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Monday, April 14, 2025

Bar

Era do lado da minha casa. Nós, amigos da época, nos encontrávamos quase que diariamente. Ainda éramos garotos, não bebíamos - eu não bebo direito até hoje. Eu estava no segundo grau ainda. A gente ria. Lá estavam nossos chefes escoteiros, que eram jovens de vinte e poucos anos. Entre sucos de morango e refrigerantes, nos misturamos aos boêmios do meio dos anos 1980. O bar ficava aos pés da escada rolante que levava ao teatro Teresa Raquel, o que nos permitiu ver de perto astros daquele tempo: Bruna Lombardi, Marina Lima, Paulo Betti - que sempre trazia debates politizados ao balcão -, Louise Cardoso,  Fausto Fawcett, a espetacular Lídia Brondi e grande elenco. Todos importantes mas não menos importantes do que os ícones locais: Paulinho Cana, Paulinho Bailarino, Paulinho Ceci, Seu Visconti, Fred, Catatau, Mussum, Seu Pauzinho - assim chamado por um pauzinho da sorte que carregava no pulso -, o grande jornalista Arthur Laranjeira, o jornalista Jorge Mascarenhas - sempre de passagem, com sua jovem e linda filha -, além de outros próceres desconhecidos do público mas fundamentais para a Copacabana de 40 anos atrás. De longe, Charlie sempre dava adeusinho - havia a desconfiança que ele fosse um mercenário, pois ia trimestralmente ao Paraguai e voltava sem uma única mercadoria. As garotas das termas L'uomo nos adoravam, viviam de sarrinho conosco. Regininha, que um dia teria o Brasil a seus pés, passava do nosso lado jovem e linda demais. Oswaldo Montenegro não chegava a ser agradável, mas fazia questão de falar conosco. Vimos de tudo ali: beijos incríveis, porradas, o gol do Tita, o gol do Cocada, o gol do Maurício, a morte do Chacrinha, a dor da derrota de Darcy Ribeiro em 1986, a Constituinte, a luta eleitoral de 1989. Uma vez, o jornalista William, um dos únicos chatos do ambiente, disse que eu era um garoto bobo e arrogante, sem carreira - quis o destino que, trinta e tantos anos depois, eu fosse 100 vezes mais lido do que ele. Uma vez, a Cissa me viu triste e disse que eu deveria mudar de ares. Muitas coisas aconteceram muitas vezes, outras apenas uma vez. Choramos, rimos, nos abraçamos. Foram uns sete anos por lá, que valeram por uma vida inteira. Eu me mandei em 1990, mas carreguei aquele tempo para sempre, até quando me dediquei a outros bares. Só do original eu escrevi um livro. O bar venceu tudo: crises, planos econômicos, mortes, até que perdeu a parada para a pandemia. Foi lá que a gente suspirava pela Anne, foi lá que a Tatyana riu de uma piada sinistra e que o Fred, cliente irretocável, falava deliciosas incorreções políticas. Lá se foram quase 35 anos mas eu ainda carrego aquele balcão comigo. As dores, os risos, as pequenas histórias fundamentais. Era meu bar, eu era um adolescente que só bebia suco, que depois voltava para casa e ficava feliz quando a família estava dormindo tranquila. A vida não era fácil, mas no bar havia goles e goles de felicidade. Eu vi.

@p.r.andel

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