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Sunday, February 11, 2024

Damo Suzuki, gigante

No final dos anos 1960, o rock da Alemanha começou a se espalhar pelo mundo e a influenciar muitas bandas em diversos países. Nomes como Neu!, Can e Kraftwerk marcaram a história da música popular para sempre.

O Can misturava elementos do jazz de vanguarda com psicodelia e minimalismo. Uma receita única, mas que repercutiu no som de muita gente bamba, como por exemplo David Bowie, Radiohead e Talking Heads. 

Especialmente quando incorporou seu segundo vocalista, o japonês Damo Suzuki, descoberto pelos integrantes originais quando cantava na rua (vivia em comunidade hippie), e convidado a participar do conjunto para uma apresentação no mesmo dia, o Can estraçalhou de vez. Fez três álbuns dos mais importantes do rock, a saber: “Tago Mago” (1971), “Ege Bamyasi” (1972) e “Future Days” (1973). Todos liderados pelo estilo não linear de Damo, cantando em inglês, japonês e uma língua própria, inventada, que casou perfeitamente com a ousadia artística do Can. 

A seguir, Damo deixou o grupo. Iria se tornar Testemunha de Jeová e casar. Afastou-se por bom tempo da música, mas depois retornou o seu trabalho cada vez mais experimental. Quando precisava viajar para se apresentar em outros países, tocava sempre com músicos locais, sem ensaios, no puro feeling. 

Curioso é que, por várias declarações dadas ao longo do tempo, Damo Suzuki parecia não ter ideia da importância que teve para a história da música, ou que talvez não se importasse. Em relação ao próprio Can, disse: “Não sei porque falam tanto disso, foi uma época de minha vida, muito boa, que durou uns seis anos, mas isso é 10% da minha vida, é a menor parte”. Claro que o tempo da produção artística não é necessariamente o tempo cronológico. 

Tive uma experiência ótima com Damo Suzuki há uns 10 anos. Quando ele veio tocar no Brasil se apresentou no Rio de Janeiro, mas perdi a data do show, que foi muito mal noticiado. Indignado, resolvi mandar um e-mail para o cantor, só para dizer de minha frustração por não tê-lo visto. Esperava uma resposta protocolar da assessoria de imprensa, para minha surpresa foi o próprio Damo quem escreveu. Simpaticamente, mas também com certa dose prudente de ceticismo, ele me disse que não sabia quando voltaria ao Brasil, porque dependia de várias coisas, estrutura, calendário para se apresentar em vários lugares e fechar uma agenda, mas agradecia meu contato e interesse. Foi lamentável que eu não pudesse ter ido ao show, fiquei bem triste, mas ao mesmo tempo fui compensado: no mundo das celebridades, que muitas vezes não chega nem perto dos fãs, um dos maiores artistas do meu tempo me responder um e-mail foi gratificante. Um artista de verdade, sem vaidade nem concessões, de espírito livre. 

Damo Suzuki faleceu semana passada discretamente, no sábado de carnaval. Tinha 74 anos e vinha tratando de câncer há tempos. Não deu tempo para o novo show no Rio. 


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