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Wednesday, January 30, 2008

Crônicas Tricolores 5 - Chuva de gols

Caríssimos, em mais um capítulo da maratona de jogos que tem marcado a Taça da Guanabara, nosso Tricolor entrou em campo para mais um compromisso contra o Volta Redonda, o Peñarol do sul Fluminense - com sua garbosa e vistosíssima camisa aurinegra.
Vencemos, não convencemos plenamente, mas o time certamente se recuperou do empate contra a agremiação de Macaé – mais ainda, mesmo que timidamente, fez o que se pode dizer de melhor partida este ano; ao menos, a mais equilibrada em termos de dois tempos, mesmo que a goleada tenha sido desenhada apenas no segundo.
Nem a baixa temperatura de um Maracanã alagado com a chuva ininterrupta atrapalhou o pequeno, mas fiel, contingente dos nossos torcedores. Quase dez mil pessoas em Mário Filho, num dia de águas bravas e trânsito caótico, ainda mais no exótico horário das sete e meia. Com chuva, muita chuva. A sina do Tricolor tem sido a chuva neste 2008.
O time mudou, e para muito melhor, ainda que longe do ideal. Ao contrário dos outros três matches anteriores, facilmente viu-se a mudança de comportamento da equipe. Começamos agredindo, buscando ataque, fazendo pressão na intermediária do Volta Redonda, e tudo isso fez diferença. Mais ainda, compensação pelo nosso ainda precário entrosamento, afora a pouca ênfase de jogadas ensaiadas. Convém ressaltar que, embora a entrada de Júnior pela esquerda, no lugar do indeciso Nery, tenha colaborado para a mudança de atitude do Fluminense, houve uma sacudidela coletiva da meia-cancha para a frente, com todos correndo, brigando e buscando a abertura de resultado. O Volta Redonda, recolhido e respeitoso, não lembrava em quase nada o time de outros tempos – há pouco, decidiu contra nós um título do Rio.
Deixando de lado a nossa paixão, o Tricolor até que demorou para abrir o placar – e, curiosamente, numa das raras jogadas ensaiadas postas em prática, fizemos o tento numa cabeçada de Luiz Alberto, que tinha subido à área em função de um escanteio. Antes, vários chutes tinham sido dados contra a meta dos voltas – e o próprio escanteio que gerou o primeiro gol veio de uma grande defesa do goleiro Edinho, em chute de Dodô. Em suma, poderíamos ali já ter uma vantagem. Percebi evolução, vontade, e a diferença de apenas um gol só era preocupante porque sabemos que, no futebol, o um a zero é um triz – e, ao final da primeira etapa, quase os voltas igualaram o marcador; contudo, Nelson e outros deuses do futebol de Laranjeiras afastaram a bola de nossa meta, o que nos fez vencedores da primeira etapa. Não foi um jogo brilhante do Fluminense, mas raçudo e bem-disposto; parte de nossa torcida vaiou, mas não por uma péssima atuação e sim por saber que o Fluminense pode oferecer muito mais.
O pai-de-santo Tiba não foi visto nas arquibancadas, de modo que não se podia sequer pedir o amparo dos orixás para uma vitória consagradora na fase final. Porém, eu senti o aroma da goleada no vento úmido do Maracanã. Ao meu lado, a amiga Rita parecia cética quanto ao resultado, quando bradei:
“ – Querida, o Fluminense goleará. Espero cinco ou seis gols ao final. Será seis a zero.”
Rita riu da fanfarronice macarrônica que parecia vir das minhas palavras. Contudo, o destino do Tricolor é a vitória, é a conquista. E o que se viu no segundo tempo foi uma goleada retumbante, heróica, digna.
Para desespero daqueles que querem um dos nossos atacantes no banco, todos foram bem na segunda etapa, fazendo do Fluminense um algoz implacável dos voltas. Com dez minutos de segundo tempo, resolvemos a fatura: primeiro, num golaço de Washington em cobrança de falta, bola precisa no ângulo direito, impecável. Os amigos sabem com clareza; há milênios que não temos um finalizador, um centroavante, que tenha o dom da cobrança de falta. Washington tem. Como é importante ver o homem da frente fuzilando o gol adversário com maestria. E, em seguida, com o desespero de Volta Redonda, contra-atacamos e fizemos o terceiro, com o demolidor Leandro tocando rasteiro na saída de Edinho, Leandro que fora municiado por Washington. E, mais uma vez, Washington, em falha no rebote do goleiro, mas mostrando o faro de artilheiro, fez o quarto. Pela primeira vez no ano, ficamos tranqüilos bem antes do jogo terminar. Eu vi Rita e sorri, dizendo-lhe que os dois faltantes viriam para o sexteto retumbante de gols.
Jogávamos em franca velocidade e as jogadas vieram uma atrás da outra. Poderia ter sido mais, e desimporta se disserem que o Volta Redonda está mais fraco, que o Volta Redonda tem menor investimento, que o Volta Redonda já não é o de antes. Vale o que está escrito, e a súmula mostra uma goleada impiedosa, com um Washington esplêndido.
Fomos atrapalhados pelo gol dos voltas, numa desatenção que não pode se repetir. Tomar um gol de bola quicada n’área seria motivo de derrota e crise, se tivéssemos levado primeiro que eles. Falha sim, mas num momento em que podia acontecer. Menos mal.
Eu não destacaria um jogador em especial nesta vitória expressiva, pois acho que o time foi dedicado e aplicado, mesmo com a exuberante partida de Washington. As entradas de Roger e Cícero foram boas. Foi uma vitória de coletivo. Entretanto, cabe a menção um jogador de alto nível técnico que não vinha conseguindo mostrar o que sabe, e que fechou a partida com chave de ouro: Dodô. Sim, amigos, Dodô correu, passou, chutou muito, lutou e foi premiado a dez minutos do fim com um golaço, de artilheiro que sabe matar o goleiro. Um chute fortíssimo, que estufou o ângulo direito do goleiro do Volta Redonda, após dribles na direita da grande área. Um chute para desafogar mágoas. Tenho em mente a bela imagem que foi a do time inteiro vir em volta de Dodô para abraçá-lo; todos esperavam o primeiro grande gol dele com nossa camisa, e aconteceu. E ainda houve tempo para mais uma jogada fantástica dele ao fim do jogo, humilhando o zagueiro da direita e cruzando perigosamente. Agora, sim, vestiu de vez o manto Tricolor. Durante a partida, ao desperdiçar uma oportunidade, Dodô desabafou num rompante que perder aqueles gols tinha a culpa de alguma praga botafoguense, para fartos microfones abertos da imprensa, atrás dos gols - e hoje, alvinegros vociferaram alegando que o artilheiro tinha desrespeitado General Severiano. Para nós, Dodô mostrou, isto sim, um repertório de competência que foi coroado com um golaço – o resto é falácia.
Foi o quarto jogo em dez dias. Não fomos aprovados com honra ao mérito, mas a goleada, as boas jogadas e os vários lampejos de talento, principalmente no segundo tempo, sugerem que um Fluminense forte - mais forte do que nunca - pode estar a caminho. Assim como não jogamos bem com três atacantes no sábado, ontem tivemos excelente jornada no segundo tempo com o trio. E a imprensa esqueceu-se de que ainda temos Dario Conca para estrear.
Veremos o que nos espera pela trilha.
Errei o placar. Atirei no que vi, acertei no que não vi. A goleada é fato.


Paulo-Roberto Andel, 30/01/2008

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Monday, January 28, 2008

Crônicas Tricolores 4 - Um pequeno revés

Caríssimos, a partida de ontem à noite, contra a estreante agremiação auriceleste do Macaé, não foi de boa jornada para o Tricolor, ainda que o resultado final não tenha sido altamente comprometedor para a classificação na Taça da Guanabara. Jogamos mal e, como conseqüência, a partida foi de fraco nível técnico, sem desmerecimento dos valorosos macaenses. Apesar de ser uma peleja limpa, com poucas faltas, foi bastante truncada e com poucos lampejos de criatividade. O empate em dois tentos foi praticamente justo e, se os adversários de Laranjeiras quiserem falar do gol que os estreantes perderam na última finalização do jogo, posso lembrar de dois pênaltis claríssimos a nosso favor – que foram solenemente ignorados pelo rechonchudo árbitro Damásio, bem como sua loura assistente. Voltamos a sofrer dois gols no primeiro tempo e, embora merecidos, eles contaram com um misto de nossa desatenção e o salpicar de sorte.
Tudo começou com a chuva, a mesma chuva que vem nos perseguindo em todas as partidas. Nas arquibancadas, quero destacar a beleza do coletivo intitulado Legião Tricolor, uma torcida que visa exclusivamente apoiar Laranjeiras e, hoje, já repleta de uma multidão como as de torcidas organizadas convencionais. Os legionários, com seus sinalizadores verdes, deram enorme alegria ao estádio. Os quinze mil torcedores viram o Tricolor começando a partida exatamente como das vezes anteriores neste certame: com certa timidez e baixa velocidade. Ontem, um agravante: a má performance de Gabriel, que errou praticamente tudo o que tentou. Doutro lado, Nery foi Nery. Ao contrário do que quer fazer ver a crítica especializada, o problema do Fluminense não está no trio de atacantes. Washington tem voltado para buscar jogo e briga bem como primeiro marcador na intermediária adversária. Leandro, com alguns erros, tem buscado mais a posição de um ponta-direita, com algum resultado. Apagado mesmo, apenas Dodô; porém, é jogador de fartos recursos técnicos e digno de crédito. Creio que o time foi tomado por súbita apatia, sem culpa do ataque, e muitos foram contaminados, de forma que a velocidade não ocorria e o Macaé segurava-se na defesa, com esparsos ataques.

Num momento, quebrando a monotonia do jogo, veio um grande gol, um golaço, daqueles de se pedir bis, daqueles como fez Thiago contra o Caxias: a bola sobrou na entrada da área, mais à esquerda; Neves dominou, viu o experiente Cássio adiantado e colocou a bola no ângulo esquerdo – muitos torcedores, incrédulos, só bradaram o gol quando a bola já estava há muito nas redes. Uma beleza. E tudo indicava que, com o tento sensacional, o Tricolor rumaria para uma grande vitória. Mas não foi o que aconteceu. Logo de cara, os macaés empataram. O camaronês Steve, tal como um ponta-esquerda de verdade, invadiu nossa área após ter dado um drible da vaca no vacilante Ygor. Feita a jogada, fuzilou como se quisesse acertar a esquerda de Diego; contudo, Washington, sim, ele, ao tentar tirar a bola da defesa, resvalou nela – e a pelota beijou violentamente a direita do nosso goleiro, enganando-o por completo. Foi um chutaço, um tirambaço de Jorge Curi, e o empate foi decretado.
Quando tudo indicava que o empate em um seria o ocorrido em Mário Filho na primeira fase, o Macaé virou o jogo, de forma quase inusitada. Num ataque dos amarelados, a bola sobrou dentro da área, à esquerda, para que o mesmo Steve finalizasse, depois de falha inicial de Nery – errando o tempo de bola, o importado acabou cruzando e Jones completou sozinho, diante da atônita defesa. E terminou o primeiro tempo, sob vaias da nossa torcida, com exceção dos admiráveis legionários, sempre a cantar em prol de uma virada no placar. Estamos mal-acostumados por hoje, eu reconheço: a excelência da nossa defesa no ano passado, a segunda melhor no certame nacional, fez com que passássemos a considerar gols adversários como verdadeiro sacrilégio. De qualquer forma, o respeito aos adversários do interior não os credencia a fazer mais de um gol em nossa defesa a cada primeiro tempo. Apesar da má atuação e dos gols sofridos, de toda maneira eu não enxerguei ali um sinal de derrota fragorosa ou de nenhum conserto. O Fluminense pareceu-me desatento até demais, mas capaz de reverter o placar que, ressalte-se, não foi ocasionado pela propalada sobrecarga dos três atacantes, e sim pela falha coletiva.
Voltamos surpreendentemente sem alterações – talvez Renato estivesse convicto de que as orientações de vestiário fossem suficientes. O time, contudo, retornou com a mesma falta de ritmo da primeira fase, incapaz de agredir um Macaé recuado pela vantagem no placar. E então, Renato tentou a diferença ao sacar Gabriel (com justiça) para colocar Cícero mais à frente, passando Marcos Arouca para a direita. Cícero entrou em campo e foi para a área, veio o cruzamento e ele cabeceou para o empate a nosso favor. Pode-se dizer que foi um golpe da sorte Tricolor, uma vez que o jogo já se aproximaria da metade do segundo tempo e reagir nestas circunstâncias, contra um time fechado, é sempre mais complicado. E, por mais sorte ainda, uma vez que o time não se sacudiu, não vibrou, mesmo igualando o marcador – voltamos ao estado original de antes do tento, mesmo entrando Júnior no lugar do apático Nery.
Os vinte minutos finais foram marcados por jogadas inócuas e pelo gol que os macaés perderam, mais os dois pênaltis que não foram marcados a nosso favor. Faltou-nos força para reagir, para traduzir a superioridade do nosso elenco no campo, na peleja. E empatamos, num revés desagradável. Menos mal o empate, a derrota seria injusta e pesada neste momento.
Os mais afoitos poderão enxergar sinais da crise, de que os três ases não podem jogar juntos, de que o time está muito mal. Penso que foi a terceira rodada, o terceiro jogo. Ainda temos tempo. Foi um pequeno revés. Espera-se que alterações sejam feitas, que surjam jogadas ensaiadas, tabelas, triangulações. Grandes gols, já mostramos que somos capazes de fazer.
Temos quatro jogos para chegar às semifinais da Guanabara, e eu acredito nisso. Todos apontam nosso tropeço, nossa falha, e isso é bom: deixemos os louros da glória efêmera para os preferidos da imprensa. Somos a zebra para os desinformados. No momento certo, quando ninguém espera, o Fluminense tornar-se-á o maior favorito de toda a história. Que não duvidem de nossa capacidade. Ela é tão grande quanto os incansáveis e intermináveis gritos de apoio por parte dos legionários.

27/01/2008

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Friday, January 25, 2008

Crônicas Tricolores 3 - O time da virada.

Caros companheiros, ontem foi dia de grande emoção em Mário Filho, dada a vitória garbosa do Tricolor sobre a estreante e qualificada equipe do Duque de Caxias, vinda de uma goleada de cinco contra o América, no inusitado horário de sete e meia da noite. A emoção não se deu propriamente em termos de uma partida eletrizante, embora tenha sido longe da monotonia, mas sim por causa do complicado início de jogo para nós – uma vez que estávamos com o revés de dois gols em vinte e cinco minutos de partida. Falarei disso.
Antes de tudo, a chegada ao estádio. Chamou-me atenção, mais uma vez, a dificuldade enorme que um torcedor tem para adquirir seu ingresso nas bilheterias de Maracanã. Organizaram uma fila para os jovens de meia-entrada, demoradíssima. Testemunhei que bilheteiros estavam exigindo, além da carteira de entidade estudantil, a da escola de origem e, com isso, atestando a inutilidade do primeiro documento, como se garotos de dezesseis anos estivessem ali em sinal de mentira. Outra situação curiosíssima foi a de que as grades das bilheterias estavam abertas por baixo, ao contrário da posição correta e tradicional – o que fazia qualquer sujeito com mais de um metro e sessenta e cinco ter que praticamente ajoelhar-se para falar ao funcionário. No mais, a apoteose dos cambistas, negociando a céu aberto e à frente de um camburão de polícia. Hoje, no Maracanã, é mais fácil pagar a um cambista do que adquirir um ticket em guichê. Havia um público pequeno para um jogo do Fluminense, mas suficiente para uma conturbada compra de ingressos. Passam-se os anos, e a coisa somente piora; seria muito fácil consertar a compra de ingressos, houvesse interesse.
Adentrei Maracanã, e logo deparei-me com dois fatos muito agradáveis: um, ver a seriedade do goleiro Diego em seu aquecimento atrás do gol à esquerda das cabines de rádio. Estava concentrado, firme, dedicado. Nós, como reza a tradição de Laranjeiras, acompanhamos todo o treino em silêncio, sem atrapalhar, como fosse uma reverência à camisa que já foi de São Paulo Victor e São Castilho. Antes de voltar ao vestiário, Diego foi atencioso com os que beiravam o gramado, e gostei disso – o ídolo precisa saber tratar a torcida. Ele sabe. Outro fato bom foi rever em campo meu amigo Rafael Marques, jovem e já veterano repórter esportivo, criado em berço Tricolor apesar das raízes eternas em São Januário. Rafael, também bastante solícito aos fãs, mostrou inconscientemente ali o que é um jogo do Fluminense: uma festa de amigos, de família, onde as pessoas confraternizam.
Quando nosso time entrou em campo, seu líder à frente era o presidente Horcades. Estranhei o fato, por mais que a hierarquia o explique. Trata-se de um senhor, com peso e, ao caminhar lentamente, fez com que o time, respeitosamente, fizesse o mesmo em linha indiana atrás dele. Entendo que a maneira de subir ao gramado deva ser rápida e vibrante. Coincidência ou não, refletiu depois em campo. E o calção grená, pouco afeito à camisa Tricolor, é sempre um fator desconfortável para bons presságios.
O jogo.
Sob chuva leve que, rápida e brevemente apertou, começou o match e os de Caxias mostraram presença. Ataques, dos dois lados; entretanto, os visitantes, de uniforme todo alvo (com mando de campo, neste estranho regulamento) pareciam mais bem-arrumados, com jogadas rápidas e tabelas. Imagino ser um time formado bem antes de janeiro. Logo, Caxias fez um gol, em cima de nosso lado esquerdo, onde estava o titubeante Nery: um cruzamento da direita, rasteiro, forte, e a conclusão do atacante caxiense dentro da pequena área. Era apenas um atacante contra quatro defensores na ocasião, mas a bola veio bem ao feito de um matador. Um a zero para eles.
Apesar da desvantagem, não houve motivo para o temor exacerbado, mesmo que os minutos seguintes tenham mostrado erros em nosso meio-campo e a situação crítica da esquerda de nossa defesa. Conseguimos alguns bons ataques e, em dois deles, o empate esteve iminente: um chute forte de Dodô, por cima da meta, pela direita do ataque; a cabeçada de raspão de Washington, que beijou a trave direita. O ataque, embora bem marcado, parecia movimentar-se bem; Neves chamava o jogo para si e tentava jogadas impetuosas pela esquerda. Mesmo longe do melhor de nossa forma, a confiança na reação era grande.
E então veio uma estocada perigosíssima. Em novo cruzamento nas costas do desorientado Nery, a bola foi escorada na direita de nossa defesa, aconteceu um novo cruzamento e sofremos um golaço, com a finalização de voleio do veteraníssimo Viola em meio à área – um golaço daqueles que merecem aplauso, dignos do canto do cisne de um campeão mundial. Os torcedores de Caxias, trazidos pela prefeitura local e nitidamente disfarçados de sua real origem de coração, a Gávea, vibraram. Tomar um grande gol em qualquer situação pode ser desastroso para um time, ainda mais com uma diferença de dois a zero em menos de meia hora de partida.

O Maracanã foi tomado por um silêncio desconfortável; todavia, o Tricolor não esmoreceu e, ainda que sob certa desordem tática, buscou ataque. Nossa defesa, sempre segura, ali tinha vacilado, também prejudicada pela ausência de Marcos Arouca. Outro fator que atrapalhava, e também junto do nervosismo, era a tentativa nossa de municiar o ataque com chutões, sem a bola no chão e toques. Os de Caxias, bem posicionados, desarmavam os lances sem falta. A meu lado, o amigo Pai Tiba de Oxossi, deliciando-se com o sabor inconfundível de um cachorro-quente, bradava:
“- Viraremos. Será 4 x 2!”
Veio intervalo e a impressão clara de que Renato mexeria na equipe. Os Sussekinds, meus irmãos de fé, estavam num camarote e telefonaram-me, enquanto nos víamos ao longe. Eu avisei que Pai Tiba de Oxossi tinha previsto a virada monumental. Raul, sempre sereno e ponderado, preferiu um pontual realismo ao telefone:
“- Cara, acho que virar é impossível...”
É claro que essa frase veio de um momento de chateação de um grande Tricolor, um instante. Eu, você e todos nós sabemos que, para o Fluminense, nada é impossível. Marcos Caetano, em brilhante texto, certa vez definiu bem que não há buraco nesta terra capaz de tragar o Tricolor. Mesmo que não tão firme em campo, o Tricolor tomou gols mais por falhas pontuais do que por uma má atuação coletiva.
Renato fez as entradas que já se imaginava: vieram novamente Cícero e Júnior César. E o Fluminense tornou-se um titã enfurecido, incontrolável.
Saída do segundo tempo, fizemos ataques e, numa jogada que parecia perdida, o zagueiro craque Thiago roubou magnificamente uma bola à frente da área, e disparou um tiro de canhão na meia-altura direita, indefensável para o goleiro caxiense. Um chute espetacular, violento e preciso, daqueles que fazem qualquer time reagir e vencer qualquer jogo. Um gol antológico, para premiar tudo o que este rapaz tem feito com a camisa do Fluminense e, sem o menor exagero, no mesmo nível de gigantes do nosso passado mais recente, como Ricardo e Edinho. Thiago dificilmente faz faltas, tem um senso de cobertura fantástico, grande posicionamento, carrega bem a bola e finaliza com maestria. É jogador de Seleção Brasileira, para quem entende do assunto. Não reconhecer seu talento só pode ser fruto de cegueira futebolística.
O gol incendiou nossa torcida, a reação no placar era inevitável. E logo empatamos, numa jogada onde Leandro tentou encobrir o goleiro Fernando, mas a bola não ganhou força na direção do gol; de toda forma, serviu como belo lençol e Leandro apenas chegou perto do gol vazio para tocar e decretar o empate.

Ainda tínhamos mais de meia hora para dominar o jogo em números e, ao verem os dois a dois no placar, os caxias certamente sentiram a pressão que havia se estabelecido, bem como a condição física que não era mais a mesma. Ficou claro que vencer a peleja era questão de tempo para nós.
Demoramos um pouco. Houve um gol justamente anulado de Leandro, impedido. Dodô buscava jogo pelos dois lados. Washington vinha marcar na nossa intermediária. Júnior disparava a todo instante pela esquerda. Neves ia e vinha. Em um certo momento, fizemos quatro finalizações em três minutos. O gol não surgia. Contudo, os de Caxias, baqueados, sequer encaixavam um contra-ataque. Era preciso ter paciência, perseverar.
Numa jogada bem parecida com a que gerou a bola na trave, no primeiro tempo, aconteceu o que todos queríamos e precisávamos. Neves cruzou e Washington, definitivo, venceu todos no alto e tocou para o gol, decretando o terceiro tento. Ali, senhores, o jogo encerrou. O Caxias entendeu que, mesmo tendo uma boa performance, não seria páreo para Laranjeiras. E nada mais fez, exceto aceitar sofregamente a derrota de virada.
Renato, prudente, colocou o jovem Maurício para aumentar o poder de marcação, e tirou o aplaudido Washington, nome de hoje e sinônimo de tantas glórias passadas. Ainda perdemos alguns gols, mas a vitória estava selada.
Diverti-me ao final, com o apito do juiz, ao ver os flamengos disfarçados de Caxias, um tanto cabisbaixos, com remorso. Perceberam que, por mais que a Gávea tenha a predileção da imprensa e dos especializados, encarar o Fluminense será uma pedreira de sete mil quedas. Também agradou-me saber da correção profética de Pai Tiba: os gols aconteceram e, se não foram quatro, foi apenas uma questão de validação.
Mostramos força e valentia, mesmo com uma situação de revés na partida. Viramos. Nós somos o time da virada, o time das vitórias no último minuto. E quem duvida de nós na véspera corre o sério risco de engasgar-se ao fim, enquanto bradamos nossa vitória a cada quarta, cada domingo, cada dia onde a nossa centenária e imortal camisa esteja em campo.

Paulo-Roberto Andel, 24/01/2008

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Thursday, January 24, 2008

A respeito de Dora

Falar que Dora era apenas linda pareceria piegas ou diminutivo; para os mais atentos, não deve ter sido muito fácil descrever seu corpo de estátua grega, seu olhar cintilante e o rosto que cairia bem em qualquer passarela. Contudo, não se restringiu em vida apenas à beleza física.

Dora foi uma das grandes atletas brasileiras de todos os tempos, daquelas que um esporte passa a ser comentado por causa da performance dum determinado atleta. Foi assim no passado com Maria Esther Bueno e Aída dos Santos, para deixar dois entre muitos exemplos. Ganhou a América muitas vezes e bateu as ondas gigantes do Hawai. E virou referência de mulher ao mar.

Dora, de beleza infinita e mais que admirável, tinha um jeito de lady européia, tipo de mulher que cai muito bem na virtude de Ipanema com todo o jeito de Mônaco. Falando manso e com muita articulação. Mais ou menos isso. Charme especial, sofisticado.

Passou a vida desafiando as intempéries da natureza, nos mares, solitária em sua realização pessoal no esporte. Não havia alguém para tabelar, trocar passes, não havia nada ao lado - apenas ela e o mar bravio. Terminou a vida ainda jovem, muito aquém do justo e merecido - e, por desagradável coincidência, da mesma forma como sempre viveu: encarando as dificuldades da natureza, sob temporal, e sozinha ao carro onde acidentou-se derradeiramente.

Eu agradeço a Dora pelo que fez pelo esporte do Brasil, sozinha, catando apoios e patrocínios num lugar onde o futebol, nossa apoteose, ainda é tão mal-explorado e vilipendiado por gentes nefastas - e imagine-se dos outros esportes. Mais ainda, em muitas vezes que falou à imprensa, defendendo o direito de mulheres que, por opção, não tivessem se casado, tido filhos e que não fosem homossexuais - assim, combateu de uma vez só o machismo e o "achismo" dos que, em pleno século XX, ainda insistem em ditar comportamentos sobre o que "homem" e "mulher" devem "fazer". Seja o que tenha sido, sozinha que fosse, fãs não lhe faltaram aos pés.

Para os mais próximos, ela deve ter deixado muitas lições.

Para mim, apenas um amador fã à distância, desde minha adolescência, o ensinamento de que a mulher pode - e deve - buscar tanto beleza interior quanto exterior, ter postura, educação, fidalguia, formação intelectual e uma outra qualidade que anda rara no mercado: classe.

Eu adorava ver aquela mulher como numa fotografia, sozinha rumo ao mar, fosse qualquer tempo, carregando sua prancha e trilhando solitariamente o reconhecimento no esporte. Havia algo de atitude, personalidade ali. E linda.

Que esteja bem, tão bem quanto me fez sem nunca ter sabido. Muito bem.

Paulo-Roberto Andel, 24/01/2008

Tuesday, January 22, 2008

Do cansaço

eu, que me mastigo e rumino por vezes
em busca do meu próprio supra sumo,

eu, que me atiro e me estilhaço ao chão,
espalhando-me por dois mil e oito cacos,

eu, que me faço de lenha ao fogo intenso
e viro brasa de alimentar meu incêndio,

eu, que ponho quase tudo a tudo perder
por todo amor e alguma prova d'amizade

eu, tantas e todas vezes eu, tão indivíduo
e tão descrente que todos sejam só um

eu, dilapidado

eu, farto de mim, de meu, dos egoísmos
que se amontoam na gente apressada,
no bom-dia sem qualquer resposta vaga,
no monólogo e no bel prazer dum solo,

canso-me da frieza, da indiferença ao léu,
das pessoas que não sabem mais do Rio,
dos fatalistas que afirmam o fim do jeito,
como se a fidalguia fosse dejeto somente

eu, esgotado, tardo mas quase não falho
e muito há por ainda pastar, regurgitar,
ainda existe uma razão para se espatifar
mesmo que meia-dúzia não seja milhão


Paulo-Roberto Andel, 22/01/2008

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Friday, January 18, 2008

Crônicas Tricolores 1 - Gênese

Hoje, dia dezoito de janeiro, nós, Tricolores, estamos perto de nosso Réveillon, nossa virada de ano. O leitor desatento sabe que, tal como ensinou Nelson Rodrigues, Tricolor só há um, o Fluminense; os outros, com todo o respeito, são times de três cores. Nelson Rodrigues, também somente um.
Depois de quase quarenta dias longe de nossa casa, o Maracanã, é hora de brindarmos o ano novo que surge à frente e muito nos promete. A magia do futebol, que a milhões encanta na Terra, passa pela eterna renovação, a eterna busca e mudança: perde-se numa quarta, quinta é dia de se pensar no clássico de domingo. Contudo, este é um ano especial.
Depois de percalços do passado, nós, que respiramos o ar de Álvaro Chaves, estamos à boca de mais uma temporada, redivivos, firmes como nunca.
Amanhã, começa um desafio vigorosíssimo, que é o de buscar o trigésimo-primeiro título estadual. Porém, se a tradição e alguma superstição possuem força, estamos bem: um poderoso jornal desportivo do Rio realizou um levantamento entre seus analistas de futebol, para que indicassem os quatro primeiros colocados no certame que começará. A grande maioria indicou o Fluminense como vice-campeão do Flamengo, que empataria conosco em títulos regionais. Esse apontado favoritismo da Gávea cai bem.
Nós temos a descrença dos comentaristas como orgulhosa tatuagem no peito.
Não foram poucos nossos times que arrebataram as taças sem que um único analista nos desse o crédito do favoritismo. Relembro 1980, quando diziam ser da Gávea inevitáveis vencedores, ainda mais depois do campeonato brasileiro conquistado à época; contudo, não chegaram sequer à final de um dos dois turnos. Vencedores do segundo, os vascaínos esbanjavam favoritismo e acreditavam que, depois de seguidas derrotas para os flamengos, era chegada a hora da conquista. A chuva e o vento foram prenúncios, e o gol de Edinho foi abençoado por Cartola mais Nelson – assim, Laranjeiras naquele dia venceu mais do que nunca.
Creio que os da Gávea mereçam respeito por manterem o time-base do ano passado, mas nós, Tricolores, bem sabemos que eles não gostam de nos encontrar num jogo final ou decisivo. Há dois anos, quando estivemos perto de ganhar nossa primeira Copa do Brasil, mas perdemos a semifinal para São Januário, minutos após o jogo, houve um foguetório em muitos bairros da Guanabara – ao contrário do que se imaginava, não era a torcida vascaína, mas sim os flamengos, em comemoração de ter o Vasco como adversário em vez do algoz. Não queriam medir forças com o Tricolor, porque o passado os assombra. São fortes as imagens de Benedito de Assis, mesmo depois de vinte e cinco anos, entrando delicadamente pela esquerda d’área, para fuzilar Raul em seu gol de despedida. O golpe mortal de Assis, a cabeçada que pareceu um tiro e fez mágica da geometria ao deslizar no ângulo esquerdo, desnorteando Ubaldo Fillol. A maior vitória de todos os tempos, em todos os mundos, quando Renato encostou sagrada barriga à bola chutada por Aílton e correu de fita na cabeça, risonho, feliz, repetindo um 1950 para o centenário dos flamengos. Em todas, absolutamente todas estas ocasiões, a imprensa e a crítica especializada apontaram o Flamengo como superior, o Flamengo como o grande campeão, mas a glória final teve o destino da nossa casa.
Fizemos um time bom. Voltamos a ter um ataque com poder de fogo, com jogadores de alto nível técnico como Dodô e Leandro, e ainda o nome de Washington - tradicional em posters de campeões Tricolores e, inevitavelmente, um bom presságio. O meio de campo foi reforçado, e creio que Dario Conca possa render bons frutos. Nossa defesa, segura no ano passado, manteve-se íntegra. Para muitos, o gol era nosso sofrimento mais longo, dado que não temos um Paulo Victor há muito. Amanhã, jogará Diego, goleiro que ao ser contratado por nós era tido como o melhor do Brasil, mas que ainda não se firmou. É uma esperança.
Que não se iludam os mais vibrantes, mesmo que tenhamos hoje muita força. Doutro lado, estará o estreante Cardoso Moreira, da simpática e humilde cidade do norte Fluminense. Não virão com a intenção de serem meros coadjuvantes e, mesmo sabedores de tudo o que podemos realizar este ano, o respeito precisa imperar. Teremos o Maracanã como merecemos, nosso, límpido, e cabe-nos a função de abarrotá-lo, de fazer a grande apoteose da gênese, do nosso começo de um ano que pode ser especial.
A semana a seguir vem com mais dois jogos; em caso de boas vitórias, estará selado o passaporte de confiança para a Libertadores de América, que há muito nos espera. Muito falam do “grupo da morte”, que será uma tarefa terrível onde será muito difícil que nos classifiquemos. Para alguns, o futebol é momento, com certa razão; entretanto, basta olhar para nossa trajetória de louros e não será encontrada nenhuma facilidade, nenhuma dádiva. Para o Tricolor, não há títulos de antevéspera, mas sim os de últimos minutos. Nosso costume é o suor, a dificuldade, os olhares reprovadores dos mais sábios; porém, a sala de troféus mais abarrotada fica no vert-blanc-rouge.
Quando o Fluminense está em campo, todo jogo é importante e decisivo, toda taça é fundamental para as nossas mãos. Contudo, este ano é crucial, pois não podemos deixar que os flamengos sequer ameacem um título que trazemos desde a invenção do mundo, que é o de maior campeão desta terra. E há um sonho à vista: o das Américas. Ao contrário da ampla maioria dos especialistas em futebol, temos reais chances de conquistar a Libertadores e arrebatar o único título que nos falta – e o sol da América pode ser também o sol nascente de Tóquio, o sol do nosso bicampeonato do mundo. Sabemos, todos nós, que trata-se de um árduo caminho, tortuoso; entretanto, quando eu entrar amanhã em Mário Filho e subir a rampa, é exatamente neste caminho que estarei imaginando.
Em futebol, muita coisa é tênue, passageira, de modo que previsões têm sempre muita chance de dar em tiros n’água – mas eu acredito no Fluminense, na força do Fluminense, a mesma que nos tirou dos piores momentos e descréditos, a mesma que nos levou a folguedos e festas. Não sei dos títulos que virão, e nem se virão, mas o fato é que hoje, nesse dezoito de janeiro que se encerra, poucos times têm mais potencial de volta olímpica do que o nosso Tricolor de Laranjeiras. O tempo se encarregará do resto.
Rio de Janeiro, 18 de janeiro de 2008
Paulo-Roberto Andel

Monday, January 14, 2008

Gerúndios

minha amena vida não se pauta em pretéritos;
ela é regada num jardim de gerúndios.

digo não ao mais-que-perfeito, ao subjuntivo.

eu quero também o erro, o defeito, e alguns bons indicativos.

basto-me vivendo, vivendo e aprendendo, aprendendo e respirando, solfejando;

fico sonhando, falando, bebendo e cantando, fazendo e desacontecendo.

eu namorando, amando e remando com a maré, num descansando, repetindo ou reiterando.

eu vou brotando e desfolhando, renascendo das cinzas, dos louros e pêsames, das lembranças.

o gerúndio é meu oxigênio, pretérito mais-do que-erro,
meu erro crasso, meu ir e vir das apressadas ruas.

enquanto eu ando, a vida é agora,
é do endo, indo, do ando sem quando;
é água de riacho que vai rumando;

desce o curso em busca da morte,
longe do hoje, lá no além-mar.


Paulo-Roberto Andel, 14/01/2007


http://www.globoonliners.com.br/icox.php?mdl=pagina&op=listar&usuario=5030&mostrar=meublog&refresh=action

Friday, January 04, 2008

Brevidade

A única coisa realmente importante a dizer no dia de hoje é que eu amo minha mãe.

Muito.

Sempre.

No mínimo, enquanto eu viver.


Paulo-Roberto Andel, 04/01/2008

A longa noite - partes I e II

I


quando você foi embora
não deixou rastro, nem cheiro
e nem carta de até mais


o que me parecia delírio
tomou ares de eterna mudez,
de silêncio inconveniente,
que ensurdece e apavora


você foi embora e cerrou meu canto,
rachou meu coração em dois,

ficou um para a vida ingrata,
com suas dores e paixões,
cheia de não e porém, ou talvez
e certeza de quase nada

a outra metade é toda tua
sempre tua, a cada momento


hoje eu não quero ver o sol
nem o mar da praiva vermelha,
basta-me cogitar o teu abraço,
o teu beijo de afago e certa graça
que só mora em teu sorriso,
em tuas piadas de sempre



hoje, não posso apertar a tua mão,
e daí?


todo lugar tem o teu rosto

qualquer frase na tua voz é poema

e cada passo que eu dou
exige o respirar do teu ar
do meu amor solene
teu, perene



II



A longa noite
é longa e morna
é longa e mansa
há noite

há um caminho de pedras
e percalços escondidos
no fúnebre silêncio
imerso em negrume

à própria sorte
a morte à noite

alonga-se a noite, feito um açoite
nas costas nuas dos pretos velhos,
dilacerados em vida

há noite ao norte
para cada estrela que brilha,

mesmo há muito morta,
a estrela estende as mãos
em forma de brilho,
na desilusão da esperança
que não se prende,
não espera quem a alcança
afoito, pela noite,
avançando horizonte

há noite, a longa noite,
doce e traidora noite,
que repousa cativa
no mar da tranquilidade,
no afago secreto da lua,
serpente no monte,

há noite,
a longa noite em riste
é tristeza pintada com aquarela.



Em homenagem à pessoa mais importante de minha vida, minha mãe, Maria de Lourdes Andel.



Paulo-Roberto Andel, 04/01/2008

Diana

Velha amiga, eu volto à nossa casa
Já não te encontro alegre, quase humana
Corpo pintado de branco e marrom
E uma tristeza no olhar
Como se conhecesse dor milenar
Já não te encontro à espera ao pé da porta
Correndo viva e bela ou descansando
Tanto vazio por todo lugar
Tanto silêncio sinto ao chegar
Ao nosso território de brincar
Almoço aos domingos, a velha farra
Todos vão inventando novos segredos
Fica a ausência branca e marrom
Duma tristeza milenar
Mas os meninos voltaram a brincar
Como se ainda sentissem o teu olhar
Diana, Diana, Diana, Dianá, Dianá
Diana, Diana, Diana, Dianá, Diá, Dianá, Dianá


Toninho Horta