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Wednesday, May 27, 2020

William Bonner, um mau ator

A televisão brasileira, este importante veículo que carrega em si uma extensa carga de contradições, para o bem e o mal da vida brasileira, experimentou ontem um de seus mais constrangedores momentos - e isso no Brasil 2020, onde constrangimento é o que não falta.

Começo da madrugada, a entrevista de Pedro Bial com William Bonner na Rede Globo, a mesma que floresceu do golpe de 1964 e apoiou o golpe de 2016, que desaguou no lamaçal onde estamos.

O motivo do constrangimento é simples: Bonner, o todo poderoso editor do Jornal Nacional, que fala para dezenas de milhões de brasileiros de segunda a sábado, protagonizou no programa de entrevistas uma cena digna das novelas do concorrente, o SBT do bolsonarista Silvio Santos, em algum dramalhão romântico numa reprise, choramingando por se sentir oprimido por conta de sua posição profissional. Bial, que há três meses tripudiou publicamente da cineasta Petra Costa, só faltou choramingar com Bonner e depois fazer cuticuticuti como acalanto.

Uma performance absolutamente irreconhecível do jornalista que, por anos, editou suas próprias falas em horário nobre para pregar o ódio à política, ao Partido dos Trabalhadores, às figuras de Dilma Rousseff e Lula. Ela, golpeada covardemente; ele, condenado e preso por meio de uma farsa judicial.

É certo que ninguém deve ser ameaçado ou ter os filhos vitimados por fraudes. Ninguém, e Bonner democraticamente pertence a este mesmo contexto.

É lamentável que o editor esteja em auto isolamento desde as eleições de 2018. E também que tenha tido o drama da doença de seus pais. Infelizmente, é uma situação que pode acontecer, especialmente quando se é adulto e os progenitores têm idade mais avançada.

O problema é quando Bonner, em meio ao seu quase chororô, se diz vítima da "polarização" que existe no Brasil, onde pessoas que o xingavam hoje o aplaudem (?), assim como antigos fãs o têm como atual desafeto.

Mais uma vez, agora fora das lentes do Jornal Nacional, editou a verdade por critérios pessoais.

Não é possível em maio de 2020 que alguém em sã consciência acredite que o que está acontecendo no Brasil é uma disputa entre direita e esquerda, ou entre liberais e "comunistas". Não é aceitável, ainda mais quando se trata de um formador de opinião nacional.

O que o Brasil viveu entre 2013 e 2018 é diferente de hoje. Lá, as disputas eram entre o conservadorismo e o progressismo, e depois entre o golpismo e a legalidade. Agora vivemos uma outra contenda: a do humanismo contra a barbárie, da democracia contra o fascismo.

Não é preciso ser de esquerda, progressista, socialista, comunista ou o que quer que seja para se opor ao governo mais insano, despreparado, maléfico e antirrepublicano da história deste país.

Ao igualar o comportamento dos progressistas aos dos fascistas, Bonner cometeu mais um erro crasso em sua trajetória pública. Não são os progressistas que fazem vista grossa à rachadinha, nem ao livre armamento para talvez insuflar uma guerra civil.

Não são os progressistas que estão nas ruas em plena contramão da humanidade, incentivando e debochando da pandemia que, por baixo, já matou quase 200 mil brasileiros, bem ao gosto de quem já disse que seria preciso matar uns 30 mil para a vida melhorar.

Não são os progressistas que estão dilapidando a Caixa, buscando entregar o Banco do Brasil a troco de banana, e deixando milhares de pequenas e médias empresas à beira da morte por asfixia.

Não são os progressistas que jogaram no lixo milhões de empregos, enquanto prevalece a mentira de que "os investimentos vão mudar tudo". Que investimentos? Basta ler e ouvir todos os grandes veículos jornalísticos do mundo. NENHUM deles dá qualquer crédito ao Brasil de hoje.

Ontem, William Bonner tentou se passar por um brasileiro sofrido, igual a tantos outros, mas fracassou na interpretação. Mais ainda: nas comparações que fez. Ele não manipulou a mão dos brasileiros nas urnas eletrônicas, mas é sim um justo corresponsável por muito do que estamos vendo. Durante anos, foi um eficiente porta-voz do PSDB em rede nacional diária. E sua própria voz está no imaginário do povo brasileiro como a locução do ódio ao PT, queira ou não.

É a voz de Bonner que celebrou o "combate à corrupção" de Sergio Moro, assim como celebrou a ética de Aécio Neves no passado. E celebrou o antipetismo nas eleições de 2018.

Ao insistir em igualar o fascismo ao antifascismo, William Bonner mostrou que, apesar de lidar diariamente com notícias há décadas, tendo ganho muito dinheiro e fama com isso, não foi capaz de entender a dor de milhões de brasileiros. Muitos destes o escutam toda noite em televisões instaladas em biroscas e barracos, capazes de fazer chorar qualquer pessoa.

Tudo bem diferente do dramalhão macarrônico de ontem à noite, completamente alheio ao desastre fascista que ameaça o Brasil.



Thursday, May 14, 2020

Misto quente sem presunto



O Sniff´s era o palco oficial de reuniões 
diárias de muita gente, mas honestamente para a vida líquida: cervejas, refrigerantes, caninha e sucos basicamente. Quando a fome apertava, em geral os jovens corriam para o Sumol, que fica na esquina de Figueiredo Magalhães com Barata Ribeiro – aberto até duas da manhã! Em noites de – rara –caixa alta, aquela pizza na Bella Blú da Siqueira. Para noites mais humildes, o caldo de cana da entrada do Shopping, na Figueiredo, já servia. Em caso de emergência, o máximo que rolava no bar do Seu Manel era ovo cozido ou amendoim. Às vezes uma porção de salaminho. 

Numa bela noite o Xuru, o bardo da turma dos escoteiros, chegou ao bar morrendo de fome. O problema é que o cardápio realmente deixava a desejar. 

Para se ter uma ideia, em meados de 1988 o misto quente da casa era mais barato do que o queijo quente, de tão barra pesada que era o presunto de ocasião. O jovem Russo então teve uma ideia: se pedisse um misto quente sem presunto, ele seria igual ao queijo quente, só que mais barato. 

Estava na cara que não ia dar certo. 

“Seu Manel, faz pra mim um misto quente sem presunto”.

“Ma com assm mninn? Com pód mist quente sem prsunt? 

O merderê estava consolidado. O bar virou o Coliseu de Roma. Xuru e Seu Manel protagonizaram um dos maiores debates da história do Sniff's, digno de eleições presidenciais que, naquela época, 
nem existiam. 

Com o regulamento nas mãos, tendo em vista que o presunto da casa era assustador feito o capeta, o jovem impetuoso que, um dia, faria história nas noites underground de Copacabana - e ganharia a alcunha de Russinho da Atlântica -, partiu com sua retórica para cima do velho comerciante lusitano:

"Seu Manel, eu quero um misto quente sem presunto e pronto. Não sou obrigado a comer esse presunto horrível."

"Ma num pod, mninn. Ond já c viu uma coisa dess? É que nem cazment sem noiva!"



Os dois elevaram o tom, o pessoal de longe começou a olhar, gente que passava na porta do Sniff’s parou e o cenário de alguma forma tinha a ver com a clássica canção de Aldir Blanc e João Bosco, “De frente pro crime”: “O bar mais perto depressa lotou/ malandro junto com trabalhador/ um homem subiu na mesa do bar/ e fez discurso pra vereador...”. 

“Ô, russim, mninn da Atlântica, você foi criad aqui, bom mninn, num pód uma coisa déss rapaiz.”

“Seu Manel, será que eu vou ter que chamar a polícia para atenderem meu pedido? O bar é público, eu estou fazendo meu pedido honestamente, posso ser atendido ou não?”

Silêncio na arquibancada do botequim. O veterano português saiu do balcão, chamou o russinho, os dois se afastaram uns trinta metros do Sniff’s, quase na esquina da portaria do Bloco D. 

Conversaram a sós, todo mundo esperando o resultado do fim do debate. 

O Xuru, baixinho, gesticulando muito. O Seu Manel, grandão, com as mãos para trás, de camiseta Hering branca. Ao longe, os torcedores do bar esperavam pelo capítulo final com grande expectativa. Até Souza, o antipático chefe da segurança do shopping, estava conversando e torcendo pelo misto 
quente. 

Um, dois, cinco minutos deconversa, um falava, o outro se calava. Num súbito, de longe se ouvem as velhas tamancas: Eduardo Victor Visconti, o Seu Visconti, o genial e excêntrico poeta e filósofo, vinha caminhado na direção 
tradicional e viu a dupla. Parou do lado deles, escutou os dois falarem algo rapidamente, começou a mexer os braços de forma alucinante, bateu as tamancas no chão com força e, plim, a conversa acabou.

Apressado, Seu Manel retorna para o balcão, cumprimenta os torcedores do bar e fala em tom baixo para o balconista Zezinho; “Faz lá essa porr desse mist sem prsunt pro Russinho duma vez”. Em seguida chega o triunfante Xuru, sorridente, e Seu Visconti começa a gritar: “SEUS DESOCUPADOS! NUNCA VIRAM 
NINGUÉM REIVINDICAR SEUS DIREITOS NÃO? VÃO ARRUMAR O QUE FAZER!”.

No outro canto do botequim, até Paulinho Cana – adversário histórico de Seu Visconti – balbuciou: “Esse velho é foda!".

(Publicado em "Um botequim de Copacabana", Vilarejo Metaeditora, 2019, página 49)

@pauloandel

Sunday, May 10, 2020

Censurado pelo Facebook


FELIZ DIA DAS MÃES, REGINA DUARTE - CENSURADO PELO FACEBOOK

Paulo-Roberto Andel - 10/05/2020

Neste domingo, provavelmente você está no conforto do seu lar ou da sua casa.

Certamente no mínimo fará chamadas em vídeo com filhos e netos, isso se não seguir as diretrizes do seu chefe, celebrando o Dia das Mães pessoalmente. 

Contudo, essa mesma chance não cabe às milhares de mulheres que têm morrido nos últimos 50 dias por conta da Covid19, muitas vezes acreditando na estupidez também do seu chefe, conclamando as pessoas ao abraço da morte nas ruas em nome da "economia", leia-se o interesse do patronato em não perder um centavo, podendo substituir os CPFs na hora em que bem entender ou precisar. E lá está você a sustentar essa barbárie. 

Não foi a primeira vez nem a segunda. Todos sabem das suas posições fascistas como fazendeira, desejosa da eliminação do MST, com muitas mães sofridas que a sua cólera cega insiste em sabotar, humilhar e invisibilizar. 

E o que dizer de carregar mortos, Regina Duarte? Eu mesmo carrego uma família inteira que foi psicologicamente destroçada pela ditadura, levada à pobreza e ao alcoolismo nos anos de chumbo que, debochadamente, você celebra com musiquinhas toscas. Há um suicida também, meu tio, decorrente do horror que a ditadura militar impôs ao Brasil, usando pessoas como você para dar uma boa imagem a uma tragédia feito agora. 

Lembra do seu medo de Lula, Regina Duarte? Pois é. Ele se transformou no terror que você espalha voluntariamente, de maneira sarcástica, fazendo propaganda de um governo fascista que não representa o povo brasileiro, humilhado e angustiado ainda mais agora, com o total desprezo de seu presidente pela causa popular, enquanto já enterramos pelo menos cem mil mortos pela "gripezinha".

Pois é, Regina Duarte, você pode mentir na TV, mas quando o assunto é ditadura eu não reconheço em você nem como um pedaço de cocô de rato. Com oito dias de vida, a ditadura quebrou toda a minha casa em busca do meu tio, enquanto minha mãe saía correndo comigo no colo pelas ruas de Copacabana. Podíamos ter morrido naquela noite, mas escapamos. Oito anos depois, eu não pude evitar minha expulsão da escola, sabe por quê? Simples: numa excursão à Praia Vermelha com a minha turma do curso de alfabetização, eu cometi o crime de perguntar porque a praia era vermelha. De baixo, eu vi o silêncio, os homens de idade fardados me olhando e o terror no rosto da minha jovem professora. Ninguém falou nada, ninguém expressou nada. Duas semanas depois, a direção da escola me convidou à saída: a ditadura descobriu que o garoto que perguntava sobre o vermelho era sobrinho de um exilado político e filho de um preso pelo regime. Quais foram os crimes? Meu tio carregava panfletos contra a ditadura. Era um panfleteiro. Como não o achavam, prenderam meu pai como isca para que ele se entregasse, o que acabou acontecendo. E como meu tio não desistiu de lutar pela liberdade do Brasil, foi preso outras vezes, perdeu uma audição à base de porrada no DOPS, até ser alertado de que, se não fosse embora, não teria outra chance. Os impactos dessa monstruosidade foram tantos que, dezesseis anos depois de sua expulsão, contribuíram certamente para seu suicídio.

As pessoas com alma e sentimento carregam seus mortos, Regina Duarte. E não é fácil. Nunca é fácil para quem tem apreço pelos seus e pelo próximo. Apreço que você despreza quando, na condição de representante desse governo indigno, se cala diante da morte de artistas notáveis como Aldir Blanc, Moraes Moreira e tantos outros. Ontem morreu o pai da arte cinética, Abraham Palatnik. Você sabe de quem se trata? A julgar pela sua mediocridade, provavelmente não, mas no mundo inteiro a arte dele é celebrada, exceto por fascistas, naturalmente ignorantes. Morreu também há pouco o Sérgio Sant'anna. Você já leu algum livro dele? 

Feliz Dia das Mães, Regina Duarte. A minha mãe não vai poder celebrar, porque morreu há treze anos, vítima psicológica da ditadura, da pobreza, da falta de condições para um melhor antendimento, feito milhões de pessoas neste país que você insiste em desprezar. Ainda me lembro dela vibrar com você em Selva de Pedra e Roque Santeiro (que, se você tivesse entendido 1% da trama, não deveria ter feito). Para minha mãe, as novelas foram muito importantes e uma das únicas distrações. Você nunca parou para pensar que sua carreira foi impulsionada por milhões de brasileiros que acreditavam em você, e que foram enganados por uma namoradinha da tortura e do ódio, da barbárie e do nazismo. Já parou para conversar com seus colegas de governo e as apologias que eles já fizeram a Goebbels, por exemplo? Preciso falar de corrupção e milícia? Não, né?

Feliz Dia das Mães, Regina Duarte. A minha mãe, que tanto te admirou, está morta. Mas é muito mais digno ter morrido pobre, anônima sem trair o próprio povo, do que ter fama e fortuna mas ser um monstro abominável feito você, que louva torturadores e despreza vítimas de uma pandemia. Morta, minha mãe é muito mais importante e digna do que você viva. Eu tenho orgulho de ser filho de quem eu sou, mas teria nojo de ter uma mãe feito você. 

É inútil ficar neste cargo, Regina Duarte. Você já vinha demolindo a sua imagem de décadas (mesmo que fosse fake) com as suas barbaridades mentais que chama de "posição política". Mas nesta semana que passou você a implodiu de vez. Nunca mais escapará da pecha de fascista, escroque, indigna, militante da ditadura e do horror. Nem uma foto com o seu belo rosto do passado será poupada. Sempre que falarmos do fascismo brasileiro, você será uma referência para isso. Desprezada pelos próprios pares, humilhada na própria emissora onde foi estrela por décadas. Nenhum dinheiro ou patrimônio compensará isso. 

Feliz Dia das Mães, Regina Duarte. Aproveite intensamente esta nova fase, porque o último foi ano passado. Infelizmente hoje você não passa de uma morta em vida, um cadáver insepulto, um zumbi que gargalha e escarra rancor vociferando toda a sua falta de humanidade, a sua colossal ignorância, o seu vazio de bem. 

Você não precisa carregar mortos nas costas: basta que encare o espelho, olhe fixamente e, por trás da imagem, tome ciência de quem você realmente é. 

Descanse sem paz.

@pauloandel