Meu amigo Bolinha já esteve comigo em tantos lugares que, desta vez, nem parecia algo inédito. Foram bares, bares, bares, hall da faculdade, viagens, jogos, locais proibidos pela moral e pelos bons costumes, cemitérios, camelódromos, buracos variados. Agora, definitivamente o tempo passou: combinamos de ir juntos ao cardiologista. Cogitei até um adiamento; afinal tinha o sensacional jogo da seleção...quem? Uma gatinha do meu trabalho me disse que o médico era mais importante do que futebol. Não concordei, mas achei melhor ir. Estranhos os caminhos do ser humano.
Não gosto de médicos. Melhor dizendo, não gosto de certa frieza que contamina a classe médica no atendimento ao próximo. Talvez seja algum trauma de tanto ter acompanhado minha mãe a clínicas. Ou meu pai, que passou um ano internado. Ou o Xuru. Ou o Fred. Não gosto. Ironicamente, comecei minha vida profissional em um hospital: o garboso Philippe Pinel, em Botafogo. Já se foram quase vinte anos. O tempo passou.
Simpática a moça do eletrocardiograma. Tinha algo de kraftwerkiano naquilo. Não posso morrer agora: tenho que pagar dívidas, escrever livros, amar uma mulher linda e voltar a ver o Fluminense campeão do mundo. Hoje é dia vinte e cinco de junho, uma data sempre especial, inesquecível e, até bem pouco tempo, cercada somente de alegria: aniversário de uma das mulheres mais bonitas, charmosas e simpáticas que conheci na Terra, Luciene Magnani. E claro, o dia marcado pela maior conquista da história Tricolor no Maracanã, maior até do que o campeonato mundial de 1952 ou o bi de Assis: o título do Centenário, com o gol de Renato. Não morrerei. Estatística serve para isso: ler gráficos. Há estabilidade no eletro. Ufa.
Simpático o Doutor Mário. Parece com alguém que conheço, mas não lembro. Parece jovem para um médico que cuida da mãe do Bola. O primeiro cardiologista que faço rir. Achou engraçado que Bola tivesse marcado minha consulta. Expliquei: somos amigos há vinte anos; não gostamos de médico; não formamos um casal gay; gostamos de mulher, inclusive feia (Bola, muito mais do que eu); achamos bom que dois gordos fossem se consultar seguidamente – isso poderia aplacar a ira do doutor para com os de peso. Ele riu. Passou os exames chatos de sempre. Pulso normal, coração normal, um remedinho. Meu IMC nem está ruim como se poderia imaginar. Raras vezes me senti tão bem em um ambiente tão hostil. Bola também foi bem. O tempo passou.
Há muito não navegávamos pelos bares do Méier, onde não se bobéier. Tem algo ali de Alexandre Machado. Tem algo da Magnani. Algo de Sonia Chrystina. E, claro, do inusitado Alvaro Doria. Algo de Copacabana na Dias da Cruz, da avenida Copacabana entre Figueiredo de Magalhães e Siqueira Campos, para os que me entendem. Fomos felizes. É bom não estar à beira da morte numa consulta hospitalar.
Cabia uma comemoração.
Somos gordos sem-vergonha, irrereventes e suficientemente desajustados para entrar no rodízio de pizzas da Parmê, minutos após termos sido absolvidos pelo Doutor Mário. Poderíamos ter sido salvos se prevalecesse a pão-durice do Bola, reclamando do preço abusivo para se comer trinta fatias de pizza e beber hectolitros de refrigerante de cola. Rapidamente, o empurrei para dentro do restaurante.
Nossa vida tem sempre algo engraçado.
Antes das fatias, rápida passada pelos cedês das Americanas, no shopping. Não resisti a um Led Zeppelin, mesmo com “Stairway to heaven”. Dez pratas. Bola é meu amigo, mas é pão-duro; Seal estava de grátis, ele pegou... mas refutou. Tio Patinhas! A garota no caixa era uma morena bela; quando tentei pagar, ela falava ao telefone e parecia delicadamente sexy; enquanto isso, Bola se abaixava para pegar um DVD de Michael Jackson que estava no chão e que, involuntariamente, havia pisado em cima:
- Que é isso, mano, quer pisar no Michael?
- Pó, cara, ele tá caidinho.
Risos tolos, feito os dos tempos da faculdade. Nem sabíamos do que acontecia do outro lado da América.
Parmê. Uma morena jovem, linda, fofinha e grávida. Uma turma de adolescentes em festa. Gritos, risos, gente. E falamos da vida, do amor, do passado, de como foi bom rever Dino no Orkut. Nem tudo florido: também dizer sobre os que considerávamos amigos, que se afastaram.
Foi divertido. Bom viver os pequenos prazeres da vida. E descobri algo inédito: ir ao médico com um grande amigo pode ser menos incomodativo. Coisas boas acabam cedo. Hora de voltar para casa. Ouvir Jimmy Page. Pensar no dia seguinte.
Veio um 239, o motorista não parou. Eu estava no ponto errado, de forma que o considero absolvido. Mas esperei outro vir. Cinco minutos, chegou. Vazio. Antes disso, falei com um rapaz que estudou Direito comigo, Guilherme. Coisa rápida, um olá, um abraço. O fiscal libera, o coletivo parte rumo à Marechal Rondon, zona de tensão da vida carioca. E tocou o telefone. Eu queria que fosse a Tati, ou saber notícias do Leo, ou alguma palhaçada do Zé. Era o Bolinha, em tom assustado e impactado:
- Cara, Michael Jackson morreu!
Levei um soco.
II)
Mais à tarde, Leo passou lá em casa. Cansado do trabalho, do desgaste. E triste.
Leo tem pouco mais de vinte anos.
Milhões de jovens têm pouco mais de vinte anos. Não viram “Thriller” no auge, mas acusaram o golpe do mesmo jeito.
III)
Talvez a melhor síntese que se possa fazer a respeito de Michael Jackson seja, de alguma forma, na constatação de milhões de pessoas que estão muito tristes em todo o mundo hoje – num mundo cada vez mais marcado pelo individualismo, a manifestação de luto em todo o planeta é um sinal da importância de Michael Jackson. Preto ou branco, no auge ou no recolhimento, o que Michael deixa é a impressão de que havia um gênio com muito mais coisas ainda a mostrar. Não alinho com os que lhe impingiam a condição de pedófilo – sua trajetória de ações filantrópicas é gigantesca e multimilionária, em total desacordo com as acusações. Com erros e acertos, excentricidades e um talento inigualável, alinha-se com outros gênios desaparecidos precocemente: John Lennon, Jimi Hendrix, Jim Morrison, Kurt Cobain, Renato Russo, Cazuza. Uma perda lastimável, injusta e muito antes do razoável.
O tom da voz do Bolinha no telefone me comoveu.
Não tenho crença, mas aquela situação do DVD no chão me comoveu.
Lembrar da minha mãe dizendo que adorava aquele neguinho me comoveu.
Lembrar de “Rock with you” me comoveu.
Chegar no trabalho hoje e ver as pessoas chateadas com o fato me comoveu.
O tempo passou. Hoje é vinte e seis. Meu desaniversário. Estou triste por hoje. A ponto de não escrever o suficiente sobre o rei do pop. Até mesmo porque não há palavras suficientes para descrevê-lo.
Quem viu, viu. E sabe do que estou falando.
17 comments:
Sou dois anos mais velha do q o Léo... tb não vi isso tudo.
Não parei para ver "Thriller" no dia do lançamento.
Mas parei, inúmeras vezes, para vê-lo nas emissoras e programas musicais...
E continuarei parando.
Sem adjetivos. Não existe.
Gênio? Único?
É muito pouco...
Fico feliz por não ser a única completamente transtornada com isso. Por algumas horas, achei que fosse.
E que ele fique, finalmente, em PAZ!
Grande Paul, também senti. Era fã do cara, apesar das bobagens que ele fazia consigo mesmo. Uma pena. Aliás, o individualismo esta acabando com a humanidade. É preciso reverter isso, antes que sejamos destroçados.
Brax
mano CO
Boa tarde meu amigo Andel amigo do Bola do Carlos do Léo do Fred e de tanta gente grande Paulo tricolor. Partiu uma figura destacada um dos Gênios do POP. E você retrata ai com sua performance vindo devagar para chegar lá.
E eu achando que voce ficaria mais comovido com a morte da Farrah Fawcet. Enfim, é a vida...
Pô, claro que a Farrah era fundamental. Só que ela já estava selada desde a semana passada. Não ameniza, mas de certa forma já era esperado. Me chateio também pelo Fausto Fawcett, superfan dela e gente boníssima. Bj.
Parabéns meu amigo, tudo mas tudo de bom mesmo , nõ esqueci de voce não ta! te adoro!!! Linda palavras como sempre nosso ídolo, afinal tivemos o privilégio de vivenciar cada momento deste incrível Pop-Star! como Fred Mercory até hoje não me conformo adorava ele!!! mas tudo bem somos de carne e osso como muitos hipócritas que se julgam mais e melhor !! Descanse Michael, para nós somente as boas lembranças e os bons momentos que vivenciamos com a sua diversidade musical!
Muito bacana!
disse tudo...
... e mais um pouco.
Forte abraço.
Eu vi...sei do que você está falando...
Acho que também sou amigo do Bola, o Valença. O individualismo reina, e também sobre ele há uma alma, um algo que emerge: a necessidade de ter um coletivo. Os mitos também morrem e quando o fazem levantam consigo o sentimento do coletivo sobre o indivíduo.
É meu amigos!
Quem viu sebe o homem foi inigualáveloe quem sabe será in substituível.
Abração companheiro e parabéns!
Meu caro Andel, muito mais que o michael, seu texto esbanja: e a paisagem, segue. abraços, Pedro.
Linda sua homenagem meu über amigo!!1
Já cheguei a conclusão que só morre quem não deveria morrer.
Senti muito, também, a morte do "Rei do Pop" e da "Pantera". Muito.
Beijos e estou voltando...
Esqueci de dizer: Cuide-se!
Beijocas
A sensação de perda é bem grande, e imerecida. A fama tem seu peso, e poucos conseguem suportá-lo, sem danos.
Outros reis já foram, outros irão, poucos sobrevivem a ela.
Bela crônica. Pizza, MJ, mulher bonita e sincronicidade. Brazos.
Andel
Brilhante! Parabéns
Um abraço
Eu tinha apenas três anos quando Elvis morreu, portanto não lembro de nada daquele 16 de agosto de 77, mas vi inúmeras vezes a imagem do funeral, da multidão chegando na frente dos portões e do muro da casa, a comoção instantânea. Os momentos que antecederam e sucederam o anúncio da morte de Michael Jackson me lembraram bastante aquele dia que aconteceu quase 32 anos atrás.
Como fã de ambos, espero que o tempo seja generoso com MJ e que faça as pessoas lembrarem dele mais pelo legado musical que pelos fatos que marcaram a vida privada dele.
Seu texto me comoveu.
Li tudo o que havia deixado passar e mais um tanto a frente, resolvi comentar aqui pelo tema e por sabar também do que você esta falando.
Saudades do amigo
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