Segunda-feira, cinco da manhã. Começa a semana, bem cedinho para os trabalhadores do Rio. A maioria proletária se desloca de trem para a gare da Central do Brasil. São dezenas de milhares de trabalhadores, muitos flamenguistas e tricolores também. É a continuação do Fla x Flu de ontem, quando o Flamengo foi campeão no empate sem gols. Os flamenguistas viveram a felicidade do título, que lhes servirá de combustível nestes dias de luta. Os tricolores, coitados, amargaram o vice e seguirão na labuta sem a efêmera, mas deliciosa, alegria da vitória. Talvez a escolha clubística seja a única coisa que separa esses trabalhadores; de resto, eles pertencem a um grupo homogêneo e sofrido, que disputa um prato de comida como se fosse uma bola, que muitas vezes vive humilhado pela opressão criminosa do tráfico e da milícia. Homens, mulheres e crianças que saem de madrugada e não têm garantia de que conseguirão voltar para casa, nem que poderão comer algo além de biscoitos baratos no decorrer do dia. A maioria destes torcedores não conseguiu ir ao Maracanã: viveram o Fla x Flu final em biroscas, na rua, em radinhos de pilha ou pelo celular. São excluídos do estádio pela opressão financeira que vivem noite e dia. Agora, depois desta viagem longínqua para centenas de milhares de torcedores, que logo chegará à Central, começa o Fla x Flu da vida, a luta, o corre, a batalha para se chegar vivo até o próximo final de semana, com a vida dignamente cumprida. O Fla x Flu não termina nunca, é o jogo que não acaba, é também o único combustível de alegria para muita e muita gente que tem no jogo de bola a sua única esmolinha de alegria. O Fla x Flu tenta driblar a natureza e ser feliz num mundo duro, pesado e desumanizado, mas a vida continua. Ainda estamos aqui e todos querem apenas viver com dignidade. Daqui a pouquinho, quando o trem sentar praça na Central do Brasil, o Fla x Flu continua. Com ou sem luto, a vida continua em riste. Muito mais siameses do que adversários, tricolores e rubro-negros seguem acreditando, tentando, mirando a efêmera felicidade.
@pauloandel
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