Perto das nove da noite, Copacabana fervilhava por volta de 1982. No entanto, a areia da praia ficava quase toda livre por um motivo curioso: não havia luz na orla. As pessoas praticavam os esportes até quando era possível enxergar alguma coisa.
Geralmente saíamos da casa do Fred, na Figueiredo Magalhães. Eu, Fred, às vezes o Ricardinho. Noutras, o Marco Antônio. Ou qualquer amigo de bobeira disposto a chutar bolas imperdíveis ou fazer gols na famosa trave do Juventus, time orgulho do bairro e do futebol de praia. Se conseguisse o quarteto, o ideal era jogar dupla de praia com dois goleiros. Se não desse, a solução era individual: cada um dava cinco chutes a gol e se preparava para defender outros cinco.
Como já disse, a praia estava deserta às nove da noite. A gente gostava daquilo, um futebol solitário, a trave, o mar, o murmúrio das águas do Atlântico Sul. O Fred gostava mais de ser goleiro, eu preferia chutar em gol. Então embarcávamos no campo dos sonhos, tentando imitar os craques que jogavam naquele tempo. Um chute de efeito era do Éder ou do Nelinho, peritos no assunto. Uma cabeçada de zagueirão? Edinho. Uma arrancada pela esquerda: Júnior ou Pedrinho. Aliás, Júnior foi nosso vizinho a vida toda, também craque do Juventus e não saía da Figueiredo, além de ter uma loja de artigos esportivos na Siqueira Campos.
Goleiros eram Raul, Paulo Victor, Leão. O Fred gostava do Birken Meyer, que jogava no Cosmos (!) de Nova York.
Uma bola na trave, na forquilha. Outra triscando. A gente imitava a torcida no Maracanã: "UHHHHHHHHH".
Às vezes aparecia um ou outro garoto perdido querendo jogar a de fora. Não chegava a ser raro, mas o horário não ajudava muito.
Dez da noite. Batia a escuridão. De longe a fina linha retangular sugeria o que realmente era. Tentávamos acertar o gol. Fred era pesado e grande, mas voava e espalhava. Ricardinho também. O Marco era bom mas era baixinho, então buscar o ângulo era uma alternativa. Fui um goleiro razoável no máximo. Fiz o que pude.
Em certo momento a gente desistia. O breu tomava tudo. Luzes, só nos faróis que cruzavam a avenida Atlântica a passeio ou em busca de emoções diferentes na orla mais famosa do mundo. A gente se olhava, mal falava e estava tudo entendido: vamos voltar outro dia. Pegávamos os chinelos e tchau. Ah, claro, e a nossa bola de 27 gomos, pois alguns já tinham caído.
Hora de voltar para casa. Onze da noite, mais de duas horas de futebol no escuro. A gente descia boa parte da Figueiredo Magalhães. Geralmente eu carregava a bola, mas ela não era minha. Embaixo do condomínio Camões, a galera do Juventus se espremia num boteco. Duas quadras depois, o Marco Antônio virava à esquerda pela Barata Ribeiro. Eu e Fred íamos até o Shopping dos Antiquários, onde estávamos em casa. O Ricardinho andava mais um pouco, cruzando o Bairro Peixoto. Fizemos isso algumas dezenas de vezes juntos e fomos felizes. Afinal, para garotos de treze e catorze anos, o futebol é o mundo e mais: ainda tínhamos um futuro imenso pela frente - a Copa da Espanha, o Torneio dos Campeões, o Campeonato Carioca, era muita coisa: Edinho, Cláudio Adão, Junior, Adílio, Zico, Tita, Luisinho, Moreno, Leandro...
A bola. A bola. O inesquecível silêncio na beira do Atlântico Sul, o céu de duas mil estrelas, a Copacabana dos anos 1980. Nosso Maracanã era de areia.
Onde estão meus amigos?
@p.r.andel
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