As festas de fim de ano são importantes. A gente tem a sensação de que um ciclo acabou e virá outro, virtuoso. Passa o Natal, a gente se enche de esperança para aguentar o tranco, estouram os fogos malditos para aterrorizar os bichos, então começa janeiro e… tudo está onde sempre esteve. Os problemas, as dívidas, os desencontros e, para muita gente, o verdadeiro desespero. Por fim, a nossa querida cidade, que é linda em vários lugares mas que é um verdadeiro martírio para milhões de cariocas.
Desde garoto, sempre gostei dos noticiários locais. Eu sempre gostei da minha cidade. Adorava espiar o Guia Rex para conhecer as ruas, saber as divisas dos bairros. E durante muito tempo eu fui um cidadão que viveu a pulsação das ruas. Minha juventude foi em Copacabana, já disse isso muitas vezes e não me canso, na verdade me orgulho disso. Durou de 1968, um ano nada fácil, até 1993. De lá para cá, estou no Centro do Rio, até onde der. Pois bem, conheci muitos bairros e especialmente quando me tornei aluno da UERJ, fiz toda a travessia do Rio, do Leme a Santa Cruz, de Jacarepaguá ao Catete e por aí vai.
Aos poucos, o ritmo foi diminuindo. Os eternos amigos de bar somem, o tempo passa, as pessoas se afastam, você se casa e sua vida fica essencialmente caseira. Se contarmos o avanço da internet e os costumes pós pandemia, aí é que a turma se entoca. As conversas se limitam ao WhatsApp. Sim, o mundo mudou sem dúvida, e é claro que a cidade nunca foi fácil com tanta desigualdade, mas era diferente. Diferente. Muita coisa hoje atrapalha os convívios, a internet também, mas o fato é que a violência carioca já ultrapassou há muito os limites da brutalidade, o que cria uma multidão de cariocas enjaulados.
Boa parte do Rio não tem a funcionalidade do Estado. São muitos territórios onde imperam as leis do tráfico e/ou da milícia. Diariamente milhões de cariocas são oprimidos pela vontade do crime, que submete, humilha, tortura e assassina rindo. Um simples comentário pode ser tido como fofoca e a barbárie justifica que uma garota faladeira tenha seu cabelo raspado ou tampinhas de refrigerante coladas em seu couro cabeludo. Você não pode ir, vir, não pode usar determinadas cores de roupas, não pode ir a determinados lugares, não pode mexer os braços, não pode falar e em breve não poderá mais respirar.
Quando não é o caso das favelas e comunidades sequestradas por bandidos, a qualquer momento e em qualquer bairro você pode ser enquadrado por carros e motos prontos para te fuzilar, com total ausência policial. E não tem dia no Rio em que alguém não seja fuzilado. Quando isso não acontece, a vítima tem “sorte” por “só* ter sido agredida. Morte, morte, morte, tortura, ódio, até onde isso irá piorar?
São oito da noite de sábado. Eu pensei em jantar na rua. Talvez comer um sanduíche na padaria. Acontece que dá medo. O Rio dá medo. Pelo menos daqui, sem sair, o máximo que escuto são os tiros de Santa Teresa. Eu fui um cidadão que viveu intensamente as ruas dessa cidade, é uma pena que isso acabou e, pelo visto, não tem mais volta. O jeito é ficar trancado.
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