Queria uma lata de leite condensado agora, nova, com bastante leite condensado dentro.
Vou dormir de novo e comprar mais tarde.
É um pedaço de felicidade possível, real.
A felicidade acessível.
Um pouco mais de sono e a busca por uma semana de paz, mínima que seja.
II
E por que estou acordado agora? Por medo. Simples medo do que virá daqui para frente. Eu não preciso sair cedo para a loja, não tenho mais que madrugar no ônibus para chegar à faculdade, nem bater ponto no escritório. Não deveria ter medo, mas tenho. Pensando bem, devo sim.
Então são vinte para as cinco, eu escrevo um pouco, espio a ausência de recados - com ou sem medo todos estão dormindo - e então me toco de que sonhei com um dos meus passatempos prediletos do passado: viajar de ônibus à noite. Lembro de estar chegando em alguma rodoviária próxima do Rio, coberta, talvez a duas ou três horas daqui porque fiz contas pequenas de chegar ao Rio à meia noite. Me lembro brevemente do desembarque e que alguém me acompanhava.
Quando acordar de novo, pesquisarei preços para o irmão do Piccoli, irei para a loja e sonharei com a vitória na Lotofácil, que literalmente pode salvar a minha vida e prolongá-la - afinal, não adianta parecer ter 40 e poucos anos se na realidade tenho quase 60. É bom apenas por uma vaidade oca e só. Eu sei o peso que carrego literalmente, em quilos e tristezas.
III
Seria bom demais ter uma lata de leite condensado agora, mas é impossível. O que resta é um trago de Coca-Cola.
IV
Bom mesmo é ter paz. Ter saúde, uma casa, uma boa família. Ter amigos, poucos mas verdadeiros. Bem poucos. Poder escrever e publicar. Ver o mar, caminhar por ruas incríveis. Ficar deitadão sem medo das contas. Escolher a paz.
V
Todos os dias, de maneira infalível, eu penso em pessoas importantes da minha que se foram, nem sempre para a morte mas também para a indiferença. E todos os dias eu penso em como este mundo humano é egoísta, escroto, opressor e praticamente escravagista. Também penso em coisas legais e consigo produzir ainda coisas em alto nível, sem precisar da ilusão boboca do mundo belo e perfeito porque ele está longe disso - basta não ser um alienado e perceber que não há uma única rua sem tristeza nesta cidade.
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