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Tuesday, December 21, 2021

oh, então é Natal

Ah, então é Natal e o verão é uma realidade, mas todo cuidado é pouco: já pensou em todos os seus atos neste ano? 

Foi indiferente? Fez a tradicional cara de paisagem? Omitiu-se quando poderia ter agido? Tudo isso pode levar à morte de terceiros - depressão - suicídios - sofrimento.

E o cuidado com as palavras? Escritas e faladas. Tem praticado? Palavras mal utilizadas podem destruir bons sentimentos.

Tenha certeza: fazer o bem é bem mais importante do que ser bom. Muita gente fica mais preocupada em parecer boa do que qualquer outra coisa, e o bem fica de lado. 

Pedir desculpas e tentar reparar erros não é humilhação, mas grandeza. Medíocres ficam remoendo as desculpas; os grandes a praticam. A arrogância e a empáfia são defeitos que levam à estupidez, é preciso cuidado. 

Eis o planeta Terra, um lugar onde muita gente sofre e a maioria absoluta das pessoas não tem direito a nada. São milhões de crianças e adultos morrendo de fome e de sede, muitas vezes jogados em calçadas para a lenta morte com as mãos estendidas em vão. 

Já falou com seu amor hoje? Seus amores? Lembrou a todos do seu amor? Nunca é tarde para se fazer isso. O amor que não se expressa não resiste. 

É Natal, é verão e se tenta passar uma felicidade que, sinceramente, não existe. Nossa realidade é a dor, o sofrimento e a depressão. Lembre-se disso antes de priorizar seu mundinho particular acima de tudo. O único sentido da vida é ter boas companhias, fazer o bem, ter algum conforto e fazer as coisas com amor. 

Se não puder fazer o bem pelo próximo, tenha pelo menos alguma solidariedade. Não chegamos a esse caos à toa: foi um longo processo de involução, ignorância e egoísmo. O resultado aí está e é trágico. 

É Natal, mas está faltando humanidade nas esquinas.

Pode não parecer, mas ter cuidado com o outro é ter cuidado consigo mesmo. 

@p.r.andel

Tuesday, December 14, 2021

brand new day

hoje eu tenho a madrugada longa e quente, solitária estrela no céu

mais um ventilador que lembra a turbina de um avião e silêncios quase imaginários

eu tenho um dia novinho em folha

cheio de medos razoáveis, inseguranças e natural descrença no projeto do ser humano - eu tenho um lindo dia novo em folha

ao longe, ouço vozes chorosas e sofridas e recados sonoros de violência crua no asfalto que os carros abandonaram  pouco antes das três da manhã: descansa em paz um dia novo em folha

penso na beleza do cinema, o rio e nas mãos dadas que me desprezam e nos abraços mortos que me desprezam

- foi-se embora uma segunda-feira tensa

e daqui a pouco terei um dia novo em folha

uau! o shopping center abarrotado que parece até outro planeta até encontrar um menino negro à porta com sua caixa de doces e um recado:

"senhor, como podemos ser tão estúpidos?"

e o vento quente corta pesadelos, parece um cutucão dizendo "fique atento, pois você tem na mão um dia novo em folha"

[os minutos correm como se aqui fosse o inferno

[eu tenho um punhado de paixões soterradas e amores sob os escombros de um desabamento admirável, mas e daí? ninguém liga

minha cabeça dói feito um berço esplêndido ou meu sobrenome desimportante

todos estão dormindo ou surdos

a cidade é um templo dos cemitérios

eu tenho um dia novinho em folha e nenhum futuro me aguarda na sala ao lado

esqueça qualquer final feliz: é apenas um novo dia que se abre pelo azul escuro do céu

um dia novinho, novinho em folha

feito um lindo filme à beira da lagoa


(livre adaptação sobre a poesia de Sting)


@pauloandel.

Saturday, December 11, 2021

monarco

Por mais que o tempo não pare, com Monarco isso parecia acontecer no melhor sentido. Ele era a perenidade e a elegância do samba numa só pessoa. 

Sua morte é também a morte de parte da cidade, a cidade de raízes profundas no samba de classe, no querido America; na cidade de antigamente que, rapidamente postada às nossas vistas, resgata o que já tivemos de melhor. 

Não é exagero dizer que a morte de Monarco está para o samba como a de Miles Davis para o jazz ou John Lee Hooker para o blues, só para falar de três homens negros do tamanho do mundo, grandiosos, definitivos. 

Desde criança eu o conhecia de casa, pelos sons de meu pai, portanto nunca soube o que é a vida sem ouvi-lo. Tudo nele era coisa de elegante, de lorde: o vestir, o falar e o cantar. Felizmente, ainda muito vivo, teve em Zeca Pagodinho - outro monstro - um intérprete de primeira, que espalhou sua música por todo o Brasil. 

Tudo tem seu tempo e infelizmente chegou o dia. Contudo, ao contrário do maravilhoso samba de Paulinho da Viola - outro monstro -, não se trata de um rio que passou em nossas vidas. A arte de Monarco permanece: ela é rio de margens e profundeza colossais. 

@pauloandel

Monday, December 06, 2021

a semana campeã de audiência

Mais um dia de péssimo sono para começar a semana. À toa. Por que apenas uma dezena de problemas, a tristeza e a depressão deveriam atrapalhar o ato de dormir, não é mesmo? Vai começar um lindo dia de mais uma semana brasileira, com a cara do fracasso, mas precisamos ser altivos, imponentes e dizer que está tudo às mil maravilhas. No Brasil não pega bem você dizer que está triste consigo mesmo e com os outros - é que as pessoas precisam pular, rir, gritar uhu e esquecer de si mesmas. Neste exato momento eu sou um privilegiado por não ter que me esmagar no transporte coletivo que humilha o povo, nem levo duas horas para chegar ao trabalho extenuante e mal remunerado. Eu sou um privilegiado porque tenho dinheiro para tomar café, almoçar e jantar, ou ainda porque parece que terei vários anos de vida à frente com alguma saúde, mas tem alguma coisa que me incomoda agora com o dia clareando, já que não dormi e essa dívida permanecerá me cutucando no ombro. Tudo vai passar rápido, logo as pessoas vão se abraçar nas festas de Natal e Ano Novo, a TV já começou a colocar seus jingles de festa mas... será que a gente deveria comemorar alguma coisa? Me perdoem se sou do contra, mas esta bela manhã que nasce não me comove. Ainda tenho na mente o choro dos desesperados, as pessoas correndo para se abrigar da chuva, as pessoas revirando ossos com fome, as pessoas que andam sem rumo nem futuro. São cinco e meia da manhã, ainda é muito cedo para qualquer coisa, muito cedo para ser ouvido ou abraçado, ninguém tem tempo agora. Vem aí mais uma semana campeã de audiência, uhu!

Saturday, December 04, 2021

sócrates, dez anos depois da morte

Em fins dos anos 1970, o Brasil ainda tinha boa parte dos melhores jogadores do mundo, e todos eles jogavam aqui. São muitos nomes, desde os óbvios até os mais alternativos, mas um deles se destacava pelo estilo único: Sócrates. 

Eu me lembro que ele fazia golaços e sequer comemorava, como se as obras de arte fossem triviais. Logo chegou à Seleção e marcou época. Iniciado no Botafogo de Ribeirão Preto, virou a eminência do Corinthians. Outro golaço: cortando para a direita e matando o goleiro Jagger, do time holandês Ajax. 

Ao lado de outros próceres, Sócrates reconduziu o futebol brasileiro ao estrelato. A excursão brasileira à Europa em 1981 colocou o Brasil como favorito à Copa da Espanha, e não era para menos: ganhamos Alemanha, Inglaterra e França em seus domínios, com autoridade. No ano seguinte, embora a Seleção jamais tenha repetido na Copa as brilhantes atuações que ofereceu por dois anos seguidos, Sócrates foi importante do começo ao fim, do golaço contra a URSS ao empate contra a Itália no primeiro tempo. 

Não lhe bastou ser um craque imortal. Foi um líder, uma referência, uma presença inesquecível. Na Democracia Corintiana, que subvertia o totalitarismo no futebol, até sua luta pelas Diretas Já - cogitando até mesmo não deixar o país caso as eleições para presidente voltassem à pauta - , Sócrates marcou o país mais além de suas jogadas brilhantes e de seus gols arrebatadores, como um cidadão engajado. A seguir, ganhou e perdeu, jogou mais uma Copa e saiu invicto, trocou de clubes mas sempre deixou sua assinatura, mesmo quando o corpo já não obedecia à cabeça em campo. Quem o viu de perto em seu auge sabe que ele foi um monstro, dos maiores de todos os tempos. 

Dez anos depois de sua morte, Sócrates é a maior referência de cidadania na história do esporte brasileiro. Para ele, o país merecia a mesma felicidade que as tantas arquibancadas servidas com seus espetáculos. É duro saber que partiu tão cedo, porque o Brasil precisava muito dele, mas talvez ele tenha sido poupado de tanta mediocridade e manipulação que o país tem sofrido, com sucessivos golpes dentro e fora dos gramados. 

Sócrates, o craque, o médico formado, o cidadão, o militante político. Ele foi muitos grandes homens num só. Às vezes o vejo no YouTube e penso que ele está vivo. Quando me lembro de que jogadores não devem ser pessoas alienadas, desinteressadas de seu povo, eu penso em Sócrates. Quando penso em elegância e passes fantásticos de calcanhar, eu lembro de Sócrates. Quando me tornei um garoto apaixonado por futebol, foi porque vi gênios como Sócrates. E se agora me emociono no fechamento destas palavras, é porque mesmo vivo nas imagens, frases e histórias, ele deixou uma lacuna que não cabe preenchimento. 

@pauloandel

Friday, December 03, 2021

dezembro

CAMINHEI com meu amigo Leo, que não via há tempos, e descemos a Carioca rumo à Leiteria Mineira para o café. Ele surgiu subitamente com uma bela doação de CDs para o X, mas logo precisava voltar para Recife. 

Dez da manhã, carros velozes, calçada vazia e lojas fechadas. Desolação. Tristeza. A palavra exata é essa: tristeza, temida e evitada, mas pura realidade. 

Quatrocentos metros depois, a lendária Leiteria nos abrigou por duas horas. Eu lembrei de quantas vezes estive ali, bem como dos intelectuais nos arredores. Então conversamos sobre vida e morte, dramas e alegrias, lindas garotas do passado e jovens senhoras. Tristes.  Falamos de pessoas boas e más, generosas ou falsas, as que nos cercam e as que já se foram. Algum sentido de religião. Um país em destroços. 

Minha fome era tanta que pedi dois americanos. Serviram como refeição de todo o dia. 

Como o que é bom dura pouco, a conversa evaporou porque a vida é assim: precisamos viajar, morar longe, trabalhar, cuidar de problemas, de mágoas, da tristeza - não adianta fugir, ela está no meio de nós - e, quando vemos, lá se foram dez ou vinte anos, trinta anos, os sinos tocam pelos nossos mortos e falamos pelos cotovelos dos melhores anos de nossas vidas. Brigamos para pagar a conta, o garçom ria e, por alguns minutos, nos sentimos num Rio de antigamente, que parece cada vez mais distante. 

Trocamos um abraço, que nunca sabemos ser o último ou não, mesmo esperando naturalmente que não seja. Leo foi para o metrô da Carioca, eu fui para o VLT que tem sido uma das minhas únicas diversões - brincar de passear pela cidade estuprada e sonhar que tudo vai dar certo, mesmo que os dados digam o contrário. Num segundo, eu estava sozinho de novo num vagão confortável para descer na próxima estação e fazer uma breve baldeação. Para fugir da tristeza, fui para o sebo na folga e trabalhei até cansar. Fizemos as contas e não tínhamos metade do que precisávamos. Agora é compensar na próxima semana. 

No fim do dia, era a vez do Jocemar ir para o VLT. Eu o acompanhei. Quando foi embora, entrei no mercadinho e comprei pão, queijo, guaraná, sardinha, salame, Toddy e uma caixinha de leite condensado, além de três sacolas plásticas. Guardei meu CD de música cubana junto e desisti de passear, não só pelo cansaço mas também pela tristeza que acampa em cada calçada ou debaixo de cada marquises. Resolvi caminhar para casa. 

Perto da interdição da Gomes Freire, vi sujeitos balbuciando com olhares tristes. Depois,  na delegacia, uma moça humilde falando perto da grade com um detento. 

Na rua da Relação e na Henrique Valadares, vi algumas poucas pessoas, alguns tomando cerveja, outros passando rápido, alguns esmolando. Cada um tinha um ofício, mas não havia um único semblante alegre. A tristeza é a tônica das ruas. Não adianta fingir, porque a realidade é cristalina. Dezembro tem dessas coisas: o ímpeto consumista num país miserável, a indiferença de alguns, a dor de muitos e uma tristeza indisfarçável. Nós já fomos muito pobres; a diferença é que havia futuro. 

@pauloandel