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Tuesday, April 14, 2015

Conversando com Raul

CONVERSANDO com meu amigo Raul há pouco no departamento profissional da empresa onde trabalhamos, talvez no começo da manhã, nosso assunto começou em aposentadoria e voltou até o tempo em que cada um, a seu modo peculiar, enfrentou as agruras dos primeiros empregos e ocupações. Somos de gerações diferentes; tivemos formações, residências e práticas diferentes. No entanto, tudo fica parecido demais quando se começa a trabalhar: nada é fácil, cada dia é uma luta. E rimos também: ele não tem a menor aparência fisionômica do que se imagina (em pré-conceito) da figura de um homem aposentado.

Caminhar pelo sol a pino, enfrentar clientes beligerantes que possuem toda a razão porque “estão pagando”, encarar filas intermináveis, percorrer quilômetros até a hora em que uma cliente generosa ofereça um pedaço de bolo ou um copo de água, atravessar a Baía de Guanabara às duas da manhã depois do expediente ter sido encerrado (teoricamente) às dez da noite. Tudo isso é menor diante dos milhões de brasileiros que diariamente encaram as piores condições de trabalho nos piores cenários e ambientes possíveis – o noticiário está cheio deles. Por nossa imensa sorte e alguma competência, estamos longe dessas mazelas. Não trabalhamos no melhor lugar do Brasil? Não sei dizer, mas acho difícil que nossa casa de trabalho não esteja entre os dez – ou cinco – melhores points profissionais a cinco mil léguas do coração do Rio para qualquer direção da bússola. Somados, temos quase meio século de vida profissional na empresa e isso quer – ou pode – dizer alguma coisa.

Desde que comecei lá longe a estudar Estatística, debaixo de muitas adversidades no fim dos anos 80 do século passado – um país em completo abandono e desemprego; uma inflação de 70% ao mês; a luta para se conseguir ficar entre os primeiros lugares de uma universidade concorridíssima; a dificuldade de se conseguir um estágio numa carreira que mal era (e é) disseminada na economia -, o mundo mudou demais. Isso valeu para o futebol que amo e escrevo (vendo-o agora de maneira diferente, por sinal), a própria sociedade, a vida cotidiana, as inovações tecnológicas, os noticiários, os embates políticos, tudo. Mas minha diversão no emprego não mudou. Incrível. Pensar que já se passaram quase vinte e três anos é uma preocupação, mas, ao mesmo tempo, permite olhar o que aconteceu – e posso dizer que o saldo é absolutamente favorável: excelentes e confortáveis condições de trabalho, relações humanas gerais excelentes, silêncio na hora de calcular (o que é fundamental), todos os direitos trabalhistas absolutamente impecáveis e visíveis no computador, salário impecavelmente depositado na conta com precisão britânica, dezenas de histórias divertidas que dariam até um pequeno livro: garotas bonitas, chefes engraçadíssimos, diretores que hoje são saudade. Claro que houve percalços, pois a vida não é feita só do arco-íris, mas são absolutamente desimportantes diante do contexto da obra (em se tratando da casa a que me refiro, literalmente expresso); para um profissional da Estatística, não se permite o erro de inferência.

ÀS VEZES um admirável e querido maluco passa falando em usar as sobrancelhas no “estilo Madame Satã” (sabe-se lá o que o interlocutor quis dizer com isso). Outro recita poemas intermináveis. Alguém faz piada boa com a voz em alta escala, alguém fala num idioma próprio e divertidíssimo. Gente com sotaque divertido, daqui e de fora. Pequenas e divertidas barbaridades verbais. Gente suadíssima, vindo da rua depois de horas de esforço, beneficiando inclusive os companheiros da casa. Nas salas dos setores, é difícil constatar a ausência de riso, mesmo diante de tarefas mais complexas e que exigem atenção. Pessoas erram e acertam muito – aliás, é de bom tom jamais confiar em quem nunca errou, dado que os mentirosos não são lá essa coisa toda em termos de confiabilidade, por motivos óbvios. Geralmente o ar condicionado funciona muito bem, a internet idem e não tem lista de convocados ao DP para o desligamento a cada mês, praxe nas majors por aí. Tudo tão confortável que, ao apertar os horários de almoço, pude me tornar até um escritor publicado. A sede é linda e tem detalhes seculares, que geralmente impressiona os visitantes. À tarde servem lanche sala a sala.
Boa parte do elenco dos funcionários tem duas ou três décadas nas costas; os “especialistas” dizem ser contra isso e me sinto do direito de questioná-los: oh, senhores da exatidão, já estiveram aqui para avaliar o quanto a coisa funciona? Nenhum deles foi pago por vinte anos para exercer as especialidades em lugar algum, é natural que não aprovem. Gosto dessa coisa de defender uma camisa por muitos anos, isso me remete ao genial Nílton Santos.

Outro dia mesmo, a empresa parou cedo para que tivéssemos o almoço de Páscoa. Um bacalhau espetacular, dos melhores do ramo, repetido com louvor a cada ano. Lembrei-me dos rapazes trazendo o peso-pesado em bandejas por três ou quatro quadras, correndo para que tudo chegasse absolutamente quente do forno da padaria. Tive vontade de rir de quem reclamou do atraso de cinco minutos da festa: sorvete, bebida, comida, ar refrigerado, dinheiro na conta, cadeiras confortáveis, tudo a um ou dois quilômetros de comunidades carentes onde pessoas ainda deixam de almoçar para que o jantar possa existir. Ou num mundo onde a cada três segundos uma criança morre de fome. Uma a cada seis pessoas na Terra não tem sequer água, elemento quintessencial da vida. Uma vez por dia, tento tirar cinco minutos para ir a algumas salas, falar com os camaradas, saber como estão, trocar pequenas grandes ideias. O mundo lá fora é doloroso, injusto e cruel enquanto ainda me divirto em minha cadeira preta em frente a um computador preto.

Queria falar mais da festa, das pessoas, do bacalhau. Tudo isso foi só um pretexto para lembrar que, enquanto estamos por aqui, nossa vida é farta e especialíssima em se tratando da média no planeta Terra afora. Conversei com Raul e me lembrei do quanto nos divertimos. Antes da conversa, meu objetivo era entregar a ele um cálculo de juros qualquer. Noutros lugares, parece sacrifício. Calcular por aqui é diversão para mim.

Dizem que os empregados ficam mais felizes quando recebem um prêmio extra ou alguma benesse. Seria fácil demais. Digitei isso na hora do almoço de hoje, com o público querendo minha cabeça porque o CUB não foi publicado, gente rosnando no telefone e no e-mail. E daí? O trabalho é sério e me divirto com ele do mesmo jeito. Daqui a pouco tudo estará bem. Agora mesmo dois colegas de labuta conversam fraternalmente em frente à mesa de café a centímetros da porta da minha sala de trabalho. 

Muita gente, ao olhar o passado, diz que gostaria de ter feito outra coisa na vida. Se fosse o caso de escolher, eu talvez estudasse e trabalhasse bichos, que gosto muito, embora não saiba dizer se me divertiria o tempo todo, ainda mais num trabalho em que perdas e mortes são inevitáveis no cotidiano. Então fico admirando os bichos de longe e continuo muito feliz aqui pela rua do Senado com meus números: desde aquele 1992, quando vim com vinte estudantes disputar uma vaga de estágio e venci, eu não moveria uma vírgula sequer. Tudo exatamente como tem sido.

Há livros que já nascem prontos, deve ser isso.

@pauloandel

Thursday, April 09, 2015

É tudo mentira...

O limite da irresponsabilidade

Mendonça de Barros liga para Ricardo Sérgio pedindo uma carta de fiança do Banco do Brasil para o consórcio liderado pelo Banco Opportunity. Ricardo Sérgio diz que acabou de dar. E afirma estar no "limite da nossa irresponsabilidade".




O presidente grampeado

Em conversa com FHC, André Lara Resende (BNDES) critica a composição do consórcio Telemar, que disputava a Tele Norte Leste. FHC concorda:



Conheça os envolvidos



Muita emoção...



Dez anos de impunidade (11/11/2008)

A repórter Elvira Lobato publicou na Folha deste domingo reportagem sobre os dez anos de impunidade para os crimes flagrados no grampo da privatização das teles, no iluminado Governo do Farol de Alexandria, Fernando Henrique Cardoso, aquele do “quanto pior melhor” (*).

Luiz Carlos Mendonça de Barros, André Lara Rezende, Pérsio Arida, Elena Landau, Pio Borges, Ricardo Sergio de Oliveira (que foi, além de tudo, caixa de campanhas de Fernando Henrique e de José Serra), Daniel Dantas, Geraldo Brindeiro, Jair Bilachi, e Fernando Henrique Cardoso, ele mesmo – eles não têm nada a temer.

Estamos no Brasil, como diz o Mino Carta, o “país do futuro” !

Carlos Salinas de Gortari (México); Alberto Fujimori (Peru); e Carlos Menem (Argentina) privatizaram as teles e passaram o resto da vida a enfrentar a Lei (Fujimori chegou a ir em cana e Salinas fugiu do México).

São os heróis do neoliberalismo e da privatização na America Latina.

Aqui, ao contrário, levam o Fernando Henrique a sério, e lhe pagam US$ 50 mil por palestra, para ouvir ele pregar o “quanto pior melhor” (*).

Aqui, dez anos depois, os únicos que correm o risco de ir para a cadeia são os suspeitos de fazer o grampo.

Mas, na Justiça brasileira, aquela que tem seu ponto culminante no Supremo Presidente Gilmar Mendes, na Justiça brasileira é assim: quem se dá mal é o cano e, não, a água que por ele passa.

Para aderir às celebrações dessa Data Magna, o Conversa Afiada republica reportagem da Carta Capital de 25 de novembro de 1998.

A Carta divulgou o conteúdo do grampo: a água...

Acompanhe abaixo a reprodução de parte da matéria veiculada na Carta Capital, em 25 de novembro de 1998.

SOB SUSPEITA 

Bob Fernandes (reportagem originalmente publicada na edição 87, de 25 de novembro de 1998) 

O negócio tá na nossa mão, sabe por que Beto? Se controla o dinheiro, o consórcio. 

Se faz aqui esses consórcios borocoxôs, são todos feitos aqui. O Pio (Borges, vice-presidente do BNDES) levanta e depois dá a rasteira. (Luiz Carlos Mendonça de Barros, ministro das Comunicações, em conversa com o irmão José Roberto, secretário executivo da Câmara de Comércio Exterior.) 

Temos que fazer os italianos na marra, que estão com o Opportunity. Combina uma reunião para fechar o esquema. Eu vou praí às 6h30 e às 7 horas a gente faz a reunião. Fala pro Pio que vamos fechar (os consórcios) daquele jeito que só nós sabemos fazer. (Luiz Carlos Mendonça de Barros para André Lara Resende, presidente do BNDES, sobre a intenção de operar em favor do consórcio integrado pelo banco de investimentos Opportunity e a Telecom-Itália.) 

Vai lá e negocia, joga o preço para baixo. Depois, na hora, se precisar, a gente sobe e ultrapassa o limite. (André Lara Resende para Pérsio Arida, sócio do Opportunity.) 

A revista CartaCapital ouviu fitas gravadas na presidência do BNDES. A revista Veja conta ter tido acesso às duas fitas que o governo enviou para a Polícia Federal. São muitas as fitas. Fala-se em 27, mas certeza só tem quem participou dos grampos. As fitas ouvidas por CartaCapital têm trechos – os explosivos fragmentos acima – que, pelo relato de Veja, não constam das fitas repassadas pelo governo à Polícia Federal.

É certo que são fitas editadas, como tem repetido o ministro das Comunicações, Luiz Carlos Mendonça de Barros, mas é certo também que os diálogos ouvidos por CartaCapital existem e, claramente, não são uma montagem. Têm uma seqüência – sem espaços – e uma lógica que indicam extrema dificuldade para uma edição de diálogos. 

FILHOS CORRETORES

Das fitas que se conhece, as gravações mais importantes foram feitas entre 21 de julho e 12 de agosto últimos, mas os grampos na sala da presidência do BNDES (os diálogos em celulares são capturados) foram instalados no início deste ano. 

O alvo principal era o ministro Mendonça de Barros, então presidente do BNDES. 

Seus adversários buscavam, com os grampos, conversas entre Mendonça e seus filhos, Marcello e Daniel. Nas fitas por ora na praça não há registros de tais conversas. 

Os filhos do então presidente do BNDES tornaram-se sócios-proprietários de uma corretora na Bolsa de Mercadorias & Futuros (BM&F). A Link Corretora de Mercadorias Limitada, registrada na Junta Comercial em 2 de fevereiro, quatro meses depois, em junho, já era a terceira operadora no ranking de volumes de operações no mercado de Índice Bovespa futuro. 

Cerca de 40% desse índice, então, era composto pelas ações da Telebrás. Empresa sob comando do ministro. E que seria privatizada em operação de R$ 22 bilhões pilotada por Mendonça de Barros, o pai. 

PÉRSIO E OS ITALIANOS

O leilão de privatização do Sistema Telebrás deu-se no dia 29 de julho. O central e incisivo numa seqüência de mais de 30 conversas grampeadas é a tentativa de favorecer um consórcio que uniria o banco de investimentos Opportunity e a Telecom-Itália. 

"Os italianos", como diz o ministro Mendonça de Barros inúmeras vezes ao longo dos diálogos. Favorecer "os italianos" em detrimento do consórcio Telemar, formado pelo Grupo La Fonte (do empresário Carlos Jereissati), a Andrade Gutierrez, a Brasil Veículos, Macal e Aliança do Brasil. O Fundo de Previdência do Banco do Brasil, a Previ, é peça decisiva nas negociações e nos telefonemas. 

Mendonça de Barros, o presidente do BNDES, André Lara Resende, Pio Borges, vice-presidente do BNDES, e Pérsio Arida, sócio do Opportunity, combinam como pressionar a Previ para que feche com "os italianos" e o Opportunity. 

Enfim, a explosão. Nos telefonemas, o presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, chamado de "a bomba atômica", é instado a pedir à Previ que feche com o Opportunity. O mesmo se dá com o diretor do Banco do Brasil, Ricardo Sérgio de Oliveira. 

As conversas e a montagem de pressões chegam ao auge quando Mendonça de Barros sugere: 

—— Temos que falar com o presidente. 

E André Lara Resende responde: 

—— Isso seria usar a bomba atômica. 

André Lara Resende usa a bomba atômica. Em telefonema, pede ao presidente Fernando Henrique Cardoso: 

—— Precisamos convencer a Previ. 

Na conversa com o presidente (que também não consta na reprodução das duas fitas em posse do governo), Lara Resende não cita o interesse dos "italianos" que freqüentam seus diálogos com Mendonça de Barros. Ao presidente da República, repassa outra informação: 

—— Os portugueses (Telecom Portugal) estão interessados... 

No mesmo telefonema para Fernando Henrique, o presidente do BNDES tece considerações sobre a "necessidade de um operador estrangeiro" etrata como "aventureiros" os integrantes do Telemar, que não disporiam de "capacitação técnica". 

Ao final do telefonema, o presidente diz que vai falar com a Previ. Não se sabe se falou ou não. A Previ ajudou alguns dos seus sócios no consórcio Telemar a bancar o pagamento da compra da Tele Norte Leste. Já o Opportunity ficou com os italianos na Tele Centro Sul. 

QUESTÕES SEMÂNTICAS

Outro trecho que parece ausente nas fitas do governo – ao menos de acordo com o relato de Veja –, é a referência ao ministro da Fazenda, Pedro Malan, e ao secretário executivo Pedro Parente. Conversam Mendonça de Barros e Lara Resende. O ministro das Comunicações refere-se aos companheiros de governo Malan e Parente como "babacas". 

O ministro Mendonça de Barros, em suas versões orais editadas para a imprensa, tem relatado apenas o carinhoso diminutivo "babaquinha", e dedicando-o apenas a Parente. 

O ministro Malan e Parente seriam "babacas" por terem aceitado argumentos do consórcio Telemar e, quiçá (aqui trata-se de uma ilação não obtida em fitas), por divergirem do conjunto da obra. A propósito de divergências, há outras entre o que ouviu CartaCapital e o que se divulgou das fitas do governo. 

Mendonça de Barros, nas fitas, chama integrantes do consórcio Telemar de "ratada", e não "rataiada", conforme relatos oficiais do próprio reproduzidos pela imprensa. As já anunciadas investigações do procurador-geral da República, dr. Geraldo Brindeiro, por certo esclarecerão essa pinimba semântica quanto a roedores. 

Algumas contradições. Mendonça de Barros, que iria ao Senado prestar esclarecimentos na quinta-feira, 19, nesta segunda quinzena de novembro tem repetido, em conversas, os argumentos da incapacidade técnica da "Telegangue", da "ratada " – ou, "rataiada". Informa, ainda, que gestões suas, suprimidas nas fitas gravadas, foram feitas também em favor da formação do consórcio Telemar. 

Restam, então, duas questões. 

Por que o ministro, ou quem de direito, não se valeu das regras do processo de privatização para desqualificar uma empresa que não tinha "capacidade técnica"? 

Por que, uma vez que se tratava de uma "Telegangue", a empresa, mais uma vez, não foi afastada do processo? 

A intervenção deu-se apenas no instante em que o Telemar comprou a Tele Norte Leste, com suas 16 operadoras de telefonia fixa na faixa entre Rio de Janeiro e Amazonas. 

Na hora da liquidação da compra, o BNDES interveio e arrebanhou para si 25% das ações do Telemar, alegando tratar-se de um consórcio "chapa-branca", devido às seguradoras terem capital estatal. Mais uma vez, pergunta-se: por que o consórcio não foi desqualificado a tempo? 

A PEÇA-CHAVE

Vale lembrar. O Tribunal de Contas da União determinou inspeção no BNDES para apurar a legalidade e a regularidade dos atos dos dirigentes da entidade nessa operação. Se o consórcio é "chapa-branca", a ação do BNDES o tornaria ainda mais chapa-branca. Não fosse, é claro, a intenção do ministro em fazer a Telecom-Itália entrar no jogo. 

Peça-chave em todas as negociações, e nos diálogos grampeados, é a Previ. 

Recordemos, então, outra porção do processo de privatização, a da Vale do Rio Doce. 

À época, a Previ, que parecia compor-se com o grupo capitaneado por Antônio Ermírio de Moraes, à última hora bandeou-se para a nau pilotada por Benjamin Steinbruch. 

O mesmo Opportunity integrou também o consórcio vencedor na privatização da Vale. Mais: o mesmo banco Oppportunity, do mesmo Pérsio Arida, ex-presidente do Banco Central no atual governo, tem assento no conselho de administração da Vale. Segundo palavras do próprio ministro Mendonça de Barros, quando do leilão da Vale, o mesmo grupo de senhores "estimulou a competitividade". 

O BEM DA PÁTRIA

Revela o ministro que, então, procurou a Previ – que negociava com Ermírio – e pediu que o fundo entrasse no consórcio da CSN. Tudo em nome da competitividade e, é claro, pelo bem da Pátria. 

Naqueles dias, em entrevista à Veja, Antônio Ermírio bateu duro na operação e cutucou o presidente Fernando Henrique. No domingo, 21 de setembro de 1997, a caminho de Fortaleza, vindo de Sobral, o ex-ministro da Fazenda, Ciro Gomes, disse a CartaCapital: 

- O Antônio Ermírio é inteligente. Viu que querem engoli-lo, e berrou a tempo. Agora, pode dizer ao presidente que não é bem aquilo o que ele disse, mas não vão mais atropelá-lo. 

Ermírio não mais foi atropelado. Nos leilões de privatização do setor elétrico no Rio Grande do Sul e São Paulo, a Previ estava ao lado do Grupo Votorantim. 

No caso do Telemar, em que pesem as pressões de integrantes do governo para que a Previ jogasse preferencialmente com "os italianos" e o Oppportunity, é preciso recordar que o Fundo do Banco do Brasil – que terminaria integrando o Telemar – tem antigas e extensas relações de negócios com o Grupo La Fonte, de Carlos Jereissati. 

E o que diz a lei? Nas fitas, o sócio do Opportunity, Pérsio Arida, não apenas surge em conversas com André Lara Resende, como é anunciada sua presença durante um diálogo. Mendonça de Barros, enquanto negocia com Jair Bilachi, presidente da Previ, para que o fundo se una ao Opportunity informa: 

- Estamos aqui eu, André, Pérsio e Pio... 

Ainda nas fitas, ao comentar os mandados de segurança contra o leilão, Mendonça de Barros, em conversa com Lara Resende, cita o jurista Celso Antônio Bandeira de Mello, a quem se refere como "aquele pavão". A propósito de juristas, talvez seja útil recordar alguns artigos da Constituição, da Lei de Improbidade Administrativa e da Lei de Licitações.”

[Acrescenta PHA]:

(*) Não é à toa que a PolÍcia Federal demonstra certa dificuldade para decifrar os 12 HDs que encontrou atrás da parede falsa do apartamento de Dantas. E o HD do servidor do Banco Opportunity. Já pensou, caro leitor, se o FHC, o José Serra e a filha dele aparecem lá, num desses HDs, protegidos por uma senha criptografada?”

Tuesday, April 07, 2015

TUDO BLUES FESTIVAL - Na UFF



O TUDO BLUES FESTIVAL tem a proposta de mostrar vários estilos do blues, além de referências do jazz e do rock, ritmos que surgiram através do blues.

O Teatro da UFF traz ao público, durante oito dias, músicos e bandas nacionais que diretamente representam o blues aqui no Brasil ou tem no seu repertório influências do blues.

O Blues tem origem nas raízes musicais e na memória oral dos griots – contadores de histórias – dos cantos e danças dos povos da África. Um gênero marcado na história do sul dos Estados Unidos (do final do século XIX) e combinado com a música europeia-americana, que se traduz num canto melancólico e na poesia simples dos escravos das plantações de algodão que usavam para embalar suas jornadas de trabalho. Em temas populares – como religião, amor, sexo, traição e trabalho – eles expressavam seus sofrimentos, angústias e tristezas.

O blues, ao longo do tempo, foi se fragmentando em tendências e sonoridades de seus intérpretes, ora mantendo as tradições acústicas, ora conduzido para território jazzy.

O som eletrônico produziu novos e diferentes estilos, como: o Delta Blues, o Jump Blues, o Texas Blues, o Rhythm and Blues e o Country Blues, entre outros.

Na programação do TUDO BLUES FESTIVAL estão:

16 de abril – Quinta-feira | 21h

GLAUCUS LINX & ANCESTRAIS FUTUROS – Convidado: Altay Veloso

17 de abril – Sexta-feira | 21h

MAURÍCIO SAHADY

18 de abril – Sábado | 21h

BIG GILSON

19 de abril – Domingo | 20h

VICTOR BIGLIONE

23 de abril – Quinta-feira | 21h

CRISTIANO CROCHEMORE & BLUES GROOVERS

24 de abril – Sexta-feira | 21h

SOULSHINE JAM BAND

25 de abril – Sábado | 21h

BIG JOE MANFRA

26 de abril – Domingo | 20h

BLOODY MARY & THE MUNSTERS


Serviço: 6, 17, 18, 19, 11, 23, 24, 26 e 26 de abril

Quinta a sábado 21h / Domingo 20h

Ingresso: R$ 30,00 (inteira) R$15,00 (estudantes, maiores de 60 anos, menores de 21 anos e pessoas com deficiência)

Censura: Livre

Teatro da UFF – Rua Miguel de Frias, 9, Icaraí, Niterói, RJ – Tel.: 3674-7511 
Informações: 3674-7512

Saturday, April 04, 2015

A arte norueguesa no Centro Cultural dos Correios

No Centro Cultural dos Correios no Rio de Janeiro, a exposição da vanguarda norueguesa na gravura com 100 peças. Trata-se de uma homenagem norueguesa aos 450 anos do Rio. 

A exposição tem entrada franca e fica disponível até o fim de abril.






@pauloandel



Friday, April 03, 2015

Romão: racismo, tristeza e uma bala na cabeça

Era uma tarde qualquer de outono na Copacabana de 1975.

Por alguma razão que jamais saberei, provavelmente muito simples, minha mãe resolveu me puxar pela mão - o que ela adorava - e saímos de nossa casa, na rua Santa Clara, até o Lido, mais precisamente na rua Ronald de Carvalho, no prédio art déco que hoje serve de cenário para novelas.

Descemos as escadas do pequeno prédio de grandes apartamentos - que futuramente deixaríamos para um período de meses de dor e miséria em Vaz Lobo, até a volta para Copacabana na Siqueira Campos 143 -, minha mãe fez o sinal, pegamos o táxi. Antes do embarque, do outro lado da rua, Cícero nos cumprimentou efusivamente. Era nosso ex-cozinheiro, de uniforme alinhadíssimo à rua e carregando a barra pesada de ser homossexual assumido no Brasil da ditadura, sem pertencer aos guetos tradicionais. Um homem de muita coragem.

O taxista fez uma corrida rápida. Nenhum trânsito. Santa Clara, Atlântica, retorno no Lido e o velho prédio cinza.

Talvez fosse o apartamento do primeiro o segundo andar quando entramos. A dona da casa era uma amiga da minha mãe ou algo parecido, ou havia alguma espécie de encomenda, um serviço. Chamava-se Vilma.

Na sala, a mesa aberta com bolo e refrigerante. Era uma casa humilde. Fui convidado ao lanche. Uma menina branca do meu tamanho, sentada, talvez disse um oi. Outro garoto, éramos todos pequenos. E mais um garoto grande, que podia ter dez anos de idade. Era negro e magro. Lembro de seu rosto muito triste. Não dava uma palavra. Aquilo me impressionou, a imagem da dor. Lanchamos.

Foi uma visita rápida. A família ia sair. Depois do lanche, minha mãe me ajeitou e todos fomos para o elevador.

Num súbito, a dona Vilma começou a gritar e gritar assustadoramente com o menino negro. Tive medo. Percebi que minha mãe ficou tensa em poucos segundos de descida. Gritos, gritos, violência:

- Seu negro burro! Burro! Idiota! Sua merda!

O garoto tinha o rosto tão triste que era inacreditável não estar chorando. A dona Vilma parecia tão calma e, de repente, explodiu. O acesso de fúria só foi interrompido quando saímos da portaria. Minha mãe fez questão de dar um abraço no garoto negro e nas crianças. Falou com a dona sob certo constrangimento.

Novo sinal para um táxi. Entramos. Demos tchau à família. Aos poucos, com os olhos vermelhos, minha mãe explicou que o menino era filho de criação da dona Vilma. Talvez o filho de alguma empregada, alguma conhecida. Pouco tempo depois, os olhos vermelhos estavam cheios de lágrimas silenciosas, até uma única fala na pequena viagem até Santa Clara:

- Meu Deus, como eu tenho pena do Romão. Se pudesse, trazia ele para morar conosco. Sofre muito.

Pouco tempo depois, deixamos Copacabana temporariamente. Houve um martírio breve em Vaz Lobo. Voltamos. De empresário, meu pai passou a ser um digno empregado novamente. Deixamos um apartamento de 400 metros quadrados para outro de 30, melhorando um pouco na Siqueira Campos, onde ficaríamos dezesseis anos.

Nunca mais vi a dona Vilma. Nem o Romão, com quem não pude trocar uma palavra sequer, brincar de futebol, nada. Só lembro da tristeza de seu rosto. Tempos depois, ele pode ter sido uma peça fundamental na minha vida: sempre carreguei aquele dia no ventre, o que mais tarde influenciou minhas atividades como escoteiro, estudante e militante político. Minha mãe não conseguiu resgatar o menino negro de olhar triste demais e sem palavras.

Agora que a minha mãe não está mais aqui, só restam as minhas próprias lágrimas ao pensar naquele dia de quarenta anos atrás, quando eu era uma criança sem a menor dimensão das coisas do mundo, mas suficientemente atenta para não achar normal a violência contra ninguém. Hoje eu poderia ser avô do menino negro triste e do menino pequeno de cabelos encaracolados e olhinhos, mas sou apenas uma testemunha da tristeza.

Meu amigo Bola ficou naturalmente consternado com o fuzilamento desse menino no Alemão, ao falarmos no Facebook. Mais uma vítima da estupidez da grande sociedade. Todos os meninos deveriam ter direito a brincar, comer, ganhar bom tratamento, crescer e viver, por mais que este mundo injusto, covarde e cruel imponha o contrário.

Eu também fiquei consternado. O garoto do Alemão não teve direito ao futuro, destruído por uma bala na cabeça. E o Romão, onde mora?

O racismo a gente nunca esquece.

Até quando esse país vai insistir em ser um navio negreiro?

@pauloandel



Saturday, March 28, 2015

rua

a minha rua cheia de bares, alguns sorrisos, boas conversas
e gente dizendo adeus
na fila dos mendigos na cruz vermelha
à espera de pão
especialmente o barbudo em pé 24 horas em frente à banca de jornais.
a rua e suas angústias:
a gente indiferente, egoísta
bons samaritanos
carpideiras
e crianças de olhar triste com catéteres
a praça com sua miséria tatuada e fanáticos em busca de Deus que não têm culpa de nada.
a rua, a procissão dos que não têm casa
ou a passagem dos bem sucedidos
a cúpula da cátedra para um destino
tão menino
ainda menino a granel
a culpa é do governo, pois somos puros, inocentes e vítimas
a culpa é do sistema
alguém poderia devolver o troco a mais?

@pauloandel

Saturday, March 21, 2015

idiota (um copo de cólera)

estranhar os donatários da hipocrisia falida, incapazes de ver o mundo além de seus próprios desejos e raciocínios
são tão imponentes, sempre com espaçosos sorrisos debochados
o outro é um idiota
idiota
autossuficiência derramada na indiferença sobre a cor das ruas
quem deixa suas mãos estendidas ou recolhidas
se dorme ao relento, deve ser um idiota
paladinos da ética seletiva, da memória conveniente, a desfraldar grandes ensinamentos das orelhas de livros
quem não leu é um idiota
o sono tranquilo na cama confortável que o pai comprou, a mãe sustentou e o avô ajudou -
quem não tem é um idiota
proprietários de todas as respostas, cavaleiros das grandes soluções, gênios da raça escondidos atrás das páginas abertas
de um jornal de merda, merda
páginas abertas e letras difusas
quem não abriu é um idiota
a pior mendicância está na alma:
a vida é muito além do pensamento individual
quem não vê o outro como peça integrante do mundo enxerga de mal a pior
bate panelas sem fome
vê democracia no fim das regras
e rumina um país melhor sem combater a própria mediocridade
a mediocridade
qualquer fascista clean faz-se um intelectual importante
repetir as velhas falácias para justificar ódio, rancor, divisionismo -
a memória é uma ilha de edição!*
pensar nos outros por quê? é problema de Deus
rezar pela morte das capitanias hereditárias
a morte do quinto e a abolição da escravatura
quem reflete é um idiota!
mil vezes idiota
eu mesmo sou chamado de imbecil e rio: a estupidez de quem me ofende cabe num copo de cólera
enquanto sou o ballet
da imensidão do meu amor
que dança, disfarça e chora**

@pauloandel

*waly salomão
**cartola

Thursday, March 12, 2015

Filmes para pensar

"5 x Favela" (agora por nós mesmos)



"Notícias de uma guerra particular"



"Fala tu"



"Sonhos roubados"

Tuesday, March 10, 2015

poema torto

(copacabana over the rainbow)

e agora que o agora foi embora, onde foram parar os seus amigos para sempre?
pense naqueles bares inesquecíveis, as garotas tão românticas, os camaradas a bater canecas feito socos de gol
onde foi parar aquele país de sonhos lindos, segurança, felicidade, o da justiça para todos?
o chope acabou?
sevé não traz mais nenhuma bandeja e nem karla muga sorri discreta no fry chicken da siqueira campos
adeus, ditadura!
adeus, ditadura!
onde ficou a maravilhosa copacabana com suas putas, generais fascistas, sonegadores escusos, malandros de praia, maconheiros, marombeiros, gatinhas do grajaú - os mendigos famosos! - atores loucos na descida da escada do shopping:
katia flávia! louraça belzebu!
demônios do crepúsculo de cubatão - o dono era um maravilhoso ladrão
onde foi parar o la monet que não nos espera mais? garotas do méier.
aquele futebol que não existe mais, cheio de torcedores banguelas, de camisas rasgadas, perucas de enfeite, laranjas de almoço - a força do flu com assento - forever young!
meus companheiros de cartas são decadentes ricos - e cospem Miami, cospem Miami mas nunca vão entender de João Candido nem Domenico De Masi
um idiota me olha torto porque ando com meu velho par de chinelos mais uma bermuda antiga, tão vesgo e cafona, cafona!
os pivetes agora matam
a sociedade é mais estúpida e vale o que não está escrito
num respeitável hospital de porte há um traficante de colarinho branco em recuperação de saúde
- é MUITO respeitável
pessoas comem lixo nas calçadas ou lambem o resto das manchetes vomitadas
penduradas
na banca de jornais - veja mas não leia
surdos mentais, surdos mentais
repetindo mantras estúpidos dos grandes valores nacionais, pois o grande irmão estende a mão - e se for preciso, ela também pode matar, torturar, corromper
quantos corações doentes vão sobreviver sem qualquer intervenção?
vamos remover o ódio
expurgar nossas faixas de gaza
que fim levou a velha mesa dos meus amigos?
meus pais dormem tranquilos em algum lugar? será que sonham?
mesmo que tudo pareça tão medíocre e perdido, há de haver uma pequena salvação
no amor que não se consagra
na tristeza que não passa
e a estranha certeza de que recomeçar é o caminho
o brasil é outro, minha copacabana também
desaparecida feito a mendiga Lina que lia francês e new york times
o méier, a tijuca, arcozelo, imbuí
lembranças são o grande réquiem e viva a escassez do armistício:
ao chegar até aqui e me vir como um louco, um idiota da ilusão, parabéns! você não está mais sozinho
no cu do mundo
a dorsal atlântica é a serpentina de um carnaval
entre o caos e o vagabundo
parabéns!

@pauloandel

otraspalabras - paulorobertoandel.blogspot.com
não recomendado para imbecis maiores de 18 anos.

Wednesday, February 25, 2015

Bob Dylan - Shadows in the night - 2015

Numa tarde do inverno de 1977, puxado pela mão de meu pai, num momento muito difícil da vida da minha família, eu carregava um pacote de figurinhas de um álbum chamado "Multicolor", de temática diversa: música, cinema, novelas.
Cheguei em casa, triste casa, abri o pacotinho para colar a figurinha. A imagem de um rapaz magro, com o arquétipo judeu do meu próprio pai, Seu Helio, cabelos grandes encaracolados.
Ali conheci Bob Dylan. Eu tinha nove anos de idade e nunca mais me esqueci. Alguns anos depois, aí sim eu entendi exatamente quem era e o que significava.
Assim como o Fluminense, meus pais, meus amigos e outros valores pessoais, Bob Dylan tem sido presença constante na minha vida e até mesmo na minha lida como escritor. Quem teve a oportunidade de ler meu primeiro livro, "Do inferno ao céu", depara-se em suas últimas páginas com uma crônica intitulada "A linha do céu de Barueri", uma singela homenagem referencial a "Nashville Skyline", um dos grandes álbuns do gênio, dentre inúmeras outras.
Acaba de sair no Brasil "Shadows in the Night", seu mais novo CD. Um desafio daqueles: trata-se de um álbum com algumas das mais emblemáticas canções outrora gravadas por ninguém menos do que Frank Sinatra. Leve-se em conta que qualquer coisa gravada por Bob Dylan vira sua composição no ato, num estilo único. Ele toma as canções e imprime sua marca incomparável.
"Shadows" emociona e faz chorar. É leve e triste. O trabalho de quem já viveu muito, talvez pense numa despedida e volte aos tempos da juventude atras de suas referências, suas admirações. Porém, em se tratando de um artista que encanta o mundo há mais de meio século e não para de tocar com sua Neverending Tour, é difícil acreditar que Dylan pense no fim mesmo.
Para quem mandou uma banana aos puristas, trocando o violão pela guitarra elétrica em meio aos efervescentes anos 60, desafiar definições e paradigmas trata-se apenas do óbvio.
O CD termina com "That lucky old sun". Faz todo sentido.
Em tempo: Bob Dylan é, sem dúvidas, o maior artista estadunidense vivo.
Imperdível.

@pauloandel

Tuesday, February 24, 2015

Yo La Tengo - Ohm

Tuesday, February 17, 2015

o ritual do habitual

DEITADO em berço esplêndido da casa, olhando o céu que deve estar por cima do teto se não deu nada errado, o Carnaval chegou ao fim. As transas acabaram, os amores de ocasião. No fim da tarde de quarta-feira encerra a apuração da Apoteose - salvo a festa na quadra da escola campeã, todo o resto da cidade parece a noite de um domingo. Depois tudo volta ao normal. A hipocrisia retoma seu lugar nas ruas e na internet. Derrubar o governo é legítimo quando não se votou nele. Os jornais editam a informação. Acabou a grande festa, o grande feriado. Trabalhar na quinta-feira opaca e lúgubre é, acima de tudo, atender aos caprichos dos patrões - quem vai lucrar se todos gastaram o dinheiro na folia? Ninguém vai dizer das gangues de pivetes assaltando na Central, Copacabana e Botafogo. Nenhuma justiça para a pobre menina currada em Osasco. Em nome de Deus, decapitam e atiram bombas. O homem morreu com seu carro afundado num buraco da prefeitura em Santa Cruz. O bicheiro redivivo passou feliz na avenida ao lado de seus capangas, a emissora registrou. Oh, Carnaval, com suas fantasias maravilhosas e o cinismo a céu aberto. Vamos voltar à labuta. O mundo corporativo não espera. Retomemos as canções de ódio, exclusão e preconceito que só o Facebook sabe proporcionar. O ritual do habitual.

@pauloandel

Saturday, February 07, 2015

a puta em versos pueris

doce, linda e trêmula
inebriada em versos pueris
e dorso nu
a delicada puta
é nada além de uma digna
valorosa mulher
perdida em sonhos e promessas
delicada e saborosa
puta
copacabana é um ventre
o novo brooklin é um fígado
a savassi entre as pernas abertas
e um país em flor
tesão de mil homens e amor
amor de ninguém
a puta linda, provocante quente
jorra o leite viril da campanha
até que os miolos moles
apareçam estouradas num cenário
numa cena de cinema
delicada e linda mulher nua
sangue novo na multidão
enquanto as mensagens
continuam mudas demais
cada novo passo é um abraço
de amém
versos delicados namorando
a carne crua
a singela beleza da mulher
a puta é súdita de uma realeza vazia enquanto
sua desejada carne alimenta as veias que deságuam
nos oceanos da paixão em vão

@pauloandel

Thursday, February 05, 2015

oração das almas perdidas

OBSERVANDO a pastosa programação da TV. Pensando nas impressionantes manchetes que a imprensa produz com ética, descompromissada com particulares. Deus há de banir o comunismo dessa terra, em nome da liberdade, da fé e do livre latifúndio ocioso. Extinguir essa sem-vergonhice dos vagabundos se sustentarem com R$ 100,00 ao mês, R$ 3,33 ao dia, R$ 1,11 em cada uma das três refeições diárias. O maldito partido dos trabalhadores, que só enche o país de vergonha e inaugurou essa maldita corrupção no Brasil. Por que insistem nessa conversa de povo se ninguém é igual a ninguém? O que eu tenho a ver com os mendigos que pedem esmola do outro lado da rua? Por que pagar impostos? Não fui eu que inventei o mundo e seus defeitos. Quero meu Brasil de volta. Poder passear no shopping tranquilamente. Gastar meu dinheiro obtido com suor e méritos - tive que dar duro na faculdade, mesmo com meus pais me sustentando. OBSERVANDO a pastosa programação da TV. Pensando nas impressionantes manchetes que a imprensa produz com ética, descompromissada com particulares. A miséria não existe, o que se tem é gente vagabunda que não progride.

Thursday, January 22, 2015

rapé - joelho de porco - 1977

agora eu vou cheirar rapé
que esta poeira não está dando pé
vou fazer reclamação,
jornal da tarde faz publicação!

agora eu vou cheirar rapé
que esta poeira não está dando pé
do asfalto pro metrô,
essa poeira louco me deixou...
louco, louco...

(louco, louco, linda...)

respirando poeira
atravesso fronteiras
a poluição... me deixou assim

(aaaaaahhhhhhhhh)

atchim! atchim! atchim!


Monday, January 19, 2015

tarde de verão

CAMINHANDO em pleno janeiro no calor do centro do Rio 2015, relativamente esvaziado na segunda-feira imprensada pelo domingo solar e o feriado de São Sebastião, padroeiro da linda e sofrida cidade.

Na agência da Caixa na esquina de Henrique Valadares com Ubaldino do Amaral os vigilantes com olhos esbugalhados enxergam até o som. A velhinha deixa o terminal eletrônico ao lado de sua neta lindíssima, capitalizando olhares.

O prédio novo da Petrobras, gigante e moderno, mil pessoas trabalhando e me recordo de meus amigos reacionários o dia inteiro nas redes sociais apedrejando o Governo, depois saem para passear na Barra ou no Leblon, preocupadíssimos com o Brazyl.

Debaixo de um calor enorme, o morador de rua procura qualquer coisa de valor dentro da caçamba de lixo atrás do Íbis na Praça Tiradentes. Ninguém liga. Quando um transeunte oferece ajuda, o pobre moço já saiu desesperado à busca de seu inferno particular.

Teatros João Caetano e Carlos Gomes, berços da ribalta nacional.

Fundação Pasqualini, Brizola vive mas a loja está fechada.

Perto dos salões de venda de cabelos na Sete de Setembro, as mulheres tatuadas gritam com seus amigos homossexuais, todos com cabeleiras modernas, para uma simples conversa. Passando uma potencial cliente, lançam o slogan:

- Quer cabelo, colega?

Desça a Sete até a esquina de Gonçalves Dias e vire à esquerda. Antes disso, vinte turistas branquelos riem a valer, mesmo esbaforidos pelo calor, ávidos pela próxima atenção - acabaram de sair da Colombo - duas louras fenomenais. A rua vazia, quase ninguém no Starbuck's.

Direita, a galeria da Ouvidor cheia de stands de moda feminina - as mulheres ficam loucas com todas as peças - a linda bailarina de Realengo gastaria horas experimentando tudo que a deixasse mais bela. Subindo a escada e passando pela sex shop, você encontra o ponto de cds da Raquel com seus pais, coisas que não vai achar nas lojas e nem nas promoções - os colecionadores espiam cada peça. Mexi em discos de jazz enquanto Raquel falava das agruras de se alugar um imóvel quando o proprietário responde pelo trio de algarismos: 171. Comprei Bowie e outros, Dado Villa-Lobos, uma coletânea de filme underground.

A longa travessia da volta, vários momentos de sol a granel, Tiradentes, Visconde, Gomes Freire, as ruas deprimidas - o calor desumaniza os sentimentos sem o Atlântico Sul por perto -, pessoas respeitáveis, o par de chinelos passa pela padaria ao lado da nova Petrobras, com pão fresquinho acabando de sair e mortadela em dia, debaixo do prédio sessentista onde certa vez Henrique fez a produção de um filme enigmático.

Perto do banco, outra velhinha sentada na porta e conversando com o vigia. Alguém ouve "Miss me blind" alto num rádio, que não é o do vendedor de churrasquinhos porque sequer montou a churrasqueira.

O mendigo pacífico e solitário da rua pede esmolas em vão. As pessoas querem o fim da corrupção, não o da miséria, enquanto pensam num futuro melhor comprando porcarias inúteis em Miami.

João, o porteiro de aviso prévio, delicadamente abre a porta do elevador para a subida. Felizmente, tudo vazio.

DEPOIS de um banho relaxante, o escritor paulo deita-se como se tivesse disputado uma maratona de corrida, abre "O capital no século XXI", deixa a televisão ligada feito rádio, conta o dinheiro na carteira, bebe um imenso copo gelado de água, esquece dos remédios, espia os arredores pela janela enquanto seus amigos tricolores reclamam do mundo inteiro e recorda os belos inícios de livros que seus colegas lhe mandaram ultimamente.

Os defensores da pena de morte não falam de seu candidato à presidência. A hipocrisia é fundamental.

No rádio, uma grande canção: "É verão, bom sinal, já é tempo de abrir o coração e sonhar".

@pauloandel

Saturday, January 17, 2015

os sentidos (comer você)

1

see me in sex
and muscles
be my biggest
turns around
let me call a fuck
on your fantasies
let me in you sex
like your love sign

2

beijar você e aproveitar
cada naco de pele santa
o gosto, o pêlo, o beijo
morder você no mar do cais
amassar, corromper, rir
comer você feito quindim
um mar de açúcar e caldo
mil delícias no entorno
beber você, pedir por sede
só para repetir a dose farta
que as tulipas não comportam
transar você em pleno sonho
voo transatlântico da emoção
e a noite rosa transborda
o beijo quente te entorpece,
o corpo rijo te roça, provoca
enquanto somos dúvida nua
mas respiramos toda prática:
fazer do sexo a tua base lunar

@ pauloandel

Thursday, January 15, 2015

carne trêmula

pensei
em ter pecados com você
percorrer tua dorsal
atlântica
o que nunca vivemos além
dos desejos
escondidos
em frias palavras tímidas
incapazes
de explicar o que nos leva
aos céus
e voltar
o tesão em nave espacial
enquanto vemos estrelas
de perto
e teu corpo faz-se líquido
em trêmulo prazer
pensei
em ter você de volta
mas nunca tive! que retorno?
deitado em berço límpido
e teu corpo em pêlo, à pele
um escândalo em letras quentes
cada verso, tua nuca
declamar teu sexo
fazer da tua carne a cobiçada
poesia: lamber-te o ventre
feito fosse um recital -
somos apenas normais

@pauloandel

Saturday, January 10, 2015

chambre avec vue

a tarde, com suas portas abertas
manchada com o sangue inocente
enquanto os homens morrem, morrem
depois de matar e torturar, fuzilar -
não há espaço para Henri Salvador - chambre avec vue
os fascistas querem mais sangue!
vamos fazer moral e cívica!
os jornais querem mais sangue para mancharem as primeiras páginas
enquanto os corações perfeitos falham
sofrem, doem o pior do mundo

os miseráveis do bolso são muito mais dignos do que os mendigos d'alma
enquanto alguém dirá que tudo foi feito em nome de Deus
a tarde ensanguentada
uma linda mulher sem palavras fascinantes nem empolgação

uma linda mulher sem qualquer sentido
a inutilidade dos grandes avanços diante da dor
e o vazio, o vazio
por um jovem estudante assassinado no chão, exangue:
feliz ano novo com racismo, violência
e a generosa estupidez:
juntos, somos o esplendor da miséria humana

juntos, somos o esplendor da miséria humana
enquanto os bancos publicam tranquilamente seus balanços
as grandes corporações preparam suas listas de dispensa
para que a farsa se chame competição:
mãos à cabeça, covardia, assassinato - "a vida é dos mais fortes"

@pauloandel

Wednesday, January 07, 2015

massive attack





Sunday, January 04, 2015

torquato!

"Quando eu recito ou quando eu escrevo uma palavra, um mundo poluído explode comigo e logo os estilhaços desse corpo arrebentado, retalhado em lascas de corte e fogo e morte (como napalm), espalham imprevisíveis significados ao redor de mim. [...] uma palavra é mais que uma palavra, além de uma cilada. Agora não se fala nada e tudo é transparente em cada forma; qualquer palavra é um gesto e em sua orla os pássaros de sempre cantam apenas uma espécie de caos no interior tenebroso da semântica. [...] Escrevo, leio, rasgo, toco fogo e vou ao cinema."

In Os últimos dias de paupéria

Saturday, January 03, 2015

junkie

"Numa tarde de agosto de 1988, cumpri meu ritual dos últimos meses: aulas na UERJ, voltar em casa para o almoço (geralmente bife de fígado com arroz e purê de batatas, feito por minha querida mãe sempre que possível; noutras, pão com manteiga mesmo), banho, descanso e saída para a tradicional reunião das tardes na casa de Fred, que podia ir até quase meia-noite em algumas ocasiões, onde valia desde carteado a audições de discos ou discussões sobre nada importante. 

Do meu prédio até a casa do amigo, um percurso que não chegava a cem metros: Bloco É, saída à esquerda na direção Figueiredo Magalhães, Supermercados Leão, a rampa circular e estilosa do shopping, a loteria do Seu Carlos cheia de escudos de times de futebol, a loja de artigos chineses, o armarinho dos pais do Luiz Octávio, a loja de flores que tinha sido dos pais do Peter, dar a volta em frente à pastelaria que tinha sido dos pais do Marcelinho. Três metros, o eterno porteiro Aílton na porta, grande, calvo, com bigodão. Já tinha parado de nos perseguir quando crescemos.

Botão 13. Saia do elevador, vire à esquerda duas vezes. Não olhe para trás, de modo a não ver o infinito corredor que bem poderia ter servido para as gravações do seriado de TV "Agente 86". Campainha do 1346, logo alguém abria a porta, geralmente sem ser o próprio Fred, dono da casa. Era o quartel general da nossa turma.

À mesa, todos reunidos: Ricardinho, Luiz Octávio, Jorge Pinto, Marco Antônio, Gustavo de Caux e o próprio Fred. Abraços fraternos em todos, chego na segunda rodada de mau mau. Coca-cola na mesa, sorrisos, os amigos da juventude. Sete, compre duas cartas. Nove, inverta a ordem e um jogador compra. Pontos e pontos.

Em certo momento, prato, gilete e um sacolé de cocaína. Minha apreensão era sempre visível. Luiz Octávio já quebrava o gelo dizendo que ninguém deveria me passar o pó, porque eu acabava com tudo - na verdade, o jeito dele me proteger. Na verdade, somente ele e Fred no serviço. O resto não era daquilo, na verdade nem eles mesmos, por mais que os olhos esbugalhados e as narinas avermelhadas quisessem falar de uma satisfação momentânea.

Foram muitos bifes de fígado, tardes de risos, discos, pequenas tristezas e sacolés de cocaína. Mas esse detalhe junkie é pequeno diante de uma história que começara dez anos antes daquele 1988, continuaria com idas e vindas pelos vinte anos seguintes, não cerraria as portas nem com a morte de alguns de seus protagonistas e vive até hoje de algum jeito peculiar.

A casa de Fred era nossa universidade de vida, fraternidade, distúrbios e convivência."

Thursday, January 01, 2015

deuses

onde estão os benditos deuses?
que não salvam miseráveis
e não vencem a violência
parecem tão alheios, frios
sob distância regulamentar
a indiferença ruge, pálida
a hipocrisia reina, patética
o mundo e suas voltas de ilusão
onde estão os deuses afora
os caminhos sinuosos e vis
nas crenças do meu coração?

@pauloandel

a janela

do outro lado da janela tem
a luz
a paisagem
o bairro livre
e gente pensando em gente
a janela e sua voz, o sonho
e tempo que não se perde
o adormecido feriado
a humilde carrocinha de sorvete
enquanto vamos sofrendo debaixo
do sol
e pensamos em nossos poetas mortos
as canções que moram longe
do outro lado da janela existe
a simplicidade do fim
mas também há sonhos, cores
e a promessa de qualquer carnaval.

@pauloandel

Monday, December 22, 2014

terra

terra
de homens bons e maus
ganância, egoísmo, fracasso
e melancolia
o mundo por uma ilha
e as marquises dos grandes edifícios
as cirurgias das grandes emergências
terra
sem paz, no caos, em guerra
o inimigo não se compreende direito
mas somos tão vivos
e vivemos nossos dias em contas:
o carnaval, a copa do mundo, as eleições
e agora os tempos de festas
o natal para aquecer os corações ou amaciá-los
o ano novo para se esquecer dos anos que já se escorreram pelo ralo
e dormiremos tranquilos
alguém morre de fome, sede, acidente, câncer, bala perdida
e vamos dizendo amém
dizendo amém
sonhando com acordos impossíveis e a paz dionisíaca
alguém morre de sede enquanto alguém manda um whatsapp
terra
terra
uma economia de bosta, uma feira livre do grande capital
o haiti é perto demais, cuba também
terra
terra

@pauloandel

Tuesday, December 16, 2014

o nosso funk de cada dia

Tuesday, December 09, 2014

call me

If you're feelin' sad and lonely
There's a service I can render
Tell the one who loves you only
I can be so warm and tender

Call me, don't be afraid, you can call me
Maybe it's late but just call me
Tell me and I'll be around