Translate

Thursday, October 29, 2015

"Uivo", de Allen Ginsberg

Eu vi os expoentes da minha geração, destruídos pela
loucura, morrendo de fome, histéricos, nus,
arrastando-se pelas ruas do bairro negro de madrugada
em busca de uma dose violenta de qualquer coisa,
hipsters com cabeça de anjo ansiando pelo antigo
contato celestial com o dínamo estrelado da
maquinaria da noite,
que pobres esfarrapados e olheiras fundas, viajaram
fumando sentados na sobrenatural escuridão dos
miseráveis apartamentos sem água quente, flutuando
sobre os tetos das cidades contemplando o jazz,
que desnudaram seus cérebros ao céu sob o Elevado
e viram anjos maometanos cambaleando iluminados
nos telhados das casas de cômodos,
que passaram por universidades com olhos frios e
radiantes alucinando Arkansas e tragédias à luz
de Blake entre os estudiosos da guerra,
que foram expulsos das universidades por serem loucos
& publicarem odes obscenas nas janelas do crânio,
que se refugiaram em quartos de paredes pintura
descascada em roupa de baixo queimando seu
dinheiro em cestos de papel escutando o Terror
através da parede,
que foram detidos em suas barbas púbicas voltando
por Laredo com um cinturão de marihuana para
Nova Iorque,
Que comeram fogo em hotéis mal pintados ou
Beberam terebentina em Paradise Alley, morreram ou
Flagelaram seus torsos noite após noite com
Som sonhos, com drogas, com pesadelos na vigília,
Álcool e caralhos em intermináveis orgias,
Incomparáveis ruas cegas sem saída de nuvem trêmula,
E clarão na mente pulando nos postes dos pólos de
Canadá & Paterson, iluminando completamente o
Mundo imóvel do Tempo intermediário,
solidez de Peite dos corredores, aurora de fundo de
quintal das verdes árvores do cemitério, porre de vinho
nos telhados, fachadas de lojas de subúrbio
na luz cintilante de neon do tráfego na
corrida de cabeça feita do pazer, vibrações de
sol e lua e árvore no tronco de crepúsculo de
inverno de Brooklyn, declamações entre latas
de lixo e a suave soberana luz da mente,
que se acorrentaram aos vagões do metrô para o
infindável percurso do Battery ao sagrado Bronx
de benzedrina até que o barulho das rodas e
crianças os trouxesse de volta, trêmulos, a boca
arrebentada o despovoado deserto do cérebro
esvaziado de qualquer brilho na lúgubre luz do
Zoológico, que afundaram a noite toda na luz submarina
de Bickford´s, voltaram à tona e passaram a tarde
de cerveja choca no desolado Fuggazi´s escutando
o matraquear da catástrofe na vitrola
automática de hidrogênio,
que falaram setenta e duas horas sem parar do
parque ao apê ao bar ao Hospital Bellevue ao
Museu à Ponte do Brooklyn,
Batalhão perdido de debatedores platônicos saltando
Dos gradis das escadas de emergência dos parapeitos
Das janelas do Empire State da Lua,
Tagarelando, berrando, vomitando, sussurrando fatos
E lembranças e anedotas e viagens visuais e choques
Nos hospitais e prisões e guerras,
Intelectos inteiros regurgitados em recordação total
Com os olhos brilhando por sete dias e noites,
Carne para a sinagoga jogada à rua,
Que desapareceram no Zen de Nova Jersey de
lugar algum deixando um rastro de postais ambíguos
do Centro Cívico de Atlantic City,
sofrendo suores orientais, pulverizações tangerianas
de ossos e enxaquecas da China por causa da
falta da droga no quarto pobremente mobiliado de Newark,
que deram voltas e voltas à meia noite no pátio da
ferrovia perguntando-se aonde ir e foram, sem
deixar corações partidos,
que acenderam cigarros em vagões de carga, vagões
de carga, vagões de carga, que rumavam ruidosamente
pela neve até solitárias fazendas dentro da noite do avô,
que estudaram Plotino, Poe, São João da Cruz, telepatia
e bop-cabala pois o Cosmos instintivamente
vibrava a seus pés em Kansas,
que passaram solitários pelas ruas de Idaho procurando
anjos índios e visionários que eram anjos índios e visionários
que só acharam que estavam loucos quando Baltimore
apareceu em estase sobrenatural,
que pularam em limusines com o chinês de Oklahoma
no impulso da chuva de inverno na luz das ruas
da cidade pequena à meia-noite,
que vaguearam famintos e sós por Huston procurando
jazz ou sexo ou rango e seguiram o espanhol
brilhante para conversar sobre a América e a Eternidade,
inútil tarefa, e assim embarcaram
num navio para a África,
que desapareceram nos vulcões do México
nada deixando além da sombra das suas calças
rancheiras e a lava e a cinza da poesia espalhadas
pela lareira Chicago,
que reapareceram na Costa Oeste investigando o FBI
de barba e bermudas com grandes olhos pacifistas
e sensuais nas suas peles morenas, distribuindo
folhetos ininteligíveis,
que apagaram cigarros acesos nos seus braços
protestando contra o nevoeiro narcótico de
tabaco do Capitalismo,
que distribuiram panfletos supercomunistas em Union
Square, chorando e despindo-se enquanto as
Sinrenes de Los Alamos os afugentavam gemendo
mais alto que eles e gemiam pela Wall Street e
também gemia a balsa de Staten Island
que caíram em prantos em brancos ginásios desportivos,
nus e trêmulos diante da maquinaria de outros esqueletos,
que morderam policiais no pescoço e berraram de
prazer nos carros de presos por não terem cometido
outro crime a não ser sua transação pederástica e tóxica,
que uivaram de joelhos no metrô e foram arrancados do
telhado sacudindo genitais e manuscritos,
que se deixaram foder no rabo por motociclistas
santificados e berraram de prazer,
que enrabaram e foram enrabados por esses serafins
humanos, os marinheiros, carícias de amor
atlântico e caribeano,
que transaram pela manhã e ao cair da tarde em
roseirais, na grama de jardins públicos e cemitérios,
espalhando livremente seu sêmen para
quem quisesse vir,
que soluçaram interminavelmente tentando gargalhar
mas acabaram choramingando atrás de um tabique
de banho turco onde o anjo loiro e nu veio
trespassá-los com sua espada,
que perderam seus garotos amados para as três
megeras do destino, a megera caolha do dólar heterossexual, megera caolha  que pisca de
dentro do ventre e a megera caolha que só sabe
sentar sobre sua bunda retalhando os dourados
fios intelectuais do tear do artesão,
que copularam em êxtase insaciável com um garrafa
de cerveja, uma namorada, um maço de cigarros, uma
vela, e caíram na cama e continuaram
pelo assoalho e pelo corredor e terminaram
desmaiando contra a parede com uma visão da
boceta final e acabaram sufocando o derradeiro lampejo da
consciência,
que adoçaram as trepadas de um milhão de garotas
trêmulas ao anoitecer, acordaram de olhos vermelhos
no dia seguinte mesmo assim prontos
para adoçar trepadas na aurora, bundas luminosas
nos celeiros e nus no lago,
que foram transar em Colorado num miríade de
carros roubados à noite, N.C., herói secreto destes
poemas, garanhão e Adônis de Denver – prazer
ao lembrar suas incontáveis trepadas com garotas
em terrenos baldios & pátios dos fundos de
restaurantes de beira de estrada, raquíticas fileiras
de poltronas de cinema, picos de montanha
cavernas com esquálidas garçonetes no
familiar levantar de saias solitário à beira da
estrada & especialmente secretos solipsismos de
mictórios de postos de gasolina & becos da cidade
natal também,
que se apagaram em longos filmes sórdidos, foram
transportados em sonho, acordaram num
Manhattan súbito e conseguiram voltar com uma
Impiedosa ressaca de adegas de Tokay e horror
Dos sonhos de ferro da Terceira Avenida &
Cambalearam até as agências de desemprego,
Que caminharam a noite toda com os sapatos cheios
De sangue pelo cais coberto por montões de
Neve, esperando que uma porta se abrisse no
East River dando para um quarto cheio de vapor e ópio,
Que criaram grandes dramas suicidas nos penhascos
De apartamentos do Huston à luz azul de holoforte
Antiaéreo da luta & suas cabeças receberão
Coroas de louro no esquecimento,
Que comeram o ensopado de cordeiro da imaginação
Ou digeriram o caranguejo do fundo lodoso dos
Rios de Bovery,
Que choraram diante do romance das ruas com seus
Carrinhos de mão cheios de cebola e péssima música,
Que ficaram sentados em caixotes respirando a
escuridão sob a ponte e ergueram-se para construir
clavicórdios em seus sótãos,
que tossiram num sexto andar do Harlem coroando de
chamas sob um céu tuberculoso rodeados pelos
caixotes de laranja da teologia,
que rabiscaram a noite toda deitando e rolando sobre
invocações sublimes que ao amanhecer amarelado
revelaram-se versos de tagarelice sem sentido,
que cozinharam animais apodrecidos, pulmão coração
pé rabo borsht & tortilhas sonhando com
o puro reino vegetal,
que se atiraram sob caminhões de carne
em busca de um ovo,
que jogaram seus relógios do telhado fazendo seu
lance de aposta pela Eternidade fora do Tempo
& despertadores caíram em suas cabeças por
Todos os dias da década seguinte,
Que cortaram seus pulsos sem resultado três vezes
Seguidas, desistiram e foram obrigados a abrir
Lojas de antiguidades onde acharam que estavam
Ficando velhos e choraram,
Que foram queimados vivos em seus inocentes
ternos de flanela em Madison Avenue no meio das
rajadas de versos de chumbo & o estrondo contido
dos batalhões de ferro da moda & os guinchos
de nitroglicerina das bichas da propaganda &
o gás mostarda de sinistros editores inteligentes
ou foram atropelados pelos taxis bêbados
da Realidade Absoluta,
que se jogaram da ponte de Brooklyn, isso realmente
aconteceu, e partiram esquecidos e desconhecidos
para dentro da espectral confusão das ruelas
de sopa & carros de bombeiros de Chinatown,
nem uma cerveja de graça,
que cantaram desesperados nas janelas, jogaram-se
da janela do metrô saltaram no imundo rio
Paissac, pularam nos braços dos negros, choraram
Pela rua afora, dançaram sobre garrafas
Quebradas de vinho descalços arrebentando
Nostálgicos discos de jazz europeu dos anos 30
Na Alemanha, terminaram o whisky e vomitaram
Gemendo no toalete sangrento, lamentações nos
Ouvidos e o sopro de colossais apitos a vapor,
Que mandaram brasa pelas rodovias do passado
Viajando pela solidão da vigília da cadeia de
Gólgota de carro envenenado de cada um ou então
A encarnação do Jazz de Birmingham,
Que guiaram atravessando o país durante setenta e duas
Horas para saber se eu tinha tido uma visão ao se ele tinha
Tido uma visão para descobrir a Eternidade,
Que viajaram para Denver, que morreram em Denver,
Que retornaram a Denver & esperaram em vão,
Que espreitaram Denver & ficaram parados pensando
& solitários em Denver e finalmente partiram
para descobrir o Tempo & agora Denver está
saudosa de seus heróis,
 que caíram de joelhos em catedrais sem esperança
rezando por sua salvação e luz e peito até que a
alma iluminasse seu cabelo por um segundo,
que se arrebentassem nas suas mentes na prisão
aguardando impossíveis criminosos de cabeça
dourada e o encanto da realidade em seus corações
que entoavam suaves blues de Alcatraz,
que se recolheram ao México para cultivar um
vício ou às Montanhas Rochosas para o suave
Buda ou Tânger para os garotos do Pacífico Sul
para a locomotiva negra ou Havard para Narciso
para o cemitério de Woodlaw para a coroa
de flores para o túmulo,
que exigiram exames de sanidade mental acusando
o rádio de hipnotismo & foram deixados com sua
loucura & e mãos & um júri suspeito,
que jogaram salada de batata em conferencistas da
Universidade de Nova Iorque sobre Dadaísmo
e em seguida se apresentaram nos degraus de
granito do manicômio com cabeças raspadas e [
fala de arlequim dobre suicídio, exigindo
lobotomia imediata,
e que em lugar disso receberam o vazio concreto da
insulina metrazol choque elétrico hidroterapia
psicoterapia terapia ocupacional pingue-pongue
& amnésia,
Que num protesto sem humor viraram apenas uma
Mesa simbólica de pingue-pongue mergulhando
logo a seguir na catatonia,
Voltando anos depois, realmente calvos exceto por
Uma peruca de sangue e lágrimas e dedos
Para a visível condenação de louco nas celas da
Cidades-manicômio do Leste,
Pilgrim State, Rockland, Greystone, seus corredores
Fétidos, brigando com os ecos da alma, agitando-se
E rolando e balançando no banco de solidão à
Meia-noite dos domínios de mausoléu
Druídico do amor, o sonho da vida um
pesadelo , corpos transformados em pedras
tão pesadas quanto a lua,
com a mãe finalmente ***** e o último livro
fantástico atirado pela janela do cortiço e a última
porta fechada às 4 da madrugada e o último
telefone arremessado contra a parede em
resposta e o último quarto mobiliado esvaziado até
a última peça de mobília mental, uma rosa de papel
amarelo retorcida num cabide de arame do armário
e até mesmo isso imaginário, nada mais
que um bocadinho esperançoso de alucinação –
ah, Carl, enquanto você não estiver a salvo eu não
estarei a salvo e agora você está inteiramente
mergulhado no caldo animal total do tempo –
e que por isso correram pelas ruas geladas obcecadas
por um súbito clarão da alquimia do uso da elipse
do catálogo do metro inviável & do plano vibratório,
que sonharam e abriram brechas encarnadas no
Tempo & Espaço através de imagens justapostas
E capturaram o arcanjo da alma entre 2 imagens
Visuais e reuniram os verbos elementares e
Juntaram o substantivo e o choque da consciência
Saltando numa sensação de Pater Omnipotens
Aeterne Deus,
Para recriar a sintaxe e a medida da pobre prosa
Humana e ficaram parados à sua frente, mudos e
Inteligentes e trêmulos de vergonha, rejeitados
Todavia expondo a alma para conformar-se ao
Ritmo do pensamento em sua cabeça nua e infinita,
O vagabundo louco e Beat angelical no Tempo,
Desconhecido mas mesmo assim deixando aqui
o que houver para ser dito no tempo após a morte,
e se reergueram reencarnados na roupagem
fantasmagórica do jazz no espectro de trompa
dourada da banda musical e fizeram soar o
sofrimento da mente nua da América pelo
amor num grito de saxofone de eli eli lama lama
sabactani que fez com que as cidades tremessem
até seu último rádio,
com o coração absoluto do poema da vida arrancado
de seus corpos bom para comer por mais mil anos
 
II
 
Que esfinge de cimento e alumínio arrombou seus
Crânios e devorou seus cérebros e imaginação?
Moloch! Solidão! Sujeira! Fealdade! Latas de
Lixo o dólares intangíveis! Crianças berrando
sob as escadarias! Garotos soluçando nos
exércitos! Velhos chorando nos parques!
Moloch! Moloch! Pesadelo de Moloch! Moloch o
mal-amado! Moloch mental! Moloch o pesado
juiz dos homens!
Moloch a incompreensível prisão! Moloch o
Presidio desalmado de tíbias cruzadas e o Congresso
Dos Sofrimentos! Moloch cujos prédios são
Julgamento! Moloch a vasta pedra da guerra!
Moloch os governos atônitos!   
Moloch
 Cuja mente é pura maquinaria! Moloch cujo
Sangue é dinheiro corrente! Moloch cujos
Dedos são dez exércitos! Moloch cujo peito é
Um dínamo canibal! Moloch cujo ouvido é
Um túmulo fumegante!
Moloch cujos olhos são mil janelas cegas! Moloch
Cujos arranha-céus jazem ao longo de ruas como
Infinitos Jeovás! Moloch cujas fábricas sonham
E grasnam na neblina! Moloch cujas colunas de fumaça
E antenas coroam as cidades!
Moloch cujo amor é interminável óleo e pedra!
Moloch cuja alma é eletricidade e bancos!
Moloch cuja pobreza é o espectro do gênio!
Moloch cujo destino é uma nuvem de hidrogênio
Sem sexo! Moloch cujo nome é a Mente!
Moloch em que permaneço solitário! Moloch em
Que sonho com anjos! Louco em Moloch!
Chupador de caralhos em Moloch! Mal-amado
E sem homens em Moloch!
Moloch que penetrou cedo na minha alma! Moloch
Em quem sou uma consciência sem corpo!
Moloch que me afugentou do meu êxtase natural!
Moloch a quem abandono! Despertar em Moloch!
Luz escorrendo do céu!
Moloch! Moloch! Apartamentos de robôs! Subúrbios
Invisíveis! Tesouros de esqueletos! Capitais cegas!
Indústrias demoníacas! Nações espectrais! Invencíveis hospícios! Caralhos de granito! Bombas monstruosas!
Eles quebraram suas costas erguendo Moloch ao Céu!
Calçamento, arvores, rádios, toneladas! Levantando
A cidade ao Céu que existe e está em todo lugar
ao nosso redor!
Visões! Professias! Alucinações! Milagres! Êxtases!
Descendo pela correnteza do rio americano!
Sonhos! Adorações! Iluminações! Religiões! O
Carregamento todo em bosta sensitiva!
Desabamentos! Sobre o rio! Saltos e crucificações!
 Descendo a correnteza! Ligados! Epifanias!
 Desesperos! Dez anos de gritos animais e suicídios!
Mentes! Amores novos! Geração louca! Jogados
Nos rochedos do Tempo!
Verdadeiro riso no santo rio! Eles viram tudo! O olhar
selvagem! Os berros sagrados! Eles deram adeus!
Pularam do telhado! Rumo à solidão! Acenando! Levando
flores! Rio abaixo! Rua acima!
 
III
 
Cal Solomon! Eu estou com você em Rockland
onde você está mais louco do que eu
Eu estou com você em Rockland
onde você deve sentir-se muito estranho
Eu estou com você em Rockland
onde você imita a sombra da minha mãe
Eu estou com você em Rockland
onde você assassinou suas doze secretárias
Eu estou com você em Rockland
onde você ri desse humor invisível
Eu estou com você em Rockland
onde somos grandes escritores na mesma
abominável máquina de escrever
Eu estou com você em Rockland
onde seu estado se tornou muito grave e é
noticiado pelo rádio
eu estou com você em Rockland
onde as faculdades do crânio não agüentam
 mais os vermes dos sentidos
Eu estou com você em Rockland
onde você bebe o chá dos seios das solteironas
de Utica
eu estou com você em Rockland
onde você bolina os corpos das suas
enfermeiras as harpias do bronx
Eu estou com você em Rockland
onde você grita de dentro de uma camisa de
força que está perdendo o verdadeiro jogo
de pingue-pongue do abismo
Eu estou com você em Rockland
onde você martela o piano catatônico a alma
é inocente e imortal e nunca poderia morrer
impiamente num hospício armado,
Eu estou com você em Rockland
onde com mais de cinqüenta eletrochoques
sua alma nunca mais retornará a seu corpo de
volta de sua peregrinação rumo a uma cruz
no vazio
Eu estou com você em Rockland
onde você acusa seus médicos de loucura e
prepara a revolução socialista hebraica contra
o Gólgota nacional e fascista
Eu estou com você em Rockland
onde você rasga os céus de Long Island e faz
surgir seu Jesus vivo e humano do túmulo
sobre-humano
Eu estou com você em Rockland
onde há mais de vinte e cinco mil camaradas
loucos todos juntos cantando os versos finais da
Internacional
Eu estou com você em Rockland
onde abraçamos e beijamos os Estados Unidos
sob nossas cobertas Estados Unidos que
Tossem a noite toda e não nos deixam dormir
Eu estou com você em Rockland
onde despertamos eletrocutados do coma pelos
nossos próprios aeroplanos da mente roncando
Sobre o telhado eles vieram jogar bombas
angelicais o hospital ilumina-se paredes imaginárias
desabam Ó legiões esqueléticas correi para fora
Ò choque de misericórdia salpicado de estrelas
a guerra eterna chegou Ó vitória esquece tua roupa
de baixo estamos livres
Eu estou com você em Rockland
nos meus sonhos você caminha gotejante de volta
de uma viagem marítima pela grande rodovia que
atravessa a América em lágrimas até a porta do
meu chalé dentro da Noite Ocidental.

Tuesday, October 27, 2015

solitário homem rude

perdido
entorpecido
o homem rude caminha
pelas ruas da cidade
não tem amigos
sequer a si mesmo
sua única companhia
é a estupidez:

não vê a fome, a dor
desconhece os sentimentos alheios
enxerga todo o mal nos outros
mas não para diante do espelho
às vezes, ri por deboche frouxo
na verdade, incompreensão

despreza os mendigos, os retirantes
não tem culpa de nada!
o problema é de Deus!

perdido
entorpecido
inebriado pela vista opaca
o humem rude caminha sozinho
e pouco importa que esteja abraçado
de mãos dadas ou conversando
sempre será sozinho
sozinho

só 
ele e mais ninguém
ninguém
o nada
o vazio

@pauloandel

Tuesday, October 13, 2015

1945-2015

procurando abrigo
sob os escombros da fé
o caráter despedaçado
a piedade retorcida
e o amor debaixo das lajes
destruídas
o amor desabou
a fraternidade desabou
com os alicerces da ignorância
a destruição é a competição!
somos livres em busca da boa morte
os sobreviventes com o gosto amargo
o fel do egoísmo à luz
os voluntários carregam corpos
cheios de empáfia
o cemitério será o fiel depositário
de toda empáfia e arrogância
enquanto as mãos mendigas da esquina
um dia vão se apertar
contem os mortos! salvem os justos!
vamos semear amor
por entre os escombros da vida
a prepotência é a ignorância
onde estão nossos melhores?

@pauloandel

Friday, October 09, 2015

solidão lunar

ninguém mora mais aqui
nem eu
nesse mundo que não me pertence
mundo insone e reticente
eis aqui outro lugar
ninguém me sorri
o mundo é cinza em cada tez
ninguém mora no meu ventre
ninguém tenta ser meu sonho
e o tempo que apavora
as idas e vindas de quem já não chora
sou uma facada no meu peito
um desvario ligeiro
um foguete fora de órbita
sem planetas a conquistar
não existe vida fora da minha estação lunar
ninguém mora mais aqui no meu desejo
ninguém sente o meu poema
o fim do mundo é meu sorriso

ninguém mora no meu sonho
nem aluga a fantasia


@pauloandel

Tuesday, October 06, 2015

Faixa inédita do novo CD de Kurt Cobain: "Sappy"


Do CD “Montage of Heck: The Home Recordings”, com lançamento previsto para o começo de novembro.



@pauloandel

Saturday, September 26, 2015

a culpa é do amor - 995

um dia assim
de mal-me-quer ou indiferença
a culpa é do amor: ele omite
ou esconde
o melhor do irrefutável
quem vai derrubar
a última lágrima?
ou dizer as palavras
mais inspiradoras
- quem sabe em terra estrangeira?
a culpa é do amor
que dá de ombros e vai embora
- somos tão imperfeitos!
dias de luto também têm o céu azul
prossigamos pela terra imperfeita
com seus homens egoístas
e pequenos príncipes de lama
enquanto o amor escorre
em quadros, ribaltas e procissões
o amor da terra, licor das imperfeições, verso rude
amor que anoitece e faz-se alvorada
o cântico da pátria
e o resto é um cigarro aceso
tragado pelos intervalos
da dor

@pauloandel

Wednesday, September 09, 2015

a tarde fria

a tarde fria, desabonada
com suas pessoas encolhidas
imersas na timidez da alma
enquanto a cidade cresce, cresce
sente vertigens de si mesma
- e tudo parece tão desumano – a violência -
algum desânimo

a tarde fria nos litorais
nas vielas, gares, centrais
o frio das calçadas suburbanas
o medo e o horror debaixo dos viadutos
a indiferença nas esquinas
e vidros fumês aquecem as salas
dos donos da vida e morte – senhores de si -
tão pedantes e inconsequentes

a tarde fria na praça vazia
no shopping sem graça, no trade center
é preciso fazer a roda girar
em vez de dar o peixe, ensinar a pescar
um brinde à hipocrisia!
toda nudez será saciada – vamos celebrar o prazer!
a vida é pouca e curta, incerta
não há sentido nos escritórios imponentes

que tal nos darmos as mãos
e espiarmos a gloriosa apoteose do caos?
vamos dar as mãos
e namorar memórias enquanto a vida resiste


a tarde fria
e meu amor mendigo pede esmolas
em todas as cidades do mundo
um trocadinho de compaixão

@pauloandel

Saturday, August 29, 2015

the one i love


1

quando amor for teatro
dai-me ribalta
quando o gozo for erva
serei um chá
para as trevas, beleza
canto de paz
todo o ouro, nascença
transoxalá
outro céu que nos cobre
teu desbravar
outros livros e letras
verso lunar

2

outro quando
nenhum jamais
outro novo quanto
adeus gerais

3

nosso mundo
secreto tão
vazio que até parece
pátria
até parece
pátria
nosso lema discreto
nenhum sinal
de calma

4

meu amor dorme
tão longe
que solicita
um passaporte
para a alma

5

um dia tão bonito
que não cabe em êxtase
um dia de graças
desejo, saudade devassa
sem felicidade

6

dá-me tua luxúria
por trocados de amor:
versos, letras 
passeatas
o cântico do corpo
é a massagem d'alma

@pauloandel

Sunday, August 23, 2015

debaixo do sol de agosto


debaixo do sol de agosto
num domingo bel celeste
e o meu coração sangra:
canções para aprender e ensinar
despedidas inesperadas
canções de silêncio e melancolia
versos tortos e cabisbaixos -
meu deus! o nada venceu!
somos um belo domingo perdido
e o que passou já não retorna -
onde estão meus abraços amigos?
a tijuca de céu infinito sangra
os jovens corações leoninos sangram
e a vida escorre rumo à primavera
meu deus! a poesia perdeu!
viva os bacharéis da ignorância
tão perfeitos e autossuficientes!
o céu desaba, o azul que foge
a noite que avança, o monodrama
nossos corações imperfeitos
caçando amores, amores, colos
os sinos dobram em manso vão.

@pauloandel

Tuesday, August 18, 2015

o grande amor imperfeito

ora, o amor
incessante e reluzente amor
que está por todos os lugares
não apenas os bonitinhos
o amor também grita
e sofre e chora:
tem cicatrizes, lágrimas e varizes

ah, o amor de urrar
que fode e fode muito
e persegue loucuras vis
amor na derrota, na aflição, no féretro
amor na ausência, no vazio, no etéreo
amor estrangeiro, à distância
aquele que jamais se correspondeu

vamos celebrar um minuto de todo amor
o mendigo
o devasso
o destruído
o desmontado

fiquemos bêbados de amor
deixemos nossos corações loucos
e dormentes

pensar nos outros amores
enquanto se trai o amante
e se é verdadeiro consigo mesmo 

debaixo da marquise também tem amor
ao lado da cadeia também tem amor
entre ratos e esgotos há um punhal de amor

celebremos a vida e o momento
cada acontecimento
o amor inspira, expira e nos consome
justamente por ser
imperfeito

@pauloandel

pensando

o que você está esperando
para o teu fim do mundo desaguar
no meu amor?

o que está sonhando?
cobiçando?
fazer agora da minha pele a tua
do sentimento
uma pátria arguta
o que você está esperando
para sermos mar e praia?

luar e romance
a imensidão num instante
calor e desejo aceso

o que você está pensando
que a tua ideia
não sai de mim
nem por decreto?

o que você está pensando?
pensando
pensando
há terra à vista, ventre livre
gente liberta e outro fim do mundo:

a interminável paixão

@pauloandel

MC Magalhandel e miscelânea

Special guest: Bolinha.








Thursday, August 13, 2015

Sunday, August 09, 2015

agosto em copacabana

o céu de copacabana brilhando
num domingo à noite de agosto
e um velho homem solitário
com seu olhar fixo e perdido
procurando pelas lindas estrelas
mortas, mortas, mortas:
peregrino das memórias e saudades
paladino da solidão interminável
ele procura os pais, os amigos
os vizinhos e colegas de escola
os camelôs e os mendigos
espia as constelações e o horizonte
até entender que nada restou
além do amor
o amor que incendeia lembranças
lágrimas, fome e desesperanças
o amor feito esmola
enquanto amanhã será menos um dia
um dia de trabalho e compromisso
um dia de estrangeiro na terra
os corações solitários são irmãos
siameses em pensamento
e veem o dorso do leme em aconchego
o céu de copacabana nublado
espuma de sangue no mar
alguma coisa desacontece
na minha vã ilusão espartana
copacabana é peito, ventre e afago
os mortos bailam
felizes naquele horizonte
que ninguém enxergou

@pauloandel

Friday, August 07, 2015

mil beijos

eu não eu
sem você nem eu
mil vezes não
meu amor no teu amor
anseio por anseio
tesão suando tesão
eu e você, nós e vós
carne contra carne
beijos de fazer tremer
meu deus você também
eu sem te ter inconvém
kama sutra céu e chuva
eu por você e mesmo eu
sol e chuva, tempestade
tempos modernos
antiguidades
e cada beijo quente, amém
onde quer que esteja
meu peito é ventre
e te carrega tão bem

@pauloandel

Thursday, July 30, 2015

o rio à beira da noite lúcida

ah, o rio
com seus poetas bêbados
dizendo estrelas à calçada
do atlântico sul:
cinco estrelas de copacabana
bons e maus em vigília
crianças de favela
sentinelas da madrugada
- não tem mais o miguelão na serrinha, edgard romero
numa esquina onde os meninos jogavam pneus
o rio, uma serenata
as mãos estendidas da mendiga lina
numa siqueira campos tão morta:
a vila faleceu!
os escombros da poesia escorrem em versos libertos de noel
o poeta carlito delira na leiteria
enquanto uma moça sorri
santos da cruz vermelha
samaritanos deitados em amizade cumprida com rigor
as mulheres mais lindas que vêm e vão
o mendigo estende as mãos
e a preocupação é bem mais do que gemido
os maestros em condução
mestres secretos do andaraí
o rio do largo do machado
com mil escoteiros do ar
e o 434 cheio de gatas tijucanas retornando da praia
orixás de amor, orixás de amor
o rio da praça sete e morros santos
minha burguesia é um engano
o amor a desabrochar nos corações imperfeitos
enquanto passos de bailarina dão o tom
versos de lan, cargas de aroeira
a bossa nova é samba num café da manhã
o rio das desreligiões, teatro de pequenos dramas
meu amor é um piano rasgando
a procissão dos insensíveis
enquanto brigam por justiça
na radial oeste, na vieira souto
no deserto da automóvel clube
o rio despetalado, irresistível
dos sambas e discotecas:
honra ao mérito para os boêmios em riste
a vida é foda, o rio é lindo
e onde houver memória o fluminense lá estará
o rio das belezas sorridentes
fernandas, julianas, patrícias da terra natal
realengos, cosmes velhos, escambau
alguém mergulhou numa nuvem de fumaça - o pó de arroz é verde
somos otraspalabras!
o afago da amizade
entre dois comunistas morais
panaméricas de vanessas, marílias e um amor de isabel
a cidade é um silêncio enquanto o fla-flu aquece as paixões
meu rio
minha dor, o caos desenhado nas estrelas
um dia seremos todos nossos - a hipocrisia será derrotada
o rio numa noite de quinta-feira
quando os bares morrem mais um pouco
embora sejamos imortais de fé
o rio, cidade partida com seus monitores escrevendo
e remoendo-o com fúria e desejo
rio, minha companheira - por isso fiquei tão só

@pauloandel



Tuesday, July 28, 2015

cós do mundo

o cós do mundo à vista
qualquer cobiça é brinquedo
o que será que tem
debaixo das sete chaves
de pano?

o cós do mundo, uma calça arriada
universo em desencanto
a patriamada noves fora nada
os cordeiros de deus dizendo amém
enquanto ruge um jornal nacional

o cós do mundo, tem bunda de fora
banana de feira e bacanas calhordas
ordem e progresso de mãos dadas com amoral
- antigamente não era nada disso, vocês vão ver!
o globo disse, o globo falou
o jabor berrou aos ouvidos bêbados que deram de ombros
debaixo de uma marquise qualquer

o cós do mundo, não sobra nada
as virgens estupradas, crianças grávidas
chicletes nas esquinas em troca de uma facada:
- precisamos de um choque de ordem!
- enfia a extensão no cu e liga!
que tal discutir viadagem? OU A VERGONHA da putaria?
alguém morreu de frio numa calçada qualquer
pela própria culpa, nenhum mérito e a vida é assim mesmo:
- cada cachorro que lamba sua caceta

o cós do mundo, oh bunda mole
a novelinha esta na tela e você vai se encantar
as orelhas de livros é que não podem enganar
emebiêi sem gramática, gênios sem talento, discursos prêt à porter
onde é que se chora as mágoas
no cadáver da praça mauá?

o craque trouxa, a celebridade oca, o idiota blasé
com sua cara de tédio maquiando ignorância
a vida é crise, nenhum sentido liberta
sirva uma dose de criatividade no balcão do bar

@pauloandel

Tuesday, July 21, 2015

strangelove

corações solitários
deslizando em quintas avenidas
no coração da capital -
a grande cidade
o grande sistema
e nenhum grande trocado
o amor desacontece
o metrô com passageiros
quase desacordados
em seus smartphones -
corações solitários sim
mais redivivos do que nunca:
o amor e os desencontros
as pedras que não rolam limo
um amor mais que distante
os pensamentos navegantes
a pátria de mãos estendidas -
os corações são desencanto

@pauloandel

Tom Zé: Tribunal do Feicebuqui & Parque Industrial





Tom Zé mané
Baixou o tom
Baba baby
Bebe e baba
Velho babão

Tom Zé bundão
Baixou o tom
Baba baby
Bebe e baba
Mané babão

Seu americanizado
Quer bancar Carmen Miranda
Rebentou o botão da calça
Tio Sam baixou em sampa
Vendido, vendido, vendido!
A preço de banana
Já não olha mais pro samba
Tá estudando propaganda

Que decepção
Traidor, mudou de lado
Corrompido, mentiroso
Seu sorriso engarrafado

Não ouço mais, eu não gostei do papo
Pra mim é o príncipe que virou sapo
Onde já se viu? Refrigerante!
E agora é a Madalena arrependida com conservantes
Bruxo, descobrimos seu truque
Defenda-se já
No tribunal do Feicebuqui
A súplica:
Que é que custava morrer de fome só pra fazer música?






É somente requentar
E usar,
É somente requentar
E usar,
Porque é made, made, made, made in Brazil
Porque é made, made, made, made in Brazil

Retocai o céu de anil
Bandeirolas no cordão
Grande festa em toda a nação.
Despertai com orações
O avanço industrial
Vem trazer nossa redenção.

Tem garota-propaganda
Aeromoça e ternura no cartaz
Basta olhar na parede
Minha alegria
Num instante se refaz

Pois temos o sorriso engarrafadão
Já vem pronto e tabelado
É somente requentar
E usar
É somente requentar
E usar
Porque é made, made, made, made in Brazil.
Porque é made, made, made, made in Brazil.

A revista moralista
Traz uma lista dos pecados da vedete
E tem jornal popular que
Nunca se espreme
Porque pode derramar.

É um banco de sangue encadernado
Já vem pronto e tabelado
É somente folhear e usar
É somente folhear e usar

@pauloandel

Thursday, July 16, 2015

Helio Fernandes, uma bandeira do jornalismo


Esta é uma entrevista do ano passado.

Nela, Helio Fernandes mostra que, aos 94 anos, sua lucidez e conhecimento são impressionantes.

Vale a pena ver do início ao fim.




@pauloandel

Wednesday, July 01, 2015

anybody seen my baby?

o silêncio imerso
em mil palavras poupadas
o anseio expresso
em cordilheiras d'alma
o tesão na contramão
e o mais simples desacalma
o amor, uma contradição
a falta de ar, o ventre não ser
um carnaval sem religião

@pauloandel

Saturday, June 27, 2015

no more

1

no more
wrong letters
songs of love
words away
no more
illusions in-a-breathe
unknown pleasures
feelings in vain
no more
no more

2

a canção que já não te pertences:
dela, fizestes pouco caso - houve
quem gostasse
ouvisse, cantasse
e dela se apropriasse
a canção que foi toda tua
a desaguar num ralo
e olhastes indiferente à frente -
parecia sinal de deus

3

somos estúpidos demais
o mundo sob escombros lá fora
e queremos fofoca, polêmica
doces putarias descartáveis:
quem é rico, quem é viado?
somos estúpidos demais

Thursday, June 25, 2015

sobre 1995 - gol de barriga


o mundo e as suas dores – somos imortais
o mundo em dois segundos – nossas lágrimas num instante
e todas as veias abertas jorravam o sangue da vitória
nunca fomos tão tricolores,  tão estupendos
tão senhores dos nossos corações perfeitos, um gesto, um lance
a eternidade é um romance inconteste – ah, fluminense!
abençoados sejam nossos soldados de guerra
louvado seja o super-homem de carne, osso e paixão
uma procissão à grama, nossa religião saltando às mesmas veias
a morte não existe! – nossa tristeza é desperdício! – vivamos cada segundo
somos imortais por tudo o que vivemos e sentimos!
quando tudo parecia ser finito e destruído
o que era óbvio derreteu, a certeza vã apodreceu
a casa grande e a senzala deram as mãos trêmulas –
homens, mulheres e crianças chorando e rindo, chorando e ajoelhando
os apaixonados deitados no concreto em desmaios de vitória
o mundo se resumiu num dia a um jogo de futebol:
muito mais do que um jogo, um drama, uma batalha
os que sobreviveram contaram suas melhores histórias
e trouxeram para sempre a imensidão de um eterno domingo
um exército – um capitão – um rambo – soldado doido admirável
de faixa na cabeça e uma sentença no ventre preciso
e os últimos momentos de um maravilhoso super-herói:
o mais humilde, cordato e elegante dos homens de bem
o sangue, as veias, o peito, os sentimentos, tudo sangra e alivia
ao pensarmos que o oxigênio de um fla-flu – o maior fla-flu –
remete ao melhor campo dos sonhos: cada cabeça uma sentença
cada coração, uma paixão lancinante e inexplicável às vistas:
um chute, uma barriga e a imortalidade são todo amor que perseguimos –
ele renasce em berço esplêndido da nossa história em cores límpidas


@pauloandel

Tuesday, June 23, 2015

o fracasso impostor segundo abujamra



@pauloandel

Saturday, June 20, 2015

"Junky", de William Burroughs


Nasci em 1914, numa sólida casa de tijolo aparente, de três andares, numa grande cidade do Meio-Oeste. Meus velhos viviam bem. Meu pai tocava seu próprio negócio madeireiro. A casa tinha uma área na frente, um quintal nos fundos com jardim, um laguinho cheio de peixes e uma cerca alta de madeira protegendo tudo. Me lembro do homem dos lampiões acendendo o gás nas ruas, do enorme Lincoln preto reluzente e dos passeios pelo parque aos domingos. Não faltava nada: era uma vida segura e confortável, para sempre perdida agora. Eu podia vir com uma dessas conversas nostálgicas sobre o médico alemão que morava ao lado, os ratos que rondavam o quintal, o carrinho elétrico da minha tia e o meu sapo de estimação que vivia na beira do laguinhô dos peixes.

Na verdade, minhas primeiras lembranças são matizadas pelo medo de pesadelos. Eu tinha medo de ficar sozinho, medo do escuro e medo de dormir por causa dos pesadelos, em que um horror sobrenatural estava sempre a ponto de se materializar. Tinha medo de que um dia, ao acordar, o pesadelo ainda estivesse lá.

Me lembro de uma empregada falando sobre ópio, que o ópio trazia sonhos lindos, e eu disse: “Vou fumar ópio quando eu crescer”.

Quando criança eu vivia assolado por alucinações. Uma vez, acordei de manhã bem cedo e vi uns homenzinhos brincando numa casa de cubos que eu tinha erguido. Não tive medo, só uma sensação de imobilidade e espanto maravilhado. Outra alucinação ou pesadelo muito comum envolvia “animais na parede”, e começava com o delírio provocado por uma febre estranha, jamais diagnosticada, que eu costumava ter aos quatro, cinco anos.

Frequentei uma escola moderna, ao lado dos futuros cidadãos íntegros — advogados, médicos e empresários de uma grande cidade americana. Junto das outras crianças eu ficava tímido, com medo de violências físicas. Tinha uma lésbica mirim muito agressiva que puxava meu cabelo tão logo me via. Eu bem que gostaria de socar a cara dela nesse mesmo instante, mas, anos atrás, ela caiu do cavalo e quebrou o pescoço.

Quando eu tinha sete anos, meus pais resolveram se mudar para o subúrbio “pra se verem livres de gente”. Compraram um casarão com muito terreno, bosques e um lago com peixes; em vez de ratos, havia esquilos no quintal. Vivíamos numa redoma aprazível, ao lado de um belo jardim, afastados da vida urbana.

Me botaram num ginásio particular de subúrbio. Eu não era especialmente bom ou mau nos esportes, nem brilhante ou retardado nos estudos. Tinha um bloqueio definitivo para matemática e tudo que fosse mecânico. Jamais gostei de jogos competitivos de equipe, e os evitava sempre que possível. O fato é que me tornei um doente imaginário crônico. Porém, gostava pra valer de pescar, caçar e caminhar. Lia mais do que a média dos garotos americanos daquele tempo e lugar: Oscar Wilde, Anatole France, Baudelaire e até Gide.

Criei um apego romântico por um garoto, e a gente passava os sábados explorando velhas pedreiras, passeando de bicicleta e pescando em lagoas e rios.


qualquer agora

onde foi parar o nosso
sempre?
esgueirou-se pelas beiras
em travessas ligeiras
e se perdeu numa fala de mesa
uma conversa que não se lembra
e o sempre?
fugiu para as noites
solitárias do leme
as serestas da praia vermelha
calou-se numa tarde de sábado
as canções de amor dizem pouco
a poesia faz-se tão encolhida
o sempre mora tão longe
que nos desabriga
que tal irmos atrás do quando, agora!, sem rodeios?
antes que o gosto amargo
seja a lembrança de um sol
que não nasceu nem se pôs

@pauloandel

Thursday, June 18, 2015

discurso sobre o filho da puta - alberto pimenta

Alberto Pimenta (Porto, 26 de Dezembro de 1937) é um escritor, poeta e ensaísta português. 
Destaca-se entre os autores europeus contemporâneos pelo carácter crítico e irreverente da sua obra, bem como pela diversidade dos géneros abordados: poesia, ficção, teatro, linguística, crítica, happenings e performances.
Entre as suas obras teóricas, destacam-se "O silêncio dos poetas" (1978), lançado originalmente na Itália, e "A magia que tira os pecados do mundo" (1995). O primeiro livro corresponde a um estudo sobre a poesia concreta (ou concretismo) e visual, principalmente a brasileira e a de língua alemã. O segundo, a uma obra de base teórica antiplatónica dividida em vinte e duas partes, cada uma delas correspondendo a um dos arcanos maiores do tarot. Mitos, arquétipos, literatura, (Dante, Camões, Shakespeare, Fernando Pessoa, António Boto, Emilio Villa, Murilo Mendes, Haroldo de Campos) e artistas plásticos (Oskar Kokoschka, Yves Klein, Pablo Picasso) estão entre os objetos desse livro invulgar. 

A partir da década de 90, a sua obra passou a referir-se mais directamente aos fenómenos ligados à globalização. Ainda há muito para fazer (1998), por exemplo, é um poema longo que parodia os discursos publicitários e da internet, e trata dos efeitos sociais da Guerra de Kosovo e da União Europeia.



Para ler "Discurso sobre o filho da puta", acesse @pauloandel


I
o pequeno filho-da-puta
é sempre
um pequeno filho-da-puta;
mas não há filho-da-puta,
por pequeno que seja,
que não tenha
a sua própria
grandeza,
diz o pequeno filho-da-puta.

no entanto, há
filhos-da-puta
que nascem grandes
e
filhos-da-puta
que nascem pequenos,
diz o pequeno filho-da-puta.

de resto,
os filhos-da-puta
não se medem aos palmos,
diz ainda
o pequeno filho-da-puta.

o pequeno
filho-da-puta
tem uma pequena
visão das coisas
e mostra em
tudo quanto faz
e diz
que é mesmo
o pequeno filho-da-puta.

no entanto,
o pequeno filho-da-puta
tem orgulho em
ser
o pequeno filho-da-puta.

todos
os grandes filhos-da-puta
são reproduções em
ponto grande 
do pequeno filho-da-puta,
diz o pequeno filho-da-puta.

dentro do
pequeno filho-da-puta
estão em ideia
todos os grandes filhos-da-puta,
diz o pequeno filho-da-puta.

tudo o que é mau
para o pequeno
é mau
para o grande filho-da-puta,
diz o pequeno filho-da-puta.

o pequeno filho-da-puta
foi concebido
pelo pequeno senhor
à sua imagem e
semelhança,
diz o pequeno filho-da-puta.

é o pequeno
filho-da-puta
que dá ao grande
tudo aquilo de que ele
precisa
para ser o grande filho-da-puta,
diz o pequeno filho-da-puta.

de resto,
o pequeno filho-da-puta vê
com bons olhos
o engrandecimento
do grande filho-da-puta:
o pequeno filho-da-puta
o pequeno senhor
Sujeito Serviçal
Simples Sobejo
ou seja, o pequeno filho-da-puta. 


II 
o pequeno filho-da-puta
é sempre
um pequeno filho-da-puta;
mas não há filho-da-puta,
por pequeno que seja,
que não tenha
a sua própria
grandeza,
diz o pequeno filho-da-puta.

no entanto, há
filhos-da-puta
que nascem grandes
e
filhos-da-puta
que nascem pequenos,
diz o pequeno filho-da-puta.

de resto,
os filhos-da-puta
não se medem aos palmos,
diz ainda
o pequeno filho-da-puta.

o pequeno
filho-da-puta
tem uma pequena
visão das coisas
e mostra em
tudo quanto faz
e diz
que é mesmo
o pequeno filho-da-puta.

no entanto,
o pequeno filho-da-puta
tem orgulho em
ser
o pequeno filho-da-puta.

todos
os grandes filhos-da-puta
são reproduções em
ponto grande
do pequeno filho-da-puta,
diz o pequeno filho-da-puta.

dentro do
pequeno filho-da-puta
estão em ideia
todos os grandes filhos-da-puta,
diz o pequeno filho-da-puta.

tudo o que é mau
para o pequeno
é mau
para o grande filho-da-puta,
diz o pequeno filho-da-puta.

o pequeno filho-da-puta
foi concebido
pelo pequeno senhor
à sua imagem e
semelhança,
diz o pequeno filho-da-puta.

é o pequeno
filho-da-puta
que dá ao grande
tudo aquilo de que ele
precisa
para ser o grande filho-da-puta,
diz o pequeno filho-da-puta.

de resto,
o pequeno filho-da-puta vê
com bons olhos
o engrandecimento
do grande filho-da-puta:
o pequeno filho-da-puta
o pequeno senhor
Sujeito Serviçal
Simples Sobejo
ou seja, o pequeno filho-da-puta. 

@pauloandel






Wednesday, June 17, 2015

inferno

o inferno é uma facada covarde
ou a fome debaixo de uma marquise
os últimos minutos de uma derrota na UTI

o inferno é uma indiferença
a falsidade
a palavra que não vem do ventre
a covardia

o inferno nos estupradores de abrigos
monitores de dores e mortes
o inferno é uma pasta recheada de agrados
ao poder - o poder!
certa frustração de um dia sem emprego
uma pedrada na cabeça da religião
um pedido de queima de livros
o inferno é a escrotidão
a hipocrisia
o caráter que se vende
o egoísmo que fede o salão
o inferno é uma bobagem
os espertos riem pisando em chamas
não percebem o calor da idiotice
o inferno termina em solidão


@pauloandel

Sunday, June 14, 2015

jô soares

De tudo o que já foi dito a respeito de Jô Soares nos últimos dias, impressiona-me (mas não muito) a colossal ignorância de alguns "pensadores" da internet.

Durante toda a época da ditadura, Jô foi um de seus principais desafiadores. Para aprovar suas peças, usava um expediente humorístico: antes de um parágrafo que fatalmente seria censurado, colocava outro que nada tinha a ver com o roteiro, metendo palavrões e putarias. Assustado - e muito burro -, o censor cortava todo o parágrafo falso, deixando o que o autor queria (foram os mesmos que não desconfiaram de que Julinho da Adelaide era "parecido" com Chico Buarque, ou que deixaram passar o primeiro disco de Tom Zé - não entenderam nada).

Em 1988, Jô fez o que ninguém faria: chutou o sucesso do horário nobre às segundas para fazer um programa de entrevistas no SBT à meia noite. A Globo não quis o programa. Doze anos depois, ele foi recontratado ganhando o triplo.

Com mais de meio século dedicado ao humor, ao teatro e ao entretenimento, multimilionário, aos 77 anos Jô poderia ser um acomodado como Faustão ou um "bom moço" dos sábados à tarde. Longe disso. Do artista, se espera a ousadia e não a submissão.

Pensando bem, é natural que muitos o xinguem de forma agressiva e primitiva. Somos ainda um país de muita galhofa e pouca leitura, muita pose e pouca reflexão, muita arrogância e nenhuma humildade em reconhecer o mar de ignorância que ceifa a nossa história.

A você, que perde seu tempo com palavrões na internet contra Jô Soares, um lembrete: graças à luta de pessoas como ele no período mais autoritário da história, a tua liberdade democrática do exercício do primitivismo está assegurada. 

E tudo porque virou desrespeito respeitar quem preside a República. Não a das bananas, como se falava; afinal, qualquer macaco é muito mais articulado intelectualmente do que a maioria dos internautas brasileiros, ávidos por seus choques de ordem, meritocracias e defesas de um nacional socialismo que já deveria estar enterrado ao lado do cadáver de Adolf Hitler. 

@pauloandel


Saturday, June 13, 2015

santo sangue

o que dizem lá fora
não nos aquece
somos o vazio, a perda
o silêncio forçado
enquanto
nossas lágrimas contidas
não revelam as dores
- onde estancar
o nosso santo sangue?
- onde ficou
nosso pacto de santo sangue?
alguém gritou lá fora
ninguém atendeu
nem reclamou
não existe abraço nem amor
a legião dos filhos da puta
chegou
tiros, estupro
e morte nos sinais
lâminas de merda ao bel matar
espuma de sangue a brilhar*
o que escrevem não nos convence
o que noticiam
não tem cabimento
a legião dos filhos da puta chegou
e o primeiro a perceber
a falência
não vai estancar o que restou
do nosso santo sangue
o nosso venerado sangue
a poesia está perdida, retesada
esperando algum
romance

@pauloandel

*"só morto", jards macalé

Monday, June 01, 2015

cheio


o mundo cheio do mundo
cheio de tudo
há mansidão às vezes nos intervalos da dor lancinante
- à espera da próxima facada - o próximo estupro
uma lucrativa guerra
eis o mundo contra o mundo
para qualquer natureza, a morte - a indiferença
a solidão é uma multidão em festa
o mundo sobre o mundo
nada de novo debaixo das marquises
nada de novo nas primeiras manchetes
e a Terra
com pequenos bilhões de planetas de carne
completamente dissonantes de qualquer órbita
- a revolução não vai ser televisionada, mas a barbárie sim -
todos sejam felicitados pela estadia no mundo real: o da vaidade
egoísmo
estupidez
celebremos a genialidade de nossas espaçonaves
e pensemos nos ditadores que delas se apropriam
os nossos mortos, os torturados
os assassinos e larápios
seja pelos pequenos objetos ou grandes negócios
o mundo cheio do mundo
abarrotado
enquanto transbordo de mim mesmo
cheio
cheio
cheio

@pauloandel

Sunday, May 31, 2015

perdemos tempo demais com bobagens

Finalizava a revisão de páginas de um livro e ouvia Betty Carter.

Meu amigo Tiba escreveu pelo celular que seu pai havia morrido nesta manhã de domingo. 

Trocamos algumas palavras eletrônicas enquanto ele vaticinava: "Perdemos tempo demais com bobagens". Fazia e faz todo sentido.

O amigo foi para o enterro em Volta Redonda.

Pensei nas inúmeras coisas que deixamos de fazer, eu e meu pai. Um diálogo foi muito difícil devido a momentos de aspereza durante décadas. Antes do fim, tudo foi resolvido, mas perdemos tempo demais.

A dificuldade de conversa, as divergências, certas vaidades, a incompreensão, a inflexibilidade.

A incapacidade de se colocar no lugar do outro.

A eterna falta de tempo que vira indiferença. Abraços viram mensagens inbox. A vida vivida vira vida imaginada.

Tudo isso e muito mais nos leva, mais dia, menos dia, a uma inevitável reflexão sobre o sentido da vida e o desperdício de tempo com o exercício das pequenas coisas.

O sentido da vida.

O sentido.

A vida.

A vida.

O resto é o intervalo para respirar enquanto vemos as dores na rua, a violência descabida, o egoísmo.

Perdemos tempo demais com bobagens.

É preciso parar com isso. Só.

@pauloandel

Tuesday, May 19, 2015

bonde do mundo cão


essa dor que nos consome e atormenta diante das grandes corporações urbanas
tem que fazer acontecer um caminho, uma alegria, uma razão de vida
uma pequena chama de paixão acesa a se traduzir em cor
essa dor das favelas debaixo das marquises concretas antes que o gás nos exploda
as crianças mendigas vivendo morte após morte a céu aberto
as gentes batendo cabeça nas calçadas abarrotadas de trabalho:
- a hora do rush – a fila do banco – as compras para entorpecer a sensação de vazio
vamos tirar a felicidade do vente a fórceps, oh pátria amada!
somos os maiores do mundo se as verdades forem varridas para debaixo do tapete
os mais machos, corajosos, vencedores, famosos e cobiçados – ah, dor!
vamos esquecer as mágoas numa mesa de bar – ou num banheiro proibido
 - nem pensar no mundo lá fora, senão enlouquecemos
essa dor que faz a roda do mundo girar, não podemos parar, não devemos pensar
quem aqui vai ter coragem de mudar seu próprio destino?
deixemos as melhores canções para os artistas malditos, sem sucesso, desprestigiados
porque ninguém os entende
e torçamos para a miséria ser pequena quando o carro parar no próximo sinal

- eu quero o ventre livre já no próximo feriado! - a canção de liberdade precisa ecoar quando vier um novo feriado! - a vida é um cheque pré-datado

para sérgio sampaio

@pauloandel

Thursday, May 14, 2015

novo livro em breve


@pauloandel

Tuesday, May 12, 2015

50 anos de satisfaction











@pauloandel

Monday, May 11, 2015

últimas conversas


Friday, May 01, 2015

o idiota

esgueirando-se pelos escombros dos argumentos
fazendo da lógica um ataque epilético
cozinhando a ignorância, celebrando a covardia
um idiota faz da hipocrisia a sua sacada num palácio real
uma celebridade insignificante
um puxa-saco, um borra-botas
o oxigênio do idiota é a insensatez - nela, constrói suas verdades
agride, difama, calunia
entorpece as falas razoáveis
deturpa fatos, relativiza o óbvio,
e sua ignorância mora num sorriso alvar
oh, o idiota
espalhado democraticamente em todos os lugares
nas grandes corporações, em tomadas de decisões, ácaro na cueca dos homens desejados
papagaio de pirata dos atos falhos
o idiota na política persegue os comunistas e vê futuro nos fascistas
o cidadão idiota cobra honestidade com hipocrisia, aplaude a história editada, faz-se um torcedor eleitoral
um débil mental
o idiota nas frentes de trabalho, rastejando-se para sabotar colegas, mentir, constranger
e a vitória vira cachaça num balcão vulgar de bar
em troca de moedas sujas, o dinheiro de merda
um alcoólatra de merda
o idiota nas grandes faculdades carregando livros pesados só para ler as orelhas, as orelhas
o idiota classista, que defende a injustiça e a desordem, que vê o Rio somente nos cartões postais
debocha dos mendigos, autoproclama-se artista, acredita ter méritos
mas não consegue ver ou ouvir o talento alheio
um idiota rouba a própria empresa onde trabalha, o prédio onde mora, o vizinho
e dorme tranquilo
mas nem desconfia da concorrência: outros idiotas
a querer o seu sangue, sua cabeça de porco
para o idiota, só existe uma única e inevitável dor: ao olhar-se
diante do espelho, finalmente ele encontra a sua realidade
um idiota vê a si mesmo num verdadeiro carnaval da mediocridade
os belos apartamentos estão cheios de idiotas
as casas políticas são refúgios de idiotas
as redações dos jornais, os cenários corporativos, os maus escritórios
o futebol recheado de idiotas
a apoteose e seu desfile têm idiotas
o grande réveillon do rio
tem dezenas de milhares de idiotas
os golpes de estado, as guerras civis
vale o que está escrito
em provas ridículas, páginas fúteis, teses encardidas, processos estúpidos
aquela esquina antiga também tem um idiota
o mar do imbuí já teve um banhista idiota
os políticos corruptos, protegidos pela burguesia, pensam que todos são idiotas
idiotas fazem arte, rimam errado, desfraldam diplomas, ostentam dinheiro
e não pensam na mãe pobre debaixo da marquise com suas crianças esfomeadas
os doentes no leito de morte
os jovens negros mortos na guerra
idiotas não enxergam a insanidade nem em si mesmos
um chefe idiota, um empregado idiota, um professor idiota, um aluno também - o pobre e o rico, o gordo e o magro, o preto e o branco
o alto e o baixo
o idiota é o nosso petróleo: as reservas são inesgotáveis
oh, idiota: mesmo em seu mundo de torpeza e ignorância, orai por nós - faremos o mesmo em prol da tua alma turva, atormentada
falida no fracasso de uma vida opaca
o outono está nas ruas num feriado de maio
alguém liga a televisão e escuta o idiota
os livros estão fechados e empoeirados
idiota
idiota
cinco mil vezes idiota

@pauloandel