a luz de cada uma só brilha agora. o céu, cheio de segredos e que um dia, pelo que muitos dizem, será minha casa. o céu, cheio de mistérios - no fundo, bem no fundo, não sabemos quase nada. 

todos dormem bem demais com o frescor da noite. não há um único ruído diferente além dos ronquinhos. tomamos um susto quando o coruja cortou o dedo limpando bambu, mas ele foi ao hospital, tomou os pontos e tudo está ok. nem as simpáticas vacas do terreno ao lado aparecem, devem estar num sono profundo. 

a cem quilômetros daqui, eu espero que minha família durma bem. será que o pessoal se encontrou na casa do fred? queria estar lá, mas é bom estar aqui também. gosto de contemplar a noite a céu aberto, olhar o horizonte mesmo que minha miopia não ajude. o horizonte, o infinito, o mistério do céu grafite que instiga e também oferece esperança sem que saibamos em quê. 

a fogueira baixa oferece algum calor. nenhum vento a alimenta. num súbito, mesmo sabendo que estou cercado de colegas dentro das barracas, eu me sinto em plena solidão. posso falar sozinho, chorar, até gritar que ninguém saberá. alguma coisa me diz que isso vai me  acontecer muitas e muitas vezes, mas não tenho tempo a perder: com dezesseis anos de idade, o mundo é todo meu. 

chácaras vale do sol. estrada itaboraí-friburgo. daqui a pouco as olimpíadas acontecem. o fluminense, senhor, é uma máquina. de repente, patrícia surge na madrugada, perdendo o no sono. pede para se sentar ao meu lado, pega a minha mão e parece encantada com a noite grafite enluarada. o rádio toca música bem baixa e assim ficamos por vários minutos, procurando entender o que há depois do infinito, até que surge o chevette branco com seus faróis de milha acesos, trazendo de volta os chefes, os veteranos um tanto alegres pelo vinho. então ela me dá um beijo, agredece a companhia, volta para sua barraca e volto à solidão do começo, a mesma que ainda vai me ameaçar muito. 

todos dormem bem. espero também conseguir. 

@pauloandel

Desencontro

Tudo passa rápido demais. Dia desses, por acaso, reencontrei meu querido amigo Leo depois de muitos e muitos anos, no Santos Dumont num domingo de manhã. Algo absolutamente improvável, mas acontecido porque fui encontrar meu outro amigo, Eric, no aeroporto. 

Leo jogou botão comigo no Estrelão. Curtimos o nascimento do grande Fluminense de 1980. Estudamos juntos por três anos no colégio e, anos mais tarde, na UERJ. 

Não sei ao certo o motivo, mas para mim Leo, Augusto, Luis e Jorge Pinto conhecem todas as pessoas do mundo, especialmente as que conheci lá longe e que a vida acabou afastando - talvez, no fundo, esta seja a sina de todos nós: navegarmos sozinhos, mesmo cercados de gente - a solidão é oxigênio, puro ou poluído. Então fiz algo raro: fui ao perfil do Leo para procurar o André. Nem sei se eram amigos, mas o Leo podia saber porque conhece todo mundo. Ah, sim, o André (Cabeça) não era meu amigo próximo, mas conhecido da rua, da praia, do Bairro Peixoto. Tive curiosidade em saber. Aqueles ícones particulares de Copacabana que só nós, eternos moradores e exilados, sabemos que existem. 

Foi justamente quando me deparei com o perfil de outro André, o irmão mais da Daniela, que estudou comigo e com Leo da quarta à sexta série, e que me lembro que era um amor de garota, educada, doce, daquela cheia de grandes notas. Eu nunca mais a vi e mantive essa imagem em minha memória de menino. Queria ter passado mais tempo com eles, mas perdi a bolsa de estudos na escola e tive que sair - até hoje não me conformo e, sinceramente, desconfio de que tenha sido uma nota plantada com o único intuito de retirar a bolsa (e que pode ter me estimulado a me formar em Estatística e estudar mais dois anos de Matemática...). Enfim, a Daniela era um doce e eu nunca mais a vi, mas eu lembrava do André, seu irmão, que  sempre me cumprimentava simpaticamente na rua, até que fui demitido de Copacabana em 1993 e até hoje acuso o nocaute. 

Olhei o perfil e tomei um susto: André, que era mais novo do que eu, faleceu há três anos. Desci o cursor e vi as palavras generosas de sua esposa e amigos, confirmando tudo que ele era em nossos tempos de criança. Muitos elogios pessoais e profissionais. Fiquei pensando naquela efêmera ligação do passado, em como foi sua bela trajetória por aqui e, diante da tristeza por sua passagem precoce, ao menos pude me solidarizar em pensamento com os que o queriam tão bem. 

Às vezes tenho medo dessa busca que realizei quase involuntariamente. Quando você fica muito tempo sem ver alguém, pode ter decepções terríveis. Lembro outro dia de uma conversa com meu amigo e ídolo Carlos Lopes, quando falamos de pessoas próximas a nós que enveredaram pelo crime. Mas no caso do André a decepção foi mesmo por sua juventude abatida em pleno voo. Ainda me lembro dele na Toneleiro dando oi e rindo, dando tchau e rindo. 

Eu, que estou fora de órbita no planeta Terra às vésperas do Natal, espero que o André esteja bem em algum lugar que não sei dizer. Ele, Fred, Luiz Magno, Valério, a irmã do Jorge, o irmão do Conde, acho que o Ciley também, todos vizinhos de duas quadras, muitos que se conheceram ou não, todos tijolinhos das lembranças da minha infância, juventude, vida e, quem sabe?, fé. 

Ao mesmo tempo, me lembro de Simonard ontem lá no Sebo X, quando conversávamos com o Marcelo Lessa: "É assim. Todo mundo morre. Passa". Tudo é efêmero demais, porém creio que, como em alguns dos casos acima, o inevitável tenha vindo muito antes da hora justa e razoável. Ok, a velha sentença afirma: a vida não é justa. Mas precisa ser tão injusta? 

@pauloandel

Tuesday, December 20, 2022

um idiota de terno

NAQUELE tempo era batata: verão, terminava o expediente e regularmente tomávamos um chope, eu e alguns colegas dos tempos de faculdade. Rodamos por muitos bares do Centro, mas fixamos presença por longo tempo na Choperia do Papai, hoje morta. Faz tempo, vinte anos. 

Morando ao lado do trabalho, invariavelmente eu ia em casa brevemente para tomar banho e trocar de roupa. Bermuda e chinelos. Não é excesso de informalidade, mas costume. Vivi meus primeiros 25 anos a quatro quadras do Atlântico Sul, donde sou uma inevitável criatura litorânea. 

Fato é que bebemos um bom chope, comemos pizza e rimos. O segundo andar da Choperia era sempre nosso com exclusividade, salvo um ou outro casal danadinho. Enfim, terminou cedo, fechamos a conta e nos mandamos. Recolhi a grana da mesa e fiz câmbio, pagando a conta com meu cartão - um gesto que me seria muito útil naquela noite. Então caminhei sozinho da São José até o monumental prédio da Caixa Econômica, pois ali tinha o ponto do ônibus C-10, que me deixava na porta de casa. 

Lá chegando, encontrei um conhecido dos tempos de faculdade. Era um calouro dos anos 1990. Acho, só acho, que fui eu quem lhe deu um apelido que o acompanhou por muito tempo. Enfim, como não o via há pelo menos seis ou sete anos, fiquei feliz pelo encontro mas somente por uns dez segundos. Explico. 

Minha empolgação não teve recíproca. Minha efusividade foi retrucada com um olhar de cima a baixo, depois fixado em meu par de chinelos, que exalava preconceito mas quase tinha um quê de homossexualidade reprimida. Em segundos, tentei entender se aquilo se tratava de um gesto preconceituoso, e é claro que era: vestido com um terno desses que você vê muito em cultos evangélicos, o cara provavelmente supôs que, em pleno Centro do Rio, um homem de chinelos e bermuda é necessariamente alguém fora do estrato social de escritórios corporativos, por exemplo. 

Ainda tentei puxar um papo depois da quase manjada que sofri. Então o sujeito me perguntou se eu trabalhava (devia estar obcecado pelo fato de eu estar de bermudas)... Sem muitas explicações, disse que sim. Falei que regularmente tomávamos chopes na região e que ele estava convidado a nos acompanhar quando pudesse/quisesse. A resposta foi quase inacreditável. 

"Infelizmente não será possível. Neste momento tenho muito trabalho, é um momento de enorme sucesso profissional, muito próspero e, além do mais, estou casado. Então, quando saio é com minha esposa. Não frequento bares."

[Acho que eu nunca tinha pensado em sucesso profissional na minha vida, só queria sustentar bem minha família. Eu tinha trinta e poucos anos, era solteiro, ficava com uma garota casada e outra, solteira. 

[A grosseria e a arrogância que tentam vestir boa roupa em vão. 

A resposta me fez pensar: não estava mais ali um colega de faculdade, mas sim um bab@ca a ser descartado, com todo o seu preconceito oco. Então, para não ficar ao lado de um sujeito que fazia questão de ser desagradável, rapidamente desejei-lhe tudo de bom e, como o meu ônibus demorava, falei que pegaria um táxi. Ofereci carona, veio a resposta extraterrestre.

"Ah, sim, mas... você irá de táxi?"

[Em sua visão tosca, considerava inaceitável um sujeito de bermudas, um provável camelô ou desempregado, pegar um táxi. Senhor...

"Sim. Você quer carona para algum lugar?"

"Não, não, eu vou para mais longe."

[Leia-se "Na verdade banquei aqui o rico mas não tenho dinheiro nem para rachar uma corrida curta, digo que o táxi não me serve". 

"Bom, poderia deixar você mais perto do caminho. Que pena. Boa sorte, muito sucesso matrimonial e matrimonial para você. Até um dia".

Já perto dos Arcos da Lapa, eu só pensava em como uma pessoa que parecia tão legal nos tempos de faculdade se tornara alguém tão estúpido, ou se já era daquele jeito e eu, ingenuamente, não havia percebido. 

Quando o táxi chegou à Mem de Sá, eu só sentia alívio por ter deixado para trás um idiota de terno. Mas a relação com bab@cas estava longe de terminar: até pessoas que eu considerava amigas chegariam a me discriminar porque tinham "dinheiro" e um "bom emprego". Mas como eu não sou um idiota de terno, lentamente deixei todas elas para trás.

Esse, do ponto de ônibus, felizmente nunca mais vi. Que sorte!

Continuo pobre, estou desesperado mas meu par de bermudas e chinelos me deixa feliz. Ultimamente tenho escrito livros. 


@pauloandel

Tuesday, December 13, 2022

Alvorada de futebol

Acordei com a TV ainda ligada na reprise de Argentina x Holanda - os hermanos já estão na final da Coupe du Monde. Espiei, levantei e bebi um copo d'água, não foi o suficiente, abri uma latinha de Fanta Guaraná e um pacotinho de amendoim. Quatro horas da manhã, eu achava o cúmulo alguém acordar à essa hora mas não sou um idiota: milhões de pessoas estão em pé neste momento rumo a ônibus e trens em busca da sobrevivência por meio do trabalho. É desumano. 

Li o post da Claudia Sobral e me solidarizei. Cadê nosso sono? Eu sou uma bomba de problemas insone, prestes a explodir e tudo que não quero são discursos hipócritas em meu enterro um dia, que espero estar longe daqui. Sempre odiei a hipocrisia. O que tiver de fazer, faça logo. O resto é hipocrisia e canastrice, é discurso para boi dormir - e eu sou um boi insone. 

Do nada, lembrei de Karl-Heinz Rummenigge. Um grande craque do meu tempo. Ele jogou demais. Nunca vi ninguém chamá-lo de fracassado ou covarde ou limitado porque não foi campeão mundial - seria ridículo. Onde está Rummenigge? Bom, agora Messi está redivivo - era um fracassado para muitos, com todo o ridículo desta sentença, mas a chance de fechar a carreira com a Copa do Mundo o reabilitou a ponto de muitos brasileiros louvarem-no, esquecendo-se das besteiras que diziam até um mês atrás porque essa é a vocação de parte considerável do nosso povo: dizer besteiras sem pensar. Se pensassem, teriam vergonha do que dizem. Assim, Messi voltou a ser o que era para muitos de nós, um cracaço dos maiores, o que não quer dizer que tenha superado Maradona e vários nomes brasileiros. É um grande craque e ponto. 

Falo de futebol na madrugada para me entorpecer e aliviar. Sem futebol, talvez eu nem tivesse chegado até aqui. Certamente escrevo sobre muitas coisas, mas futebol é praticamente meu oxigênio. Ele alivia a dor da minha família morta, da perda de amigos, das traições dos falsos ex-amigos, da ingratidão medíocre e mesquinha, das contas que enforcam, da tristeza de ver tanta gente sofrendo o tempo todo. Sem futebol, meu suicídio seria fato consumado. É minha igreja, mas não sou fanático: apenas amo. 

Deixo Rummenigge e lembro dos meus botões em 1979. Faz muito tempo. Eu ganhei um Fluminense e um Flamengo da minha mãe, comprados nas Lojas Americanas de Copacabana, bem ao lado do consultório do nosso dentista, o Dr. Amílcar no Edifício Ritz. Dois times novinhos, você colava as carinhas dos jogadores nos botões. Edinho, Pintinho, Zezé, Miranda. Já são 43 anos e penso nisso como se fosse semana passada. 

Provavelmente perdi mais uma batalha para a insônia. O jeito é ligar no Hora 1, ver as mesmas notícias de ontem à noite, encarar a realidade dos fascistas impunes no terrorismo impune em Brasília. Mais um dia de muita preocupação pela frente. Mesmo assim sou um privilegiado, por incrível que pareça com as dívidas colocando meu pescoço na guilhotina: tenho um bom ventilador, uma cama confortável, um jornal na TV e posso descansar até dez da manhã, pelo menos. Eu tenho o futebol. 

Atrás da cortina azulada, o dia claro dá sinais de vida. Escuto um silêncio enorme. Não há ninguém por perto, ninguém. Pensando bem, raras vezes teve. Lá vem mais um dia. Há dor, depressão e também a sorte. 

Paz na terra aos homens de boa vontade. Rolam os dados. O que tiver de ser, será. 


@pauloandel