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Saturday, June 20, 2015

"Junky", de William Burroughs


Nasci em 1914, numa sólida casa de tijolo aparente, de três andares, numa grande cidade do Meio-Oeste. Meus velhos viviam bem. Meu pai tocava seu próprio negócio madeireiro. A casa tinha uma área na frente, um quintal nos fundos com jardim, um laguinho cheio de peixes e uma cerca alta de madeira protegendo tudo. Me lembro do homem dos lampiões acendendo o gás nas ruas, do enorme Lincoln preto reluzente e dos passeios pelo parque aos domingos. Não faltava nada: era uma vida segura e confortável, para sempre perdida agora. Eu podia vir com uma dessas conversas nostálgicas sobre o médico alemão que morava ao lado, os ratos que rondavam o quintal, o carrinho elétrico da minha tia e o meu sapo de estimação que vivia na beira do laguinhô dos peixes.

Na verdade, minhas primeiras lembranças são matizadas pelo medo de pesadelos. Eu tinha medo de ficar sozinho, medo do escuro e medo de dormir por causa dos pesadelos, em que um horror sobrenatural estava sempre a ponto de se materializar. Tinha medo de que um dia, ao acordar, o pesadelo ainda estivesse lá.

Me lembro de uma empregada falando sobre ópio, que o ópio trazia sonhos lindos, e eu disse: “Vou fumar ópio quando eu crescer”.

Quando criança eu vivia assolado por alucinações. Uma vez, acordei de manhã bem cedo e vi uns homenzinhos brincando numa casa de cubos que eu tinha erguido. Não tive medo, só uma sensação de imobilidade e espanto maravilhado. Outra alucinação ou pesadelo muito comum envolvia “animais na parede”, e começava com o delírio provocado por uma febre estranha, jamais diagnosticada, que eu costumava ter aos quatro, cinco anos.

Frequentei uma escola moderna, ao lado dos futuros cidadãos íntegros — advogados, médicos e empresários de uma grande cidade americana. Junto das outras crianças eu ficava tímido, com medo de violências físicas. Tinha uma lésbica mirim muito agressiva que puxava meu cabelo tão logo me via. Eu bem que gostaria de socar a cara dela nesse mesmo instante, mas, anos atrás, ela caiu do cavalo e quebrou o pescoço.

Quando eu tinha sete anos, meus pais resolveram se mudar para o subúrbio “pra se verem livres de gente”. Compraram um casarão com muito terreno, bosques e um lago com peixes; em vez de ratos, havia esquilos no quintal. Vivíamos numa redoma aprazível, ao lado de um belo jardim, afastados da vida urbana.

Me botaram num ginásio particular de subúrbio. Eu não era especialmente bom ou mau nos esportes, nem brilhante ou retardado nos estudos. Tinha um bloqueio definitivo para matemática e tudo que fosse mecânico. Jamais gostei de jogos competitivos de equipe, e os evitava sempre que possível. O fato é que me tornei um doente imaginário crônico. Porém, gostava pra valer de pescar, caçar e caminhar. Lia mais do que a média dos garotos americanos daquele tempo e lugar: Oscar Wilde, Anatole France, Baudelaire e até Gide.

Criei um apego romântico por um garoto, e a gente passava os sábados explorando velhas pedreiras, passeando de bicicleta e pescando em lagoas e rios.


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