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Thursday, July 30, 2015

o rio à beira da noite lúcida

ah, o rio
com seus poetas bêbados
dizendo estrelas à calçada
do atlântico sul:
cinco estrelas de copacabana
bons e maus em vigília
crianças de favela
sentinelas da madrugada
- não tem mais o miguelão na serrinha, edgard romero
numa esquina onde os meninos jogavam pneus
o rio, uma serenata
as mãos estendidas da mendiga lina
numa siqueira campos tão morta:
a vila faleceu!
os escombros da poesia escorrem em versos libertos de noel
o poeta carlito delira na leiteria
enquanto uma moça sorri
santos da cruz vermelha
samaritanos deitados em amizade cumprida com rigor
as mulheres mais lindas que vêm e vão
o mendigo estende as mãos
e a preocupação é bem mais do que gemido
os maestros em condução
mestres secretos do andaraí
o rio do largo do machado
com mil escoteiros do ar
e o 434 cheio de gatas tijucanas retornando da praia
orixás de amor, orixás de amor
o rio da praça sete e morros santos
minha burguesia é um engano
o amor a desabrochar nos corações imperfeitos
enquanto passos de bailarina dão o tom
versos de lan, cargas de aroeira
a bossa nova é samba num café da manhã
o rio das desreligiões, teatro de pequenos dramas
meu amor é um piano rasgando
a procissão dos insensíveis
enquanto brigam por justiça
na radial oeste, na vieira souto
no deserto da automóvel clube
o rio despetalado, irresistível
dos sambas e discotecas:
honra ao mérito para os boêmios em riste
a vida é foda, o rio é lindo
e onde houver memória o fluminense lá estará
o rio das belezas sorridentes
fernandas, julianas, patrícias da terra natal
realengos, cosmes velhos, escambau
alguém mergulhou numa nuvem de fumaça - o pó de arroz é verde
somos otraspalabras!
o afago da amizade
entre dois comunistas morais
panaméricas de vanessas, marílias e um amor de isabel
a cidade é um silêncio enquanto o fla-flu aquece as paixões
meu rio
minha dor, o caos desenhado nas estrelas
um dia seremos todos nossos - a hipocrisia será derrotada
o rio numa noite de quinta-feira
quando os bares morrem mais um pouco
embora sejamos imortais de fé
o rio, cidade partida com seus monitores escrevendo
e remoendo-o com fúria e desejo
rio, minha companheira - por isso fiquei tão só

@pauloandel



Tuesday, July 28, 2015

cós do mundo

o cós do mundo à vista
qualquer cobiça é brinquedo
o que será que tem
debaixo das sete chaves
de pano?

o cós do mundo, uma calça arriada
universo em desencanto
a patriamada noves fora nada
os cordeiros de deus dizendo amém
enquanto ruge um jornal nacional

o cós do mundo, tem bunda de fora
banana de feira e bacanas calhordas
ordem e progresso de mãos dadas com amoral
- antigamente não era nada disso, vocês vão ver!
o globo disse, o globo falou
o jabor berrou aos ouvidos bêbados que deram de ombros
debaixo de uma marquise qualquer

o cós do mundo, não sobra nada
as virgens estupradas, crianças grávidas
chicletes nas esquinas em troca de uma facada:
- precisamos de um choque de ordem!
- enfia a extensão no cu e liga!
que tal discutir viadagem? OU A VERGONHA da putaria?
alguém morreu de frio numa calçada qualquer
pela própria culpa, nenhum mérito e a vida é assim mesmo:
- cada cachorro que lamba sua caceta

o cós do mundo, oh bunda mole
a novelinha esta na tela e você vai se encantar
as orelhas de livros é que não podem enganar
emebiêi sem gramática, gênios sem talento, discursos prêt à porter
onde é que se chora as mágoas
no cadáver da praça mauá?

o craque trouxa, a celebridade oca, o idiota blasé
com sua cara de tédio maquiando ignorância
a vida é crise, nenhum sentido liberta
sirva uma dose de criatividade no balcão do bar

@pauloandel

Tuesday, July 21, 2015

strangelove

corações solitários
deslizando em quintas avenidas
no coração da capital -
a grande cidade
o grande sistema
e nenhum grande trocado
o amor desacontece
o metrô com passageiros
quase desacordados
em seus smartphones -
corações solitários sim
mais redivivos do que nunca:
o amor e os desencontros
as pedras que não rolam limo
um amor mais que distante
os pensamentos navegantes
a pátria de mãos estendidas -
os corações são desencanto

@pauloandel

Tom Zé: Tribunal do Feicebuqui & Parque Industrial





Tom Zé mané
Baixou o tom
Baba baby
Bebe e baba
Velho babão

Tom Zé bundão
Baixou o tom
Baba baby
Bebe e baba
Mané babão

Seu americanizado
Quer bancar Carmen Miranda
Rebentou o botão da calça
Tio Sam baixou em sampa
Vendido, vendido, vendido!
A preço de banana
Já não olha mais pro samba
Tá estudando propaganda

Que decepção
Traidor, mudou de lado
Corrompido, mentiroso
Seu sorriso engarrafado

Não ouço mais, eu não gostei do papo
Pra mim é o príncipe que virou sapo
Onde já se viu? Refrigerante!
E agora é a Madalena arrependida com conservantes
Bruxo, descobrimos seu truque
Defenda-se já
No tribunal do Feicebuqui
A súplica:
Que é que custava morrer de fome só pra fazer música?






É somente requentar
E usar,
É somente requentar
E usar,
Porque é made, made, made, made in Brazil
Porque é made, made, made, made in Brazil

Retocai o céu de anil
Bandeirolas no cordão
Grande festa em toda a nação.
Despertai com orações
O avanço industrial
Vem trazer nossa redenção.

Tem garota-propaganda
Aeromoça e ternura no cartaz
Basta olhar na parede
Minha alegria
Num instante se refaz

Pois temos o sorriso engarrafadão
Já vem pronto e tabelado
É somente requentar
E usar
É somente requentar
E usar
Porque é made, made, made, made in Brazil.
Porque é made, made, made, made in Brazil.

A revista moralista
Traz uma lista dos pecados da vedete
E tem jornal popular que
Nunca se espreme
Porque pode derramar.

É um banco de sangue encadernado
Já vem pronto e tabelado
É somente folhear e usar
É somente folhear e usar

@pauloandel

Thursday, July 16, 2015

Helio Fernandes, uma bandeira do jornalismo


Esta é uma entrevista do ano passado.

Nela, Helio Fernandes mostra que, aos 94 anos, sua lucidez e conhecimento são impressionantes.

Vale a pena ver do início ao fim.




@pauloandel

Wednesday, July 01, 2015

anybody seen my baby?

o silêncio imerso
em mil palavras poupadas
o anseio expresso
em cordilheiras d'alma
o tesão na contramão
e o mais simples desacalma
o amor, uma contradição
a falta de ar, o ventre não ser
um carnaval sem religião

@pauloandel

Saturday, June 27, 2015

no more

1

no more
wrong letters
songs of love
words away
no more
illusions in-a-breathe
unknown pleasures
feelings in vain
no more
no more

2

a canção que já não te pertences:
dela, fizestes pouco caso - houve
quem gostasse
ouvisse, cantasse
e dela se apropriasse
a canção que foi toda tua
a desaguar num ralo
e olhastes indiferente à frente -
parecia sinal de deus

3

somos estúpidos demais
o mundo sob escombros lá fora
e queremos fofoca, polêmica
doces putarias descartáveis:
quem é rico, quem é viado?
somos estúpidos demais

Thursday, June 25, 2015

sobre 1995 - gol de barriga


o mundo e as suas dores – somos imortais
o mundo em dois segundos – nossas lágrimas num instante
e todas as veias abertas jorravam o sangue da vitória
nunca fomos tão tricolores,  tão estupendos
tão senhores dos nossos corações perfeitos, um gesto, um lance
a eternidade é um romance inconteste – ah, fluminense!
abençoados sejam nossos soldados de guerra
louvado seja o super-homem de carne, osso e paixão
uma procissão à grama, nossa religião saltando às mesmas veias
a morte não existe! – nossa tristeza é desperdício! – vivamos cada segundo
somos imortais por tudo o que vivemos e sentimos!
quando tudo parecia ser finito e destruído
o que era óbvio derreteu, a certeza vã apodreceu
a casa grande e a senzala deram as mãos trêmulas –
homens, mulheres e crianças chorando e rindo, chorando e ajoelhando
os apaixonados deitados no concreto em desmaios de vitória
o mundo se resumiu num dia a um jogo de futebol:
muito mais do que um jogo, um drama, uma batalha
os que sobreviveram contaram suas melhores histórias
e trouxeram para sempre a imensidão de um eterno domingo
um exército – um capitão – um rambo – soldado doido admirável
de faixa na cabeça e uma sentença no ventre preciso
e os últimos momentos de um maravilhoso super-herói:
o mais humilde, cordato e elegante dos homens de bem
o sangue, as veias, o peito, os sentimentos, tudo sangra e alivia
ao pensarmos que o oxigênio de um fla-flu – o maior fla-flu –
remete ao melhor campo dos sonhos: cada cabeça uma sentença
cada coração, uma paixão lancinante e inexplicável às vistas:
um chute, uma barriga e a imortalidade são todo amor que perseguimos –
ele renasce em berço esplêndido da nossa história em cores límpidas


@pauloandel

Tuesday, June 23, 2015

o fracasso impostor segundo abujamra



@pauloandel

Saturday, June 20, 2015

"Junky", de William Burroughs


Nasci em 1914, numa sólida casa de tijolo aparente, de três andares, numa grande cidade do Meio-Oeste. Meus velhos viviam bem. Meu pai tocava seu próprio negócio madeireiro. A casa tinha uma área na frente, um quintal nos fundos com jardim, um laguinho cheio de peixes e uma cerca alta de madeira protegendo tudo. Me lembro do homem dos lampiões acendendo o gás nas ruas, do enorme Lincoln preto reluzente e dos passeios pelo parque aos domingos. Não faltava nada: era uma vida segura e confortável, para sempre perdida agora. Eu podia vir com uma dessas conversas nostálgicas sobre o médico alemão que morava ao lado, os ratos que rondavam o quintal, o carrinho elétrico da minha tia e o meu sapo de estimação que vivia na beira do laguinhô dos peixes.

Na verdade, minhas primeiras lembranças são matizadas pelo medo de pesadelos. Eu tinha medo de ficar sozinho, medo do escuro e medo de dormir por causa dos pesadelos, em que um horror sobrenatural estava sempre a ponto de se materializar. Tinha medo de que um dia, ao acordar, o pesadelo ainda estivesse lá.

Me lembro de uma empregada falando sobre ópio, que o ópio trazia sonhos lindos, e eu disse: “Vou fumar ópio quando eu crescer”.

Quando criança eu vivia assolado por alucinações. Uma vez, acordei de manhã bem cedo e vi uns homenzinhos brincando numa casa de cubos que eu tinha erguido. Não tive medo, só uma sensação de imobilidade e espanto maravilhado. Outra alucinação ou pesadelo muito comum envolvia “animais na parede”, e começava com o delírio provocado por uma febre estranha, jamais diagnosticada, que eu costumava ter aos quatro, cinco anos.

Frequentei uma escola moderna, ao lado dos futuros cidadãos íntegros — advogados, médicos e empresários de uma grande cidade americana. Junto das outras crianças eu ficava tímido, com medo de violências físicas. Tinha uma lésbica mirim muito agressiva que puxava meu cabelo tão logo me via. Eu bem que gostaria de socar a cara dela nesse mesmo instante, mas, anos atrás, ela caiu do cavalo e quebrou o pescoço.

Quando eu tinha sete anos, meus pais resolveram se mudar para o subúrbio “pra se verem livres de gente”. Compraram um casarão com muito terreno, bosques e um lago com peixes; em vez de ratos, havia esquilos no quintal. Vivíamos numa redoma aprazível, ao lado de um belo jardim, afastados da vida urbana.

Me botaram num ginásio particular de subúrbio. Eu não era especialmente bom ou mau nos esportes, nem brilhante ou retardado nos estudos. Tinha um bloqueio definitivo para matemática e tudo que fosse mecânico. Jamais gostei de jogos competitivos de equipe, e os evitava sempre que possível. O fato é que me tornei um doente imaginário crônico. Porém, gostava pra valer de pescar, caçar e caminhar. Lia mais do que a média dos garotos americanos daquele tempo e lugar: Oscar Wilde, Anatole France, Baudelaire e até Gide.

Criei um apego romântico por um garoto, e a gente passava os sábados explorando velhas pedreiras, passeando de bicicleta e pescando em lagoas e rios.


qualquer agora

onde foi parar o nosso
sempre?
esgueirou-se pelas beiras
em travessas ligeiras
e se perdeu numa fala de mesa
uma conversa que não se lembra
e o sempre?
fugiu para as noites
solitárias do leme
as serestas da praia vermelha
calou-se numa tarde de sábado
as canções de amor dizem pouco
a poesia faz-se tão encolhida
o sempre mora tão longe
que nos desabriga
que tal irmos atrás do quando, agora!, sem rodeios?
antes que o gosto amargo
seja a lembrança de um sol
que não nasceu nem se pôs

@pauloandel

Thursday, June 18, 2015

discurso sobre o filho da puta - alberto pimenta

Alberto Pimenta (Porto, 26 de Dezembro de 1937) é um escritor, poeta e ensaísta português. 
Destaca-se entre os autores europeus contemporâneos pelo carácter crítico e irreverente da sua obra, bem como pela diversidade dos géneros abordados: poesia, ficção, teatro, linguística, crítica, happenings e performances.
Entre as suas obras teóricas, destacam-se "O silêncio dos poetas" (1978), lançado originalmente na Itália, e "A magia que tira os pecados do mundo" (1995). O primeiro livro corresponde a um estudo sobre a poesia concreta (ou concretismo) e visual, principalmente a brasileira e a de língua alemã. O segundo, a uma obra de base teórica antiplatónica dividida em vinte e duas partes, cada uma delas correspondendo a um dos arcanos maiores do tarot. Mitos, arquétipos, literatura, (Dante, Camões, Shakespeare, Fernando Pessoa, António Boto, Emilio Villa, Murilo Mendes, Haroldo de Campos) e artistas plásticos (Oskar Kokoschka, Yves Klein, Pablo Picasso) estão entre os objetos desse livro invulgar. 

A partir da década de 90, a sua obra passou a referir-se mais directamente aos fenómenos ligados à globalização. Ainda há muito para fazer (1998), por exemplo, é um poema longo que parodia os discursos publicitários e da internet, e trata dos efeitos sociais da Guerra de Kosovo e da União Europeia.



Para ler "Discurso sobre o filho da puta", acesse @pauloandel


I
o pequeno filho-da-puta
é sempre
um pequeno filho-da-puta;
mas não há filho-da-puta,
por pequeno que seja,
que não tenha
a sua própria
grandeza,
diz o pequeno filho-da-puta.

no entanto, há
filhos-da-puta
que nascem grandes
e
filhos-da-puta
que nascem pequenos,
diz o pequeno filho-da-puta.

de resto,
os filhos-da-puta
não se medem aos palmos,
diz ainda
o pequeno filho-da-puta.

o pequeno
filho-da-puta
tem uma pequena
visão das coisas
e mostra em
tudo quanto faz
e diz
que é mesmo
o pequeno filho-da-puta.

no entanto,
o pequeno filho-da-puta
tem orgulho em
ser
o pequeno filho-da-puta.

todos
os grandes filhos-da-puta
são reproduções em
ponto grande 
do pequeno filho-da-puta,
diz o pequeno filho-da-puta.

dentro do
pequeno filho-da-puta
estão em ideia
todos os grandes filhos-da-puta,
diz o pequeno filho-da-puta.

tudo o que é mau
para o pequeno
é mau
para o grande filho-da-puta,
diz o pequeno filho-da-puta.

o pequeno filho-da-puta
foi concebido
pelo pequeno senhor
à sua imagem e
semelhança,
diz o pequeno filho-da-puta.

é o pequeno
filho-da-puta
que dá ao grande
tudo aquilo de que ele
precisa
para ser o grande filho-da-puta,
diz o pequeno filho-da-puta.

de resto,
o pequeno filho-da-puta vê
com bons olhos
o engrandecimento
do grande filho-da-puta:
o pequeno filho-da-puta
o pequeno senhor
Sujeito Serviçal
Simples Sobejo
ou seja, o pequeno filho-da-puta. 


II 
o pequeno filho-da-puta
é sempre
um pequeno filho-da-puta;
mas não há filho-da-puta,
por pequeno que seja,
que não tenha
a sua própria
grandeza,
diz o pequeno filho-da-puta.

no entanto, há
filhos-da-puta
que nascem grandes
e
filhos-da-puta
que nascem pequenos,
diz o pequeno filho-da-puta.

de resto,
os filhos-da-puta
não se medem aos palmos,
diz ainda
o pequeno filho-da-puta.

o pequeno
filho-da-puta
tem uma pequena
visão das coisas
e mostra em
tudo quanto faz
e diz
que é mesmo
o pequeno filho-da-puta.

no entanto,
o pequeno filho-da-puta
tem orgulho em
ser
o pequeno filho-da-puta.

todos
os grandes filhos-da-puta
são reproduções em
ponto grande
do pequeno filho-da-puta,
diz o pequeno filho-da-puta.

dentro do
pequeno filho-da-puta
estão em ideia
todos os grandes filhos-da-puta,
diz o pequeno filho-da-puta.

tudo o que é mau
para o pequeno
é mau
para o grande filho-da-puta,
diz o pequeno filho-da-puta.

o pequeno filho-da-puta
foi concebido
pelo pequeno senhor
à sua imagem e
semelhança,
diz o pequeno filho-da-puta.

é o pequeno
filho-da-puta
que dá ao grande
tudo aquilo de que ele
precisa
para ser o grande filho-da-puta,
diz o pequeno filho-da-puta.

de resto,
o pequeno filho-da-puta vê
com bons olhos
o engrandecimento
do grande filho-da-puta:
o pequeno filho-da-puta
o pequeno senhor
Sujeito Serviçal
Simples Sobejo
ou seja, o pequeno filho-da-puta. 

@pauloandel






Wednesday, June 17, 2015

inferno

o inferno é uma facada covarde
ou a fome debaixo de uma marquise
os últimos minutos de uma derrota na UTI

o inferno é uma indiferença
a falsidade
a palavra que não vem do ventre
a covardia

o inferno nos estupradores de abrigos
monitores de dores e mortes
o inferno é uma pasta recheada de agrados
ao poder - o poder!
certa frustração de um dia sem emprego
uma pedrada na cabeça da religião
um pedido de queima de livros
o inferno é a escrotidão
a hipocrisia
o caráter que se vende
o egoísmo que fede o salão
o inferno é uma bobagem
os espertos riem pisando em chamas
não percebem o calor da idiotice
o inferno termina em solidão


@pauloandel

Sunday, June 14, 2015

jô soares

De tudo o que já foi dito a respeito de Jô Soares nos últimos dias, impressiona-me (mas não muito) a colossal ignorância de alguns "pensadores" da internet.

Durante toda a época da ditadura, Jô foi um de seus principais desafiadores. Para aprovar suas peças, usava um expediente humorístico: antes de um parágrafo que fatalmente seria censurado, colocava outro que nada tinha a ver com o roteiro, metendo palavrões e putarias. Assustado - e muito burro -, o censor cortava todo o parágrafo falso, deixando o que o autor queria (foram os mesmos que não desconfiaram de que Julinho da Adelaide era "parecido" com Chico Buarque, ou que deixaram passar o primeiro disco de Tom Zé - não entenderam nada).

Em 1988, Jô fez o que ninguém faria: chutou o sucesso do horário nobre às segundas para fazer um programa de entrevistas no SBT à meia noite. A Globo não quis o programa. Doze anos depois, ele foi recontratado ganhando o triplo.

Com mais de meio século dedicado ao humor, ao teatro e ao entretenimento, multimilionário, aos 77 anos Jô poderia ser um acomodado como Faustão ou um "bom moço" dos sábados à tarde. Longe disso. Do artista, se espera a ousadia e não a submissão.

Pensando bem, é natural que muitos o xinguem de forma agressiva e primitiva. Somos ainda um país de muita galhofa e pouca leitura, muita pose e pouca reflexão, muita arrogância e nenhuma humildade em reconhecer o mar de ignorância que ceifa a nossa história.

A você, que perde seu tempo com palavrões na internet contra Jô Soares, um lembrete: graças à luta de pessoas como ele no período mais autoritário da história, a tua liberdade democrática do exercício do primitivismo está assegurada. 

E tudo porque virou desrespeito respeitar quem preside a República. Não a das bananas, como se falava; afinal, qualquer macaco é muito mais articulado intelectualmente do que a maioria dos internautas brasileiros, ávidos por seus choques de ordem, meritocracias e defesas de um nacional socialismo que já deveria estar enterrado ao lado do cadáver de Adolf Hitler. 

@pauloandel


Saturday, June 13, 2015

santo sangue

o que dizem lá fora
não nos aquece
somos o vazio, a perda
o silêncio forçado
enquanto
nossas lágrimas contidas
não revelam as dores
- onde estancar
o nosso santo sangue?
- onde ficou
nosso pacto de santo sangue?
alguém gritou lá fora
ninguém atendeu
nem reclamou
não existe abraço nem amor
a legião dos filhos da puta
chegou
tiros, estupro
e morte nos sinais
lâminas de merda ao bel matar
espuma de sangue a brilhar*
o que escrevem não nos convence
o que noticiam
não tem cabimento
a legião dos filhos da puta chegou
e o primeiro a perceber
a falência
não vai estancar o que restou
do nosso santo sangue
o nosso venerado sangue
a poesia está perdida, retesada
esperando algum
romance

@pauloandel

*"só morto", jards macalé

Monday, June 01, 2015

cheio


o mundo cheio do mundo
cheio de tudo
há mansidão às vezes nos intervalos da dor lancinante
- à espera da próxima facada - o próximo estupro
uma lucrativa guerra
eis o mundo contra o mundo
para qualquer natureza, a morte - a indiferença
a solidão é uma multidão em festa
o mundo sobre o mundo
nada de novo debaixo das marquises
nada de novo nas primeiras manchetes
e a Terra
com pequenos bilhões de planetas de carne
completamente dissonantes de qualquer órbita
- a revolução não vai ser televisionada, mas a barbárie sim -
todos sejam felicitados pela estadia no mundo real: o da vaidade
egoísmo
estupidez
celebremos a genialidade de nossas espaçonaves
e pensemos nos ditadores que delas se apropriam
os nossos mortos, os torturados
os assassinos e larápios
seja pelos pequenos objetos ou grandes negócios
o mundo cheio do mundo
abarrotado
enquanto transbordo de mim mesmo
cheio
cheio
cheio

@pauloandel

Sunday, May 31, 2015

perdemos tempo demais com bobagens

Finalizava a revisão de páginas de um livro e ouvia Betty Carter.

Meu amigo Tiba escreveu pelo celular que seu pai havia morrido nesta manhã de domingo. 

Trocamos algumas palavras eletrônicas enquanto ele vaticinava: "Perdemos tempo demais com bobagens". Fazia e faz todo sentido.

O amigo foi para o enterro em Volta Redonda.

Pensei nas inúmeras coisas que deixamos de fazer, eu e meu pai. Um diálogo foi muito difícil devido a momentos de aspereza durante décadas. Antes do fim, tudo foi resolvido, mas perdemos tempo demais.

A dificuldade de conversa, as divergências, certas vaidades, a incompreensão, a inflexibilidade.

A incapacidade de se colocar no lugar do outro.

A eterna falta de tempo que vira indiferença. Abraços viram mensagens inbox. A vida vivida vira vida imaginada.

Tudo isso e muito mais nos leva, mais dia, menos dia, a uma inevitável reflexão sobre o sentido da vida e o desperdício de tempo com o exercício das pequenas coisas.

O sentido da vida.

O sentido.

A vida.

A vida.

O resto é o intervalo para respirar enquanto vemos as dores na rua, a violência descabida, o egoísmo.

Perdemos tempo demais com bobagens.

É preciso parar com isso. Só.

@pauloandel

Tuesday, May 19, 2015

bonde do mundo cão


essa dor que nos consome e atormenta diante das grandes corporações urbanas
tem que fazer acontecer um caminho, uma alegria, uma razão de vida
uma pequena chama de paixão acesa a se traduzir em cor
essa dor das favelas debaixo das marquises concretas antes que o gás nos exploda
as crianças mendigas vivendo morte após morte a céu aberto
as gentes batendo cabeça nas calçadas abarrotadas de trabalho:
- a hora do rush – a fila do banco – as compras para entorpecer a sensação de vazio
vamos tirar a felicidade do vente a fórceps, oh pátria amada!
somos os maiores do mundo se as verdades forem varridas para debaixo do tapete
os mais machos, corajosos, vencedores, famosos e cobiçados – ah, dor!
vamos esquecer as mágoas numa mesa de bar – ou num banheiro proibido
 - nem pensar no mundo lá fora, senão enlouquecemos
essa dor que faz a roda do mundo girar, não podemos parar, não devemos pensar
quem aqui vai ter coragem de mudar seu próprio destino?
deixemos as melhores canções para os artistas malditos, sem sucesso, desprestigiados
porque ninguém os entende
e torçamos para a miséria ser pequena quando o carro parar no próximo sinal

- eu quero o ventre livre já no próximo feriado! - a canção de liberdade precisa ecoar quando vier um novo feriado! - a vida é um cheque pré-datado

para sérgio sampaio

@pauloandel

Thursday, May 14, 2015

novo livro em breve


@pauloandel

Tuesday, May 12, 2015

50 anos de satisfaction











@pauloandel

Monday, May 11, 2015

últimas conversas


Friday, May 01, 2015

o idiota

esgueirando-se pelos escombros dos argumentos
fazendo da lógica um ataque epilético
cozinhando a ignorância, celebrando a covardia
um idiota faz da hipocrisia a sua sacada num palácio real
uma celebridade insignificante
um puxa-saco, um borra-botas
o oxigênio do idiota é a insensatez - nela, constrói suas verdades
agride, difama, calunia
entorpece as falas razoáveis
deturpa fatos, relativiza o óbvio,
e sua ignorância mora num sorriso alvar
oh, o idiota
espalhado democraticamente em todos os lugares
nas grandes corporações, em tomadas de decisões, ácaro na cueca dos homens desejados
papagaio de pirata dos atos falhos
o idiota na política persegue os comunistas e vê futuro nos fascistas
o cidadão idiota cobra honestidade com hipocrisia, aplaude a história editada, faz-se um torcedor eleitoral
um débil mental
o idiota nas frentes de trabalho, rastejando-se para sabotar colegas, mentir, constranger
e a vitória vira cachaça num balcão vulgar de bar
em troca de moedas sujas, o dinheiro de merda
um alcoólatra de merda
o idiota nas grandes faculdades carregando livros pesados só para ler as orelhas, as orelhas
o idiota classista, que defende a injustiça e a desordem, que vê o Rio somente nos cartões postais
debocha dos mendigos, autoproclama-se artista, acredita ter méritos
mas não consegue ver ou ouvir o talento alheio
um idiota rouba a própria empresa onde trabalha, o prédio onde mora, o vizinho
e dorme tranquilo
mas nem desconfia da concorrência: outros idiotas
a querer o seu sangue, sua cabeça de porco
para o idiota, só existe uma única e inevitável dor: ao olhar-se
diante do espelho, finalmente ele encontra a sua realidade
um idiota vê a si mesmo num verdadeiro carnaval da mediocridade
os belos apartamentos estão cheios de idiotas
as casas políticas são refúgios de idiotas
as redações dos jornais, os cenários corporativos, os maus escritórios
o futebol recheado de idiotas
a apoteose e seu desfile têm idiotas
o grande réveillon do rio
tem dezenas de milhares de idiotas
os golpes de estado, as guerras civis
vale o que está escrito
em provas ridículas, páginas fúteis, teses encardidas, processos estúpidos
aquela esquina antiga também tem um idiota
o mar do imbuí já teve um banhista idiota
os políticos corruptos, protegidos pela burguesia, pensam que todos são idiotas
idiotas fazem arte, rimam errado, desfraldam diplomas, ostentam dinheiro
e não pensam na mãe pobre debaixo da marquise com suas crianças esfomeadas
os doentes no leito de morte
os jovens negros mortos na guerra
idiotas não enxergam a insanidade nem em si mesmos
um chefe idiota, um empregado idiota, um professor idiota, um aluno também - o pobre e o rico, o gordo e o magro, o preto e o branco
o alto e o baixo
o idiota é o nosso petróleo: as reservas são inesgotáveis
oh, idiota: mesmo em seu mundo de torpeza e ignorância, orai por nós - faremos o mesmo em prol da tua alma turva, atormentada
falida no fracasso de uma vida opaca
o outono está nas ruas num feriado de maio
alguém liga a televisão e escuta o idiota
os livros estão fechados e empoeirados
idiota
idiota
cinco mil vezes idiota

@pauloandel

Tuesday, April 14, 2015

Conversando com Raul

CONVERSANDO com meu amigo Raul há pouco no departamento profissional da empresa onde trabalhamos, talvez no começo da manhã, nosso assunto começou em aposentadoria e voltou até o tempo em que cada um, a seu modo peculiar, enfrentou as agruras dos primeiros empregos e ocupações. Somos de gerações diferentes; tivemos formações, residências e práticas diferentes. No entanto, tudo fica parecido demais quando se começa a trabalhar: nada é fácil, cada dia é uma luta. E rimos também: ele não tem a menor aparência fisionômica do que se imagina (em pré-conceito) da figura de um homem aposentado.

Caminhar pelo sol a pino, enfrentar clientes beligerantes que possuem toda a razão porque “estão pagando”, encarar filas intermináveis, percorrer quilômetros até a hora em que uma cliente generosa ofereça um pedaço de bolo ou um copo de água, atravessar a Baía de Guanabara às duas da manhã depois do expediente ter sido encerrado (teoricamente) às dez da noite. Tudo isso é menor diante dos milhões de brasileiros que diariamente encaram as piores condições de trabalho nos piores cenários e ambientes possíveis – o noticiário está cheio deles. Por nossa imensa sorte e alguma competência, estamos longe dessas mazelas. Não trabalhamos no melhor lugar do Brasil? Não sei dizer, mas acho difícil que nossa casa de trabalho não esteja entre os dez – ou cinco – melhores points profissionais a cinco mil léguas do coração do Rio para qualquer direção da bússola. Somados, temos quase meio século de vida profissional na empresa e isso quer – ou pode – dizer alguma coisa.

Desde que comecei lá longe a estudar Estatística, debaixo de muitas adversidades no fim dos anos 80 do século passado – um país em completo abandono e desemprego; uma inflação de 70% ao mês; a luta para se conseguir ficar entre os primeiros lugares de uma universidade concorridíssima; a dificuldade de se conseguir um estágio numa carreira que mal era (e é) disseminada na economia -, o mundo mudou demais. Isso valeu para o futebol que amo e escrevo (vendo-o agora de maneira diferente, por sinal), a própria sociedade, a vida cotidiana, as inovações tecnológicas, os noticiários, os embates políticos, tudo. Mas minha diversão no emprego não mudou. Incrível. Pensar que já se passaram quase vinte e três anos é uma preocupação, mas, ao mesmo tempo, permite olhar o que aconteceu – e posso dizer que o saldo é absolutamente favorável: excelentes e confortáveis condições de trabalho, relações humanas gerais excelentes, silêncio na hora de calcular (o que é fundamental), todos os direitos trabalhistas absolutamente impecáveis e visíveis no computador, salário impecavelmente depositado na conta com precisão britânica, dezenas de histórias divertidas que dariam até um pequeno livro: garotas bonitas, chefes engraçadíssimos, diretores que hoje são saudade. Claro que houve percalços, pois a vida não é feita só do arco-íris, mas são absolutamente desimportantes diante do contexto da obra (em se tratando da casa a que me refiro, literalmente expresso); para um profissional da Estatística, não se permite o erro de inferência.

ÀS VEZES um admirável e querido maluco passa falando em usar as sobrancelhas no “estilo Madame Satã” (sabe-se lá o que o interlocutor quis dizer com isso). Outro recita poemas intermináveis. Alguém faz piada boa com a voz em alta escala, alguém fala num idioma próprio e divertidíssimo. Gente com sotaque divertido, daqui e de fora. Pequenas e divertidas barbaridades verbais. Gente suadíssima, vindo da rua depois de horas de esforço, beneficiando inclusive os companheiros da casa. Nas salas dos setores, é difícil constatar a ausência de riso, mesmo diante de tarefas mais complexas e que exigem atenção. Pessoas erram e acertam muito – aliás, é de bom tom jamais confiar em quem nunca errou, dado que os mentirosos não são lá essa coisa toda em termos de confiabilidade, por motivos óbvios. Geralmente o ar condicionado funciona muito bem, a internet idem e não tem lista de convocados ao DP para o desligamento a cada mês, praxe nas majors por aí. Tudo tão confortável que, ao apertar os horários de almoço, pude me tornar até um escritor publicado. A sede é linda e tem detalhes seculares, que geralmente impressiona os visitantes. À tarde servem lanche sala a sala.
Boa parte do elenco dos funcionários tem duas ou três décadas nas costas; os “especialistas” dizem ser contra isso e me sinto do direito de questioná-los: oh, senhores da exatidão, já estiveram aqui para avaliar o quanto a coisa funciona? Nenhum deles foi pago por vinte anos para exercer as especialidades em lugar algum, é natural que não aprovem. Gosto dessa coisa de defender uma camisa por muitos anos, isso me remete ao genial Nílton Santos.

Outro dia mesmo, a empresa parou cedo para que tivéssemos o almoço de Páscoa. Um bacalhau espetacular, dos melhores do ramo, repetido com louvor a cada ano. Lembrei-me dos rapazes trazendo o peso-pesado em bandejas por três ou quatro quadras, correndo para que tudo chegasse absolutamente quente do forno da padaria. Tive vontade de rir de quem reclamou do atraso de cinco minutos da festa: sorvete, bebida, comida, ar refrigerado, dinheiro na conta, cadeiras confortáveis, tudo a um ou dois quilômetros de comunidades carentes onde pessoas ainda deixam de almoçar para que o jantar possa existir. Ou num mundo onde a cada três segundos uma criança morre de fome. Uma a cada seis pessoas na Terra não tem sequer água, elemento quintessencial da vida. Uma vez por dia, tento tirar cinco minutos para ir a algumas salas, falar com os camaradas, saber como estão, trocar pequenas grandes ideias. O mundo lá fora é doloroso, injusto e cruel enquanto ainda me divirto em minha cadeira preta em frente a um computador preto.

Queria falar mais da festa, das pessoas, do bacalhau. Tudo isso foi só um pretexto para lembrar que, enquanto estamos por aqui, nossa vida é farta e especialíssima em se tratando da média no planeta Terra afora. Conversei com Raul e me lembrei do quanto nos divertimos. Antes da conversa, meu objetivo era entregar a ele um cálculo de juros qualquer. Noutros lugares, parece sacrifício. Calcular por aqui é diversão para mim.

Dizem que os empregados ficam mais felizes quando recebem um prêmio extra ou alguma benesse. Seria fácil demais. Digitei isso na hora do almoço de hoje, com o público querendo minha cabeça porque o CUB não foi publicado, gente rosnando no telefone e no e-mail. E daí? O trabalho é sério e me divirto com ele do mesmo jeito. Daqui a pouco tudo estará bem. Agora mesmo dois colegas de labuta conversam fraternalmente em frente à mesa de café a centímetros da porta da minha sala de trabalho. 

Muita gente, ao olhar o passado, diz que gostaria de ter feito outra coisa na vida. Se fosse o caso de escolher, eu talvez estudasse e trabalhasse bichos, que gosto muito, embora não saiba dizer se me divertiria o tempo todo, ainda mais num trabalho em que perdas e mortes são inevitáveis no cotidiano. Então fico admirando os bichos de longe e continuo muito feliz aqui pela rua do Senado com meus números: desde aquele 1992, quando vim com vinte estudantes disputar uma vaga de estágio e venci, eu não moveria uma vírgula sequer. Tudo exatamente como tem sido.

Há livros que já nascem prontos, deve ser isso.

@pauloandel

Thursday, April 09, 2015

É tudo mentira...

O limite da irresponsabilidade

Mendonça de Barros liga para Ricardo Sérgio pedindo uma carta de fiança do Banco do Brasil para o consórcio liderado pelo Banco Opportunity. Ricardo Sérgio diz que acabou de dar. E afirma estar no "limite da nossa irresponsabilidade".




O presidente grampeado

Em conversa com FHC, André Lara Resende (BNDES) critica a composição do consórcio Telemar, que disputava a Tele Norte Leste. FHC concorda:



Conheça os envolvidos



Muita emoção...



Dez anos de impunidade (11/11/2008)

A repórter Elvira Lobato publicou na Folha deste domingo reportagem sobre os dez anos de impunidade para os crimes flagrados no grampo da privatização das teles, no iluminado Governo do Farol de Alexandria, Fernando Henrique Cardoso, aquele do “quanto pior melhor” (*).

Luiz Carlos Mendonça de Barros, André Lara Rezende, Pérsio Arida, Elena Landau, Pio Borges, Ricardo Sergio de Oliveira (que foi, além de tudo, caixa de campanhas de Fernando Henrique e de José Serra), Daniel Dantas, Geraldo Brindeiro, Jair Bilachi, e Fernando Henrique Cardoso, ele mesmo – eles não têm nada a temer.

Estamos no Brasil, como diz o Mino Carta, o “país do futuro” !

Carlos Salinas de Gortari (México); Alberto Fujimori (Peru); e Carlos Menem (Argentina) privatizaram as teles e passaram o resto da vida a enfrentar a Lei (Fujimori chegou a ir em cana e Salinas fugiu do México).

São os heróis do neoliberalismo e da privatização na America Latina.

Aqui, ao contrário, levam o Fernando Henrique a sério, e lhe pagam US$ 50 mil por palestra, para ouvir ele pregar o “quanto pior melhor” (*).

Aqui, dez anos depois, os únicos que correm o risco de ir para a cadeia são os suspeitos de fazer o grampo.

Mas, na Justiça brasileira, aquela que tem seu ponto culminante no Supremo Presidente Gilmar Mendes, na Justiça brasileira é assim: quem se dá mal é o cano e, não, a água que por ele passa.

Para aderir às celebrações dessa Data Magna, o Conversa Afiada republica reportagem da Carta Capital de 25 de novembro de 1998.

A Carta divulgou o conteúdo do grampo: a água...

Acompanhe abaixo a reprodução de parte da matéria veiculada na Carta Capital, em 25 de novembro de 1998.

SOB SUSPEITA 

Bob Fernandes (reportagem originalmente publicada na edição 87, de 25 de novembro de 1998) 

O negócio tá na nossa mão, sabe por que Beto? Se controla o dinheiro, o consórcio. 

Se faz aqui esses consórcios borocoxôs, são todos feitos aqui. O Pio (Borges, vice-presidente do BNDES) levanta e depois dá a rasteira. (Luiz Carlos Mendonça de Barros, ministro das Comunicações, em conversa com o irmão José Roberto, secretário executivo da Câmara de Comércio Exterior.) 

Temos que fazer os italianos na marra, que estão com o Opportunity. Combina uma reunião para fechar o esquema. Eu vou praí às 6h30 e às 7 horas a gente faz a reunião. Fala pro Pio que vamos fechar (os consórcios) daquele jeito que só nós sabemos fazer. (Luiz Carlos Mendonça de Barros para André Lara Resende, presidente do BNDES, sobre a intenção de operar em favor do consórcio integrado pelo banco de investimentos Opportunity e a Telecom-Itália.) 

Vai lá e negocia, joga o preço para baixo. Depois, na hora, se precisar, a gente sobe e ultrapassa o limite. (André Lara Resende para Pérsio Arida, sócio do Opportunity.) 

A revista CartaCapital ouviu fitas gravadas na presidência do BNDES. A revista Veja conta ter tido acesso às duas fitas que o governo enviou para a Polícia Federal. São muitas as fitas. Fala-se em 27, mas certeza só tem quem participou dos grampos. As fitas ouvidas por CartaCapital têm trechos – os explosivos fragmentos acima – que, pelo relato de Veja, não constam das fitas repassadas pelo governo à Polícia Federal.

É certo que são fitas editadas, como tem repetido o ministro das Comunicações, Luiz Carlos Mendonça de Barros, mas é certo também que os diálogos ouvidos por CartaCapital existem e, claramente, não são uma montagem. Têm uma seqüência – sem espaços – e uma lógica que indicam extrema dificuldade para uma edição de diálogos. 

FILHOS CORRETORES

Das fitas que se conhece, as gravações mais importantes foram feitas entre 21 de julho e 12 de agosto últimos, mas os grampos na sala da presidência do BNDES (os diálogos em celulares são capturados) foram instalados no início deste ano. 

O alvo principal era o ministro Mendonça de Barros, então presidente do BNDES. 

Seus adversários buscavam, com os grampos, conversas entre Mendonça e seus filhos, Marcello e Daniel. Nas fitas por ora na praça não há registros de tais conversas. 

Os filhos do então presidente do BNDES tornaram-se sócios-proprietários de uma corretora na Bolsa de Mercadorias & Futuros (BM&F). A Link Corretora de Mercadorias Limitada, registrada na Junta Comercial em 2 de fevereiro, quatro meses depois, em junho, já era a terceira operadora no ranking de volumes de operações no mercado de Índice Bovespa futuro. 

Cerca de 40% desse índice, então, era composto pelas ações da Telebrás. Empresa sob comando do ministro. E que seria privatizada em operação de R$ 22 bilhões pilotada por Mendonça de Barros, o pai. 

PÉRSIO E OS ITALIANOS

O leilão de privatização do Sistema Telebrás deu-se no dia 29 de julho. O central e incisivo numa seqüência de mais de 30 conversas grampeadas é a tentativa de favorecer um consórcio que uniria o banco de investimentos Opportunity e a Telecom-Itália. 

"Os italianos", como diz o ministro Mendonça de Barros inúmeras vezes ao longo dos diálogos. Favorecer "os italianos" em detrimento do consórcio Telemar, formado pelo Grupo La Fonte (do empresário Carlos Jereissati), a Andrade Gutierrez, a Brasil Veículos, Macal e Aliança do Brasil. O Fundo de Previdência do Banco do Brasil, a Previ, é peça decisiva nas negociações e nos telefonemas. 

Mendonça de Barros, o presidente do BNDES, André Lara Resende, Pio Borges, vice-presidente do BNDES, e Pérsio Arida, sócio do Opportunity, combinam como pressionar a Previ para que feche com "os italianos" e o Opportunity. 

Enfim, a explosão. Nos telefonemas, o presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, chamado de "a bomba atômica", é instado a pedir à Previ que feche com o Opportunity. O mesmo se dá com o diretor do Banco do Brasil, Ricardo Sérgio de Oliveira. 

As conversas e a montagem de pressões chegam ao auge quando Mendonça de Barros sugere: 

—— Temos que falar com o presidente. 

E André Lara Resende responde: 

—— Isso seria usar a bomba atômica. 

André Lara Resende usa a bomba atômica. Em telefonema, pede ao presidente Fernando Henrique Cardoso: 

—— Precisamos convencer a Previ. 

Na conversa com o presidente (que também não consta na reprodução das duas fitas em posse do governo), Lara Resende não cita o interesse dos "italianos" que freqüentam seus diálogos com Mendonça de Barros. Ao presidente da República, repassa outra informação: 

—— Os portugueses (Telecom Portugal) estão interessados... 

No mesmo telefonema para Fernando Henrique, o presidente do BNDES tece considerações sobre a "necessidade de um operador estrangeiro" etrata como "aventureiros" os integrantes do Telemar, que não disporiam de "capacitação técnica". 

Ao final do telefonema, o presidente diz que vai falar com a Previ. Não se sabe se falou ou não. A Previ ajudou alguns dos seus sócios no consórcio Telemar a bancar o pagamento da compra da Tele Norte Leste. Já o Opportunity ficou com os italianos na Tele Centro Sul. 

QUESTÕES SEMÂNTICAS

Outro trecho que parece ausente nas fitas do governo – ao menos de acordo com o relato de Veja –, é a referência ao ministro da Fazenda, Pedro Malan, e ao secretário executivo Pedro Parente. Conversam Mendonça de Barros e Lara Resende. O ministro das Comunicações refere-se aos companheiros de governo Malan e Parente como "babacas". 

O ministro Mendonça de Barros, em suas versões orais editadas para a imprensa, tem relatado apenas o carinhoso diminutivo "babaquinha", e dedicando-o apenas a Parente. 

O ministro Malan e Parente seriam "babacas" por terem aceitado argumentos do consórcio Telemar e, quiçá (aqui trata-se de uma ilação não obtida em fitas), por divergirem do conjunto da obra. A propósito de divergências, há outras entre o que ouviu CartaCapital e o que se divulgou das fitas do governo. 

Mendonça de Barros, nas fitas, chama integrantes do consórcio Telemar de "ratada", e não "rataiada", conforme relatos oficiais do próprio reproduzidos pela imprensa. As já anunciadas investigações do procurador-geral da República, dr. Geraldo Brindeiro, por certo esclarecerão essa pinimba semântica quanto a roedores. 

Algumas contradições. Mendonça de Barros, que iria ao Senado prestar esclarecimentos na quinta-feira, 19, nesta segunda quinzena de novembro tem repetido, em conversas, os argumentos da incapacidade técnica da "Telegangue", da "ratada " – ou, "rataiada". Informa, ainda, que gestões suas, suprimidas nas fitas gravadas, foram feitas também em favor da formação do consórcio Telemar. 

Restam, então, duas questões. 

Por que o ministro, ou quem de direito, não se valeu das regras do processo de privatização para desqualificar uma empresa que não tinha "capacidade técnica"? 

Por que, uma vez que se tratava de uma "Telegangue", a empresa, mais uma vez, não foi afastada do processo? 

A intervenção deu-se apenas no instante em que o Telemar comprou a Tele Norte Leste, com suas 16 operadoras de telefonia fixa na faixa entre Rio de Janeiro e Amazonas. 

Na hora da liquidação da compra, o BNDES interveio e arrebanhou para si 25% das ações do Telemar, alegando tratar-se de um consórcio "chapa-branca", devido às seguradoras terem capital estatal. Mais uma vez, pergunta-se: por que o consórcio não foi desqualificado a tempo? 

A PEÇA-CHAVE

Vale lembrar. O Tribunal de Contas da União determinou inspeção no BNDES para apurar a legalidade e a regularidade dos atos dos dirigentes da entidade nessa operação. Se o consórcio é "chapa-branca", a ação do BNDES o tornaria ainda mais chapa-branca. Não fosse, é claro, a intenção do ministro em fazer a Telecom-Itália entrar no jogo. 

Peça-chave em todas as negociações, e nos diálogos grampeados, é a Previ. 

Recordemos, então, outra porção do processo de privatização, a da Vale do Rio Doce. 

À época, a Previ, que parecia compor-se com o grupo capitaneado por Antônio Ermírio de Moraes, à última hora bandeou-se para a nau pilotada por Benjamin Steinbruch. 

O mesmo Opportunity integrou também o consórcio vencedor na privatização da Vale. Mais: o mesmo banco Oppportunity, do mesmo Pérsio Arida, ex-presidente do Banco Central no atual governo, tem assento no conselho de administração da Vale. Segundo palavras do próprio ministro Mendonça de Barros, quando do leilão da Vale, o mesmo grupo de senhores "estimulou a competitividade". 

O BEM DA PÁTRIA

Revela o ministro que, então, procurou a Previ – que negociava com Ermírio – e pediu que o fundo entrasse no consórcio da CSN. Tudo em nome da competitividade e, é claro, pelo bem da Pátria. 

Naqueles dias, em entrevista à Veja, Antônio Ermírio bateu duro na operação e cutucou o presidente Fernando Henrique. No domingo, 21 de setembro de 1997, a caminho de Fortaleza, vindo de Sobral, o ex-ministro da Fazenda, Ciro Gomes, disse a CartaCapital: 

- O Antônio Ermírio é inteligente. Viu que querem engoli-lo, e berrou a tempo. Agora, pode dizer ao presidente que não é bem aquilo o que ele disse, mas não vão mais atropelá-lo. 

Ermírio não mais foi atropelado. Nos leilões de privatização do setor elétrico no Rio Grande do Sul e São Paulo, a Previ estava ao lado do Grupo Votorantim. 

No caso do Telemar, em que pesem as pressões de integrantes do governo para que a Previ jogasse preferencialmente com "os italianos" e o Oppportunity, é preciso recordar que o Fundo do Banco do Brasil – que terminaria integrando o Telemar – tem antigas e extensas relações de negócios com o Grupo La Fonte, de Carlos Jereissati. 

E o que diz a lei? Nas fitas, o sócio do Opportunity, Pérsio Arida, não apenas surge em conversas com André Lara Resende, como é anunciada sua presença durante um diálogo. Mendonça de Barros, enquanto negocia com Jair Bilachi, presidente da Previ, para que o fundo se una ao Opportunity informa: 

- Estamos aqui eu, André, Pérsio e Pio... 

Ainda nas fitas, ao comentar os mandados de segurança contra o leilão, Mendonça de Barros, em conversa com Lara Resende, cita o jurista Celso Antônio Bandeira de Mello, a quem se refere como "aquele pavão". A propósito de juristas, talvez seja útil recordar alguns artigos da Constituição, da Lei de Improbidade Administrativa e da Lei de Licitações.”

[Acrescenta PHA]:

(*) Não é à toa que a PolÍcia Federal demonstra certa dificuldade para decifrar os 12 HDs que encontrou atrás da parede falsa do apartamento de Dantas. E o HD do servidor do Banco Opportunity. Já pensou, caro leitor, se o FHC, o José Serra e a filha dele aparecem lá, num desses HDs, protegidos por uma senha criptografada?”