PIZZA
Depressão dá livros, filmes e vidas. São inúmeros exemplos. Um deles: você está com fome, precisa comer mas fica paralisado e não consegue agir. Está revisando um livro atrasado, fica congelado e não consegue agir. Não é que esteja distraído com a TV ou a internet: na verdade você está no berço esplêndido de sua tristeza e desesperança. Quando se dá conta, passaram horas e horas. Você está preocupado porque sua amiga preferida vai extrair um dente e fica paralisado esperando alguma notícia. Então escurece, a tua cabeça começa a doer de fome e aí você precisa fazer alguma coisa de vez.
CALOR FDP
Quem pode ficar tranquilo e paciente nesse inferno de 50 graus com vento quente de ventilador? Quem?
Por que não comprei um aparelho de ar condicionado anos atrás. Por quê? Não sei. Deveria ter comprado. Não comprei. Me fudi. Tudo bem.
Calor é bom para criança, gente de férias e rica, que pode driblar as armadilhas do inferno carioca. O proletariado carioca, não: ele só se fode. Estagiários se enforcando com as gravatas, soldados molhados nas fardas, vendedores pingando nos uniformes.
Tomara que não exista outro inferno além do Rio. Imagine a temperatura do caldeirão. Se já é difícil a 50 graus, imagine a 5.000.
PRIIMMMM
Toca o interfone. Eu odeio interfone mas preciso dele. Atendo depois de uma caminhada manca. Chegou a comida.
Vou até o elevador e pego a cestinha. Uma deliciosa pizza, com bastante tomate para irritar o mala do Catalano, caso estivesse aqui. Já comemos muitas no passado. Agora é tarde. Faço meu lanche durante a live, ninguém percebe. A depressão não passa; a fome, sim. Pedi um refrigerante de dois litros, pouco.
O Fluminense não me dá paz.
Na TV, o entrevistado explica que o PCC tem uma espécie de BNDES para fomentar a indústria do crime. Você pode pegar capital para investir no crime, não é maravilhoso? Então eu, camelot, prestador de serviços literários, cronicamente pobre, não tenho um mísero puto num banco - sem contar os ditos amigos FDPs que têm e te negam com desculpas ridículas -, pois meu negócio é vender música e livros, mas se eu for um assassino, estuprador ou traficante o meu agenciamento bancário está garantido.
Alguém ainda quer falar de democracia e meritocracia nessa merda comigo?
Será que encaixo em alguma linha de crédito light para crimes de baixos teores?
GLUB
A pizza estava uma delícia. Fiquei tão contente que me lembrei de uma pizza brotinho que comi com meu pai nas Lojas Americanas de Copacabana, bem em frente ao Metro - com seu ar refrigerado siberiano - e perto da Casa Sloper. Era de mussarela, deliciosa demais. Parecida, só tem em dois lugares: no Chuá da Sete de Setembro e no Coliseu das Massas.
Cinquenta anos depois, não há Lojas Brasileiras, Metro, Casa Sloper, pizza brotinho e pai. Só sobrou eu, o que é quase nada. Tudo bem.
Quando fiz o pedido no Ifood, vinha uma Pepsi de dois litros. A loja perguntou se podia trocar por Sukita de Uva, aceitei. No elevador, recebi uma Fanta Laranja. Tudo bem.
A depressão não para nunca, mas é possível ter alguns momentos divertidos.
@p.r.andel