As ruas num ir e vir
fascinante e caótico ao mesmo tempo.
Batalhões de estranhos em
deslocamento marcial na hora do almoço ou de ir embora de empregos
respeitáveis. Quase todo mundo tem um celular que lhe permita falar com quem
está longe, bisbilhotar pessoas e outras tarefas menos inglórias. Pouca
conversa, muitos olhares, nenhuma fraternidade. Números são mais importantes do
que nomes.
Cheiro de rua triste, como
diria Kerouac. Dejetos, latões, seres humanos sofridos fazendo do lixo a única
refeição do dia – e há quem considere isso absolutamente normal – caso o animal
de estimação esteja velho, largam-no ao léu. Difícil entender o que se passa em
corações tão ocos, sem sentido, incapazes de enxergar o outro na condição de
gente e não objeto descartável.
Grandes corporações,
salários mínimos, lucros máximos, nada importa se não for para vencer? O que
significa isso? Somos seres desprezíveis sem lucro? Grandes antenas de
telecomunicação, imagens generosas, gente bonita, o mundo não vê o próprio
mundo onde só se exige audiência.
Um lugar ideal para não se conversar
está nas bibliotecas, nelas a viagem é outra, a jornada individual para dentro
de si mesmo. Nenhuma delas lotada, você pode visitá-las com toda calma, sempre
tem cadeiras sobrando.
Há quem drible a fome, a
dor, miséria, a família que inexiste com drogas ilegais. Que outra alternativa?
Enquanto isso os bares estão cheios de conversas vazias. Banheiros cheios
também, onde alguém propõe sacanagens ou droga-se por não ser o máximo de
qualquer coisa que seja útil nessa terra. Não somos algarismos, ora!
Sexo para virar amor,
amizade para virar interesse, passatempos para iludir as mentes, promessas que nunca
serão realidade. Enquanto isso os doentes amontoam-se nos corredores dos
hospitais e sonham com um inferno melhor. Perto de um deles, alguém vibra com
seu novo parcelamento em vinte e quatro vezes sem juros – só um idiota
acreditaria nisso! -, olhos atentos seguem todos os passos de uma vitrine rica –
as mentes, longe disso.
Que tal postergar a vida?
Isso fica para depois do feriado. Ou depois das férias. Melhor depois do
carnaval. E a Copa do Mundo. E tudo o que devia ser agora ou esta semana pode
virar um sonoro “nunca mais”.
Respeitáveis cidadãos querem
a morte da maior corrupção de todos os tempos, o que não significa que vão
deixar de burlar o imposto de renda, devolver o troco a mais concedido no
supermercado ou deixar a velhinha sentar no banco preferencial do metrô. Uma espécie
de semi-ética, se é que isso é possível. Respeitáveis juízes têm capangas, já
absolveram estupradores e não se preocuparam muito quando velhos amigos
tungaram o erário sem dó.
Famílias em suas casas numa
noite qualquer e ninguém conversa – alguém está no computador ou telefone ou em
frente à televisão, dificilmente vendo algo que preste ou ajude a raciocinar –
não, mil vezes, reality shows NÃO!
Alguém diz que generosidade
é dar um real ao morador de rua. Alguém diz que tem que tacar uma bomba na
favela e destruir tudo. Alguém diz que no tempo da ditadura é que era bom.
Estamos perdidos demais.
Eu não passo de um
estrangeiro tentando entender o incompreensível dentro do tempo que me resta.
Enquanto isso, na
enfermaria, quase todos os doentes estão cantando sucessos ditos populares, na
verdade impostos pelo lucro, o maldito e abominável lucro.
As ruas estão vazias.
@pauloandel
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