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Sunday, September 17, 2023

Fragmentos da UERJ

[Numa certa manhã de 1988, aproveitamos que a aula terminava às 8:50h e nos mandamos para São Conrado. Objetivo: jogar boliche. Depois voltamos para almoçar no La Mole da Marquês de Valença, Tijuca. Não sei como, mas juntávamos pobres e ricos no mesmo barco, ou melhor, carro. Todo mundo ia. Não era baratinho, mas certamente era bem mais barato do que qualquer coisa de 2023. 

[Ou juntarmos uma turma para assistir Dick Tracy, acho que no Cine América. Foi um acontecimento. Depois lanchamos no Bob's. Madonna era Breathless Mahoney, no auge da forma e fama. Tinha também Warren Beatty, as garotas adoravam. Era muito bom ter dezoito ou dezenove anos. Ou vinte. 

[Estávamos na varanda do Bloco A, bem de frente para uma maravilha chamada Maracanã, quando testemunhamos uma tragédia. Eu estava com a mão encostada no parapeito quando de repente senti uma dor lancinante. Um segundo depois, um barulho assustador. As garotas correram, aterrorizadas. Olhei para baixo e lá estava um corpo estendido no chão, depois de seu último voo. Então me senti gelado, estático e demorei para perceber que minha mão havia inchado e arroxeado com a pancada que, involuntariamente, o suicida me acertou num esbarrão. 

[Às vezes matávamos aula só para conversar e mais nada. Era um grande prazer coletivo. Juntávamos oito ou dez alunos e falávamos, falávamos e ríamos. Aquilo me fazia um bem enorme, eu estava sofrendo muito em casa. Eu me sentia acolhido, era bom. Era como se fosse como a casa do Fred, só que com outros colegas e outras garotas bonitas.

[Eu achava um barato aquele ir e vir que só a UERJ tem. Você sobe uma rampa e está no Direito, desce outra e está na Engenharia. Para no meio do caminho e fica na Estatística. E História. Educação Física. Letras, Economia. Tudo se misturava. Logo, logo, fizemos muitos colegas de outros cursos. 

[Acho incrível que aquele grande prédio só tenha me feito bem, porque muitas pessoas espiritualizadas o condenam por conta do que aconteceu lá. Antes da construção da Universidade, seu terreno abrigava a favela do Esqueleto, havendo um terrível incêndio antes da remoção. Depois, o prédio virou uma espécie de referência para suicídios, hoje atenuada por diversas providências. 

[Nos primeiros períodos eu não estudei direito. Olhava a grandiosidade dos corredores, das salas lotadas, um mar de gente de todos os lugares com mil interesses e formações. Eu espiava as palestras, os filmes e shows da concha acústica, os cartazes nas pilastras com os eventos culturais. Era um mundo.

[Minha amiga Lou era uma graça. Eu a achava linda, com um sorriso de braços abertos sobre a Guanabara. Ela tinha o cabelo alourado, cacheado. Linda e divertida, sempre rindo. Convivemos por bons anos. No dia seguinte ao título imortal do Fluminense em 1995, o do famoso gol de barriga, nos encontramos no hall do sexto andar e trocamos um longo abraço de campeões. Foi a última vez que nos vimos. 

[Tinha a Sônia também, que era uma graça. Largou o curso pelo caminho. Às vezes eu a encontro num dos restaurantes onde almoço, perto de casa. Ela tem negócios por ali. É sempre simpática quando nos vemos. Eu sei que agora temos mais de cinquenta anos, mas eu só a vejo como a garota de dezoito anos, elegantemente vestida, do tempo em que eu sonhava em disputar a São Silvestre, me formar e viver feliz com a minha família.

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