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Tuesday, September 17, 2013

A linha do céu de Maricá


Coisa de dois ou três sábados, dois na verdade, acompanhei meu grande amigo Leo numa ida a Maricá.

Cidade que muito gosto, já pensei até em morar por lá.

Uma tarde de lazer, sem culpas, contas, nenhum compromisso de namoradas, trabalho, textos, apenas gastar horas agradáveis e ver coisas diferentes.

Descemos a estrada com calma até rara, baixa velocidade, um sábado de sol, primeiro para tratar de assuntos no aeroporto, depois a casa de outro amigo, Raphael – alguma conversa fiada da melhor qualidade, um pilantra que nos deve dinheiro, outras coisas.

No aeroporto, conheci João, amigo de Leo, instrutor, garoto ainda, já chegou fazendo piadas jocosas, teve o troco imediato – piadinhas homofóbicas, daquelas que os homens adoram falar quando não há mulheres por perto, bobagens adolescentes.

Nem tudo era brincadeira, entretanto: depois os dois falaram de coisas sérias da aviação, problemas, correria.

Eu, que nunca fui chegado aos ares, olhei com afinco o silêncio das aeronaves no hangar, um silêncio não apenas de se ouvir, mas ver por todo lado.

A beleza da linha do céu de Maricá, os escoteiros em reunião no gramado.

Uma tarde de calma, muitos risos e alguma apreensão.

Tivemos uma hora e meia de conversa, acho. Depois, abraços fraternos de corretos irmãos. João ia voar.

Depois fomos para a casa de Raphael, jogamos bola com Dudu, fim de noite e volta ao coração da cidade, o centro.

Naquele sábado, eu estava ainda apreensivo por conta de uma viagem que teria que fazer, menos pelo voo em si, mais pelo trabalho.

Mas a calma que parecia reinar em todo o aeroporto – e não necessariamente na fisionomia dos amigos – foi uma espécie de calmante para o meu voo da semana seguinte – fui a Brasília, trabalhei, encontrei amigos e ainda voltei a tempo para ver o Fluminense na TV.

Há cinco dias, João faleceu num acidente de avião na mesma Maricá que foi meu sábado de calma. Deu no jornal, na tevê, eu tinha ouvido falar mas só me dei conta de quem era a vítima ontem, via Leo.

O sujeito que me passou calma para fazer algo que detesto – e que ele tanto amava – faleceu fazendo seu ofício, sua fé.

João passou pela minha vida numa única tarde, num único dia e dele não esquecerei. 

A linda linha do céu de Maricá tinha muito mais a me dizer além do silêncio, na hora eu desconfiei, mas não entendi ao certo.

Minhas desconfianças são as poucas coisas que me dão medo no mundo.


@pauloandel


Em memória do Cmte. João Soares

Para Leo e Raphael

1 comment:

Leonardo Prazeres said...

Excelente texto mano!

Cmte João era um grande aviador, excelente homem!