Algo
em torno de seis e meia da tarde e Sônia me ligou, apenas para avisar que
estamos a caminho. Jovem, louca, mansa, delicada e deliciosa em seus vinte e
poucos anos, eu tento entender o que ela quer de mim além de sexo intenso de
cortar feito adaga. Temos vivido assim há alguns meses e é naturalmente
divertido: quando você tem cinquenta anos, não tem o direito de ser hipócrita
em negar o prazer que sente de um jovem com a metade da tua idade em qualquer
cama que se preze. Ou no banco de ônibus numa viagem. Ou na escada do prédio,
feito fosse um adolescente. Tudo seria perfeito se não existisse na minha vida
um problema chamado Tati, que ficará claro adiante. Ninguém da Tijuca precisa
saber.
Sete
da noite, o interfone toca, o porteiro com português de difícil compreensão
acena e avisa que dona Sônia está subindo. Acho graça dos tratamentos que as
convenções exigem: é Sônia e ponto. Abro a porta, trocamos um beijo de boas
vindas, momento de trocar o inferno pelo céu e virá-lo do avesso várias vezes.
E nem dá tanto tempo para esperamos qualquer coisa além de tirar roupas e
trocar carinhos diversos – afinal, esse era o objetivo mesmo. Agora que posso
ter horas mais longas, longe da confusão da delegacia e do transtorno de anos,
o que mais tenho pensado é em tudo o que não havia por lá: livros, discos,
versos, mar, futebol, sexo. Mas tudo isso tem um ponto e vírgula: Tati. Tudo o
que penso dela desafia o conservadorismo tijucano.
Rapidamente
Sônia está nua, nos abraçamos, fazemos sexo enlouquecedor – sejamos claros: é
fuder loucamente, ora! O telefone toca uma ou duas vezes, ela ri, eu lembro dos
tempos da polícia onde o tilintar do aparelho poderia ser a diferença entre a
vida e a morte de alguém, resolvo atender, ela ri da paralisação. Para minha
surpresa, um ponto e vírgula do outro lado da linha: Tati. Todo Superman tem a
kriptonita que merece.
Conhecemo-nos
anos atrás, eu e Tati, aqui Tatiana, por intermédio de uma amiga num tempo
breve de faculdade e, na primeira noite que a vi, fiquei louco por ela: soube
que dançava e lia, que gostava de versos e parecia tão delicada que tudo lhe
dava ares de tesão e charme. Estava acompanhada na primeira noite,
respeitosamente admirei de longe. Não sei como, mais tarde trocamos telefones,
e-mails, passamos a nos corresponder, fomos amigos ao longe, continuamos sendo,
ela tem um romance, eu tenho outros, mas sempre a desejei e penso nela a todo
instante nua em todas as possibilidades que minha boca permite. Nunca lhe falei
sobre o tesão imenso que ela me desperta. Alguém me disse que quando eu casasse
isso passaria, mas casei duas vezes, desfiz, contratei garotas de programa,
chamei garotas de bate-papo virtual, comi cem mulheres e nada faz cessar o
tesão oceânico que tenho pela Tati – e não é só tesão em sexo, é tesão de tudo:
brincar, namorar, conversar, dividir espaços, silêncios, tudo o que for. E
beijo. E beijo e beijo e beijos até os lábios incharem e se avermelharem de vez
– alguém fará piada comigo seu eu sair à rua, dizendo que pareço Boris Casoy de
batom. O que dizer dos dela, saltados e provocantes entre as coxas? Só de ouvir
sua voz delicada já penso em aterrissar nas estrelas, com todo o ridículo
nisso. Não era nada de mais: coisas de seu trabalho, pediu apenas uma
orientação, queria saber como eu estava, não deixei que Sônia percebesse nada,
fui um completo canalha naquilo que é a única coisa que justifica a canalhice –
o amor.
Sônia
está nua, paciente e desejosa em seu corpo quente e cheio de saliências
convidativas. Como posso ser um velho tão idiota a ponto de navegar naquela catedral
de carne quente e ficar a pensar em outra mulher que nunca sequer beijei? Logo eu que já fui o rei das estagiárias na
delegacia, o bambambã de certas noites suburbanas, o algoz dos namorados que
não sabem acariciar uma mulher como devido.
O
fim da vida está me reservando bobagens da adolescência? Ou é simplesmente
aquilo que chamam amor?
O
que me resta é navegar, beijar, chupar, penetrar, Sônia tem uma satisfação
enorme e tão visível em berço líquido que me desfaço e também rio, pelo prazer
de proporcionar prazer. Bebemos vinho em nossas peles como se fôssemos
discípulos de Baco – somos mesmo! Mas acontece que eu sou um perfeito idiota: o
meu corpo está misturando nas carnes daquela deliciosa mulher e eu só penso em
outra, outra – algo que se repete há anos e me tira do sério, já que isso
supostamente “coisa de mulher” – ou será coisa de amor? – eu não sei dizer. Em
vias de gozo e prazer cumprido, eu só penso em Tati, o quanto seria bom estar ao
seu lado, namorá-la, recitar-lhe pequenas sacanagens ao pé do ouvido ou algum
dos poemas que já escrevi em sua homenagem – na verdade foram dezenas – se um
dia escrever um livro, eu a ponho com personagem. Para piorar, Tati namora um
sujeito chamado Francis, que é a apoteose da mediocridade em pessoa: jamais
será capaz de lhe proporcionar os carinhos e os sestros que só eu sei conduzir
e dizer vida afora. Não conhece os poetas, não sabe dos versos, nem desconfia
do que desenho todos os dias. Deuses do céu, como posso ter esse comportamento
tão imaturo e, ao mesmo tempo, maravilhoso?
Sônia
está nua e linda, deitada em nosso berço esplêndido e encostada com a cabeça em
meu peito cheio de desejo por outra mulher que quase nunca vi, muito li e
sempre sonhei. Trocamos beijos, somos apaixonados desconhecidos, dois
animaizinhos em ritmo de foda a mil. Ela parece feliz e me pergunto se há um
homem em sua vida que lhe signifique o que Tati é para mim: pedra, flor e
espinho. Hoje é sexta e o dia já vai dizer adeus. Sinto-me bem com o delicado
corpo de mulher que se esfrega em mim, mas meu sonho e pensamento clamam pelo
corpo de Tati. Sônia é meu prazer e me faz tão bem, mas eu não consigo deixar
de pensar em Tati. Tenho sonhos eróticos com ela constantemente, penso nela
quando transo com outras mulheres, lembro dela quando vejo casais de namorados
felizes em mãos dadas nas areias do Leme. Meus amigos dizem que sou um sortudo
com as mulheres e eu choro nas noites solitárias de julho por causa de Tati –
faltam me bater quando falo disso. E pensar nos criminosos que já me viram como
carrasco nos momentos necessários: eles nunca sonhariam no quanto eu sofro
feito um tolo por causa de algo que parece tão tesão, tão corpo e provocação
mas não passa de um amor que atravessa paradigmas e beija o surrealismo na boca
até dizer chega.
Eu
e Sônia tomamos um banho frio e namoramos sob a água da ducha que se faz
cachoeira. Ela se veste rápido para não perder o ônibus na Conde de Bonfim. Ganhamos
as ruas da Tijuca. Quando a deixo no ponto, sou capaz de pensar mil coisas. Trocamos
um beijo de quatro estações, ela sorri e diz que já volta. Olho as ruas quase
desertas. É uma sexta-feira e as pessoas estão namorando felizes. Tenho ódio de
pensar em Tati nua nos braços de Francis e choro. O que me resta é fechar as
cortinas do dia na casa de amigas felizes e queridas, brindando com mais vinhos
em Copacabana. Tomo um táxi. Sou um idiota: eu devia pensar tudo em Sônia, mas
só enxergo Tati.
Somos
todos discípulos de Baco, mas o que realmente procuramos estampado nos céus são
sinais de amor – exatamente o que vejo quando penso numa estrela e vejo Tati.
Passam os meses, os anos e eu penso em Tati. Passam céus e infernos e eu penso
em Tati. Ela é uma bailarina jovem e linda e eu não tenho mais crimes a
combater. Eu devia estar feliz porque eu tenho Sônia, os amigos me elogiam, a
Tijuca é a mansão do idílio, mas sei que toda a minha felicidade mora nos seios
de Tati, seu colo, suas coxas, morder-lhe da nuca ao calcanhar, do pescoço aos
pés. Quero vê-la dançando numa perto do mar de Ipanema como Isadora Duncan fez
certa vez. Quero cada passo do seu corpo, dos seus encantos, como se a
fagocitasse por completo, namorar seus olhinhos infantis e misturar todos os
carinhos à putaria. Ela é jovem e linda, ela baila cada vez mais linda e eu sou
apenas um pobre amador – é que Sônia me manda um torpedo pelo telefone.
Saudades
do velho oeste na delegacia.
Da
próxima parada não sei dizer.
@pauloandel
baseado
em fatos surreais
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