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Tuesday, February 11, 2025

Pequenas pílulas

PIZZA

Depressão dá livros, filmes e vidas. São inúmeros exemplos. Um deles: você está com fome, precisa comer mas fica paralisado e não consegue agir. Está revisando um livro atrasado, fica congelado e não consegue agir. Não é que esteja distraído com a TV ou a internet: na verdade você está no berço esplêndido de sua tristeza e desesperança. Quando se dá conta, passaram horas e horas. Você está preocupado porque sua amiga preferida vai extrair um dente e fica paralisado esperando alguma notícia. Então escurece, a tua cabeça começa a doer de fome e aí você precisa fazer alguma coisa de vez. 

CALOR FDP

Quem pode ficar tranquilo e paciente nesse inferno de 50 graus com vento quente de ventilador? Quem? 

Por que não comprei um aparelho de ar condicionado anos atrás. Por quê? Não sei. Deveria ter comprado. Não comprei. Me fudi. Tudo bem. 

Calor é bom para criança, gente de férias e rica, que pode driblar as armadilhas do inferno carioca. O proletariado carioca, não: ele só se fode. Estagiários se enforcando com as gravatas, soldados molhados nas fardas, vendedores pingando nos uniformes.

Tomara que não exista outro inferno além do Rio. Imagine a temperatura do caldeirão. Se já é difícil a 50 graus, imagine a 5.000.

PRIIMMMM

Toca o interfone. Eu odeio interfone mas preciso dele. Atendo depois de uma caminhada manca. Chegou a comida.

Vou até o elevador e pego a cestinha. Uma deliciosa pizza, com bastante tomate para irritar o mala do Catalano, caso estivesse aqui. Já comemos muitas no passado. Agora é tarde. Faço meu lanche durante a live, ninguém percebe. A depressão não passa; a fome, sim. Pedi um refrigerante de dois litros, pouco. 

O Fluminense não me dá paz.

Na TV, o entrevistado explica que o PCC tem uma espécie de BNDES para fomentar a indústria do crime. Você pode pegar capital para investir no crime, não é maravilhoso? Então eu, camelot, prestador de serviços literários, cronicamente pobre, não tenho um mísero puto num banco - sem contar os ditos amigos FDPs que têm e te negam com desculpas ridículas -, pois meu negócio é vender música e livros, mas se eu for um assassino, estuprador ou traficante o meu agenciamento bancário está garantido. 

Alguém ainda quer falar de democracia e meritocracia nessa merda comigo? 

Será que encaixo em alguma linha de crédito light para crimes de baixos teores? 

GLUB

A pizza estava uma delícia. Fiquei tão contente que me lembrei de uma pizza brotinho que comi com meu pai nas Lojas Americanas de Copacabana, bem em frente ao Metro - com seu ar refrigerado siberiano - e perto da Casa Sloper. Era de mussarela, deliciosa demais. Parecida, só tem em dois lugares: no Chuá da Sete de Setembro e no Coliseu das Massas.

Cinquenta anos depois, não há Lojas Brasileiras, Metro, Casa Sloper, pizza brotinho e pai. Só sobrou eu, o que é quase nada. Tudo bem. 

Quando fiz o pedido no Ifood, vinha uma Pepsi de dois litros. A loja perguntou se podia trocar por Sukita de Uva, aceitei. No elevador, recebi uma Fanta Laranja. Tudo bem. 

A depressão não para nunca, mas é possível ter alguns momentos divertidos.

@p.r.andel



Sunday, February 09, 2025

Parênteses

(vai começar a semana) (vamos falar baixinho para não acordar ninguém) (algumas pessoas conseguirão grandes êxitos) (a maioria lancinante continuará na miséria) (o mundo é feito para a minoria) (a maioria é um grande exército de cachorros espiando o frango girar na assadeira bem na porta da padaria) (vai começar a semana) (vamos falar baixinho para não acordar ninguém) (quem serão as novas vítimas das balas perdidas?) (manchetes populares das mesmas notícias com novos atores) (quem pode dá uma esmolinha ou diz que  fica triste) (mas não move um dedo para mudar nada) (o carnaval já bomba a todo vapor e o resto que se dane) (e daí que algum amigo seu vai se matar?) (você não criou o mundo, não é verdade?) (os personagens mudam mas os roteiros são os mesmos) (e falamos de democracia no meio de tanta fome, miséria e descaso) (daqui a pouquinho centenas de milhares de pessoas humilhadas pela opressão econômica vão pular de suas camas, pedir a Deus, pular na Supervia ou no BRT) (rapaz, são quase duas da manhã) (eu queria estar no meu bar, sozinho de verdade, com meu chope gelado aliviando toda a minha mágoa) (o máximo que dá para fazer é escrever no smartphone) (as pessoas mortas nunca mais vão voltar) (e várias vivas estão moralmente mortas) (já vai começar a semana, não há escolta) (e a opressão é uma arma apontada para o próprio peito) (quem não sente dor nem liga) (vai começar a semana) (vamos falar baixinho para não acordar ninguém) (boa sorte a quase todos) (que o mundo doa menos pra tanta gente que merece muito, mas muito obrigado) (fiquem em paz).

Saturday, February 08, 2025

Boemia duranga

E a gente voltando a pé do Leblon até Copacabana de madrugada, enquanto passavam vários ônibus lotados porque as pessoas curtiam na Zona Sul, se divertiam por lá.

Às vezes queríamos ver as últimas gatonas da noite na Visconde de Pirajá, que naturalmente nem ligavam para nós. Na maioria dos casos, íamos pela orla. Era bom. A praia à noite tem um silêncio próprio. Descíamos até o Jazzmania e depois tomávamos o caminho de Copacabana. Ipanema e Leblon eram sempre mais desertas, bem vazias na madrugada - contrastando com os domingos. Copacabana, não: sempre tinha gente ou no calçadão ou até na areia, mas também tinha uma tranquilidade, um silêncio menor. 

Quando passávamos por estes lugares, nem sabíamos que eles foram desbravados pelos gigantes da arte brasileira: atores, diretores, músicos, poetas e artistas plásticos. Quanta gente boa do Brasil já tinha feito tantas vezes o mesmo caminho notívago a pé? Muita. Só queríamos nos divertir um pouco. Do Posto Seis até a Figueiredo Magalhães ainda havia dois quilômetros e muita contemplação do Atlântico Sul. Quando sobrava algum dinheiro, ainda rolava um lanche no Gordon, que ficava aberto por toda a madrugada. 

Chegava em casa na ponta dos pés: o apartamento era pequenininho, qualquer barulho na cozinha acordaria meus pais. Direto para um banho silencioso e veloz, cama. Como não havia WhatsApp, nossa resenha era só no dia seguinte, talvez na praia, no Maracanã ou em algum encontro na tarde de domingo. 

II

No Leblon ficava o pessoal de grana. Era tudo mais caro. Em Ipanema, quase isso. Às vezes a gente parava perto do Chaplin, quase na esquina da Farme de Amoedo, e ficava ali na calçada, conversando. Ainda éramos garotos, 17, 16 anos. Do outro lado da rua ficava o McDonald's abarrotado de gente. Tudo isso acabou. 

No Baixo Gávea ficava a turma do rock, mais especialmente os fãs de metal. Todo mundo de preto. Lembro de um rapaz que, dizem, tinha feito até cirurgias para ficar idêntico a Bruce Dickinson, o cantor do Iron Maiden, e realmente ele era muito parecido: todo mundo olhava quando passava. Mas o BG não era nos fins de semana e isso nos afastava, porque tinha escola e tal. Emprego era muito difícil, mas a gente tentava: nunca tinha vagas. 

III

No fim das contas, eu acho que o nosso grande barato era a volta perto do bar. A gente gostava muito daquilo: do silêncio, do ir e vir lento das ondas. Foram dezenas de vezes. 

Faltou falar das bandas. Culture Club. Smiths. Duran Duran. Ah, sim, Supertramp.

(Continua).

Wednesday, February 05, 2025

Saudade do jogo

Daqui a pouco vai ter Vasco e Fluminense. Longe, muito longe do Maracanã, desta vez em Brasília. 

Eu era uma criança quando descobri que o time adversário tinha uma camisa diferente, com uma faixa. Meu pai me puxava pela mão e eu vivia o campo dos sonhos. Nenhuma criança de hoje vai entender o que era estar na arquibancada com mais de cem mil pessoas, em partidas memoráveis e cheias de craques, com um mar de bandeiras e sons. 

A gente ficava procurando a felicidade a cada domingo no Maracanã. Tudo passou numa velocidade extraordinária. Os meus craques da infância agora são senhores de idade, avôs, bisavôs, e outros foram embora antes da hora 

Neste momento o Fluminense vive uma fase de doer, fruto de sua gestão estapafúrdia. O Vasco, rival centenário, paga o preço de suas gestões anteriores. Neste século, os dois clubes decidiram um único título. Os tempos são outros. Há pouco mais de 50 anos, o Vasco era campeão do Brasil e o Fluminense começava a montar a espetacular Máquina Tricolor. Há pouco mais de 40 anos, decidiam o Campeonato Brasileiro. E agora? 

Nesta quarta o Vasco é favorito. Certamente chegará às semifinais do Estadual. O Fluminense tem sua camisa centenária e sua vocação de mosca na sopa - feito para incomodar. E nos clássicos, não é incomum que o time em pior fase vença o jogo. Mas é pouco: o Tricolor está longe dos momentos gloriosos. Que hoje dê um passo para sua recuperação. 

Agora, se pelo menos por alguns instantes o clássico fosse faiscante como em 1976, 1981 ou 1989, os garotos de hoje iam entender o tamanho desse confronto. É um jogo de muita história.

Tarde com Judas

A tarde calorenta para danar, mas uma compensação: passa Judas Priest na TV, um show de 15 anos atrás mais ou menos.

Inevitavelmente, lembro de meu saudoso amigo Fred e todas as aventuras em que a gente se metia para conseguir discos ou mesmo gravar uma fita cassete com sons que gostávamos de ouvir. 

O Judas Priest sempre foi uma potência. É uma das maiores bandas de todos os tempos e um dos gigantes do heavy metal. Engraçado, quando a gente era garoto eu lembro certa vez: estávamos numa loja onde o Fred foi comprar calça jeans na Figueiredo Magalhães e o vendedor era um cara ligado em rock, então começamos a bater papo, a falar de bandas e daqui a pouco ele começou a falar das bichas do rock, efetivamente de Lou Reed e do próprio Rob Halford. 

Estou falando de 42 anos atrás, ou seja, nunca foi segredo para ninguém que o Rob Halford era gay. E daí? Ele é um dos maiores cantores de rock and roll da história, um dos maiores ícones do metal, o Judas mantém a mesma integridade profissional e respeito artístico que tinha no começo da sua carreira de quase 50 anos. Mas então percebemos que os assuntos já estavam por aí atormentando a cabeça das pessoas…

O que rolava mais na casa do Fred eram as bandas de metal e rock and roll, né? Iron Maiden, o próprio Judas Priest, Kiss, Metallica, enfim, depois rolou uma era mais pop que o Fred descobriu, comandada pelo Level 42 porque adorava o baixista da banda, Mark King, que é um senhor músico também, um verdadeiro monstro tocando contrabaixo. 

Passamos tardes muito divertidas nos anos 1980. A casa era simples a gente ia para lá, se reunia porque era o único lugar que tínhamos livres, porque o Fred era o único de todos nós que tinha os pais separados e a mãe trabalhando fora de casa quase o dia todo, então o apartamento era nosso para fazer a festa, mas não tinha essa moleza de hoje, como ligar o canal fechado e assistir a exibição de uma banda. Tudo era muito mais difícil, não apareciam os shows ao vivo de rock na televisão. 

Eu me lembro que até o primeiro super grande show que foi transmitido. Acho que já no finalzinho dos anos 1980 pela Bandeirantes a Band né? Quando os Rolling Stones começaram a turnê Steel Wheels, que era uma uma espécie de retomada da banda. Ao mesmo tempo, um momento em que eles começaram a usar os palcos colossais, que duram até hoje. Tinha a participação de John Lee Hooker na abertura, o Guns n' Roses. Claro aí depois com o tempo as TVs acabaram apresentando shows e festivais, mas aí é outra coisa.

Agora o tempo é outro. Já não há mais tantas grandes bandas de rock and roll por aí em plena atividade, a maioria já é de pessoas mais idosas. O final inevitável está chegando, paciência. Há pouco anunciaram que julho terá as despedidas oficiais de Black Sabbath e Ozzy Osbourne. O tempo é Implacável, os caras fizeram meio século de coisas maravilhosas, mas um dia chega a hora, vai chegar para todos.

Para nossa sorte, a nossa geração de cinquentões teve a possibilidade de ver vários dos seus ídolos por muito tempo.

Opa, peraí que agora Paul Stanley está cantando. 

Sonho

Não dormi tão bem assim porque ainda nem são seis da manhã. Mas dormi até bem, antes da meia noite. Nestes tempos modernos é um achado.

Curioso é que sonhei. E raramente eu lembro dos sonhos. Desta vez eu lembrei de tudo. Engraçado. Pareciam pequenas esquetes. Em algum lugar grande, com reuniões de grandes públicos, eu estive em três momentos com três pessoas que já não fazem parte da minha vida, mas que fizeram durante algum tempo, especialmente quando me achavam útil para alguma coisa. Nenhum problema ou mágoa: tudo deve passar e a gente sabe que num longo caminho como o da vida, poucos vão continuar ao teu lado.

Mesmo assim, achei curioso. No sonho, as três pessoas repetiam exatamente os mesmos comportamentos que me levaram a deixá-las de lado. Os mesmos. Aquela coisa da indiferença blasé, da desumanidade disfarçada de pragmatismo, do desprezo elegante pela "falta de tempo", hoje em dia uma das melhores desculpas quando temos um e-mail ou um Whatsapp chegando em segundos. Em 2025, a pessoa só não tem tempo para quem efetivamente não quer. É mais simples do que parece. 

Vale para mim também, mas procuro ser o mais honesto possível: não acredito em amizade sem reciprocidade. Amizade não se resume a cumprimentos e eventuais convescotes de botequim. É mais do que isso. Bem mais. Pobre de quem nunca aprendeu esta simples mas definitiva lição.

@p.r.andel