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Wednesday, March 31, 2010

01 DE ABRIL DE 1964























































Institucionalizado como o dia da mentira, 01 de abril era a data perfeita para deflagrar o período de maior horror da república do Brasil - mais ainda, um dos piores períodos desde que Pindorama nasceu. Com a tradicional hipocrisia que sempre lhes cercou, os artífices do criminoso golpe de 1964, em suas obsessões doentias, chegaram até a "antecipar" a data do fato, para que o mesmo não fosse tratado eternamente com a galhofa cabível.

Grandes proprietários rurais, financistas norte-americanos, inescrupulosos empresários de comunicação, militares traidores da pátria, políticos escroques, religiosos intolerantes e outros segmentos menores, reunidos, conspiraram para derrubar o governo constitucional de João Goulart e, frente à "ameaça comunista" que se desenhava (leia-se a possibilidade de que a elite econômica deixasse de lucrar exorbitantemente para que a maioria miserável do Brasil tivesse acesso a alguns meios sociais), não pouparam esforços no sentido de passarem por cima das leis nos piores sentidos dos actos em si. O que começou como uma simples "ditadura" (com toda a ironia aqui contida, pois nenhuma ditadura é simples de se viver) se transformou em um período macabro, pavoroso e de assassínio em massa - e se você, nobre leitor, hoje se horroriza com as barbaridades cometidas por traficantes, não custa lembrar que práticas como arrastar pessoas no asfalto amarradas em carros até que padecessem respirando gás carbônico eram comuns em quarteis e áreas de "segurança nacional".

Os inimigos da tabuada, em sua colossal ignorância, tentam utilizar o patético argumento de que "se o regime não endurecesse, os comunistas iriam continuar matando e torturando". Só a estupidez permite comparar os métodos de tortura praticados por experientes militares treinados para a guerra com a luta abraçada por trabalhadores, estudantes e jovens intelectuais. O nazifascismo implementado no Brasil chegou a tal ponto de barbárie que até mesmo adeptos direitistas do golpe de 1964, relativamente arrependidos com o horror que ajudaram a implementar indiretamente, passaram a acolher refugiados e clandestinos cujo maior crime era o de não concordar com a ditadura. Quarenta e seis anos depois, o Brasil não possui registro de famílias reclamando os corpos de generais, majores, capitães ou tenentes desaparecidos na guerra urbana. Mas são inúmeras as famílias que jamais voltaram a ver seus filhos, sobrinhos, tios, pais e outros parentes, tais como os Paiva, os Herzog e os Angel, para exemplificar.

Se hoje, em contraste com os visíveis progressos vistos a olho nu pelo Brasil, principalmente pelas políticas públicas aqui implementadas desde 2002, temos uma sociedade que, em muitas vezes, prima pelo individualismo e até mesmo pela perversidade, 01 de abril de 1964 foi um infeliz marco desta nova trajetória brasileira. Se hoje o grosso da classe estudantil urbana, com exceção da respeitável militância, trata as questões nacionais com absoluta indiferença, priorizando apenas o bem-estar pessoal e o acúmulo de riqueza, a semente desta estupidez nasceu em 01 de abril de 1964. Se o crime organizado é cada vez mais opressor e organizado, idem. Se reclamamos de políticos marcados pelo mau-caratismo, flagrados em evidente delito, não custa lembrar que, naquele dia distante, nasceu a semente do "você sabe com quem está falando?" e da "carteirada" - em suma, ter o poder circunstancial passou a ser sinônimo de se poder fazer o que quiser, sem respeito a nada. O que é um político corrupto senão um sujeito que acredita ser acima dos homens e acima das leis?

Um pequeno texto não é suficiente para destrinchar o desastre que foi o golpe na vida brasileira, um incêndio que até hoje nos rende rescaldo. Livros e livros foram e são escritos a respeito, mas muito há para se fazer, principalmente em termos do resgate da dignidade daqueles que foram vítimas de crimes de Estado, bem como seus parentes - terrível abuso que contraria qualquer constituição no planeta.

Para aqueles que vagam nas ruas como fantasmas, defendendo a "lei (que lei?) e a ordem" dos tempos da cruel ditadura e persistindo em defender o nazifascismo, resta esperar para que o tempo seja senhor da razão e os faça desaparecer com dignidade - a mesma dignidade que não foi oferecida aos desaparecidos, torturados, estuprados, seviciados e mortos em nome de ideologias como a da "Marcha da Família com Deus pela liberdade", nome caricato e perfeito para um 01 de abril. De toda forma, felizmente os viúvos de 1964 são poucos e hão de escorrer pelo ralo.

Em memória do massacre ocorrido no Brasil, as fotos acima, sim, dizem tudo.


Paulo-Roberto Andel, 31/03/2010

Monday, March 29, 2010

CASTELOS D'AREIA




















copacabana é uma procissão

a minha religião mora num mês,
numa semana:
faz-se dor amena
que os castelos d'areia,
efêmeros de natureza,
talvez não saibam expressar
frente ao monumento
que é a beleza do mar

copacabana,
a minha procissão se agiganta:
os santos são os mesmos,
os diabos trocam cores,
as ruas vestem deserto na fadiga -
a fé que morre, é o pranto,
são volúpias e amores

a cada esquina, há um livro
e a procissão despe sua vida
numa biblioteca
a instigar o mais ávido leitor
até que seu coração,
navegante da incerteza,
venha a se tornar
uma delicada e preta
pedra portuguesa.


Paulo-Roberto Andel, 29/03/2010

Thursday, March 25, 2010

FRED















Era hora da noite, era calor e frio ao mesmo tempo neste outono desenfreado e lembrei de meu velho amigo Fred.

Lembrei e relembrei tanto num momento que, subitamente, apanhei um CD da velha banda que escutávamos quando tínhamos uns nove ou dez anos, talvez. Naquela outra época, era LP, de capa grande e um desenho do qual eu tinha medo; faz muito tempo, o tempo que eu tinha medo de um desenho. Ninguém conhecia aquilo e nem sei de onde o Fred tirava aqueles coelhos se não usava cartola. Na capa, gnomos, gente decadente, um unicórnio. Eu tinha medo, mas achava as músicas legais, mesmo que parecessem um pouco tristes. Era nossa diversão da tarde, entre um e outro jogo de botão. Também tinha a pizza quadrada, inventada por ele; nós mesmos fazíamos a massa. Para beber, suco de caju. Sábado era dia de Chacrinha; mais tarde, viramos escoteiros e o mundo mudou. Durante a semana, pós-escola, futebol de botão na sala, dupla de praia na areia. Na volta do escotismo, coisa de garotos: vinho Cantina São Roque com biscoitos de travesseirinho de queijo. Tudo muito antes de um conhecido nosso virar transex. Debaixo da cama, um gavetão com todas as Playboys do mundo. Certa vez, Fred cogitou reclamar no Procon porque comprou uma revista sem título cuja modelo de capa parecia muito com a Natália do Vale; claro, no conteúdo, era outra coisa. O porteiro Ailton, irmão de Agnaldo, nos infernizava e ria: acho que gostava da gente.

Com o passar dos anos, veio adolescência. Fred embarcou na direita, eu era da extrema-esquerda. Era, não: sou. Serei. No fundo, tudo cristianismo: pensar no próximo, no mais pobre, na miséria do mundo que nos cerca. Juntamos uma turma da pesada: surgiu Gustavo, Jorge Pinto passou a freqüentar, Luiz Magno direto, o Marco já era nosso, assim como Ricardinho, cuja casa era uma espécie de clube de campo, filial do Fred. Uma enxurrada de meninas também. Dona Magda trabalhava praticamente o dia inteiro, de modo que a casa do Fred virou nosso quartel-general. Em tempos de poucos telefones e nenhum celular, o da casa era para recados de todo mundo: “Fulano, te ligaram confirmando o futebol mais tarde nos Bombeiros”. Muitos discos, alguns livros, um show de televisão, muita conversa fiada de alto nível e o jogo de botão (que nunca abandonei) foi trocado por rodadas de carteado, mais precisamente “mau-mau”. Entrei para faculdade, a casa era minha sala de estudos, entre canções do Kraftwerk, Alan Parsons e uma novidade juvenil chamada Guns n’ Roses (numa tarde de competição baralhística, a mesa de jogadores foi à loucura quando Gustavo quis debater Estatística comigo). Não tinha muito jogo na televisão, mas víamos alguns. A estupenda série “Grande sertão: veredas”, vimos toda. Um luxo ter Guimarães Rosa na tevê. Também tinha Flávio Cavalcanti, antes de ser tachado de fascista ou de protetor de comunistas: a verdade sempre tem dois gumes, no mínimo.

Colocando na tabuada, uns treze, catorze anos. Uma vida.

Um belo dia, Fred se mudou. Foi num sopetão. Um golpe. Passei tantas horas dentro daquele apartamento 1346 do Bloco F que, pensei, ele nos pertencia por direito. Ledo engano. Tudo tênue e rápido, feito a própria vida. Depois, mudou para um prédio e outro prédio e outro prédio. Eu também me mudei, Copacabana virou lembrança. Fomos trabalhar, tocar a vida e a distância numa vida sem internet ou outras modernidades nos custou treze anos de exílio. Perdemos o contato, até que um dia, graças aos e-mails e orkuts da vida, fizemos um almoço de domingo na Cobal da Humaitá. As amizades estavam intactas, faltava reatar a intensidade.

No pior dia de toda a minha vida, após o enterro de minha mãe, o Fred estava lá, atordoado. Segundo os que testemunharam minha tristeza, ele parecia mais transtornado do que eu. Acredito. Minha tristeza é infinita, mas eu estava completamente entorpecido pela dor. Ele, mais lúcido, via naquilo o horror que era um marco do fim da nossa juventude. Dia desses, éramos garotos fazendo pizza quadrada e esperando a sessão da tarde. Ali, éramos garotos, garotos mesmo, com os vincos da vida e de frente para a morte. Uma quinta-feira.

Sábado, toca o telefone. Do jeito que podia, lá estava o velho Fred preocupado comigo e querendo me convidar para sair – logo ele, a pessoa mais caseira que conheci. “Vamos no Rio Sul, cara, ver as gatinhas”. Era o jeito amigo dele de tentar me consolar. E esse consolo durou dois anos seguidos, semanalmente, com inúmeras preocupações dele por eu ter me tornado “alcoólatra” (com dois chopes por quinzena); minha réplica era nos maços de cigarros que ele consumia incessantemente. Havia um novo apartamento na Figueiredo Magalhães; não sei explicar como, a casa até podia ser outra, mas o ambiente, o clima, era literalmente o mesmo. Agora com uma gataria danada e Dona Magda, digna e merecidamente aposentada. Não havia mais o mau-mau das tardes, mas os lanches e a conversa fiada resistiram bravamente. Deu tempo de ver as tragédias aéreas, o Pan e lá estava de novo, firme e forte o velho Fred quando perdi meu pai, um ano e pouco depois. Se eu tivesse crença, iria achar que estava tudo programado: as dores surgiriam no meu caminho, e caberia ao Fred estar do meu lado, do jeito que era naquela já distante infância. Veio o fim do ano e mais uma mudança: enchi o saco dele para que comprasse um imóvel. Fiz as simulações eletrônicas, mostrei os planos, ele se animou, embora visse com maus olhos se tornar um tijucano depois dos quarenta anos, coisa que bem entendo. Fiz uma viagem ridícula perto do Natal, me despedi para sempre de uma mulher ridícula, virou o ano e, depois de dois meses, finalmente fui conhecer a nova casa que viria a ser a minha velha casa de sempre, a casa do meu amigo, uma casa tijucana. Que fosse noutro bairro, com a vista de outro morro, desimporta: era o quarto, o computador ligado no simulador de vôo, a televisão fincada no History Channel. E muita fumaça de cigarros convencionais. Rimos, rimos, falamos de coisa séria, Fred agora defenestrando o PT.

- Cara, tou com uma dor no braço que ta ródia.

- Pois é, eu que sou alcoólatra, né? Que tal ver isso no médico logo? Pode ser alguma coisa do coração.

Mais tarde, descemos para lanchar no Bob’s. Meu amigo Leo, que muitas vezes me traz de volta a alegria da juventude, estava contente: acabara de pegar um táxi novinho em folha para trabalhar, era seu primeiro dia. Me ofereceu uma carona, chamei-o para o sanduíche. Leo e Fred fanáticos por aviação, bom papo na certa. Durou uma hora de conversa e ainda fizemos pilhéria de nós mesmos quando demos carona ao Fred, que estava a cinqüenta metros de casa. Eu não tinha a menor noção de que era a última vez na vida em que estava compartilhando lazer com meu velho amigo de infância.

A dor no braço exigiu uma internação que durou quinze ou vinte dias, até que os malditos cigarros nos derrotaram para sempre. Nossa despedida foi muda: nem adeus, nem até breve. Derrota injusta, muito antes da hora e imperdoável para quem já tinha ficado sem família e sem Xuru.

Daqui a pouco isso, o nocaute, vai fazer um ano. Os trinta anos de antes eu lembro como nunca. São muito maiores do que a derrota recente.

O disco da velha banda com gnomos na capa não para de tocar no pensamento.


Paulo-Roberto Andel, 25/03/2010

Friday, March 19, 2010

SERRA? NÃO. PSDB? JAMAIS!













A pouco mais de seis meses das eleições presidenciais brasileiras, ainda não tenho a certeza absoluta de meu voto, pela primeira vez deste que esta república democrática me permitiu a condição de eleitor.

Ele está encaminhado, muito bem-encaminhado até, mas não absolutamente decidido.

O que sei é que será um voto progressista, voltado para a maioria da população, que é humílima (quando não, miserável), ignara (contra a vontade íntima, ressalte-se) com uma trajetória de muitos anos abandonada à própria sorte (os menos letrados diriam que é o “destino”). Nem poderia ser de outra forma: parente de comunistas, criado por mais humildes que transitaram entre pobreza e riqueza, fugitivo da polícia nazista do AI-5 aos oito DIAS de idade por conta de “crime de associação ao socialismo”. O tempo passou, assumi minha não-religião e meu ateísmo, “crimes” considerados “inafiançáveis” em pleno 2010, tempo onde é normal que famosos convivam muito bem com traficantes armados; parlamentares escondam dinheiro público nas meias e digam que “não é bem o que você viu”; a pansexualidade seja vista como algo altamente elogioso e quase uma imposição, quando deveria se tratar apenas de uma opção pessoal. Temos celular, computador e tuíter: falta agora que se aprenda a ler. Bom, lá daqueles tempos de criança, eu ainda trouxe uma única lembrança do que poderia ter sido minha vida cristã: a danada mania de não se negar as origens, o passado e o respeito às memórias dos meus – tudo coisa que, hoje em dia, frente a executivos apressados que pisoteiam mendigos na Rio Branco, neofascistas de raso conhecimento que se tornam “colunistas” de revistas de “opinião” e fanáticos pela monocultura (um só time, um só canal de tevê, um só gênero musical), parece datado, mofado. Eu gosto de velharias.

Não traio os meus e meu passado. Lembro bem quando os militares ficaram chocados comigo quando perguntei a uma professora, numa visita da escola à Urca, porque a praia se chamava “Vermelha”. Era 1974, eu tinha seis anos de idade e quase passei pelo meu segundo B.O., com todo o ridículo contido nesta situação. Dez anos antes disso, o Brasil começava a ser incendiado pelo mar de estupidez que foi o golpe militar de 1964. Contra a ditadura, os mais esclarecidos, os grandes homens da esquerda e os estudantes. A UNE foi incendiada. Seu presidente era o jovem José Serra. Eram tempos de dor e morte, eram tempos de exílio ou prisão. Muitos anos depois, houve a “anistia”: todos os perseguidos livres para voltar à pátria amada (menos João Goulart, claro); todos os militares que fizeram papel de criminosos estavam absolvidos; todos os cadáveres dos torturados estavam desaparecidos. Desse jeito torto, o Brasil entrou na partida preliminar da “democracia”. Não perderei meu tempo com aqueles que ousam afirmar que “houve mortes dos dois lados na ditadura”: não polemizo com imbecis. Em caso de dúvida, a tabuada resolve a questão.

Acabou o bipartidarismo, tudo virou quase festa. A Nova República de Sarney. Tempos depois, nasceu o PSDB, fruto da insatisfação com os cinco anos de mandato do então presidente, mais a expectativa de implementação do regime parlamentarista. Lá estavam os respeitáveis Mário Covas, José Serra e Ciro Gomes. Nem tão respeitável assim, FHC. Num prazo de cinco anos, o PSDB perdeu a liderança de Covas, Ciro pulou e o partido, conhecido durante anos pela política “em cima do muro”, que consistia em não fechar alianças com progressistas e conservadores, ao descer dele, juntou-se ao que havia de pior na política do país: o PFL, ex-PDS, ex-ARENA, ex-UDN e, hoje, com toda a ironia possível, chamado de “Democratas”. O partido dos oligopólios, da tirania ruralista, da TFP e de tantas mazelas para o Brasil tornou-se o braço direito dos “neoliberais”. Governaram juntos, enamorados de mãos dadas.

Veio a euforia do frango a um real (com salários congelados em 20 de junho e preços congelados em 30 de junho, com cinqüenta por cento de inflação ao mês), da estabilidade econômica, do fim da inflação... e, em paralelo, a Teoria do Estado Mínimo: doação das estatais, o caso Proer, o SIVAM, a destruição das universidades públicas e dos serviços de Estado, com reajuste zero aos servidores por quase uma década, culminando com o escândalo da reeleição de FHC FAZENDO CAMPANHA DURANTE O PRÓPRIO MANDATO E MUDANDO A CONSTITUIÇÃO EM PRÓPRIO BENEFÍCIO (hoje, falam de Lula fazendo campanha para Dilma? Ah, ah, ah!). Sob tirania política, o plano de reeleição deu certo; contudo, o fôlego era curto e as pessoas se cansaram. Em 2002, Lula venceu mais pelo desastre dos últimos anos de PSDB do que propriamente pela grande euforia popular; cansada dos engodos do partido dos “intelectuais”, a população que sempre negou a figura do “paraíba” resolveu aceitá-lo. Dos poucos bons momentos do segundo mandato de FHC, neles estava José Serra, em um partido já estraçalhado, dividido entre o alto empresariado e velhos coronelismos, representados pelos nomes de Tasso Jereissati e Arthur Virgílio. A figura de Covas era passado.

Lula ganhou com facilidade, foi reeleito contra planos de golpismo barato às vésperas do pleito (ora, ora, o grande “mensalão” era ou não era, na prática, o “rolo compressor” do governo anterior?) e a resposta veio nos números: o Brasil é, hoje, ainda muito longe do que os brasileiros de bem gostariam, mas é bem distante do atraso do desemprego a um real. Discutir política não é torcer num Fla-Flu; precisa-se mais do que isso. Trata-se de ver números, enxergar o óbvio: a diminuição da miséria, a inserção na escola de uma população infantil ignorada; a geração de emprego e renda nas regiões miseráveis que foram priorizadas pelo Bolsa-Familia. Falta muita, muita coisa. Mas o Brasil caminhou em frente sim.

Entendo que se o jovem José Serra, presidente da UNE, tivesse caminhado junto aos seus velhos companheiros no rumo de um Brasil progressista, inevitavelmente teria que ter deixado o PSDB, tal como fez (corajosamente) Ciro Gomes, que, ao não compactuar com os desmandos de FHC, disputou duas eleições por partidos minoritários, perdeu força, mas não abdicou de combater a doação do Estado feita pelo “presidente dotô” e sua bancada moderna. Tal como parece fazer agora, Serra se calou. Acatou o PFL, acatou ACM, acatou os desmandos. Então, pergunto: se quem cala consente e, por tabela, mantém a situação vigente, o Brasil tem condição de caminhar para o futuro com um presidente de caráter conservador? Foi com conservadorismos e "estadomínimo" que conseguimos decuplicar nossos níveis de emprego? NÃO!

O PSDB foi tão abalroado pela popularidade de Lula que está completamente perdido, só encontrando repercussão na boca de eventuais papagaios repetidores de “textos” da “revista” Veja (mas não leia...) – em suma, palavrões, ataques, deboches vulgares e nada de discussão política. Serra, sem caminho, sem coragem para ter rompido com o conservadorismo e sem coragem para abrir mão de uma campanha fadada ao fracasso, se mantém calado. Seria uma saída digna. Se pretende realmente mudar o Brasil, que deixe este partido nefasto e busque noutra legenda os caminhos que o levaram a ser um bom Ministro da Saúde, à época perdido por ser minoria num partido controlado pelos “democratas” de outrora.

Ainda não tenho certeza se votarei em Dilma. É um caminho natural e o mais viável.

Considero Ciro um excelente candidato. É preciso observar as alianças.

Marina Silva, também, apesar de o PV estar mais “endireitado” do que deveria. Bem mais.

A convicção é uma só: hoje, JAMAIS votarei em José Serra porque NUNCA, NUNCA, votarei no PSDB. Do sangue de onde vim, não cabe ficar em cima do muro para, ao descê-lo, pisar no pântano da direita de 1964 travestida de democrata. Nenhum desgoverno que doe a Petrobrás e o Banco do Brasil pode ser melhor do que o pior momento de um governo do PT, por exemplo.

Não perderia tempo em escrever sobre política xingando José Serra, pessoa a quem considero até admirável sob certos (e poucos) pontos de vista. Isso fica para os cães que ladram enquanto a caravana de Lula passa. Não voto no atraso enrustido de modernidade do PSDB. Jamais votarei. Não jogaria fora trinta e cinco anos de estudos, nem o passado recente do Brasil. Apenas isso.

Brizola vive!


Paulo-Roberto Andel

Friday, March 12, 2010

GLAUCO E OS CEGOS DO CASTELO










Há pouco, sem chance de defesa, Glauco foi fuzilado junto a seu filho.

Muito antes da hora, o Brasil, involuntariamente estúpido pela própria natureza de uma sociedade que preserva o individual em detrimento do coletivo, perdeu um de seus maiores artistas em todos os tempos. Artista na acepção da palavra, sem relação com acéfalos sexistas ou especialistas de PONE que borbulham em televisões, rádios, jornais e Veja (esta, uma ex-revista que só agrada aos endinheirados mais ignorantes da nação).

Quem matou Glauco? O imponderável? Ou um bandido armado, o mesmo bandido que por algum fator exógeno (uso de drogas, sede de riqueza etc) praticou tal barbárie, mas que, naturalmente, não nasceu com o ímpeto assassino?

Ainda estou impactado por ter visto ontem o desespero da mãe de um dos bandidos que matou o lutador Marco Jara, ao se encontrar com a mãe da vítima que, de tão lúcida, chega a nos comover: sabe que a mãe do bandido não tem culpa do que aconteceu. Ou a reprise sobre as adolescentes que são mantidas em cárcere privado pelo traficante sob a alcunha de "Berola": torturadas, seviciadas e estupradas diariamente, todas estão grávidas. Não falo do que ocorre em Paraopeba, Jaguariúna, Nazaré das Farinhas ou qualquer respeitável cidade brasileira. "Berola" é um criminoso em atividade na Tijuca, divisa com o Rio Comprido, a 5 minutos de carro do quartel-general da Polícia Militar e da Adademia de Polícia Civil.

Enquanto somos cercados por todo tipo de violência - que seria infinitamente pior se tivéssemos nas veias o sangue da vingança - os cegos do castelo, em seu deliberado ofício de desocupação, pregam a "sociedade liberal", o "mercado livre", a "competição acima de tudo" e o resultado aí está: num país esmigalhado pela brutal desigualdade econômica e que, somente em anos recentes, teve do governo um mínimo de atenção para com os miseráveis, a todo momento o que se vê nas peças de publicidade é a sugestão do "seja rico", "seja bonito", seja um vencedor". Milhões de jovens ainda nascem sem a menor expectativa de conforto, educação e progresso - a diferença é que, em cado canto do Brasil, tem alguma propaganda praticamente obrigando o minisujeito a ser alguém importante na vida, e qualquer ser dotado de raciocínio sabe que um modelo de "Estado Mínimo" é a cruel antítese desta possibilidade. Algum boçal há de dizer que uma sociedade progressista é bonitinha mas alguém tem que pagar a conta, e quem vai ser? Obviamente, os sonegadores e a iniciativa privada. Quem mais seria? Em suma, temos uma verdadeira máquina de propaganda que impõe o sucesso absoluto para milhões de brasileirinhos que vivem nas piores condições: eles vêem tudo, pouco ou nada podem fazer. Misture-se um coquetel de miséria, maus tratos e, principalmente, desagregação familiar e uso de entorpecentes. Qual o resultado? Gente que mata e nem sabe por quê. Gente que mata e acha normal. Gente que estupra e acha normal. Não é gente, assim como não é gente quem passa na rua e trata morador de rua como se fosse lixo.

Nossa sociedade sofre um processo de mediocrização, exacerbação do individualismo, auto-suficiência e descaso desde décadas. O resultado disso está numa classe oprimida que, de alguma forma, reage e causa muito, mas muito mal. Felizmente, a índole pacífica do brasileiro faz com que estes índices de violência sejam muito menores do que se poderia supor – basta imaginar quarenta milhões de miseráveis famintos, violentos e armados, fosse o caso. Não é assim.

Sempre haverá um idiota capaz de defender a opressão, o nazi-fascismo, a pena de morte e outras aberrações como alicerces de uma “sociedade de respeito”. Estamos condenados a viver a piora desta situação até que o último imbecil totalitário esteja vivo.

O que vemos nas ruas, nos tiros, nos estupros, nos “fornos de microondas”, nas favelas dominadas pelo tráfico, nas grandes vias, no interior é a germinação de uma semente maligna que foi plantada no Brasil e que, mesmo governos moderados de natureza progressista, como o atual, não conseguiram eliminar.

A malignidade de 1968, quarenta e dois anos depois, ainda prolifera nas ruas. A desagregação de nossa sociedade, o fascismo de parte dela, a indiferença de outra parte, a ignorância da maioria, tudo isso foi macabramente arquitetado pelos traidores da pátria em 1968, 1964 ou que data queiram. A junção desses fatores e a maldita herança do caos social desceu rio e desaguou no que vemos hoje: a vida que nada vale nas ruas, seja das vítimas de crimes ou de mendigos com as mãos estendidas no vento, esperando o último suspiro. E então, mata-se por nada, dane-se o outro, o que importa é vencer a competição, mesmo que seja preciso sonegar, burlar, prostituir: os mais abonados, bem-nascidos, lêem a sentença como sinal de constituição de riqueza; os desprezíveis, das classes mais baixas, muitas vezes cansados de lutar por uma oportunidade digna, deixam-se levar pela vida marginal. O resultado aí está: João Hélio, Lia Friendbach e mais oitocentos mil nomes de ricos e pobres que padeceram com a violência estúpida, brutal.

Não é possível crer que todos os jovens bandidos sanguinários deste país sejam vocacionados para o mal, o crime e a podridão desde a nascença. Há algo de errado não somente neles, mas na nossa sociedade. E muito. Um mar de hipocrisia que, se quisermos evitar que se transforme num tsunami, precisamos agir desde já. Tolos os que acham que mudanças nas leis resolvem o problema; mais ainda, os eternos repetentes do raciocínio que defendem o Estado totalitário: o que se precisa é de um choque no comportamento da sociedade.

O Brasil é maravilhoso sob vários aspectos.

Noutros, chega a assustar, dada a cegueira mental de parte da dita “classe média”, que pensa no seu conforto particular e dá uma banana para o resto.

Todos os dias, brasileiros são mortos por tolices, crimes imbecis, estúpidos, sem nexo.

Ontem, perdemos um de nossos grandes artistas por nada.

As ruas cheias de drogas, o tráfico financiado por grandes empresários e partidos políticos que se dizem moralizadores e democratas.

Não há outra palavra a dizer. Puto. O bárbaro assassinato de Glauco me deixou muito puto. Não há um sujeito que conheça o trabalho do espetacular cartunista e nunca tenha dado gargalhadas com seus personagens ou reconhecido seu traço fantástico.

Glauco, Laearte, Angeli, Adão e outros tantos antecessores como Jaguar e Ziraldo formam um imenso grupo que, com seu talento e humor, tem uma característica comum: a de, através da arte, apontar as mazelas do Brasil. Fazer o Brasil olhar para o próprio rabo e, se for, o caso, rir. Só que boa parte do Brasil hoje não olha para o próprio rabo: enquanto viúvas lacerdistas celebram a “ditadura” de Cuba, fingem não olhar a ditadura que nós mesmos nos metemos – a da violência cozida na miséria, regada a drogas baratíssimas com alto poder de auto-destruição, que passou a ser organizada com todo rigor a partir daquela outra ditadura imbecil, a de 1968, que nos pôs na lona e até hoje engessa a nossa mobilização... que precisa ser muito, mas muito maior do que meia-dúzia nas manhãs da Delfim Moreira.

Hoje à noite vai ter baile funk. Vai ter estupro e assalto.

Algum pateta na Guanabara vai suspirar com a “inteligência” de Diogo Mainardiota (oxímoro), a “crítica” de Jabor, antes de chamar Lula de “analfabeto” para, somente mais tarde, deitar no berço esplêndido da imbecilidade burguesa. E não vai enxergar que ele mesmo, pateta, ajudou a alimentar o mar de violência e hipocrisia onde estamos à deriva.

Glauco, descanse em paz. Uma pena que a burrice do Brasil tenha sido co-autora do crime contra você.

Paulo-Roberto Andel, 12/03/2010

Tuesday, March 09, 2010

PROFECIA TITÂNICA



















O fato de ter levado o concretismo para o pop-rock brasileiro já seria suficiente para canonizar os Titãs. Mas eles foram bem além disso. "Miséria" é um retrato de 1989 que ainda não se apagou da memória do Brasil, ainda mais num momento de ano eleitoral em que vivemos - os cegos daquela época ainda acreditam, em sua total falta de acuidade, que a justiça social se faça com demissões, livre mercado, remoções e controle de natalidade, sem levar em conta educação e estado democrático de direito (o que se torna ainda mais rídículo quando se sabe que aquelas idéias de cunho nazifascista são defendidas por assalariados - os primeiros a naufragar em qualquer sociedade "né-ô!-liberal"). A burrice, infelizmente, é democrata, plural e heterogênea. A música dos Titãs, tão infelizmente quanto, ainda é para poucos.

Paulo-Roberto Andel, 08/03/2010


miséria é miséria em qualquer canto
riquezas são diferentes
índio, mulato, preto, branco
miséria é miséria em qualquer canto
riquezas são diferentes
miséria é miséria em qualquer canto
filhos, amigos, amantes, parentes
riquezas são diferentes
ninguém sabe falar esperanto
miséria é miséria em qualquer canto
todos sabem usar os dentes

riquezas são diferentes

miséria é miséria em qualquer canto
riquezas são diferentes
miséria é miséria em qualquer canto
fracos, doentes, aflitos, carentes
riquezas são diferentes
o sol não causa mais espanto
miséria é miséria em qualquer canto
cores, raças, castas, crenças

riquezas são diferenças

a morte não causa mais espanto
o sol não causa mais espanto
a morte não causa mais espanto
o sol não causa mais espanto
miséria é miséria em qualquer canto
riquezas são diferentes
cores, raças, castas, crenças

riquezas são diferenças

índio, mulato, preto, branco
filhos, amigos, amantes, parentes
fracos, doentes, aflitos, carentes
cores, raças, castas, crenças
em qualquer canto miséria
riquezas são miséria
em qualquer canto miséria

(paulo miklos/ sergio britto/ arnaldo antunes)

Friday, March 05, 2010

A MISÉRIA MORAL DE EX-ESQUERDISTAS


EMIR SADER

Do site Agência Carta Maior.

"Alguns sentem satisfação quando alguém que foi de esquerda salta o muro, muda de campo e se torna de direita – como se dissessem: “Eu sabia, você nunca me enganou”, etc., etc. Outros sentem tristeza, pelo triste espetáculo de quem joga fora, com os valores, sua própria dignidade – em troca de um emprego, de um reconhecimento, de um espaçozinho na televisão.

O certo é que nos acostumamos a que grande parte dos direitistas de hoje tenham sido de esquerda ontem. O caminho inverso é muito menos comum. A direita sabe recompensar os que aderem a seus ideais – e salários. A adesão à esquerda costuma ser pelo convencimento dos seus ideais.

O ex-esquerdista ataca com especial fúria a esquerda, como quem ataca a si mesmo, a seu próprio passado. Não apenas renega as idéias que nortearam – às vezes o melhor período da sua vida -, mas precisa mostrar, o tempo todo, à direita e a todos os seus poderes, que odeia de tal maneira a esquerda, que já nunca mais recairá naquele “veneno” que o tinha viciado. Que agora podem contar com ele, na primeira fila, para combater o que ele foi, com um empenho de quem “conheceu o monstro por dentro”, sabe seu efeito corrosivo e se mostra combatente extremista contra a esquerda.

Não discute as idéias que teve ou as que outros têm. Não basta. Senão seria tratar interpretações possíveis, às quais aderiu e já não adere. Não. Precisa chamar a atenção dos incautos sobre a dependência que geram a “dialética”, a “luta de classes”, a promessa de uma “sociedade de igualdade, sem classes e sem Estado”. Denunciar, denunciar qualquer indicio de que o vício pode voltar, que qualquer vacilação em relação a temas aparentemente ingênuos, banais, corriqueiros, como as políticas de cotas nas universidades, uma política habitacional, o apoio a um presidente legalmente eleito de um país, podem esconder o veneno da víbora do “socialismo”, do “totalitarismo”, do “stalinismo”.

Viraram pobres diabos, que vagam pelos espaços que os Marinhos, os Civitas, os Frias, os Mesquitas lhes emprestam, para exibir seu passado de pecado, de devassidão moral, agora superado pela conduta de vigilantes escoteiros da direita. A redação de jornais, revistas, rádios e televisões está cheia de ex-trotskistas, de ex-comunistas, de ex-socialistas, de ex-esquerdistas arrependidos, usufruindo de espaços e salários, mostrando reiteradamente seu arrependimento, em um espetáculo moral deprimente.

Aderem à direita com a fúria dos desesperados, dos que defendem teses mais que nunca superadas, derrotadas, e daí o desespero. Atacam o governo Lula, o PT, como se fossem a reencarnação do bolchevismo, descobrem em cada ação estatal o “totalitarismo”, em cada política social a “mão corruptora do Estado”, do “chavismo”, do “populismo”.

Vagam, de entrevista a artigo, de blog à mesa redonda, expiando seu passado, aderidos com o mesmo ímpeto que um dia tiveram para atacar o capitalismo, agora para defender a “democracia” contra os seus detratores. Escrevem livros de denúncia, com suposto tempero acadêmico, em editoras de direita, gritam aos quatro ventos que o “perigo comunista” – sem o qual não seriam nada – está vivo, escondido detrás do PAC, do Minha casa, minha vida, da Conferência Nacional de Comunicação, da Dilma – “uma vez terrorista, sempre terrorista”.

Merecem nosso desprezo, nem sequer nossa comiseração, porque sabem o que fazem – e os salários no fim do mês não nos deixam mentir, alimentam suas mentiras – e ganham com isso. Saíram das bibliotecas, das salas de aula, das manifestações e panfletagens, para espaços na mídia, para abraços da direita, de empresários, de próceres da ditadura.

Vagam como almas penadas em órgãos de imprensa que se esfarelam, que vivem seus últimos sopros de vida, com os quais serão enterrados, sem pena, nem glória, esquecidos como serviçais do poder, a que foram reduzidos por sua subserviência aos que crêem que ainda mandam e seguirão mandando no mundo contra o qual, um dia, se rebelaram e pelo que agora pagam rastejando junto ao que de pior possui uma elite decadente e em vésperas de ser derrotada por muito tempo. Morrerão com ela, destino que escolheram em troca de pequenas glórias efêmeras e de uns tostões furados pela sua miséria moral. O povo nem sabe que existiram, embora participe ativamente do seu enterro."

O FIM DO MUNDO (A APOTEOSE DA IDIOTIA)



Por mais que seja conservadora, perversa, míope e anti-social, a meu ver, a ojeriza ao sistema de cotas deve fazer parte do jogo democrático e da dialética. Entretanto, INCONCEBÍVEL é Demósthenes Torres - que aqui sequer merece o tratamento de Senador - manifestar-se com brandura diante de centenas de crimes e covardias, especialmente os cometidos contra os escravos. Ora, bolas, então se os estupros foram consensuais na visão de um líder do DEM, então porque prender traficantes? Vão acabar dizendo que as jovens moradoras de comunidades carentes gostam de ser estupradas... e as pessoas são assaltadas e mortas nas ruas porque agem consensualmente com o crime - quem manda saíremr de casa?

Os eleitores negros que vierem a reeleger este político não podem receber outra pecha que não a de IDIOTAS. O mesmo vale para qualquer eleitor branco que se diga progressista e empenhe seu voto para este tipo de argumento. Aliás, qualquer pessoa de bem, minimamente informada, não votará num sujeito que afirma tal sandice. Nem todo mundo se deixa levar por imbecis capatazes das grandes corporações como Mainardiota, Reinaldérrimo Azevedo e outrem. Felizmente, a apoteose da idiotia e o nazismo enrustido de políticos brasileiros não hão de triunfar.

Paulo-Roberto Andel

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DEM corresponsabiliza negros pela escravidão

Escravo foi principal item de exportação na África, diz senador na 1ª audiência no STF sobre cotas / Democrata considera inconstitucional sistema de cotas raciais; audiência, que vai até 6ª, decidirá se sistema continuará em vigor no país

LAURA CAPRIGLIONE - ENVIADA ESPECIAL A BRASÍLIA
LUCAS FERRAZ - DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Para uma discussão que sempre convoca emoções e discursos inflamados, como é a das cotas raciais ou reserva de vagas nas universidades públicas para negros, a audiência pública que se iniciou ontem no Supremo Tribunal Federal transcorreu em calma na maior parte do tempo. Até que um óóóóóóó atravessou a sala. Quem falava, então, era o senador Demóstenes Torres (DEM-GO), que se esforçava para demonstrar a corresponsabilidade de negros no sistema escravista vigente no Brasil durante quatro séculos.

Disse Demóstenes sobre o tráfico negreiro: “Todos nós sabemos que a África subsaariana forneceu escravos para o mundo antigo, para o mundo islâmico, para a Europa e para a América. Lamentavelmente. Não deveriam ter chegado aqui na condição de escravos. Mas chegaram. (…) Até o princípio do século 20, o escravo era o principal item de exportação da pauta econômica africana.”

Sobre a miscigenação: “Nós temos uma história tão bonita de miscigenação… [Fala-se que] as negras foram estupradas no Brasil. [Fala-se que] a miscigenação deu-se no Brasil pelo estupro. [Fala-se que] foi algo forçado. Gilberto Freyre, que é hoje renegado, mostra que isso se deu de forma muito mais consensual.”

As referências à história “tão bonita” da miscigenação brasileira, ao negro traficante de mão de obra negra, o democrata usou para argumentar contra as cotas raciais, já adotadas em 68 instituições de ensino superior em todo o país, estaduais e federais. Desde 2003, cerca de 52 mil alunos já se formaram tendo ingressado na faculdade como cotistas.

O partido de Demóstenes considera que as cotas raciais são inconstitucionais porque, ao reservar vagas para negros e afrodescendentes, contrariariam o princípio da igualdade dos candidatos no vestibular.

Na condição de relator de dois processos sobre o tema (também há um recurso extraordinário interposto por um candidato que se sentiu prejudicado pelo sistema de cotas adotado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul), o ministro Ricardo Lewandowski, do STF, decidiu convocar a audiência pública, que se estenderá até sexta-feira, com intervenções pró e anticotas.

A audiência pública é uma forma de as partes interessadas levarem seus pontos de vista ao STF. Segundo Lewandowski, o assunto será votado ainda neste ano. Se considerar que as cotas ferem preceito fundamental, acaba essa modalidade de ingresso no sistema universitário. Se considerar que são ok, a decisão sobre adotar ou não uma política de cotas continuará a ser dos conselhos universitários.

No primeiro dia, falou uma maioria de favoráveis às cotas, em um placar de 10 a 3. Falaram representantes de ministérios e de universidades favoráveis às cotas, e os advogados do DEM e do estudante gaúcho, além de Demóstenes.”


Discussão e acusações de racismo marcam primeiro dia

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA – FOLHA SP

Uma quente discussão sobre o sistema de cotas e acusações de racismo marcaram o primeiro dos três dias de audiências.

Natália Maria, 22, negra, é aluna cotista de ciências sociais da UnB. Ela acusou um cinegrafista da TV Justiça e uma moça do cerimonial do Supremo de tratamento racista após pedir que não fosse filmada.

“Falaram que estava fazendo showzinho. Foi um caso clássico do que enfrentamos no dia a dia, espécie de racismo velado.”

A causa foi uma discussão entre ela e Marcel Van Hatten, 24. Loiro de olhos verdes - é filho de holandês e descende de alemão -, Marcel, formado em relações internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, é contra o sistema.

“Por que o branco pobre não tem o direito de usar as cotas? A nós, brancos, não pode ser imputada uma dívida que é histórica. Temos de olhar para a frente”, disse ele.

“O racismo impede as pessoas de disputarem postos de poder”, rebateu Natália. “Numa seleção de emprego entre uma colega branca e eu, negra e pobre, não tenho a menor dúvida de que ela será escolhida.”

Para Van Hatten, racistas são as cotas, que “dividem a sociedade e beneficiam só os negros”.

O STF não recebeu queixa.

Wednesday, March 03, 2010

A BATALHA FINAL (CONFRONTO)




cérebros e fronteiras
fitam-se como ateus:
um descrê do outro,
um diante do outro.
ambos, tão humanos,
ao se esbarrarem
celebram o estranho

conjugar da vida -
e tudo tão longe,

o longe de se verem
com nenhum vestígio
da existência de deus.

ainda assim, rezam.

paulorobertoandel03032010