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Thursday, September 26, 2019

Tirem o dedo do gatilho (por Jocemar Barros)

Pelas ruas das favelas,
Entre becos e vielas,
Passam bandidos armados,
Policiais assustados
E crianças distraídas,
Que entre balas perdidas,
A toda hora ou minuto,
Nos deixam órfãos, em luto,
Vidas que vão num suspiro!
E de onde vem o tiro?
Da polícia ou do ladrão?
Quem terá explicação?
Quem nos dirá a verdade?
As nossas "autoridades",
Que têm solução pra tudo?
Melhor, é que fiquem mudos,
Em respeito à nossa dor.
Calem a boca, por favor!
E pra cessar o martírio,
Tirem o dedo do gatilho!

Jocemar Barros

Wednesday, September 25, 2019

bichos

Se eu pudesse voltar no tempo, trabalharia com bichos. Não sei se toparia vê-los sofrer, mas cada vez mais o mundo só faz sentido por causa de crianças e bichos.

Durante certo tempo na infância eu tinha medo de cachorro, o bicho oficial de Copacabana. Eu era pequenininho, estava na praia, um cachorrão grandão veio e me derrubou, pulou em cima de mim. Ele era grandão e fiquei com medo. Isso durou até a adolescência e passou.  Bem antes disso, tinha a Diana, cachorrinha pequinesa da minha mãe que ela deu para uma amiga quando nasci. Toda vez que visitávamos a amiga, a Diana vinha correndo e não saía do pé da minha mãe. Que saudade. 

Tive um amigo de escola que há muito não vejo. Ele tinha vários bichos em casa: passarinho, papagaio, cachorro, gato e jabuti. Ri muito no dia em que o papagaio estava tomando banho de gotinha no tanque de roupas. 

Quando fui escoteiro (há quem diga que ninguém deixa de ser), me deparei com vários bichos. A vaca era sempre a mais legal, às vezes micos, às vezes lagartos ou uma cobra sinistra. A vaca fica na dela, vai lá, muge, volta, faz seu rango natural e anda lentamente. Enfim, era uma vida maravilhosa de garoto, natureza, silêncios, paz. Nunca mais acampei, mas lembro como se fosse ontem. 

Meu ex-vizinho tinha um jabuti e um cachorrão bem grandão que gostava de mim. O jabuti às vezes andava no corredor, era um barato. O cachorrão já latia quando o elevador estava no sétimo andar: ele me reconhecia de longe. 

Outro dia fomos em Paquetá, na Casa de José Bonifácio. Tinha outro jabuti, caminhando numa boa, rangando folhas do chão, arrancando com força a cada bocada. Uma alegria. 

Quando minha mãe deu a Diana, tempos depois morreu um papagaio lá em casa: a funcionária o detestava e o deixou no sol. O coitado morreu estorricado. Minha mãe chorou muito e nunca mais quis ter um bicho de estimação para não sofrer. Tempos antes de sua morte, falávamos de ter um passarinho, mas era muito cruel tê-lo numa gaiola. Ela foi embora e fiquei só para sempre. Aqui em casa é tudo bagunçado, não dá pra ter um cachorro ou um gato, e eu não aguento mais perder ninguém. 

Os cachorros da Kátia, o Antônio e o Cesare, eram sensacionais. Gostavam muito de mim. Convivemos bem entre 2007 e 2010. 

Sendo prático, só preciso do dinheiro que me permita sobreviver nessa terra injusta até a hora da partida. Tirando o aluguel, minha vida é muito barata, não tenho bens, não tenho nada. Mas eu gostaria de ser rico se fosse para também ajudar muita gente, planejar algo. E para ter uma fazenda bem grande, onde pudesse ter meu elefante e meu hipopótamo. Acho os dois muito legais. Gosto de ver no programa de TV a solidariedade dos elefantes. E acho muito maneiro quando limpam a orelha deles com um super cotonete de algodão. Peixe também é muito legal. 

Sei lá, trabalhar num pet shop, ter sido veterinário ou feito Zootecnia. Ou até levar os bichos para dar uma volta. Gosto deles. Gosto muito. Até a aranha do banheiro eu evito incomodar quando ela desce pela teia no frio azulejo branco. E a formiga? Pequenininha da Silva. Ser formiga é muito difícil: você pode ser assassinado o tempo inteiro por qualquer coisa. 

Queria poder cuidar dos bichos. 

Eu seria feliz.

Tuesday, September 24, 2019

pessoas pessoas

pessoas perdidas oprimidas 
pessoas humilhadas excluídas
pessoas pessoas tão famintas
pessoas no portão principal
com braços estendidos em vão
e as mãos calejadas enrugadas
pessoas deprimidas perto do fim
pessoas tão enojadas raivosas
neandertais em pleno mandato
e desumanidade em riste à vista
e cólera às vísceras por todo tempo
pessoas desesperadas com razão
vendo tragédias em tempo irreal
pessoas com lágrimas enlutadas
esperando a próxima vítima crua
para enterros modestos e protestos
pessoas em busca da guerra civil
ou chorando seus mortos de fome
gente sem nome data ou identidade
gente sem pátria caridade ou amor
é o rancor que determina as castas
gente nos trens feito gado ao abate
gente nos trilhos nas janelas ao caos
suicídios a granel delivery iPhone
curtindo a nossa velha idade média
pessoas nas palafitas e papelões
pessoas urrando por desespero e dor
a próxima versão vai reabilitar tudo
resta saber quando ela há de chegar



Friday, September 20, 2019

luar da UERJ

Chet Baker tocando com seu quarteto num especial de televisão belga em 1964. O sex-symbol do jazz disfarçava muito bem sua banguela, deixando fãs loucos e loucas mundo afora. Em certo momento toca "So what" e é claro que aquilo faria Miles Davis dar um soco na parede. Com "Time after time", o jazz vira amor e o ídolo dos anos 1960 canta com sua pequena voz de veludo  - e seu dente ausente em close, mostrando que a beleza também sabe estampar o inusitado. 

Descansando depois de um banho e de um longo dia. 

Acabamos de voltar do aniversário de Anielly, divertidíssimo, num bar do Méier, cheio de gente e de pessoas divertidas. Pequenas histórias ótimas que podem dar em livro. Única coisa triste: ver tantas crianças pedintes. Nunca me acostumarei a isso. 

Quando descemos a Marechal Rondon, eu inevitavelmente pensei em 31 anos atrás, quando subi e desci a rua procurando pela Rádio Transamérica para buscar algum prêmio. Naquele tempo sem internet, google e outros confortos, tudo era mais difícil.  

Depois, a UERJ. Mais de trinta anos depois, ainda me emociono ao ver o grande prédio de luzes acesas, com tantas vidas e sonhos, mas também melancolia e derrotas. Eu era um garoto e sonhava em estudar ali, me formar, conseguir um emprego, sustentar minha família. Tudo passou rápido demais, mas acabou acontecendo. Não fiquei rico nem famoso nem importante nem coisa alguma, mas fui um anônimo digno e tive uma bela história que, espero, ainda esteja longe do fim. 

Jovens estudantes com suas mochilas nas costas sobem a rampa do metrô atrás da linha 2. 

Perto do campo, jovens sem rumo rasgam seus corações com crack.

A lua parece bonita. 

O prédio iluminado da UERJ à noite é uma das coisas mais bonitas do mundo. 

O motorista Uber demonstra certa irritação quando não consigo atualizar os destinos, mas seguimos em frente até deixar Camila e, minutos depois, Elika e Lucimar. 

E fica mais irritado ainda no túnel Santa Bárbara, um de meus percursos favoritos, até que chego minutos depois, a corrida sai pelo dobro do esperado e aí o rapaz não deve se incomodar, porque nesta terra de exceção qualquer trocado dobra qualquer irritação. 

Chet Baker sola vigorosamente enquanto o pequeno conjunto o acompanha. É a trilha perfeita para aquele prédio cheio de luzes, vizinho do meu Maracanã, palco de muitos dos momentos mais divertidos de toda a minha vida - quando se é jovem, quando o futuro ainda é longe e o presente é feliz com um simples pão com ovo e salada mais um copo de refresco. 

@pauloandel

mil lugares

andando por mil lugares e pensando chorando lamentando a vida escorrida nas artérias de asfalto a vida esfomeada nas mãos estendidas rendidas a vida desesperada pelo fim na ponta da bala perdida a vida jogada fora em celas corporativas em troca de salários respeitáveis a vida entupida encardida exaurida por tanto desprezo e indiferença andando por mil lugares e pensando pensando fundo no que resta da vida o beijo o apreço a memória saudosa o tempo o tempo uma velha canção à vitrola uma página virada nenhuma despedida