Translate

Sunday, March 19, 2023

para o verão que morre

Dois terços de março escorreram num estalar de dedos e pimba: acabou o verão.

Eu gostava mais quando era garoto, entre meus 11 e 17 anos. Não que fosse fácil, porque não era: sofria muito em casa. Porém, quando você mora perto da praia, ela se incorpora à sua vida. Jogar bola, ver a beleza das meninas, o desenho do Atlântico Sul em Copacabana, sentir o enorme silêncio de manhãzinha, a neblina da ganja à noite perto do mar. Dando sorte, você até conversava com ídolos, como me aconteceu certa vez: eu e Xuru saímos da água com nossas pranchas de isopor, quando Orlando Fantoni e Paulo Amaral puxaram papo conosco e nos pagaram picolés de côco. Imagine, eu molequinho e um campeão mundial conversando comigo. 

Minha praia cerrou as portas de vez em 1989. Às vezes eu corria às seis da manhã, voltava em casa para tomar banho e saía correndo, porque o 434 não esperava. Chegava na UERJ elétrico, enquanto o pessoal ainda estava sonado. Uma contusão no tornozelo encerrou minha carreira de atleta, e as aulas cedo mais os estágios resumiram minha Copacabana a um dormitório. O golpe final foi o despejo anos depois, que arrasou toda a minha família. Não é fácil ser humilhado pela pobreza. 

Desde então, lá se foram trinta verões. Eu voltei à praia muitas vezes, à noite, pelo futebol ou para caminhar, fazer algum exercício, namorar. O problema é que a relação de vizinhança se espatifou. Você descia e estava no calçadão em dez minutos a pé, encontrava os amigos. Agora, não. 

O verão era uma promessa. Grandes shows, bares, o amor, roupas leves, sem maiores preocupações. Aí você estuda, começa a trabalhar, passa trinta anos numa baia sem janelas, perde trinta verões e, aos 50, uma mulher hipócrita finge chorar ao te entregar a carta de aviso prévio - tchau. No Brasil dos últimos anos foram milhões, o que fez o Rio sentir o golpe literalmente: a cidade está esvaziada, decadente e triste, cheia de lojas fechadas pelos bairros, com muita gente chorando de fome e sede nas ruas. E então o verão tem a missão de espalhar alegria e encobrir melancolia. O samba, os blocos, o Carnaval, o começo da temporada do futebol, tudo isso serve feito uma deliciosa cachaça para nos entorpecer, até voltarmos aos melhores anos de nossas vidas. 

Bate a realidade. O Carnaval passou, os blocos se despediram, o Campeonato Carioca vai terminando e, com exceção dos sofridos engravatados, a turma começa a sentir que o outono se avizinha. As folhas irão ao chão, a chuva deve aumentar. As águas de março, Tom e Elis. O verão tem uma felicidade gratuita que a sobriedade do outono trata de tirar do caminho. 

Ah, verão: queria ser teu adolescente outra vez. Pobre, choroso, mas com vários momentos desse pequeno bálsamo chamado felicidade. 

No comments: