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Friday, June 29, 2007

Retrospectiva

Tempo, escasso artigo
Que não se vende em lojas
E nem briga com sold out
Numa vitrine vazia

Tempo, néctar de vida
Forte cachoeira d’alma
Cálice de pátria em paz
Raro feito fosse Deus

Tempo, desperdiçado
Em quandos inúteis
Engarrafado no trânsito
Atrás dum porém, um todavia
Outro advérbio qualquer
Outra reticência inevitável

Pessoas perdem tempo
Com seus desamores
Suas friezas impertinentes
Dinheiros rasgam tempo
No ceifar de vidas
Pelo preço de nada
Misérias choram por tempo
De sobreviver, de regenerar
E dor só quer clemência
Quando estende a mão sofrida
Nos pés burgueses, indiferentes
Deslizantes na grande avenida, vazia

paulo-roberto andel, 29/06/2007

Amore

hoje que te quero agora
quanto que te quero muito
quando que te quero sempre
onde que te quero toda
longe, não te quero longe
nua que te quero em pêlo


paulo-roberto andel, 29/06/2007

A noite fria

a noite fria,
lúcida e fria
não é fiel para o fondue dos namorados
nem tem luar alumiado
para as meninas que jogam o vôlei
na rua montenegro

a verdadeira gélida noite
avassaladora noite
dorme quase abandonada
exceto por alguns meninos
que são promessa de mendigos
pequenas grandes testemunhas
imersas no cálice amargo do caos
que derrama por todo horizonte

ainda acordada
toda noite beija a lua em toda fase
parecem delícia de feliz casal
mesmo que nem sempre
enquanto isso, o mundo vilão, cru
mata e morre na casa ao lado


paulo-roberto andel, 29/06/2007

Tuesday, June 26, 2007

Uma terça de junho

Corre o bom da tarde, imagino.
Hoje é uma terça, terça-feira de um junho qualquer. Não há maiores sinais de frio ou chuva. Já vivemos o inverno, em termos cronológicos apenas.
Nem tão qualquer assim. Uma terça-feira do fim de junho. A última, deste junho. Outras virão, talvez.
Lá fora, pessoas vão vivendo e morrendo antes da novela das oito, do caos, do rush, da violência barata que justifica agredirem uma empregada, uma trabalhadora, num ponto de ônibus, por parecer uma prostituta. Televisão é alguém mentindo, pode notar a imagem de algum canal disponível.
E quem parece prostituta? Todo, todas.
Creio que, antes do primeiro gesto, da primeira voz de encontro, somos todos pretos e brancos, simples e difíceis. Prostitutas e recatadas, enfezados e dóceis. O resto, noves fora, nada. Vem depois, ao longe, longe de outras estações.
Numa terça nem tão vulgar quanto eu poderia supor, bons e maus se enfrentam, debacle que leva aos fins, as mortes.
Neste momento, sou cercado de paredes alvas, com algumas manchas. Um computador à frente, velho amigo. Não há janela. Perto, alguém opera alguma máquina de porte. A porta, cerrada.
Nenhum disco tocando, nada de jazz ecoando. Barulho de plástico e lata nos arredores é sinal de que, em breve, a moça da limpeza virá por aqui para recolher o lixo. Lixo. Produzimos muito lixo. Papéis, textos, embrulhos.
Nem telefones, nem e-mails. Nada de urgente.
O silêncio me faz pensar nas coisas que perdi, nas gentes que nunca mais vi, dos problemas e quase soluções, do futuro. Nada.
Minha mãe fará aniversário daqui a um mês. Ou faria, não sei ao certo.
Dentro de horas futuras, é provável que esteja num bar de Copacabana, sorvendo goles do chope dourado da felicidade, com alguns amigos. Coisa mais para a noite.
Neste exato momento, sinto-me bem, mesmo com o silêncio.
Trata-se de açucarada e temperada solidão. Por vezes, tão temida, agora muito desejada.
Eu e meu silêncio. Eu e meus pensamentos. Eu, repleto de mim e, por isso mesmo tão só.
Um barulinho de plim invadiu a sala. Mandaram um e-mail.
Interromperam a delícia de minha solidão.
Estraga-prazeres.
A vida segue.
Paulo-Roberto Andel, 26/06/2007