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Friday, December 22, 2006

Retrato do artista quando morto-vivo

Olhei para um pequeno espelho de casa
Parecia-me um homem velho, fatigado à vista
Com vincos profundos de tempo no rosto
E mãos de veias sobressaltadas, púrpuras
Na esguelha, um terno pendurado na cadeira
Uma fagulha de janela, noite ilustrada
O homem fitava a si mesmo, lentamente
Como que sorvesse cada segundo da vida
E podia até parecer canção da despedida
Com a firmeza dos inabaláveis olhos pretos
Talvez tentasse atravessar o brilho do vidro
Para recuperar sua mocidade, sua infância
Dos tempos da praça do Lido, liberta
Ou, mais ainda, do jogo de bola na vila
Houve um rompante inimaginável, subitamente
E toda verdade de dor e morte teve fim
Olhei novamente e não havia um ancião
Nem mãos machucadas, nem rugas delatoras
Era uma singela alucinação da melancolia
Ao contrário da minha vã certeza
O espelho era todo reflexo de mentira
Doce mentira que livrou-me do mal
Ainda assim eu não digo amém
Pois morto, vivi dois mil anos a mais
Sem morte, sem dores ou maiores dramas
Sem buscar a tristeza da face num retrato qualquer


Paulo Roberto Andel, 22/12/2006

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