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Wednesday, January 31, 2007

Respirando Copacabana

Meus tempos de garoto foram em Copacabana. Tempos vividos. Outros garotos viveram outros tempos, claro, falarei dos meus.
Definir a pequena cidade é algo ingrato para qualquer livro, quanto mais um pequeno relato textual.
Copacabana é casa do Brasil, é a gênese, é onde tudo de certa forma começou.
Você conhecia todo mundo, pelas ruas, ao mesmo tempo ninguém. Podia ficar anos sem ver um vizinho de prédio e, subitamente, lá apareceria ele na casa de guaraná da rua Siqueira Campos. Certa vez, conheci um sujeito na faculdade que veio a ser meu amigo, grande amigo, até que me matou sem razão justa. Falávamos pelos cotovelos nos corredores da academia, coisa de um ano. Belo dia, viro direita da Barata Ribeiro, vem o cabeludo em trajes de praia, rumo ao Atlântico; cumprimentamo-nos e veio a brancaleônica pergunta: "Você mora aqui?". Éramos vizinhos.
Futebol era Juventus e Bairro Peixoto, às vezes o Dínamo. Escoteiros no terceiro andar de um shopping, inacabado, construído pelo pai do presidente Collor (...), reunidos defronte uma igreja em forma de cúpula, isenta de imagens santas.
Mendigos? O "Kung Fu" da Figueiredo Magalhães, Ramiro, Lina (que era poliglota) e o impagável "Mr. Éter", lenda do bairro.
Lanches eram ice cream soda nos supermercados Leão, mini pizza da Gênova, Sumol, Bolonha e Suprema. Também tinha a lanchonete de porta das Lojas Americanas, com refresco de côco em copo cônico de papel.
Vez em sempre, uma celebridade da época atravessava as ruas. Éramos todos respeitosos. Abordar? Nem pensar.

Meninas lindas das proximidades? Patrícia, Anas Paulas, Elianes, Regina, Cissa, Cristina, Renatinha. Mais.

A trilha sonora tinha tudo: Tim Maia, Eric Clapton, Zeca Pagodinho, Slayer, Peter Gabriel, Caetano Veloso e toda Bossa Nova.

Meu pai estava sempre nos botequins, afogando mágoas. Minha amada mãe, preparando meus lanches para a volta do futebol na praia, sem iluminação, e com risco de acertar boladas num casal mais afoito à beira-mar.

Puteiros, ginástica, boates, teatros, livros, discos, moda. Cinema? Metro, Rian, Bruni, Caruso, Condor.

Jogo de botão nas ruas, aprendizado de sexo nas escadas dos prédios.

Bom dia numa padaria era cumprimentar um velhinho, um travesti, uma modelo e, talvez, um astronauta.

Estou aqui num escritório gelado, frente ao eterno computador, calculando. Abri um sítio, tinha foto da praia. Copacabana Palace. Leme. Posto 4. Pensei na mãe que perdi, no ex-amigo cabeludo, nos puteiros, nos bares, Ana Paula. Tudo. Tempo perdido? Não. Ainda não.

Copacabana me enganou.

Garoto, pensei que felicidade fosse eterna.

Morri de novo. Ressurreição existe?



Paulo Roberto Andel, 31/01/2007

Beatriz

danadinha a menina
sedenta de conquistas
não pára, leva a sina
provocante, delicada
no desejo de paixão
vive todo momento
que pareça novidade
entrega-se faceira
nua em pêlo, morna
e vai aquecendo
até fervilhar, plena
danadinha a menina
sorridente, levada
embebida no cálice
saboroso de idílio
safadinho, saboroso
futuro, não aguarda
atira-se ao vento vão
caçando oportunidades
sua essência de mulher

Paulo Roberto Andel, 31/10/2007

1995

hoje, tudo não passa de efêmeras vanguardas
mergulhadas pelas cadeiras, mesas, reuniões
amontoando laptops, pen drives, coffee break
foram-se os dedos e os anéis, caso encerrado
o tempo levou meu majestoso e melhor amor
por tudo isso, encanta-me doce nostalgia de ti
nada mais antigo e deliciosamente fascinante
feito dourado que confiastes às minhas mãos
um beijo carinhoso na pousada de um arraial
todo gosto, cheiro, pele, tudo que reze presença
do teu perfume leve e inacreditavelmente vivo
são tudo tons que não opacam minha companhia
e não afrontam quem deleita-se bem ao meu lado
pois brilham no céu vespertino do velho Arpoador
foram-se os tempos, minguantes, correram serenos
pela fonte d´água que mata sede de todos desejos
nós agora somos outras casas, bravias, distantes
confiamos nossos amores a quem os desmerecia
sonhamos, vivemos, sortimo-nos por cada lugar
mesmo que nossos corações tenham nova gente
mesmo que lembranças não recuperem o ardor
eu, somente eu, navego vista pelo meu horizonte
e te procuro, procuro, procuro em cada calçada
cada beira de mar em noite de calmaria, poetisa
e sonho-te, sonho meu secreto mundo do querer
enquanto eu não descansar em paz, há fato certo
meu pensamento mais lúcido carrega uma fantasia
e nela, o detalhe mais-que-perfeito é o teu sorriso
tua delicada voz que ecoa firme em minha cabeça
feito a canção dos melhores momentos de amor
o macio de tuas mãos percorrendo-me pausadas
e o calor do teu corpo cujo igual nunca mais vi

Paulo Roberto Andel, 31/01/2007

Tuesday, January 30, 2007

A traição das palavras

palavras, que voam velozes, indecisas e malfadadas
expulsas ao vento por vozes firmes ou delicadas
palavras, perdidas na indulgência da não verdade
esgarçadas pelos tempos e ventos, vãs memórias
palavras, algozes ou santas, mordazes redentoras
ora desperdiçadas, ora definitivas, reticentes, nós
a casa da palavra deveria ser templário sagrado
que protegesse a todas do uso falhado, da má fé
palavras não são más, feito a poesia na canção
o mau homem é que delas abusa, traz-lhes dor
falar, escrever o que não sente ou desacredita
enganar, arruinar um coração ou pedaço de vida
perdoemos almas vazias que vagam pela terra
em corpos que não significam seres humanos
apenas zumbis, imersos no espaço de caráter
malversando o divino dom da palavra sagrada
deixemos que sigam em paz, talvez descansem
mergulhados num mar de dúvidas e mentiras
eu não traio minhas palavras, apenas despeço
quando isso acontece, trata de cálido amor.


Paulo Roberto Andel, 30/01/2007

Monday, January 29, 2007

Réstia

juventude é o espaço da maior esperança entre as dores

maturidade é o espaço delgado entre as dores e o fim

do recomeço, rapaz, não sei dizer. nem viver.


Paulo Roberto Andel, 27/01/2007

Thursday, January 25, 2007

A última canção de Copacabana

eu sou a última, derradeira canção de Copacabana
e quem me entoa o faz em timbre mais que áspero
para recordar a certa época de gente mais fraterna
quando o bonde era desbravador da grande avenida
o meu cantar faz sombra, feito coqueiro a proteger
indigentes meninos negros e pobres, negros em cola
enquanto o Atlântico Sul repousa e também se agita
eu sou a praça Edmundo Lins quase calada, plácida
carente de crianças, sem feira nem festa, nem violão
perto da rua de Santa Clara, casa de Isabela, céu
eu sou o mendigo famoso e adormecido pelo éter
entorpecido na curta escadaria da Farmácia Piauí
enquanto um jovem casal de vibrantes namorados
troca juras de amor com uma casquinha na Bolonha
trazem-me à missa numa igreja um tanto diferente
com formato lunar e sobre um centro de comércio
sopram-me na praia num vespertino de sábado
e lá está o velho Juventus, e lá vai bola para o ar
eu faço força para aquecer os solitários corações
feito um dedicado escoteiro ligeiro da Santa Cruz
cada casa deste meu velho bairro faz-se pantheon
com seus Jorges e Clarissas, Ricardinhos e Bujas
eu faço voz aos desesperados, encardidos tristes
famintos de corpo e alma pelos postos e travessas
toda Prado Júnior, toda Francisco Sá, Inhangá
naus desgovernadas, mas resistentes pelo Leme
eu som o bom dia caridoso de um velhinho forte
para delicado travesti na calçada do Cirandinha
eu vivo solto ao vento, feito velha bandeira branca
fincada no alto do morro de chapéu mangueira
eu sou a última leviana canção de Copacabana
e nem mesmo o maior poeta deu cabo de mim
quando eu passar, haverá outra, mais muitas
tenho o mar, areia, meu palácio é grande hotel
caso meu destino seja mesmo descansar em paz
resta-me uma tarde esperançosa no Marimbás


Em homenagem ao grande poeta e cronista brasileiro Rubem Braga, com "Ai de ti, Copacabana"


Paulo Roberto Andel, 25/01/2007

Wednesday, January 24, 2007

Sobre um tempo

Há momentos em que surpreendo-me com os homens de meu tempo

Aqueles que, por todos instantes, atravessam as grandes metrópoles

Usam passos apressados, ingenuamente tentando domar as horas

Acompanhados de relógios suíços, telemóveis e a mais alta precisão

Minha surpresa é vê-los submersos num mar de ilusão fugaz, doce

O tempo não pode ser controlado pelos ponteiros sutis ou digitais

O tempo não é subserviente aos fabulosos meios convencionais

O tempo, senhores, tem duas medidas: esperança e desespero.


Paulo Roberto Andel, 24/01/2007

Tuesday, January 23, 2007

O licor da decadência

Ao longe, tinha inegável beleza em sua baixa estatura. Apenas.
Por vezes, chamou-me atenção em certos cantos d'alma.
Quando estava num grupo qualquer com outras mulheres, tinha adoração em exaltar suas façanhas questionáveis, em voz alta. Das presentes, a maioria ratificava a retórica, mesmo que cercada de ligeiro folclore barato. Tinha fascínio em parecer a mais instigante, bombshell, a mais sexy e sugestiva de seus pares - e, desconfio, nisso havia um tempero de equívoco. Houve quem acreditasse. Alguns, limitavam-se a fingir.
Vivia certa vocação para a embriaguez nos bares e convescotes, o que maculava os bons traços de seu rosto e apimentava-lhe com vulgaridade.
Gostava de parecer moderna, firme, decidida, arrojada, amante da inteligência madura. Tudo em vão.
Eu a acompanhava de longe, pelas tabelas, pelas conversas. Sempre soube mais dela do que o recíproco. Fui muito próximo, afastei-me de vez.
Houve uma festa de amigos comuns numa taberna. Ela veio. Adentrou o salão, sempre linda por fora, rasa.
Um meninote, que conhecia suas artes de alcova nem tão bem como eu, puxou conversa. Falava-me de como parecia infeliz em seu falso teatro. Calei.
Fitava suas sardas, sua bela boca de lábios banhados em escarlate, pouco aberta e pouco afeita a palavras sóbrias. O rapaz não parava, admirava-a e isso o impelia a mais comentários. Permaneci em silêncio, por vezes balançando a cabeça.
Era bonita, era fato.
O que a embebia no passado licor da decadência?
Alguma frustração doutros mares? Amargura? Insegurança? Narcisismo?
Lembrei do passado, das vozes populares, dos próprios depoimentos mentirosos que um dia me dera.
Os autos mostraram-me bem menos. Apenas leve decepção.
Quando foi tomada pela mão por um sujeito que sempre a malversou, finalmente entendi.
Era apenas uma idiota.
Simples. Objetiva.
Paulo Roberto Andel, 19/01/2007

Saudade

meu coração desliza feito barco a vela
na baía de um falso verão da Guanabara
numa quinta-feira de cortar-me ao meio
há um cinza no céu das dezessete horas
o Atlântico infinito tem muito vento e frio
eu não passo de vôo rasante, solitário
alheio a palavras ou abraços desconfortáveis
tenho ao longe uma gaviota vadia no mar
meu perto é nada além do réquiem, amor


Paulo Roberto Andel, 21/07/2007

Noturna inverdade

a lua minguante, dissonante
parece indecisa no canto de céu
a madrugada, precoce, mente
alheia aos meus sonhos em vão
não se trata de uma calada noite
e sim repleta de sons moderados
contudo, emoldurados por silêncios
feitos de espaços no bater das asas
ou num mergulho rasante n'água
ao longe, certa estrela brilha intensa
vejo meus pés no chão, tristeza, nu
mãos vazias, coração quente, vago
falta-me uma canção de acalanto
e breve amparo contra eterna dor



Paulo Roberto Andel, 21/01/2007

Tarde no parque

tenho em vista a alegria dum menino feliz a passar
pelas casinhas coloridas do Parque do Flamengo
num sábado quase nublado de meia estação leve
ele tem à mão direita um balão azul cheio de gás
noutra, cabe-lhe um simpático biscoito de polvilho
é um branquinho, e protege a cacholinha clara
com seu chapéu simpático, emblemado de peixe
ao longe, sua mãe o admira, é moça muito bonita
ela esconde-se em grandes óculos e um lenço verde
tem semblante moderno, tudo enquanto tanto sorri
faz gracejo da corrida estabanada do menino, solto
com seus pequenos passos da infinita infância
e eu, somente e miseravelmente eu
que vejo de nem tão longe, repenso, reflito
a cena simples mas eterna do amor de mãe e filho
é o que dizem do mais puro e brilhante diamente
amor
apenas amor
que por si somente é duradouro pelas eternidades


Paulo Roberto Andel, 19/01/2007

Três futuros

quando éramos três
a nossa história era bem diferente
daquela imaginada por vocês

tínhamos fomes e dores
outros amores
e um futuro que poderia ser
o da nossa vez

assim não se fez

deixamos de ser três e suspiramos
por cada pequena chance de trazer
o sol para o nosso talvez

injustiça, essência da vida, perdida
nos sonhos de generosa moça

houve um silêncio profundo
retornamos à primeira vez
quando éramos três

não sei onde mora o viço do céu
nem desejo o meio dia de domingo
muito menos o programa de auditório

cabe-me silêncio, berço esplêndido
sonhos partidos, pútridos, sem vista da tez


Paulo Roberto Andel, 13/01/2007

Mãe

Minha alegria morava no brilho dos teus olhos juvenis
Duas jaboticabas, pedaços de faceira bonequinha
Quando eles cerraram, foi minha vista que turvou
Perdido, tentei-me ancorar na ponta do teu delicado nariz
Mas ele não me respondia, desistira de todo aroma
E sequer incomodara-se com minha ponta de dedo frouxo
Mais perdido, baixei rumo aos teus lábios, harmoniosos
Que foram morada de tanto carinho e tantos sorrisos
Outros milênios de beijos que alojaram-se em minha face
E vi que não se mexiam, perdiam-se em meu desespero
Anunciando o breve retrato da mudez no fim, tempestade
Quando teu rosto adormeceu sereno, duas vezes morri
Uma, por ti
Outra, dentro de mim


Paulo Roberto Andel, 11/01/2007

Saturday, January 06, 2007

A última curva da ladeira

Estão vocês, donos da galeria, baluartes do salão, risonhos e vazios.

Com seus tragos de álcool, suas conversas opacas, tudo brilho insano de mente vulgar.

Vocês riem insolitamente, e nem percebem-me morto.

Muito ocupados com seus shopping centers, crises de autoridade e check-in de aeroporto.

Tensos com o carnaval, o trio elétrico e alheios aos famintos, aos desesperados nos hospitais, nas filas de desemprego.

Vocês usam Ray-Ban para esconder toda cegueira.

Não enxergam meio palmo diante do nariz, tampouco escutam muito bem.

Estão todos ocupados, há uma crise na bolsa de valores.

Lá fora, longe do salão e da insensatez que inebria a todos vocês, o mundo morre feito eu.

Eu estou morto, mas vocês não venceram nada.

Eu estou num solitário fundo de caixão no alto de uma colina.

Meu amor dorme.

Minha mãe dorme.

Gentes incendeiam vida à toa.

Queria ter meu sangue cuspido no rosto de todos vocês.

E terei.

(Homenagem à mais digna de todas as pessoas que conheci nessa terra, perto de algumas outras também, Maria de Lourdes Andel, amor e razão da minha vida que se encerrou.)

Paulo Roberto Andel, 06/01/2007