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Wednesday, January 03, 2024

Três de janeiro

Há exatos dezessete anos eu trocava minhas últimas palavras com minha mãe. Trouxe um sanduíche de frango para ela. Não estava bem, nada bem, mas eu nunca imaginei que ela fosse morrer naquela noite. Então ela lanchou, dormiu, eu dormi também e à uma da manhã meu pai me acordou dizendo que ela tinha parado de respirar. Aconteceu. 

A vida é passageira, todos vão passar. O que achei profundamente injusto é que, depois de tantos anos de dificuldades, estávamos num momento razoável. Ela tinha 61 anos, jovem demais para os padrões atuais. E por mais que todo filho deva estar preparado para isso, a verdade é que nunca está.

Num curtíssimo período de tempo, morreram meus pais, meu irmão foi embora, morreram também Fred e Xuru. Todo o meu apoio. Eu nunca mais me recuperei disso e desde então venho pagando uma espécie de pena particular, que parece perpétua. Foi a partir destas perdas que me tornei um escritor, não por vaidade mas por necessidade de ocupar minha cabeça, trabalhar, trabalhar, trabalhar. Minha derrota não me impediu de publicar coisas bonitas, importantes e até brilhantes, mas o motivo de tantas páginas sempre foi o de tentar aliviar uma dor que simplesmente não tem alívio. 

Desde então, tive vários momentos felizes, construí coisas, juntei pessoas e me separei delas. São dezessete anos, mas parece que foi anteontem. É o mesmo dia com algum sol, o mesmo começo do ano e, em alguns janeiros, o mesmo passarinho piando na janela como se quisesse deixar algum sinal.

Pelo menos tive minha mãe, por trinta e poucos anos, nos bons e maus momentos. Especialmente entre os meus dez e dezesseis anos, tivemos uma convivência divertidíssima.

Ela sempre me ajudou, me incentivou e foi uma pessoa espetacular, daquelas que pega a pessoa em situação de rua e leva para casa pra ajudar. 

Está acabando o dia, o sol parece tímido. Três de janeiro é dia de pessoas muito importantes: Sergio Leone, Washington do Casal 20, Luiz Carlos Prestes. E é o dia que minha mãe disse adeus.

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