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Tuesday, March 04, 2025

Affonso Romano de Sant'Anna

QUE PAÍS É ESTE? [1980] 

Parte I


Uma coisa é um país,

outra um ajuntamento.


Uma coisa é um país,

outra um regimento.


Uma coisa é um país,

outra o confinamento.


Mas já soube datas, guerras, estátuas

usei caderno “Avante”

— e desfilei de tênis para o ditador.

Vinha de um “berço esplêndido” para um “futuro radioso”

e éramos maiores em tudo

— discursando rios e pretensão.


Uma coisa é um país,

outra um fingimento.


Uma coisa é um país,

outra um monumento.


Uma coisa é um país,

outra o aviltamento.


Deveria derribar aflitos mapas sobre a praça

em busca da especiosa raiz? ou deveria

parar de ler jornais

e ler anais

como anal

animal

hiena patética

na merda nacional?

Ou deveria, enfim, jejuar na Torre do Tombo

comendo o que as traças descomem

procurando

o Quinto Império, o primeiro portulano, 

a viciosa visão do paraíso


que nos impeliu a errar aqui?


Subo, de joelhos, as escadas dos arquivos

nacionais, como qualquer santo barroco

a rebuscar

no mofo dos papiros, no bolor

das pias batismais, no bodum das vestes reais

a ver o que se salvou com o tempo

e ao mesmo tempo

– nos trai

Monday, March 03, 2025

A Vila

Sempre gostei de ver os desfiles, desde garoto. Rolando de rir com o Milton Cunha - ele é muito maneiro e uma figuraça. Fidelidade pra mim, só no futebol: já torci por várias escolas, inclusive ao mesmo tempo. Agora, se tem uma que é tipo "paixão antiga" (aka Tim Maia), é a Vila. Tudo começou em 1988, quando entrei pra UERJ e fiquei íntimo de Vila Isabel - a escola tinha acabado de ser campeã. Pô, claro, tem a Mangueira em frente ao prédio, mas todo mundo é Mangueira, fica legal ter uma alternativa. E depois passei anos mágicos por ali, que já estão longe mas se tornaram inesquecíveis. Agora mesmo pensei: onde eu estava há 30 anos? Provavelmente no paraíso, mas não sabia o percurso do trem fantasma que teria de encarar. Aquela coisa de UERJ, Vila e Maracanã é muito forte para mim. Um dia escrevo sobre isso. Ah, meu Deus: a gente almoçava na Parmê com os tickets do estágio e quase sempre estava no Capelinha, 1993, 1994. Onde isso tudo foi parar? Nas lembranças da madrugada de Carnaval muitos, muitos anos depois, sem um único personagem real por perto. Um tempo tão forte que João Gilberto tocava no rádio cantando Noel Rosa: "A Vila não quer abafar ninguém/só quer mostrar que faz samba também."