Numa tarde do inverno de 1977, puxado pela mão de meu pai, num momento muito difícil da vida da minha família, eu carregava um pacote de figurinhas de um álbum chamado "Multicolor", de temática diversa: música, cinema, novelas.
Cheguei em casa, triste casa, abri o pacotinho para colar a figurinha. A imagem de um rapaz magro, com o arquétipo judeu do meu próprio pai, Seu Helio, cabelos grandes encaracolados.
Ali conheci Bob Dylan. Eu tinha nove anos de idade e nunca mais me esqueci. Alguns anos depois, aí sim eu entendi exatamente quem era e o que significava.
Assim como o Fluminense, meus pais, meus amigos e outros valores pessoais, Bob Dylan tem sido presença constante na minha vida e até mesmo na minha lida como escritor. Quem teve a oportunidade de ler meu primeiro livro, "Do inferno ao céu", depara-se em suas últimas páginas com uma crônica intitulada "A linha do céu de Barueri", uma singela homenagem referencial a "Nashville Skyline", um dos grandes álbuns do gênio, dentre inúmeras outras.
Acaba de sair no Brasil "Shadows in the Night", seu mais novo CD. Um desafio daqueles: trata-se de um álbum com algumas das mais emblemáticas canções outrora gravadas por ninguém menos do que Frank Sinatra. Leve-se em conta que qualquer coisa gravada por Bob Dylan vira sua composição no ato, num estilo único. Ele toma as canções e imprime sua marca incomparável.
"Shadows" emociona e faz chorar. É leve e triste. O trabalho de quem já viveu muito, talvez pense numa despedida e volte aos tempos da juventude atras de suas referências, suas admirações. Porém, em se tratando de um artista que encanta o mundo há mais de meio século e não para de tocar com sua Neverending Tour, é difícil acreditar que Dylan pense no fim mesmo.
Para quem mandou uma banana aos puristas, trocando o violão pela guitarra elétrica em meio aos efervescentes anos 60, desafiar definições e paradigmas trata-se apenas do óbvio.
O CD termina com "That lucky old sun". Faz todo sentido.
Em tempo: Bob Dylan é, sem dúvidas, o maior artista estadunidense vivo.
Imperdível.
@pauloandel
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