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Saturday, July 20, 2013

Tati


Algo em torno de seis e meia da tarde e Sônia me ligou, apenas para avisar que estamos a caminho. Jovem, louca, mansa, delicada e deliciosa em seus vinte e poucos anos, eu tento entender o que ela quer de mim além de sexo intenso de cortar feito adaga. Temos vivido assim há alguns meses e é naturalmente divertido: quando você tem cinquenta anos, não tem o direito de ser hipócrita em negar o prazer que sente de um jovem com a metade da tua idade em qualquer cama que se preze. Ou no banco de ônibus numa viagem. Ou na escada do prédio, feito fosse um adolescente. Tudo seria perfeito se não existisse na minha vida um problema chamado Tati, que ficará claro adiante. Ninguém da Tijuca precisa saber.

Sete da noite, o interfone toca, o porteiro com português de difícil compreensão acena e avisa que dona Sônia está subindo. Acho graça dos tratamentos que as convenções exigem: é Sônia e ponto. Abro a porta, trocamos um beijo de boas vindas, momento de trocar o inferno pelo céu e virá-lo do avesso várias vezes. E nem dá tanto tempo para esperamos qualquer coisa além de tirar roupas e trocar carinhos diversos – afinal, esse era o objetivo mesmo. Agora que posso ter horas mais longas, longe da confusão da delegacia e do transtorno de anos, o que mais tenho pensado é em tudo o que não havia por lá: livros, discos, versos, mar, futebol, sexo. Mas tudo isso tem um ponto e vírgula: Tati. Tudo o que penso dela desafia o conservadorismo tijucano.

Rapidamente Sônia está nua, nos abraçamos, fazemos sexo enlouquecedor – sejamos claros: é fuder loucamente, ora! O telefone toca uma ou duas vezes, ela ri, eu lembro dos tempos da polícia onde o tilintar do aparelho poderia ser a diferença entre a vida e a morte de alguém, resolvo atender, ela ri da paralisação. Para minha surpresa, um ponto e vírgula do outro lado da linha: Tati. Todo Superman tem a kriptonita que merece.

Conhecemo-nos anos atrás, eu e Tati, aqui Tatiana, por intermédio de uma amiga num tempo breve de faculdade e, na primeira noite que a vi, fiquei louco por ela: soube que dançava e lia, que gostava de versos e parecia tão delicada que tudo lhe dava ares de tesão e charme. Estava acompanhada na primeira noite, respeitosamente admirei de longe. Não sei como, mais tarde trocamos telefones, e-mails, passamos a nos corresponder, fomos amigos ao longe, continuamos sendo, ela tem um romance, eu tenho outros, mas sempre a desejei e penso nela a todo instante nua em todas as possibilidades que minha boca permite. Nunca lhe falei sobre o tesão imenso que ela me desperta. Alguém me disse que quando eu casasse isso passaria, mas casei duas vezes, desfiz, contratei garotas de programa, chamei garotas de bate-papo virtual, comi cem mulheres e nada faz cessar o tesão oceânico que tenho pela Tati – e não é só tesão em sexo, é tesão de tudo: brincar, namorar, conversar, dividir espaços, silêncios, tudo o que for. E beijo. E beijo e beijo e beijos até os lábios incharem e se avermelharem de vez – alguém fará piada comigo seu eu sair à rua, dizendo que pareço Boris Casoy de batom. O que dizer dos dela, saltados e provocantes entre as coxas? Só de ouvir sua voz delicada já penso em aterrissar nas estrelas, com todo o ridículo nisso. Não era nada de mais: coisas de seu trabalho, pediu apenas uma orientação, queria saber como eu estava, não deixei que Sônia percebesse nada, fui um completo canalha naquilo que é a única coisa que justifica a canalhice – o amor.

Sônia está nua, paciente e desejosa em seu corpo quente e cheio de saliências convidativas. Como posso ser um velho tão idiota a ponto de navegar naquela catedral de carne quente e ficar a pensar em outra mulher que nunca sequer beijei?  Logo eu que já fui o rei das estagiárias na delegacia, o bambambã de certas noites suburbanas, o algoz dos namorados que não sabem acariciar uma mulher como devido.

O fim da vida está me reservando bobagens da adolescência? Ou é simplesmente aquilo que chamam amor?

O que me resta é navegar, beijar, chupar, penetrar, Sônia tem uma satisfação enorme e tão visível em berço líquido que me desfaço e também rio, pelo prazer de proporcionar prazer. Bebemos vinho em nossas peles como se fôssemos discípulos de Baco – somos mesmo! Mas acontece que eu sou um perfeito idiota: o meu corpo está misturando nas carnes daquela deliciosa mulher e eu só penso em outra, outra – algo que se repete há anos e me tira do sério, já que isso supostamente “coisa de mulher” – ou será coisa de amor? – eu não sei dizer. Em vias de gozo e prazer cumprido, eu só penso em Tati, o quanto seria bom estar ao seu lado, namorá-la, recitar-lhe pequenas sacanagens ao pé do ouvido ou algum dos poemas que já escrevi em sua homenagem – na verdade foram dezenas – se um dia escrever um livro, eu a ponho com personagem. Para piorar, Tati namora um sujeito chamado Francis, que é a apoteose da mediocridade em pessoa: jamais será capaz de lhe proporcionar os carinhos e os sestros que só eu sei conduzir e dizer vida afora. Não conhece os poetas, não sabe dos versos, nem desconfia do que desenho todos os dias. Deuses do céu, como posso ter esse comportamento tão imaturo e, ao mesmo tempo, maravilhoso?

Sônia está nua e linda, deitada em nosso berço esplêndido e encostada com a cabeça em meu peito cheio de desejo por outra mulher que quase nunca vi, muito li e sempre sonhei. Trocamos beijos, somos apaixonados desconhecidos, dois animaizinhos em ritmo de foda a mil. Ela parece feliz e me pergunto se há um homem em sua vida que lhe signifique o que Tati é para mim: pedra, flor e espinho. Hoje é sexta e o dia já vai dizer adeus. Sinto-me bem com o delicado corpo de mulher que se esfrega em mim, mas meu sonho e pensamento clamam pelo corpo de Tati. Sônia é meu prazer e me faz tão bem, mas eu não consigo deixar de pensar em Tati. Tenho sonhos eróticos com ela constantemente, penso nela quando transo com outras mulheres, lembro dela quando vejo casais de namorados felizes em mãos dadas nas areias do Leme. Meus amigos dizem que sou um sortudo com as mulheres e eu choro nas noites solitárias de julho por causa de Tati – faltam me bater quando falo disso. E pensar nos criminosos que já me viram como carrasco nos momentos necessários: eles nunca sonhariam no quanto eu sofro feito um tolo por causa de algo que parece tão tesão, tão corpo e provocação mas não passa de um amor que atravessa paradigmas e beija o surrealismo na boca até dizer chega.

Eu e Sônia tomamos um banho frio e namoramos sob a água da ducha que se faz cachoeira. Ela se veste rápido para não perder o ônibus na Conde de Bonfim. Ganhamos as ruas da Tijuca. Quando a deixo no ponto, sou capaz de pensar mil coisas. Trocamos um beijo de quatro estações, ela sorri e diz que já volta. Olho as ruas quase desertas. É uma sexta-feira e as pessoas estão namorando felizes. Tenho ódio de pensar em Tati nua nos braços de Francis e choro. O que me resta é fechar as cortinas do dia na casa de amigas felizes e queridas, brindando com mais vinhos em Copacabana. Tomo um táxi. Sou um idiota: eu devia pensar tudo em Sônia, mas só enxergo Tati.

Somos todos discípulos de Baco, mas o que realmente procuramos estampado nos céus são sinais de amor – exatamente o que vejo quando penso numa estrela e vejo Tati. Passam os meses, os anos e eu penso em Tati. Passam céus e infernos e eu penso em Tati. Ela é uma bailarina jovem e linda e eu não tenho mais crimes a combater. Eu devia estar feliz porque eu tenho Sônia, os amigos me elogiam, a Tijuca é a mansão do idílio, mas sei que toda a minha felicidade mora nos seios de Tati, seu colo, suas coxas, morder-lhe da nuca ao calcanhar, do pescoço aos pés. Quero vê-la dançando numa perto do mar de Ipanema como Isadora Duncan fez certa vez. Quero cada passo do seu corpo, dos seus encantos, como se a fagocitasse por completo, namorar seus olhinhos infantis e misturar todos os carinhos à putaria. Ela é jovem e linda, ela baila cada vez mais linda e eu sou apenas um pobre amador – é que Sônia me manda um torpedo pelo telefone.

Saudades do velho oeste na delegacia.

Da próxima parada não sei dizer.

@pauloandel

baseado em fatos surreais

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