QUE PAÍS É ESTE? [1980]
Parte I
Uma coisa é um país,
outra um ajuntamento.
Uma coisa é um país,
outra um regimento.
Uma coisa é um país,
outra o confinamento.
Mas já soube datas, guerras, estátuas
usei caderno “Avante”
— e desfilei de tênis para o ditador.
Vinha de um “berço esplêndido” para um “futuro radioso”
e éramos maiores em tudo
— discursando rios e pretensão.
Uma coisa é um país,
outra um fingimento.
Uma coisa é um país,
outra um monumento.
Uma coisa é um país,
outra o aviltamento.
Deveria derribar aflitos mapas sobre a praça
em busca da especiosa raiz? ou deveria
parar de ler jornais
e ler anais
como anal
animal
hiena patética
na merda nacional?
Ou deveria, enfim, jejuar na Torre do Tombo
comendo o que as traças descomem
procurando
o Quinto Império, o primeiro portulano,
a viciosa visão do paraíso
que nos impeliu a errar aqui?
Subo, de joelhos, as escadas dos arquivos
nacionais, como qualquer santo barroco
a rebuscar
no mofo dos papiros, no bolor
das pias batismais, no bodum das vestes reais
a ver o que se salvou com o tempo
e ao mesmo tempo
– nos trai
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