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Wednesday, May 13, 2009

TREZE DE MAIO?












Caros amigos,

Já cantava o genial Caymmi: “Vida de nego é difícil, é difícil como o quê”.

Mais um treze de maio à vista: cento e vinte e um anos da chamada abolição da escravatura no Brasil: gesto digno, importante, tardio e que, por má execução, acabou não abolindo quase ninguém. Um século e a desigualdade social está ao alcance das mãos, exceto para parlapatões como Demétrio Magnoli, Ali Kamel e o (sempre necessário dizer) parajornalista Mainardiota – todos, sempre com dados estatísticos às mãos e um arsenal de manipulações, aplaudidos por ignorantes deslumbrados que imaginam um Brasil que só existe na Avenida Paulista e na antiga Sernambetiba. Abolição?

Pelas tabelas, há os que vociferam contra o sistema de cotas, tema polêmico, rico e necessário. Reconheço falhas gritantes no sistema vigente, que precisam ser discutidas e realinhadas; entretanto, os mesmos que latem não apresentam qualquer alternativa plausível para a inserção sócio-educacional dos pobres – quando muito, as falácias tão seculares quanto o maio da princesa Isabel: é preciso criar uma “revolução” no ensino fundamental, dizem. Não fosse a hipocrisia de quem a profere, haveria validade plena: de modo algum as classes mais favorecidas têm interesse em revolucionar o ensino público e permitir incrementos aos mais pobres – muito pelo contrário, não admitem publicamente, mas defendem o status quo. Qualquer sujeito sabe que o sistema educacional brasileiro está em processo de degeneração; entretanto, se uma ansiada grande mudança acontecesse a partir de hoje, o que se faria por exemplo com os jovens entre 17 e 19 anos, potenciais estudantes acessando o ensino superior? Enquadrá-los na famigerada Lei de Odracir? Nossos homens de mídia parecem “conhecer” muito de ensino e desenvolvimento, mas são completamente ignorantes em termos de direitos subjetivos. Negar a exclusão social histórica dos negros e seus descendentes no Brasil é vestir na cabeça um chapéu de cone. Em contraprova, os cotistas de meu berço, a querida UERJ, mostraram recentemente melhor pontuação média nas disciplinas, contrastados com os não-cotistas. Esforço hercúleo, dedicação? Ou a comprovação de que o fato dum sujeito ser abonado, ter feito cursinho e ter passado num vestibular público não o torna “mais preparado” do que outro sujeito que, sem as mesmas condições, tenha ingressado na universidade pelo sistema de cotas?

Morri de rir estes dias, lendo um conhecido em seu blógui: faz campanha contra o Bolsa-Família e a vergonha do desvio de dinheiro público. Retrato típico da nação: é funcionário público, ganha quinze mil por mês por um trabalho que, no setor privado, teria um terço dessa remuneração, e vem jogar o problema nos pobres? Um gesto altruísta cairia bem: simplesmente pedir exoneração para poupar o Estado. Ah, isso não.

Há vinte e um anos, ingressei na UERJ, com boa pontuação vestibular num curso de procura restrita, o de Estatística. A ciência em questão mostrava e mostra que, no âmbito nacional, os cursos públicos de graduação com menor relação candidato-vaga tendem a ter um maior número de alunos não-louros-de-olhos-azuis, justamente porque a classe loura-abastada direciona seu poder de fogo e seu preparo “intelectual”, em cursinhos que podem até custar dois mil réis por mês, para os cursos de “doutores”: Direito, Medicina, Odontologia, Engenharia et cetera. Quando você vai a um consultório médico particular ou clínica, não há porque se surpreender no fato de que o médico/ médica que te atende nunca é preto/ preta, nunca é pardo/ parda, nunca é mulato/ mulata. O enfermeiro enfermeira, pode ser. Ah, sim, minha graduação. Começamos com cento e vinte alunos. Quatro pretos. O Brasil é plural. Há advogados pretos, muitos. A minoria, nos grandes escritórios. Quem não se lembra da comemoração feita quando da nomeação do Ministro Joaquim Barbosa para o STF, por ser o primeiro preto lá? Um século de hipocrisia no país da democracia.

O Brasil é plural e convive bem com isso, dizem. Ô. Mas depende da questão geográfica. Em Ipanema, por exemplo, e tão-somente exemplo, bairro-paradigma do Brasil, há muitos pretos. Podem fazer o censo: os locais moram, em sua maioria, nas comunidades de Pavão-Pavãozinho e Cruzada São Sebastião. Pretos na Vieira Souto? Flanelinhas, seguranças de terno ou porteiros. Alguém sabe dizer de algum síndico da famosa avenida litorânea, que seja afrodescendente? Pois é. Por que o Leblon tem mais louros-de-olhos-azuis do que o Catumbi? Por que em Madureira os nordestinos estão mais próximos do empresariado do que no centro da cidade? Por que Japeri tem uma infra-estrutura pior do que o Méier? Há várias respostas; todas, de alguma forma, esbarram num mesmo item: renda.

Mudemos de bairro: comunidade do Jacarezinho. Tem algum morador louro-de-olhos-azuis que esteja cursando faculdade de algum dos cursos que enunciei noutro parágrafo? Cartas para esta redação.

São apenas citações. Não estou aqui tratando de parametrização estatística, embora meu diploma me permita tal chatice. Apenas coloco em discussão algumas máximas insistentemente repetidas pela mídia, repercutidas pelas maritacas falastronas sem a menor reflexão. Em suma, a coisa não é bem do jeito que tentam pintar.

Cotas e bolsa-família, reitero, são paliativos. Paliativos. É preciso mais do que isso se querem transformar o país de verdade. Mas têm importância fundamental no Brasil de hoje, que é bem menos pior do que aquele feito pelo desgoverno de Fernando Henrique. Há muito o que fazer: extinguir deputados que se lixam para o povo, prender bandidos engravatados multimilionários, fazer do Brasil um verdadeiro Brasil – o que é impossível através da “livre-iniciativa” (que nunca foi livre) tão propagada pelos jornais, revistas e patetas de plantão.

Hoje é treze de maio. Falam tanto dos feriados. O país para. Lorotas. A Alemanha também tem. Deveria ser um dia de reflexão para tudo o que acontece nesta terra.

Kamel, Magnoli e Mainardiota são lacaios da renda. Não o fossem, direcionariam seus impropérios contra o movimento nazista veiculado nestes dias pelos noticiários, que está ramificado em todo o Sul Brasileiro.

Não deram uma palavra.

Logo eles, que deveriam se considerar também “afrodescendentes”, num país justo, plural, miscigenado, eqüitativo e que, por isso mesmo, deveria abrir mão do sistema de cotas e do Bolsa-Família.

Sou do tempo em que preto tinha medo de nazista. E branco também.


Paulo-Roberto Andel, 13/05/2009

1 comment:

Dulceny z said...

Falou tudo!!!
E pensar que tudo isso é resultado de culturas equivocadas e que todos chegaremos à igualdade de tom de pele que é apenas determinada pela concentração maior ou menor de melanina. Que capacidade e competência não são definidas por nenhuma quantidade monetária. Que programas sociais não deveriam ter caráter assistencialista, mas que a base da ação deveria ser na garantia dos direitos constitucionais indistintamente. Que todo movimento baseado em preconceitos tenha a devida atenção e aplicações das ações previstas em leis...
Mas será que estamos a falar de utopias???
Creio que seja tudo isso resultado de ausência total de consciência da classe social a que se pertence, total falta de empatia e sensibilidade, total incapacidade de entender que as necessidades básicas do ser humano tecnologicamente já estão garantidas e que as atitudes predatórias utilizadas no início das civilizações como mecanismo de defesa hoje não são mais necessárias... Ah! Esse ser humano que demora em entender as mudanças e adaptar-se a elas. Causará sua própria implosão como humanidade. Triste!!!