Começa a semana e o Rio tem o cheiro das ruas tristes, da morte estúpida e da indiferença.
Como se não bastasse a miséria e a extensiva violência, hoje os fluminenses começam a semana sem terem dormido. Casas alagadas, pessoas arrastadas e desaparecidas, água batendo no teto, tragédia.
Não é de hoje. Eu fui voluntário e trabalhei por dez dias seguidos na grande enchente de 1988, quando o Rio parou. Bem antes, em 1966, a tragédia foi ainda maior. A gente se lembra dos anos por causa do caos. A cidade do Rio, a Região Metropolitana do Rio, o Estado inteiro.
É emblemático que uma das vítimas tenha desaparecido no Chapadão, que é um exemplo real do abandono do Rio. Nesta região só existem notícias de morte. O Estado simplesmente não chega lá. E para quem acha que é exagero, basta dizer que se trata de uma região onde não é incomum ver carros carbonizados com esqueletos nos bancos, enquanto homens, mulheres e crianças diariamente lutam para sobreviver.
Muitas coisas podem e devem ser ditas. Mas tudo será menor do que a incompetência, o descaso e até o deboche do Poder Público. Mais uma vez: isso não é de hoje. Trata-se de um longo processo de descaso, onde grande parte da população só é vista como gado lucrativo, refém de traficantes e milicianos, relembrada a cada dois anos apenas para as novas eleições, visando a construção de um país democrático que, sejamos francos, só existe nos nossos sonhos - e quem quiser discutir a verdadeira democracia do Rio tem várias opções de reflexão: Chapadão, Alemão, Adeus, Juramento, Grande Tijuca, Antares, Terreirão...
Por fim, há um lindo sol lá fora que não disfarça a tragédia de um país destroçado pela mentalidade individual, pelo "cada um por si, Deus por todos" e por um dos mais abomináveis ditados: "farinha pouca, meu pirão primeiro". As cidades partidas, onde minorias vivem em seus condados e a maioria vive uma desgraça incessante. Não é de hoje, apenas consegue ser pior do que antes. A cada janeiro o sol continuará a brilhar, mas debaixo dele é difícil esconder as lágrimas de tanta humilhação e desprezo.
@pauloandel
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