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Wednesday, September 18, 2013

Ruas, ruas

As ruas num ir e vir fascinante e caótico ao mesmo tempo.

Batalhões de estranhos em deslocamento marcial na hora do almoço ou de ir embora de empregos respeitáveis. Quase todo mundo tem um celular que lhe permita falar com quem está longe, bisbilhotar pessoas e outras tarefas menos inglórias. Pouca conversa, muitos olhares, nenhuma fraternidade. Números são mais importantes do que nomes.

Cheiro de rua triste, como diria Kerouac. Dejetos, latões, seres humanos sofridos fazendo do lixo a única refeição do dia – e há quem considere isso absolutamente normal – caso o animal de estimação esteja velho, largam-no ao léu. Difícil entender o que se passa em corações tão ocos, sem sentido, incapazes de enxergar o outro na condição de gente e não objeto descartável.

Grandes corporações, salários mínimos, lucros máximos, nada importa se não for para vencer? O que significa isso? Somos seres desprezíveis sem lucro? Grandes antenas de telecomunicação, imagens generosas, gente bonita, o mundo não vê o próprio mundo onde só se exige audiência.

Um lugar ideal para não se conversar está nas bibliotecas, nelas a viagem é outra, a jornada individual para dentro de si mesmo. Nenhuma delas lotada, você pode visitá-las com toda calma, sempre tem cadeiras sobrando.

Há quem drible a fome, a dor, miséria, a família que inexiste com drogas ilegais. Que outra alternativa? Enquanto isso os bares estão cheios de conversas vazias. Banheiros cheios também, onde alguém propõe sacanagens ou droga-se por não ser o máximo de qualquer coisa que seja útil nessa terra. Não somos algarismos, ora!

Sexo para virar amor, amizade para virar interesse, passatempos para iludir as mentes, promessas que nunca serão realidade. Enquanto isso os doentes amontoam-se nos corredores dos hospitais e sonham com um inferno melhor. Perto de um deles, alguém vibra com seu novo parcelamento em vinte e quatro vezes sem juros – só um idiota acreditaria nisso! -, olhos atentos seguem todos os passos de uma vitrine rica – as mentes, longe disso.

Que tal postergar a vida? Isso fica para depois do feriado. Ou depois das férias. Melhor depois do carnaval. E a Copa do Mundo. E tudo o que devia ser agora ou esta semana pode virar um sonoro “nunca mais”.

Respeitáveis cidadãos querem a morte da maior corrupção de todos os tempos, o que não significa que vão deixar de burlar o imposto de renda, devolver o troco a mais concedido no supermercado ou deixar a velhinha sentar no banco preferencial do metrô. Uma espécie de semi-ética, se é que isso é possível. Respeitáveis juízes têm capangas, já absolveram estupradores e não se preocuparam muito quando velhos amigos tungaram o erário sem dó.

Famílias em suas casas numa noite qualquer e ninguém conversa – alguém está no computador ou telefone ou em frente à televisão, dificilmente vendo algo que preste ou ajude a raciocinar – não, mil vezes, reality shows NÃO!

Alguém diz que generosidade é dar um real ao morador de rua. Alguém diz que tem que tacar uma bomba na favela e destruir tudo. Alguém diz que no tempo da ditadura é que era bom.

Estamos perdidos demais.

Eu não passo de um estrangeiro tentando entender o incompreensível dentro do tempo que me resta.

Enquanto isso, na enfermaria, quase todos os doentes estão cantando sucessos ditos populares, na verdade impostos pelo lucro, o maldito e abominável lucro.

As ruas estão vazias.


@pauloandel 

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